REl - 0600920-43.2020.6.21.0029 - Voto Relator(a) - Sessão: 02/08/2022 às 14:00

VOTO

Da Admissibilidade Recursal

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade recursal, merece ser conhecido o recurso.

 

Dos documentos juntados com o recurso

O recorrente interpôs o recurso e, logo após, juntou aos autos a mesma peça, mas acompanhada de documentos.

Tal situação reforçada pela indicação da juntada de documentos nas razões do apelo faz presumir que o recorrente pretendeu agregar os documentos que mencionou primeiro ao recurso.

Observo que no âmbito dos processos de prestação de contas este Tribunal Regional tem concluído, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, acostados com a peça recursal, ainda que não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, quando, a partir de sua simples leitura, primo ictu oculi, seja possível esclarecer as irregularidades, sem a necessidade de nova análise técnica.

Na hipótese, deixo de considerar os referidos elementos como documentos novos em virtude de já terem sido integrados aos autos em momento anterior à sentença (ID 44972935).

Por essas razões, não conheço dos documentos juntados com o recurso.

 

Mérito

Eminentes Colegas, o recurso foi interposto contra a sentença que desaprovou as contas de campanha do recorrente devido à aplicação irregular de verbas oriundas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC, consistente no recebimento de doação de valor destinado ao financiamento de candidaturas femininas e na utilização dessa quantia para pagamento a prestador de serviço por meio de cheque não cruzado, sendo determinado o recolhimento da quantia de R$ 500,00 ao Tesouro Nacional.

O parecer da unidade técnica constatou que o recorrente recebeu recursos provenientes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) de candidata do gênero feminino, no montante de R$ 500,00, sem a indicação de benefício para a campanha da concorrente, contrariando o disposto nos §§ 6º e 7º do art. 17 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Ainda, informou que a quantia doada (R$ 500,00) foi utilizada para pagamento de prestador de serviço mediante cheque não cruzado, contrariando o que dispõe o art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Pois bem, passo à análise individual de cada irregularidade.

 

1. Emprego irregular de recursos do FEFC destinados ao financiamento de candidaturas femininas

A matéria relativa à utilização de recursos do FEFC está regulada no art. 17 da Resolução TSE n. 23.607/19, verbis:

Art. 17. O Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) será disponibilizado pelo Tesouro Nacional ao Tribunal Superior Eleitoral e distribuído aos diretórios nacionais dos partidos políticos na forma disciplinada pelo Tribunal Superior Eleitoral (Lei nº 9.504/1997, art. 16-C, § § 1º Inexistindo candidatura própria ou em coligação na circunscrição, é vedado o repasse dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) para outros partidos políticos ou candidaturas desses mesmos partidos.

§ 2º É vedado o repasse de recursos do FEFC, dentro ou fora da circunscrição, por partidos políticos ou candidatos:

I – não pertencentes à mesma coligação; e/ou

II – não coligados.

§ 3º Os recursos provenientes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) que não forem utilizados nas campanhas eleitorais deverão ser devolvidos ao Tesouro Nacional, integralmente, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU), no momento da apresentação da respectiva prestação de contas.

§ 4º Os partidos políticos devem destinar no mínimo 30% (trinta por cento) do montante do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) para aplicação nas campanhas de suas candidatas.

§ 5º Havendo percentual mais elevado de candidaturas femininas, o mínimo de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) deve ser aplicado no financiamento das campanhas de candidatas na mesma proporção.

§ 6º A verba oriunda da reserva de recursos do Fundo Especial de Financiamento das Campanhas (FEFC) destinada ao custeio das candidaturas femininas deve ser aplicada pela candidata no interesse de sua campanha ou de outras campanhas femininas, sendo ilícito o seu emprego, no todo ou em parte, exclusivamente para financiar candidaturas masculinas.

§ 7º O disposto no § 6º deste artigo não impede: o pagamento de despesas comuns com candidatos do gênero masculino; a transferência ao órgão partidário de verbas destinadas ao custeio da sua cota-parte em despesas coletivas; outros usos regulares dos recursos provenientes da cota de gênero; desde que, em todos os casos, haja benefício para campanhas femininas.

§ 8º O emprego ilícito de recursos do Fundo Especial de Financiamento das Campanhas (FEFC) nos termos dos §§ 6º e 7º deste artigo, inclusive na hipótese de desvio de finalidade, sujeitará os responsáveis e beneficiários às sanções do art. 30-A da Lei nº 9.504/1997, sem prejuízo das demais cominações legais cabíveis.

§ 9º Na hipótese de repasse de recursos do FEFC em desacordo com as regras dispostas neste artigo, configura-se a aplicação irregular dos recursos, devendo o valor repassado irregularmente ser recolhido ao Tesouro Nacional pelo órgão ou candidato que realizou o repasse tido por irregular, respondendo solidariamente pela devolução o recebedor, na medida dos recursos que houver utilizado. (Grifei.)

Restou demonstrado nos autos que, em 13.11.2020, a candidata Daniela da Rosa Rodrigues doou a quantia de R$ 500,00, proveniente da conta FEFC, para o recorrente.

Em sua defesa, o recorrente alega não se tratar de valor destinado ao financiamento de campanhas femininas. Sustenta que a agremiação, devido a um erro no sistema bancário, necessitou repassar a importância para a conta bancária da candidata Daniela da Rosa para que transferisse ao recorrente. Afirma, ainda, que a doação realizada por Daniela trouxe benefícios à candidata, sendo utilizada para atos de campanha da doadora.

Compulsando os autos, verifica-se que não há nenhum elemento de prova que demonstre que o valor doado pela candidata não estava abrangido pelo percentual destinado especificamente a candidatas mulheres, tampouco que esse montante fora revertido em favor da doadora, situação que impede o afastamento da irregularidade.

Veja-se que a norma não veda a transferência dos valores entre os candidatos, mas são impostas condicionantes: que o montante seja utilizado para o pagamento de despesas comuns e que seja assegurado o benefício para campanhas femininas, sendo ilícito o seu uso, total ou parcial, exclusivamente para o financiamento da candidatura masculina.

Colho a apurada análise realizada no ponto pela Juíza Eleitoral, Dra. Carmen Luiza Rosa Constante Barghouti, a qual adoto como razões de decidir (ID 44972972):

Os candidatos, em questão, estão pleiteando ao mesmo cargo, ou seja, vereador. Em qualquer hipótese de transferência ou doação de valores destinados às campanhas femininas, deve haver benefício à candidata em questão. Garantir que seu adversário angarie mais votos não beneficia ninguém, a não ser o beneficiário da doação.

Analisando o documento, gerador da despesa paga com os recursos públicos do FEFC, ID 100032921, Contrato de Prestação de Serviços na Campanha Eleitoral, temos que se trata do agenciamento de pessoas para divulgação da propaganda eleitoral e apoio à campanha do contratante e respectivo partido/coligação partidária (cláusula primeira) e, obriga-se o contratante a fornecer o material de merchandising, figurino e produtos de campanha da divulgação da candidatura do contratante (cláusula quinta).

[…]

Desta forma verificado desvio de finalidade, concretizado na transferência de valor a fim de custear, sem qualquer vantagem ou contrapartida à doadora, campanha eleitoral do candidato ELIEL DE LIMA, quando, em verdade, tais valores deveriam ser geridos exclusivamente pela candidata doadora, buscando alavancar sua própria candidatura.

Ainda confirmando a necessidade de comprovação de que os valores recebidos originalmente por candidatas sejam empregados em seu benefício, menciono os julgamentos dos recursos eleitorais n. 0600322-35.2020.6.21.0047, em 10.12.2021, e 0600323-20.2020.6.21.0047, em 12.5.2021, de relatoria do Des. Eleitoral Amadeo Henrique Ramella Buttelli.

Ademais, conforme bem pontuado no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, foi possível aferir por meio dos dados disponíveis no Divulgacand que a candidata Daniela Rosa recebeu R$ 6.500,00 do Diretório Estadual do Podemos, tendo doado quase a totalidade a 14 candidatos e candidatas a vereador, incluindo o recorrente.

Tal situação, deveras, gera fortes indícios de que a candidatura de Daniela da Rosa tinha por finalidade permitir que a agremiação atingisse a cota de destinação de recursos para candidatas do sexo feminino e da etnia negra.

Destaco que a finalidade da destinação específica de recursos é incentivar e impulsionar a atuação política feminina e fortalecer suas candidaturas, tendo natureza grave o desvirtuamento dessa política pública.

Assim, permanece a caracterização da irregularidade quanto ao emprego irregular de recurso proveniente do FEFC destinado ao financiamento de campanhas femininas, devendo ser mantido o dever de recolhimento da quantia de R$ 500,00, nos termos dos §§ 6º e 9º do art. 17 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Ainda, diante da previsão contida no § 8º do art. 17 da Resolução TSE n. 23.607/19, os autos devem ser encaminhados ao Ministério Público para que averigue a existência de possíveis ilícitos.

2. Pagamento de prestador de serviço por meio de cheque não cruzado

Restou demonstrado nos autos o pagamento do prestador de serviços Luis Fernando Bitencourt da Silva, no valor de R$ 500,00, por meio de cheque não cruzado.

Em sua defesa, o recorrente alegou que, embora tenha ocorrido o descumprimento do art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, é possível a identificação do pagamento e das partes envolvidas nos documentos juntados (cópia do cheque e contrato de prestação de serviços).

A forma de pagamento dos gastos eleitorais encontra-se disciplinada no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I – cheque nominal cruzado;

A norma em apreço possui caráter objetivo e exige, sem exceções, que o cheque manejado para pagamento de despesa eleitoral seja não apenas nominal, mas também cruzado.

Analisando-se o contrato e a cópia do cheque acostado aos autos, verifica-se que o cheque n. 850002, no valor de R$ 500,00, está nominal para Luiz Fernando Bitencourt da Silva, mas não cruzado, sendo registrado para o pagamento do contrato de serviços de militância.

Apesar de o candidato afirmar que comprovou a realização da despesa com a juntada dos documentos previstos no art. 60 da Resolução TSE n. 23.607/19, ou seja, com “documento fiscal idôneo ou outros meios que possibilitem a verificação de sua natureza e regularidade”, trata-se de exigências distintas e simultâneas, que atendem a finalidades diversas.

Embora a prova oferecida seja suficiente para a caracterização da contratação do gasto, não foi possível verificar se o sacador do documento de crédito foi aquele apontado como fornecedor dos bens ou serviços, de modo a comprovar o ciclo do gasto em todas as suas fases.

Além disso, documentos unilaterais, como é o caso dos recibos e do contrato de prestação de serviços, não devem ser considerados isoladamente para suprir a ausência de emissão de cheque nominal e cruzado.

A finalidade da exigência do cruzamento do cheque reside na obrigação do recebedor de depositá-lo em conta bancária para compensá-lo, permitindo à Justiça Eleitoral rastrear o trânsito de valores e conferindo maior confiabilidade às informações inseridas na escrituração contábil (TRE-RS, REl n. 0600274-39.2020.6.21.0027, Relator: DES. FEDERAL LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE, julgado em 07.07.2021).

Ainda, conforme extrato bancário disponível no Sistema DivulgaCand (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/87297/210001261106/extratos), o saque do cheque foi realizado em outra agência, diretamente no caixa do banco, sem identificação das contrapartes favorecidas.

Nesse contexto, a emissão das ordens de pagamento nominais e sem cruzamento são suficientes para inviabilizar o sistema instituído pela Justiça Eleitoral para conferir controle, transparência e publicidade às receitas e aos gastos de campanha.

Em circunstâncias como as dos presentes autos, este Tribunal Regional sufragou o entendimento de que os pagamentos por meio de recursos públicos devem ser demonstrados por documentos que permitam a rastreabilidade dos valores e a vinculação do crédito com o fornecedor declarado, sob pena de recolhimento do equivalente ao Tesouro Nacional, conforme ementa de julgado da relatoria do ilustre Desembargador Eleitoral Francisco José Moesch, a qual reproduzo:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATOS. PREFEITO E VICE. DESAPROVAÇÃO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE GASTO ELEITORAL. DESPESAS EM DESACORDO COM A REGRA PREVISTA NO ART. 38, INC. I, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. PAGAMENTO DE GASTO ELEITORAL COM RECURSO PRIVADO, EM DESACORDO COM A NORMA DE REGÊNCIA. ALTO PERCENTUAL. MANTIDO O DEVER DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas relativas às eleições de 2020, com fundamento no art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19, determinando o recolhimento do montante irregular ao Tesouro Nacional.

2. Ausência de comprovação de gasto eleitoral. Detectada a emissão de nota fiscal, não declarada à Justiça Eleitoral, contra o CNPJ do candidato. O lançamento de nota fiscal sem a correspondente contabilização na prestação de contas revela indícios de omissão de gastos eleitorais, em violação ao art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19. A omissão de despesa paga com verbas que não transitaram nas contas específicas de campanha configura utilização de recurso de origem não identificada, impondo o dever de recolhimento aos cofres do Tesouro Nacional, consoante o previsto no art. 32, § 1º, inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19.

3. Comprovação de despesa com recursos do FEFC, em desacordo com o art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19. Na espécie, não foi possível verificar se o sacador do documento de crédito foi aquele apontado como fornecedor dos bens ou serviços, de modo a comprovar o ciclo do gasto em todas as suas fases. Ademais, os documentos unilaterais, como é o caso dos recibos e do contrato de prestação de serviços acostados aos autos, não devem ser considerados isoladamente para suprir a ausência do cheque nominal e cruzado. Nessa linha, esta Corte sufragou o entendimento de que os pagamentos por meio de recursos públicos devem ser demonstrados por documentos que permitam a rastreabilidade dos valores e a vinculação do crédito com o fornecedor declarado, sob pena de recolhimento do equivalente ao Tesouro Nacional.

4. Pagamento de gasto eleitoral com recursos privados, em desacordo com o art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19. Despesas pagas com o manejo de recursos privados e a utilização de cheque nominal, porém não cruzado. A alegação de que a exigência da norma impediria a contratação de “pessoas mais humildes” para as atividades em campanha não enseja a mitigação da regra, pois a sua finalidade é impor que a movimentação dos recursos ocorra por meio do sistema bancário, garantindo maior transparência às transações.

5. A totalidade das falhas apontadas representa, aproximadamente, 20,34% das receitas declaradas pelos candidatos, comprometendo o controle e a fiscalização dos recursos utilizados na campanha. Mantidas a desaprovação das contas e a ordem de recolhimento ao Tesouro Nacional.

6. Desprovimento.

(Recurso Eleitoral n 060051796, ACÓRDÃO de 07/12/2021, Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico-PJE).

Logo, mesmo que inexistisse a irregularidade no emprego indevido de recursos do FEFC destinados a candidaturas de mulheres, remanesceria a irregularidade quanto à forma de pagamento do gasto de R$ 500,00 e ao dever de recolhimento ao Tesouro Nacional, por força do disposto no art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

No entanto, é de se considerar que as duas irregularidades dizem respeito ao mesmo valor – R$ 500,00 –  depositado em conta e utilizado para quitar o cheque em análise. Como o depósito e o pagamento do cheque foram as duas únicas operações registradas na conta bancária específica, é de se dispensar o recolhimento da importância em dobro porque ambas irregularidades dizem respeito aos mesmos recursos, tal como bem observado na sentença a quo.

 

Conclusão

Destaco que, embora as falhas comportem natureza grave e, somadas, representem mais do que a totalidade das receitas declaradas, seu valor nominal está abaixo do parâmetro legal de R$ 1.064,10, admitido pela jurisprudência como “balizador, para as prestações de contas de candidatos”, e “como espécie de tarifação do princípio da insignificância” (AgR–REspe 0601473–67, de relatoria do Ministro Edson Fachin, de 5.11.2019), situação que autoriza a aprovação das contas com ressalvas.

 

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto por não conhecer dos documentos juntados com o recurso e, no mérito, pelo parcial provimento da irresignação para aprovar com ressalvas as contas de ELIEL DE LIMA, candidato ao cargo de vereador no Município de Lajeado, mantendo a determinação de recolhimento de R$ 500,00 ao Tesouro Nacional, e determinando o encaminhamento dos autos ao Ministério Público para a averiguação da existência de possíveis ilícitos, nos termos do § 8º do art. 17 da Resolução TSE n. 23.607/19.