PC-PP - 0600255-51.2019.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 28/07/2022 às 14:00

VOTO

Eminentes Colegas.

O Diretório Estadual do PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO apresenta contas relativas ao exercício financeiro do ano de 2018, disciplinado quanto ao mérito pela Lei n. 9.096/95 e  pela Resolução TSE n. 23.546/17.

Em parecer conclusivo, a unidade técnica apontou irregularidades remanescentes relativas ao (1) recebimento de verbas de fontes vedadas e à (2) utilização de recursos de origem não identificada.

Passo à análise.

1. Recebimento de verbas de fontes vedadas

O parecer conclusivo apontou, com base em respostas obtidas a partir de ofícios expedidos aos órgãos da Administração Pública, o recebimento de recursos oriundos de contribuintes não filiados ou de filiados a partido diverso do PSB, os quais exerciam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração ou cargo de emprego público temporário à época das doações.

Em resumo, procede-se a um cruzamento dos dados recebidos da Administração Pública com os elementos oferecidos pelo partido prestador de contas nos autos. No caso, foram verificadas doações irregulares no montante de R$ 90.814,64, dos quais R$ 84.794,64 provenientes de doadores nomeados desde o primeiro exame das contas (Tabelas 1, 2 e 3, abaixo), e R$ 6.020,00 (Tabela 5, abaixo) de contribuintes cuja verificação ocorreu em virtude da identificação de doadores das verbas apontadas inicialmente como de origem não identificada – conforme se verifica:

 

 

Indico que a situação se enquadra no previsto no art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de: (…)

V - pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político.

 

O comando legal foi regulamentado pelo Tribunal Superior Eleitoral na Resolução TSE n. 23.546/17:

Das Fontes Vedadas

Art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(...) IV - autoridades públicas.

§ 1º Consideram-se autoridades públicas, para fins do inciso IV do caput, pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político.

 

No ponto, a agremiação suscita a discussão referente ao conceito de autoridade pública, afirmando que as doações são oriundas de detentores de cargos públicos que não detinham a condição de autoridade.

Sublinho que há muito a tese resta vencida expressamente pela Resolução TSE n. 23.546/17, reproduzida acima, expedida em 18.12.2017, portanto antes do exercício financeiro em comento, a qual amplia o entendimento anterior a respeito do termo “autoridade”. Como se não bastasse, houve a alteração no texto da Lei n. 9.096/95, produzida pela Lei n. 13.488/17, com a retirada do inc. II do art. 31 onde constava tal termo e o acréscimo do inc. V, o qual veda o recebimento de doação de “pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político”, sem qualquer referência à posição hierárquica do servidor.

Ainda, o prestador sustenta que “a análise técnica não se manifestou em relação ao Sr. Darci, cujas razões merecem ser analisadas por este juízo, considerando que a agremiação estadual sempre considerou o doador como um filiado”.

Verifico que o partido, em resposta ao primeiro exame das contas (ID 5591833), sustenta a licitude da doação de Darci Jorge Martins da Cunha ao argumento de que o doador era filiado ao PSB há longa data, mas por falha do Diretório Municipal de Pelotas não teria sido lançada a filiação no sistema Filiaweb. Acosta certidão do TSE indicando a inexistência de vínculo do eleitor com partido político. Conclui o prestador, em que pese a falha na ausência do registro, que “sempre houve o entendimento de que o Sr. Darci Jorge Martins da Cunha realizou suas doações na condição de filiado”.

Não procede.

O Tribunal Superior Eleitoral, a fim de dirimir conflitos relativos a essa questão específica, editou o enunciado da Súmula n. 20, com a seguinte redação:

A prova de filiação partidária daquele cujo nome não constou da lista de filiados de que trata o art. 19 da Lei nº 9.096/1995, pode ser realizada por outros elementos de convicção, salvo quando se tratar de documentos produzidos unilateralmente, destituídos de fé pública.

 

Na mesma linha é a jurisprudência desta Corte, no sentido de que o registro da filiação no banco de dados do Tribunal Superior Eleitoral é que confere caráter público e formaliza a vinculação dos cidadãos aos partidos políticos, até mesmo porque a aceitação de documentos unilaterais geraria tratamento desigual entre as agremiações em detrimento daqueles partidos que agiram corretamente. Cito, exemplificativamente, o RE n. 0600040-47.2021.6.21.0019, de minha relatoria, julgado à unanimidade em 26.11.2021.

Este é, também, o posicionamento do e. Tribunal Superior Eleitoral:

AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2020. VEREADOR. REGISTRO DE CANDIDATURA. CONDIÇÃO DE ELEGIBILIDADE. FILIAÇÃO PARTIDÁRIA. PROVA. DOCUMENTO UNILATERAL. INADMISSIBILIDADE. SÚMULA 20/TSE. NEGATIVA DE PROVIMENTO. 1. No decisum monocrático, manteve–se acórdão unânime do TRE/SE em que se indeferiu o registro de candidatura do agravante, não eleito ao cargo de vereador de Arauá/SE em 2020, por ausência de prova de filiação partidária antes dos seis meses que antecedem o pleito (art. 9º da Lei 9.504/97). 2. Nos termos da Súmula 20/TSE, "[a] prova de filiação partidária daquele cujo nome não constou da lista de filiados de que trata o art. 19 da Lei nº 9.096/1995, pode ser realizada por outros elementos de convicção, salvo quando se tratar de documentos produzidos unilateralmente, destituídos de fé pública". 3. No caso, conforme a moldura fática do aresto a quo, o candidato apresentou "relação interna do partido, ficha de filiação e declaração firmada pelo partido", documentos, contudo, insuficientes para comprovar o tempestivo ingresso nos quadros da grei. Precedentes. 4. De outra parte, concluir a respeito da regular filiação a partir de ata notarial, cuja transcrição exata não consta da moldura fática do acórdão regional, esbarra no óbice da Súmula 24/TSE, não sendo possível o reexame fático–probatório em sede extraordinária. 5. Agravo interno a que se nega provimento. (RECURSO ESPECIAL ELEITORAL n. 060019096, Relator Min. Luis Felipe Salomão, DJE 30.06.2021) (grifei)

 

Esse o caso em tela, em que nenhum elemento com reconhecimento público ou comprovadamente produzido em data anterior ao ajuizamento da prestação de contas foi juntado aos autos. Não há credibilidade à tese de que o doador já estava filiado à agremiação no exercício de 2018, de modo que as contribuições dele recebidas configuram recursos oriundos de fontes vedadas.

Sublinho que os normativos deixam clara a vedação de doações oriundas de “pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário” e, no caso, restou incontroversa a transferência de valores oriundos de tais doadores – Darci Jorge e muitos outros –, em benefício da agremiação prestadora, sem a cobertura da ressalva legal, qual seja, serem os contribuintes filiados ao partido.

A legislação de regência determina, com fulcro no art. 14, § 1º, da mesma resolução, que os recursos de fonte vedada devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional:

§ 1º O disposto no caput também se aplica aos recursos provenientes de fontes vedadas que não tenham sido estornados no prazo previsto no § 5º do art. 11, os quais devem, nesta hipótese, ser recolhidos ao Tesouro Nacional.

Portanto, a quantia de R$ 90.814,64 deve ser recolhida ao Tesouro Nacional.

 

2. Utilização de verbas de origem não identificada

O parecer técnico contábil apurou o recebimento de créditos, no valor de R$ 2.031,00, efetivados mediante o CNPJ de campanha do partido sem identificação de doador originário, a configurar recursos de origem não identificada – RONI, segundo o disposto no art. 13, parágrafo único, da Resolução TSE n. 23.546/17:

Art. 13. É vedado aos partidos políticos receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, recursos de origem não identificada.

Parágrafo único. Constituem recursos de origem não identificada aqueles em que:

I – o nome ou a razão social, conforme o caso, ou a inscrição no CPF do doador ou contribuinte ou no CNPJ, em se tratando de partidos políticos ou candidatos:

a) não tenham sido informados; ou

b) se informados, sejam inválidos, inexistentes, nulos, cancelados ou, por qualquer outra razão, não sejam identificados;

II – não haja correspondência entre o nome ou a razão social e a inscrição no CPF ou CNPJ informado; e

III – o bem estimável em dinheiro que tenha sido doado ou cedido temporariamente não pertença ao patrimônio do doador ou, quando se tratar de serviços, não sejam produtos da sua atividade.

O partido reconhece a falha, aduz que solicitou às instituições financeiras que não aceitassem mais qualquer depósito sem a devida identificação, e alega que a ausência de identificação ocorre “exclusivamente por equívoco dos doadores”. Sustenta que os depósitos realizados por Lissandro Ferreira da Silva, Nara Gecilda Rambor, Jussara Lisboa Madeira, Richielly da Cunha Pinheiro e Eloi Adair Cornelius estão comprovados conforme recibos e declarações apresentadas.

Verifico que o partido apresentou recibos eleitorais e declarações de doação (registradas em cartório) dos referidos contribuintes. No entanto, os documentos mostram-se inúteis à comprovação, pois produzidos unilateralmente, e no caso das declarações firmadas em cartório possuem o agravante de terem sido elaborados em data posterior ao início da ação.

Portanto, uma vez não logrado êxito em demonstrar a origem dos recursos, entendo evidenciado que se está diante da utilização de recursos de origem não identificada – RONI.

Ademais, aqui também há a obrigatoriedade do recolhimento de valor quando não identificada a origem, nos termos do art. 14, caput:

Art. 14. O recebimento direto ou indireto dos recursos previstos no art. 13 sujeita o órgão partidário a recolher o montante ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU), até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito em qualquer das contas bancárias de que trata o art. 6º, sendo vedada a devolução ao doador originário.

A ordem não foi atendida pela agremiação, devendo ser o valor de R$ 2.031,00 recolhido ao Tesouro Nacional, de acordo com a previsão do § 2º do art. 59 da resolução em comento.

Observo, e no presente ponto é que revejo o posicionamento antes externado, em situação oportunizada pelo pedido de vista do d. Des. Eleitoral Caetano Cuervo LoPumo, que os valores indicados como RONI e oriundos de Fontes Vedadas, R$ 90.814,64, correspondem a cerca de 6,4% do total de recursos arrecadados no período, R$ 1.416.364,77, de forma que me alinho à posição externada pela Procuradoria Regional Eleitoral, no sentido de que há espaço para o juízo de aprovação com ressalvas.

3. Cominações Legais

Em resumo, as contas devem ser aprovadas com ressalvas, com base no art. 46, inc. II, da Resolução TSE n. 23.546/17.

Passo aos efeitos legais e à dosimetria:

3.1. Presente o recebimento e a utilização de recursos oriundos de fontes vedadas, impõe-se a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia de R$ 90.814,64, nos termos do art. 49, da Resolução TSE n. 23.546/17;

3.2. Presente o recebimento e a utilização de recursos de origem não identificada, impõe-se a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia de R$ 2.031,00, nos termos do art. 49, da Resolução TSE n. 23.546/17;

3.3. A penalidade de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário representa consequência específica do recebimento de recursos de fonte vedada, devendo incidir cumulativamente nos termos do art. 36, inc. II, da Lei n. 9.096/95, regulamentado pelo art. 47, inc. I, da Resolução TSE n. 23.546/17. A jurisprudência utiliza os parâmetros da razoabilidade e da proporcionalidade da sanção, com dosimetria de período de um a doze meses e, na hipótese, mostra-se razoável que a agremiação sofra a penalização de suspensão de repasse de quotas pelo período de 1 (um) mês, considerando que a representatividade das irregularidades alcança pouco menos de 1/12 do total de recursos arrecadados.

Diante do exposto, VOTO pela aprovação com ressalvas das contas do exercício financeiro de 2018 do DIRETÓRIO ESTADUAL DO PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO e, nos termos da fundamentação, determino:

a) o recolhimento do valor de R$ 92.845,64 (R$ 90.814,64 + R$ 2.031,00) ao Tesouro Nacional, com fulcro no art. 49, da Resolução TSE n. 23.546/17;

b) a suspensão do repasse das quotas do Fundo Partidário pelo período de 1 (um) mês, por aplicação analógica do § 3º do art. 37 da Lei n. 9.096/95, conforme entendimento deste Tribunal.