ED no(a) APEl - 0600237-59.2021.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 28/07/2022 às 14:00

VOTO

Inicialmente, consigno que o acórdão enfrentou a preliminar de incompetência da Justiça Eleitoral para o processamento da ação, fazendo expressa menção ao fato de que o feito foi remetido pela Quarta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul após decisão pela declinação da competência, não havendo omissão alguma quanto a esse ponto.

O aresto bem esclarece que o fundamento pela fixação da competência consiste na notícia de fato “narrando que desde o início do mandato, em 2017, Ricardo Miguel Klein, Prefeito de São Nicolau-RS e Vilson Antonio Saturno de Oliveira, Secretário de Administração de São Nicolau-RS, efetuavam cobrança de percentual de 5% sobre o salário servidores da municipalidade, com o objetivo de formar caixa 2 para a campanha eleitoral”.

A decisão também é objetiva ao amparar o entendimento pela atração da competência por entender presentes indícios de prática de falsidade ideológica eleitoral uma vez que a prova colhida na fase investigatória indicaria a omissão de receitas nas prestações de contas partidárias anuais dos exercícios financeiros de 2017 e 2018 nas quais o Diretório Municipal do Partido Progressista de São Nicolau à Justiça Eleitoral declarou não ter movimentado recursos.

Ao se reportar à denúncia, o acórdão menciona os seguintes elementos de convicção extraídos da denúncia:

Aventou a possibilidade de terem sido omitidas as receitas supostamente colhidas dos servidores públicos municipais das contas de exercício, porque a concussão (art. 316, CP) teria sido em tese praticada por detentores de cargo eletivo (Prefeito e Vereador) com cargos na direção do partido Progressistas (PP): Presidente e Tesoureiro da agremiação.

 

O órgão ministerial também apontou que o art. 45, inc. VIII, al. “c”, da Resolução TSE n. 23.546/2017 estabelece que, na hipótese de as contas de exercício financeiro não retratarem a verdade, o Ministério Público Eleitoral pode apurar a prática do crime previsto no art. 350 do CE, e sustentou que autoria recai sobre os responsáveis por prestar as contas partidárias anuais à Justiça Eleitoral nos anos de 2018, 2019 e 2020:

 

(…)

 

Pela narrativa apresentada na denúncia, é viável o entendimento de atração da competência da Justiça Eleitoral em face da aparente finalidade eleitoral da omissão de receitas partidárias, via ingresso de valores obtidos mediante concussão praticada por dirigentes partidários contra servidores públicos municipais de São Nicolau.

 

A finalidade eleitoral também se evidenciou em virtude de os partidos políticos prestarem contas de sua arrecadação anual à Justiça Eleitoral, e movimentarem recursos para a realização das eleições do país. Daí porque a utilização de valores obtidos ilicitamente interfere na autenticidade ou fé pública eleitoral.

 

(...)

 

O julgado também se ampara no relatório policial sobre as provas colhidas durante o inquérito, reproduzindo trechos da denúncia:

Conforme descrição da Polícia Civil, a lista contém nomes de funcionários na primeira coluna e o cargo na coluna ao lado. No cabeçalho do documento está escrito “Prefeitura Municipal de São Nicolau” e abaixo “Período: 12 a 12 de 2018”. Em cada uma das linhas (ao lado do cargo), existem diferentes anotações manuscritas, tais como: “não paga”, “não tá pagando”, “não”, “demitido”, ou simplesmente um “x”. Todos os nomes de servidores celetistas e estatutários estão riscados na lista.

 

Conforme descrição da Polícia Civil, foi encontrada uma caixa de papel pardo pequena contendo diversos papéis, dentre os quais eram alguns envelopes brancos e folhas de ofício dobradas em forma de envelope.

Um deles com escrito de caneta preta “Contribuição 2017 São Bernardo” e valores “pagos”. Outros dois envelopes escrito “Gilmar Moisinho Ortiz” e em um deles também está escrito “pagamento do partido”.

Outro envelope escrito “Novembro” e “Mara 80 Claudia 40 Ivete”. Também estava dentro uma lista manuscrita com o título “Cristóvão”1 apresenta diferentes nomes e ao seu lado um valor e “pg”. Além dos envelopes e da lista manuscrita, a grande maioria dos papéis contidos na caixa eram tabelas com o título “CONTRIBUIÇÃO ESPONTÂNEA”, nas quais a coluna da esquerda, intitulada de “doador”, contém nomes de alguns funcionários e a coluna da direita, intitulada de “ciente”, contém o seguinte texto: “Eu -espaço em branco- espontaneamente faço a doação de R$ -valores variados-”.

 

Alguns valores após R$ já estão digitados outros estão riscados e manuscritos, variando de acordo com o nome do “doador”. Alguns estão assinados pelo próprio “doador” no espaço em branco, outros está manuscrito “pago”, ou simplesmente “pg”.

 

Conforme resumo da Polícia Civil, SILVIA envia uma captura de tela de uma postagem da rede social Facebook, referente a uma notícia do jornal Estadão, com o título “Funcionários de Flávio Bolsonaro repassam até 99% dos salários” e faz o seguinte comentário: “É este tipo de prática de ficar com parte do salário de funcionários realmente é um crime grave e pode estar muito perto de nós”. Ao enviar a captura de tela dessa postagem, SILVIA escreve: “O cara está de olho. Todo cuidado, com os tais cobranças de contribuição espontânea de partida. Teria que achar um jeito melhor de arrecadar”.

Portanto, não há omissão alguma sobre os elementos de prova considerados no julgamento, tendo o acórdão embargado também ponderado que “todas as provas indicadas na denúncia estão disponíveis aos acusados para que exerçam o pleno exercício do direito de defesa”.

Também não se verifica contradição alguma no entendimento pela existência de indícios da prática delitiva associados ao raciocínio de necessidade de instrução processual, ou omissão quanto às teses de atipicidade.

O julgado, nesse ponto, reporta-se ao entendimento do TSE no sentido de que, “antes do recebimento da denúncia e da consequente instrução”, não é possível “afirmar ser atípica a conduta de inserção ou omissão inverídica de informações na prestação de contas” (REspe N. 41861), evidenciando um manifesto raciocínio linear e fundamentado.

De igual modo, da leitura da decisão não se verifica omissão quanto ao enfrentamento da alegada falta de individualização da conduta ou da tese de ausência de poder dos acusados nos referidos atos de exigência de valores.

O aresto entende que a denúncia narra “de forma clara e específica a conduta dos acusados, a qual muitas vezes teria sido idêntica em razão da aparente estrutura ordenada, com divisão de tarefas, destinada a obter vantagem mediante a prática dos crimes” e que as ações teriam sido praticadas em razão da “superioridade hierárquica” dos denunciados diante de seus subordinados.

Foram expostos, de maneira bem fundamentada, os argumentos que levaram a essa conclusão quanto a cada um dos denunciados:

Vilson era Assessor da Secretaria Municipal de Administração e depois passou a ocupar o cargo de Secretário Municipal de Administração e exercer a função de Tesoureiro do PP de São Nicolau (de junho de 2017 a setembro de 2021). Acleton Ortiz Guimarães era Secretário Municipal de Saúde e Presidente do PP de São Nicolau. Silvia Maria Veiga da Silva era servidora pública municipal estatutária (professora), exercia o cargo de Secretária Municipal de Educação.

Todos os acusados teriam exigido, recolhido os valores e realizado o controle dos pagamentos, por meio de planilhas apreendidas durante a investigação e Ricardo Miguel Klein teria comandado a atuação dos investigados, Acleton Ortiz Guimarães e Silvia Maria Veiga da Silva.

Mari Denise Gernandes Fenner era servidora pública municipal estatutária (professora), e Diretora da Escola Municipal de Ensino Fundamental Padre Cristovão de Mendonça. Diva Lúcia Meinerz era agente administrativa auxiliar contratada pelo município e Coordenadora do Centro de Referência de Assistência Social – CRAS. Ambas teriam sido induzidas e instigadas por Ricardo Miguel Klein, Vilson Antônio Saturno de Oliveira e Acleton Ortiz Guimarães a reiterar e recolher a cobrança. Mari repassava os valores a Ricardo Miguel Klein e Silvia Maria Veiga da Silva, e Diva para Ricardo, Vilson e Acleton.

A inicial narra que Ricardo, Silvia e Mari Denise exigiram do chefe de setor na Secretaria Municipal de Educação Miguel Silva dos Santos o pagamento de R$ 40,00 mensais e dinheiro sob pena de exoneração do cargo de confiança.

Ricardo e Vilson teriam feito a mesma exigência de Valdecir Figueiredo Flores, ocupante de cargo de confiança de assessor de comunicação na Secretaria Municipal de Administração, mas para ele foi solicitado R$ 50,00 mensais.

Ricardo, Vilson e Acleton teriam realizado, nas mesmas circunstâncias, cobrança de R$ 50,00 a R$ 60,00 de Alessandro da Silva Gomes, empregado contratado pela Prefeitura de São Nicolau. Ricardo e Acleton teriam efetuado semelhante cobrança, mas de R$ 50,00 mensais, a Sandra Cardoso da Silva, empregada da Prefeitura de São Nicolau.

Por essas razões, Ricardo Miguel Klein, Vilson Antônio Saturno de Oliveira, Acleton Ortiz Guimarães e Silvia Maria Veiga da Silva foram denunciados por concussão em concurso de agentes, com as agravantes de direção das atividades, indução à execução material do crime e instigação à prática de crime por pessoa sujeita à sua autoridade, com continuidade delitiva (CP, art. 71).

Mari Denise Gernandes Fenner e Diva Lúcia Meinerz restaram incursas em concussão em concurso de agentes e continuidade delitiva.

A falsidade ideológica eleitoral nas prestações de contas partidárias de 2018, 2019 e 2020 foi imputada a VILSON ANTÔNIO SATURNO DE OLIVEIRA, ALDAIR SOARES GUIMARÃES e ACLETON ORTIZ GUIMARÃES, em razão do exercício dos cargos de Presidente e Tesoureiro do partido Progressistas de São Nicolau, por declaração de ausência de movimentação financeira com omissão dos valores entregues pelos servidores públicos, sendo que, para o ano de 2018, teria sido também omitida despesa com serviço de contabilidade contratado com “AUDITEC – Assessoria e Consultoria Contábil.

 

Portanto, os presentes declaratórios olvidam que o acórdão tratou de todos os pontos invocados e considerou tão somente “presente juízo de verossimilhança das imputações e tudo o mais que alegado pela defesa exigir produção mais apurada de provas”.

 

Ante o exposto, VOTO pelo rejeição dos embargos de declaração.