REl - 0600411-44.2020.6.21.0084 - Voto Relator(a) - Sessão: 28/07/2022 às 14:00

VOTO

Da Admissibilidade

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

 

Dos Documentos Juntados com o Recurso

Inicialmente, consigno que, no âmbito dos processos de prestação de contas de campanha, este Tribunal tem concluído, em casos excepcionais, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, acostados com a peça recursal e não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, ainda que o interessado tenha sido intimado para se manifestar, quando sua simples leitura, primo ictu oculi, pode sanar irregularidades e não há necessidade de nova análise técnica.

Potencializa-se o direito de defesa, especialmente quando a juntada da nova documentação mostra capacidade de influenciar positivamente no exame da contabilidade, de forma a prestigiar o julgamento pela retidão no gerenciamento dos recursos empregados no financiamento da campanha, como denota-se da ementa abaixo colacionada:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DESAPROVAÇÃO. PRELIMINAR. JUNTADA DE NOVOS DOCUMENTOS COM A PEÇA RECURSAL. ACOLHIDA. MÉRITO. AUSENTE OMISSÃO. DIVERGÊNCIA ENTRE OS DÉBITOS CONSTANTES NOS EXTRATOS E OS INFORMADOS NA CONTABILIDADE. PAGAMENTO DESPESAS SEM TRÂNSITO NA CONTA DE CAMPANHA. IMPOSSIBILIDADE DE REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROBATÓRIA MEDIANTE A JUNTADA DE NOVOS DOCUMENTOS. INVIÁVEL NOS ACLARATÓRIOS. REJEIÇÃO. 1. Preliminar. Admitida a apresentação de novos documentos com o recurso, quando capazes de esclarecer irregularidades apontadas, sem a necessidade de nova análise técnica ou diligências complementares. 2. Inviável o manejo dos aclaratórios para o reexame da causa. Remédio colocado à disposição da parte para sanar obscuridade, contradição, omissão ou dúvida diante de uma determinada decisão judicial, assim como para corrigir erro material do julgado. Presentes todos os fundamentos necessários no acórdão quanto às falhas envolvendo divergência entre a movimentação financeira escriturada e a verificada nos extratos bancários bem como do pagamento de despesas sem o trânsito dos recursos na conta de campanha. Não caracterizada omissão. Rejeição.

(TRE-RS, RE n. 50460, Relator: Des. Eleleitoral SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, Data de Julgamento: 25.01.2018, DEJERS: 29.01.2018, p. 4.) (Grifei.)

 

Por essas razões, conheço dos documentos acostados com o recurso, consistentes em fotografias de cheques, de simples constatação e com aptidão para, em tese, conduzirem ao saneamento das irregularidades.

 

Do Mérito

No mérito, trata-se de recurso interposto contra sentença que desaprovou as contas de CARMEN KNUTH LAUX, candidata ao cargo de vereadora do Município de Cerro Grande do Sul, e determinou-lhe o recolhimento de R$ 1.210,00 ao Tesouro Nacional, por inobservância ao art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19 no pagamento, com verbas do FEFC, de despesas de campanha.

Na origem, a ilustre Magistrada a quo, na linha do parecer técnico conclusivo (ID 44916809), entendeu que a ausência de alguns documentos comprobatórios relativos às despesas realizadas e dos respectivos comprovantes de pagamentos mediante cheque nominal e cruzado ou comprovante de transferência bancária, no montante de R$ 1.210,00, tornou irregulares os pagamentos efetuados com recursos do FEFC, caracterizando utilização indevida de recursos públicos, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Ab initio, assinalo que os gastos eleitorais devem ser evidenciados por documentos idôneos, nos termos do art. 60 da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 60. A comprovação dos gastos eleitorais deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

§ 1º Além do documento fiscal idôneo, a que se refere o caput, a Justiça Eleitoral poderá admitir, para fins de comprovação de gastos, qualquer meio idôneo de prova, inclusive outros documentos, tais como:

I - contrato;

II - comprovante de entrega de material ou da prestação efetiva do serviço;

III - comprovante bancário de pagamento; ou

IV - Guia de Recolhimento do FGTS e de Informações da Previdência Social (GFIP).

 

A par disso, quanto a seu pagamento, devem os dispêndios observar a forma prescrita no art. 38 do retromencionado diploma normativo, verbis:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

§ 1º O pagamento de boletos registrados pode ser realizado diretamente por meio da conta bancária, vedado o pagamento em espécie.

§ 2º É vedado o pagamento de gastos eleitorais com moedas virtuais.

 

A recorrente acostou aos autos fotografias dos cheques n. 000003, 000004 e 000006, do Banrisul, agência n. 0529, conta n. 06.037544.0-4, utilizados para quitação dos débitos.

Passo a analisar, sinteticamente, a seguir, cada um dos gastos glosados na instância de piso, em confronto com o extrato eletrônico disponível no sistema Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais:

a) despesa de R$ 700,00, paga pelo cheque n. 3, cruzado e nominal a CLAUDIO CORTINOVE, não sendo exibida a imagem do verso do título, compensado em nome de SUPERMERCADO SCHWALM LTDA., conforme extrato bancário;

b) despesa de R$ 260,00, paga mediante cheque n. 4, cruzado e nominal a CLAUDIO CORTINOVE (ID 44916825), não sendo exibida a imagem do verso do título, compensado em nome de OLIVEIRA CARDOSO COMERCIAL DE COMBUSTIVEL, conforme extrato bancário;

c) despesa de R$ 250,00, paga por meio do cheque n. 6, cruzado e nominal a FRANCIELEN DE SOUZA DA SILVEIRA (ID 44916828), não sendo exibida a imagem do verso do cheque, compensado em nome de SUPERMERCADO SCHWALM LTDA., conforme extrato bancário.

Em relação às três despesas apontadas, no montante de R$ 1.210,00, foram apresentadas fotografias dos cheques, todos emitidos de forma cruzada e nominal aos fornecedores constantes nos respectivos contratos, em sintonia com o Relatório de Despesas Efetuadas (ID 44916771).

Ora, a legislação eleitoral, ao estabelecer as formas de quitação dos gastos eleitorais, não impõe a emissão de cheque não endossável (“não à ordem”).

Portanto, não sendo exigível da candidata que emitiu o cheque na forma reclamada pela legislação (nominal e cruzado) que o próprio prestador do serviço ou fornecedor do bem proceda ao desconto do título, o qual pode ser licitamente transmitido a terceiros, mediante endosso, conforme previsto no art. 17 da Lei n. 7.357/85.

Nesse sentido, reproduzo ementas de julgados desta Corte Regional:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. RONI. OMISSÃO DE DESPESA. NOTA FISCAL EMITIDA EM NOME DO CANDIDATO NÃO DECLARADA. AUSENTE DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO ERÁRIO NA ORIGEM. INVIÁVEL A IMPOSIÇÃO NESTA INSTÂNCIA EM PREJUÍZO AO RECORRENTE. CHEQUE EMITIDO NOS MOLDES DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. AUTORIZADO O ENDOSSO A TERCEIRO. IRREGULARIDADE DE BAIXA MONTA. APLICAÇÃO DOS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. REFORMA DA SENTENÇA. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO.

(...).

3. Demonstrada a correta emissão de cheque nominal e cruzado pelo candidato, ainda que compensado por terceiro. A hipótese de ensosso da cártula a terceiro não é vedada pela Lei n. 7.357/85 (Lei do Cheque) nem contraria o art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19. Falha sanada.

4. Irregularidade de baixa monta, apta a autorizar a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade visando ao juízo de aprovação das contas com ressalvas.

5. Parcial provimento.

(TRE/RS; REl 0600315-07.2020.6.21.0156, Relator: Des. Eleitoral Gerson Fischmann, julgado em 27.01.2022.) (Grifei.)

 

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DESAPROVAÇÃO. CHEQUE DESCONTADO POR TERCEIROS. DOCUMENTAÇÃO APTA A DEMONSTRAR A REGULARIDADE NO PAGAMENTO DE DESPESA. CÁRTULA NOMINAL E CRUZADA. ART. 38 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. AUTORIZADO O ENDOSSO POSTERIOR. ART. 17 DA LEI N. 7.357/85. POSSIBILIDADE DE DESCONTO EM BANCO POR TERCEIROS. VÍCIO SANADO. AFASTADA A NECESSIDADE DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. CONTAS INTEGRALMENTE APROVADAS. PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que julgou desaprovadas as contas de campanha e determinou o recolhimento da quantia considerada irregular ao Tesouro Nacional.

2. Acervo probatório coligido aos autos pela prestadora apto a demonstrar o fiel cumprimento do disposto no art. 38 da Resolução TSE 23.607/19 quanto às formas de realização de dispêndios durante o pleito. O cheque acostado comprova a emissão na forma cruzada e nominal, não havendo ressalva na legislação eleitoral quanto ao seu endosso, podendo ser transmitido a terceiros, de acordo com o art. 17 da Lei n. 7.357/85.

3. Sanado o vício que maculava as contas. Aprovação sem ressalvas. Afastada a necessidade de recolhimento ao erário do montante tido por irregular quando da sentença de primeiro grau.

4. Provimento.

(TRE-RS, REl n. 0600285-77.2020.6.21.0024, Relator: Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, julgado em 06.07.2021.) (Grifei.)

 

Assim, na esteira do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, restou comprovada a regularidade dos gastos eleitorais com verbas públicas, devendo ser afastada a irregularidade em exame.

 

Ante o exposto, VOTO pelo provimento do recurso, para afastar a irregularidade e julgar aprovadas as contas de campanha de CARMEN KNUTH LAUX, relativas às eleições de 2020.