AJDesCargEle - 0600158-46.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 28/07/2022 às 14:00

VOTO

Eminentes Colegas.

O requerente MANOEL RENATO TELES BADKE invoca a justa causa da mudança substancial de programa partidário para sua desfiliação do União Brasil (doravante UNIÃO), partido resultante da fusão entre o DEM e o PSL, sem que o movimento de saída da grei acarrete a perda do mandato de vereador que está a exercer, hipótese prevista no art. 22–A, parágrafo único, inc. I, da Lei n. 9.096/95:

Art. 22-A. Perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa causa, do partido pelo qual foi eleito.

Parágrafo único. Consideram-se justa causa para a desfiliação partidária somente as seguintes hipóteses:

I - mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário;

Inicialmente, trago considerações sobre a fusão partidária, debate que tem permeado parcela significativa dos julgamentos recentes desta classe processual nesta Corte, ainda que no presente caso concreto não tenha sido aduzido, na petição inicial, o argumento de que a fusão partidária se trata de razão objetiva de justa causa de desfiliação partidária.

E entendo conveniente aqui esmiuçar meu entendimento, pois em julgamentos anteriores posicionei-me de forma reflexa ao acompanhar os relatores nos processos n. 0600124-71.2022.6.21.0000, julgado em 13.6.2022, e n. 0600102-13.2022.6.21.0000, julgado em 17.6.2022, ambos de relatoria do Des. Eleitoral Gerson Fischmann, e o processo n. 0600109.65.2022.6.21.0000, julgado em 17.6.2022, de relatoria do Des. Federal Luís Alberto Aurvalle, como exemplos.

Sabemos todos que a fusão partidária já foi hipótese objetiva de justa causa para a desfiliação sem perda de cargo, com fundamento na Resolução TSE n. 22.610/07, art. 1º, § 1º. Com as reservas (e as há, sobretudo em abalizadas doutrinas constitucionalistas) sobre a possibilidade jurídica de uma resolução do Tribunal Superior Eleitoral, de forma autônoma e inovadora, gerar direitos e deveres no campo de direitos políticos presentes no catálogo de garantias fundamentais (pois se trata, ao fim e ao cabo, de manutenção do jus honorum), é certo que a situação era ao menos indicada expressamente em algum texto, digamos, de cunho normativo, ainda que em sentido bastante largo.

Contudo, e tal circunstância é fundamental, o Supremo Tribunal Federal entendeu recentemente que a superveniência da Lei n. 13.165/15, ao inserir o art. 22-A na Lei n. 9.096/95 e dispor de forma taxativa e exaustiva sobre as hipóteses de justa causa para a desfiliação partidária, revogou tacitamente o § 1º do art. 1º da Resolução TSE n. 22.610/07.

O posicionamento foi exarado no julgamento da ADI n. 4583, em 23.11.2020.

Transcrevo a ementa:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO CONSTITUCIONAL ELEITORAL. ART. 1º, § 1º, II, DA RESOLUÇÃO Nº 22.610/2007 DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. CRIAÇÃO DE NOVO PARTIDO COMO HIPÓTESE DE JUSTA CAUSA PARA DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA SEM PERDA DE MANDATO ELETIVO. CONTEÚDO JURÍDICO-NORMATIVO ESSENCIALMENTE PRIMÁRIO APTO AO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. TEMA DIVERSO DO DEBATIDO NAS ADIs 3.999 E 4.086. CABIMENTO. SUPERVENIÊNCIA DA LEI Nº 13.165/2015 INSERINDO O ART. 22-A NA LEI Nº 9.096/1995. ROL TAXATIVO DE JUSTA CAUSA. REVOGAÇÃO TÁCITA DA NORMA IMPUGNADA. PERDA DO INTERESSE DE AGIR. PREJUDICIALIDADE DA AÇÃO. 1. Suscitada a inconstitucionalidade do art. 1º, § 1º, II, da Res.-TSE nº 22.610/2007 que prevê a criação de novo partido como justa causa para a desfiliação partidária sem perda do mandato eletivo. 2. Segundo a jurisprudência desta Suprema Corte, viável o controle abstrato da constitucionalidade de ato do Tribunal Superior Eleitoral de conteúdo jurídico-normativo essencialmente primário. 3. Cabível a presente ação, uma vez que (i) nas ADIs 3.999 e 4.086, o Supremo Tribunal Federal somente se pronunciou sobre a constitucionalidade formal da Res.-TSE nº 22.610/2007, rejeitada a tese de usurpação pelo Tribunal Superior Eleitoral de competência legislativa; e (ii) acolhida, por esta Suprema Corte, ao julgamento da ADI 5.081, a possibilidade de reapreciação da constitucionalidade de dispositivo específico desta Resolução. 4. A superveniência da Lei n. 13.165/2015, inserindo o art. 22-A na Lei n. 9.096/95, ao dispor de forma taxativa e exaustiva sobre as hipóteses de justa causa para a desfiliação partidária, revogou tacitamente o § 1º  do artigo 1º da Res.-TSE nº 22.610/2007.  5. O art. 22-A da Lei nº 9.096/1995 acrescentou como hipótese de justa causa, no inciso III do parágrafo único, a mudança de partido durante o período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, a chamada “janela” de desfiliação. 6. Antes da introdução do art. 22-A da Lei dos Partidos Políticos, o Tribunal Superior Eleitoral havia firmado entendimento, ao exame da Consulta nº 755-35, de que o prazo para filiação ao novo partido criado, sem a perda do mandato, seria de 30 (trinta) dias contados do registro do Estatuto do partido naquela Corte Eleitoral. 7. A medida cautelar concedida no bojo da ADI 5.398 solucionou a questão de direito intertemporal, ao conferir às agremiações recém criadas, cujos prazos para migração partidária ainda estavam em curso, o direito de não se submeter ao novo regramento, resguardando suas legítimas expectativas. 8. Ação direta de inconstitucionalidade julgada prejudicada, ante a perda superveniente do seu objeto, mais especificamente do interesse processual no prosseguimento do feito, em decorrência da revogação e do exaurimento da eficácia do ato normativo impugnado. (STF - ADI: 4583 DF, Relator: ROSA WEBER, Data de Julgamento: 23/11/2020, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 03/12/2020.)

Desse panorama histórico, ainda que não apenas por ele, indico que a expressão “pelo qual foi eleito”, presente no art. 22-A da Lei n. 9.096/95 (redação dada pela Lei n. 13.165/15) e em patamar constitucional constante no art. 17, § 6º, da CF (redação dada pela EC n. 111/21), não possui força para conceder justa causa a priori àquele desertor de partido que sofreu fusão, sob pena de que passemos a tratar a exceção como regra.

Explico.

A justa causa é exceção, todos hão de concordar, e está claro igualmente que a fusão não é citada como hipótese de justa causa nem no art. 22-A da Lei n. 9.096/95, nem no art. 17, § 6º, da CF.

Ora, se a justa causa é exceção, e se justa causa por fusão partidária não foi objeto de regra constitucional ou ordinária, a melhor hermenêutica há de levar à exegese de que o legislador (constituinte ou originário) ao indicar a expressão “pelo qual foi eleito” legislou sobre um grupo determinado de parlamentares: aqueles que pretendem se desfiliar do partido pelo qual foram eleitos.

Nem mais, nem menos, de modo que o caput não favorece o desertor que pretende sair do novo partido, aquele pelo qual não foi eleito. Apenas se trata de situação não legislada.

E o silêncio do legislador tem a mesma importância das palavras inseridas no texto legal, sobremodo no concernente às exceções. Temos aqui então, repiso, uma situação não legislada, sendo necessária interpretação restritiva, porquanto de exceção.

Dito de outro modo, o resultado do raciocínio relativo à expressão “pelo qual foi eleito” não seria, portanto, compreender que em fusões a justa causa resta concedida a priori, mas sim que ela não foi regrada pelo legislador, de forma que restaria ao Poder Judiciário a aplicação de normas de analogia diante da lacuna legislativa, submetendo o desertor de partido resultado de fusão àquelas mesmas hipóteses de justa causa do desfiliado do partido “pelo qual foi eleito”.

Notem a facilidade de afirmação: a fusão partidária nunca esteve presente como hipótese de justa causa para desfiliação partidária em um texto emanado pelo Poder Legislativo Federal, competente para legislar sobre direito eleitoral, conforme o art. 22, inc. I, da CF.

Admitamos: a justa causa por fusão era hipótese regulamentar de 2007 a 2015. No ano de 2015, vem ao ordenamento jurídico lei ordinária e silencia a respeito, e, em 2020, o Supremo Tribunal Federal decide pela revogação tácita do dispositivo regulamentar, mas não é só.

Em 2021 surge texto de jaez constitucional e, novamente, não trata a fusão de partidos como hipótese de justa causa.

Convenhamos que, acaso o legislador desejasse a situação da fusão partidária conceder justa causa para desfiliação pelo tão só fato dela, fusão, acontecer, a situação já estaria prevista há algum tempo em textos emanados pelo Poder Legislativo.

Esclarecidas as premissas sobre as quais se assenta minha conclusão pela não ocorrência de justa causa, de forma objetiva, em casos de fusão partidária, passo a analisar as peculiaridades do caso concreto.

E, entendo que, muito embora a peça inicial faça referência a uma suposta incompatibilidade ideológica entre os partidos que se fundiram, PSL e DEM, o demandante não logrou discriminar no que consistiria, de forma concreta e no mundo dos fatos, tal desacerto.

Senão, vejamos.

Noto que boa parte da argumentação central é o inconformismo com o suposto surgimento, no âmago do UNIÃO, de oposição ao atual ocupante da cadeira de Presidente da República, a quem o referente parece manifestar irrestrito apoio.

Ora, a circunstância bem demonstra o tratamento dado por alguns filiados aos partidos políticos. A decisão de integrar, ou não integrar, a base de apoio de determinado governo é prerrogativa inerente das agremiações partidárias. Há exatamente a figura do líder de bancada para a sinalização de tais movimentos, ínsitos ao jogo de poder político.

Trago uma questão que sequer deveria integrar o presente debate, mas o faço exatamente pela alegação do demandante: Jair Bolsonaro não era filiado ao DEM ou ao PSL no momento da fusão, e não é filiado ao UNIÃO, o que reforça o quadro de fragilidade ideológica inerente a todas as agremiações partidárias no cenário político brasileiro, fundado em personalismos, em figuras pessoais de políticos. O demandante deseja apoiar uma pessoa, e entende que posição contrária do partido o colocaria em situação de justa causa.

Dito de outro modo, a possibilidade de apoio a esse ou àquele candidato, que não integra os quadros da agremiação, não pode ser indicado como causa de pedir remota para um pedido de desfiliação por justa causa, não sem reduzir os partidos políticos a incubadoras de candidaturas. Um filiado não pode entender legítimo cobrar de uma agremiação o apoio a candidato de outra agremiação, situação essencialmente parecida com o argumento de “meu eleitorado”, que soa estranho sobretudo em um sistema de representação baseado em eleição proporcional. Ora, o eleitorado não é do candidato. O UNIÃO certamente há de colher nas vindouras eleições os frutos ou dissabores da fusão realizada entre PSL e DEM.

Identifica situação semelhante no que diz respeito à análise do espectro ideológico dos partidos envolvidos, tanto aqueles objetos da fusão, quanto aquele resultante da fusão. Nos presentes debates têm sido frequente a presença da doutrina de Norberto Bobbio em sede argumentativa.

Contudo, sem de forma alguma diminuir a importância e relevância da obra de um dos maiores pensadores jurídicos e políticos do Século XX, é certo que surgiram, desde a elaboração daquelas linhas, uma série de circunstâncias que já não mais permitem asseverar com acuidade o posicionamento de um determinado partido político como “de esquerda” ou de “direita”, e tanto há obsolescência em tais carimbos que termos outros têm surgido, muitas vezes compondo conceitos considerados antagônicos em décadas passadas, como o “social liberalismo”.

Vale dizer que o próprio autor de “Direita e Esquerda” ponderou tais circunstâncias. Em capítulo inicial intitulado “Resposta aos Críticos”, a partir da 2ª Edição da obra, Norberto Bobbio assevera que “não há dúvida de que o livro foi favorecido pelo fato de ter sido lançado com um título sugestivo durante uma campanha eleitoral em que duas forças estavam se contrapondo de modo muito mais nítido do que em eleições precedentes” (referia-se ele à campanha eleitoral para a renovação da Câmara dos Deputados da Itália, ocorrida em março de 1994), para a seguir indicar que os críticos poderiam ser agrupados em três vertentes “(1) os que continuam a sustentar que direita e esquerda são hoje nomes sem sujeito; (2) os que consideram a díade ainda válida, mas não aceitam o critério sobre o qual me apoiei, e sugerem outros, e (3) os que aceitam a díade, aceitam também o critério, mas o consideram insuficiente” (BOBBIO, Norberto. Direita e Esquerda. São Paulo, 3ª Ed, UNESP, 2011, p. 25-27).

Ou seja, ainda que válido como suporte de análise, a díade esquerda-direita é cada vez menos útil, em decorrência do próprio comportamento das greis partidárias, mercurial, fluido, com acordos ideológicos meramente superficiais e delimitados no tempo. Basta que lembremos algumas coligações realizadas nas últimas décadas no Brasil, capazes de gerar bastante espanto.

Sublinho a própria história do DEM, hoje Democratas, cuja raiz notória é o antigo PFL, Partido da Frente Liberal, objeto de controvérsias já nos idos do ano de 2005, pois mesmo sendo considerado na época um dos principais partidos de direita do país, o então Presidente, Jorge Bornhausen, afirmou em entrevista que se tratava de “um partido de centro e que defende o liberalismo social, afiliando-se à Internacional Democrática de Centro, e não à Internacional Liberal, que une os partidos de ideologia puramente liberal” (Estado de São Paulo, Caderno de Economia, 30.11.2005).

Outro ponto interessante é a frequência com que o autor aponta que o novo estatuto do UNIÃO teria reproduzido dogmas ideológicos do estatuto do PSL, quando sabemos que em ações semelhantes (e as há), vereadores eleitos pelo PSL argumentam exatamente o contrário. Da análise dos documentos estatutários, o que se nota, em verdade, é a presença de elementos de ambos os partidos que se uniram, PSL e DEM, como aliás não poderia deixar de ser, pois na fusão o novo programa é fruto de um consenso entre os integrantes das agremiações em processo de fusão, conforme o art. 29, § 1º, incs. I e II, da Lei n. 9.096/95:

Art. 29. Por decisão de seus órgãos nacionais de deliberação, dois ou mais partidos poderão fundir-se num só ou incorporar-se um ao outro.

§ 1º No primeiro caso, observar-se-ão as seguintes normas:

I - os órgãos de direção dos partidos elaborarão projetos comuns de estatuto e programa;

II - os órgãos nacionais de deliberação dos partidos em processo de fusão votarão em reunião conjunta, por maioria absoluta, os projetos, e elegerão o órgão de direção nacional que promoverá o registro do novo partido.

Destaco, nesse norte, que as normas do art. 29, § 1º, incs. I e II, da Lei n. 9.096/95 foram observadas na fusão do PSL e do DEM, decisão dos respectivos órgãos nacionais de deliberação conjunta e por maioria absoluta em que (1) aprovaram os projetos e (2) elegeram o órgão de direção nacional. Não se extrai dos autos desconformidade oportuna do requerente quanto à fusão de seu anterior partido DEM, seja na esfera de deliberação própria da agremiação, seja pelo manejo de ações contrárias à fusão ocorrida, ou, ainda, desconformidade na esfera partidária em relação ao estatuto do partido resultante da fusão.

Ainda que se possa argumentar que a fusão tem caráter nacional com deliberações tomadas em nível nacional, não significa dizer que elas não tenham sido internamente debatidas pelos correligionários.

A possibilidade da hipótese de mudança substancial não pode ser presumida, exigindo-se cabal comprovação. Como já indicado, segundo o requerente o UNIÃO tem ideologias distintas do DEM, mas do cotejo dos Estatutos não é suficiente para provar a assertiva.

Valho-me da acurada análise do d. Procurador Regional Eleitoral, a qual agrego expressamente como razões de decidir, evitando-se assim desnecessária repetição:

Sustenta que a mudança partidária ocorreu, principalmente, por 3 (três) motivos: I) pela mudança ideológica substancial dos valores, ideias, princípios, ações e diretrizes do partido (denominados de programa partidário); II) da contrariedade desse novo programa com a história política do DEM, especialmente no que diz respeito ao apoio a determinadas figuras políticas; III) dos reflexos que essas mudanças possuem no mandato do requerente, prejudicando, em especial, a sua representatividade perante o eleitorado. (...) Em termos estritos, a argumentação apresentada pelo requerente com a finalidade de demonstrar a mudança substancial do programa partidário diz respeito à suposta modificação da ideologia liberal, pois o novo partido teria passado a se caracterizar como “social liberalista”. Nesse sentido, a inicial transcreve o art. 3º do estatuto do UNIÃO BRASIL, que por sua vez seria uma reprodução do art. 3º do estatuto do PSL. Há também referência a uma acentuação do conservadorismo na esfera dos costumes. Todavia, não é possível afirmar que tais alterações sejam substanciais, a ponto de impor ao parlamentar a defesa de um ideário distinto daquele que orientava a agremiação à qual esteve vinculado. O requerente argumenta (ID 44944215, p. 13) que a adoção do art. 3º do estatuto do PSL pelo estatuto do UNIÃO BRASIL evidenciaria o abandono do liberalismo econômico, que prega a atuação estatal em esferas mais estreitas da sociedade, e a adoção de uma linha ideológica “social liberalista”, movendo-se da direita para o centro. Ao que se vê da transcrição contida na inicial, o dispositivo adotado no estatuto do UNIÃO BRASIL deixa evidente que a ideologia do novo partido será guiada pela defesa dos direitos humanos e das liberdades civis, restringindo a atuação do Estado na esfera econômica ao papel de agente regulador, para garantir à população acesso de qualidade aos serviços públicos essenciais e fundamentais, como saúde, educação, segurança, liberdade, habitação e saneamento. Não nos parece haver incompatibilidade dessa previsão com o trecho do “Ideário do Democratas” que o requerente igualmente reproduz na inicial (ID 44937829, p. 13). De fato, é possível constatar que o DEM se orientava pela contenção da interferência excessiva do Estado na atividade econômica, sendo considerado, entretanto, que há problemas e desigualdades que não podem ser satisfatoriamente resolvidos pelo livre jogo das forças de mercado. Existe um espaço legítimo, sobretudo na área social, para a atuação do Estado, o que não prejudica, antes preserva, o mais puro sentido de liberdade. Parece claro, pelo que consta do texto trazido ao debate pelo requerente, que o DEM não guardava um posicionamento político econômico liberal ortodoxo, que tenha sido suplantado em razão da linha “social liberalista” do UNIÃO BRASIL. Ao contrário, o Ideário do Democratas aponta para a necessidade de evitar a interferência excessiva do Estado na atividade econômica, ou seja, a interferência é admitida, apenas o excesso é censurado, e há a compreensão da existência de um espaço legítimo, sobretudo na área social, para a atuação do Estado, o que não prejudica, antes preserva, o mais puro sentido de liberdade. Sendo certo que tal concepção não se enquadra na adoção do Estado Social ou Estado do Bem-estar, também é possível assumir, sem grande dificuldade, que o programa partidário do DEM não adotava, ao contrário do afirmado pelo requerente, uma perspectiva altamente liberal. Dessa ideologia não diverge o teor do art. 3º do estatuto do UNIÃO BRASIL, ao apontar a orientação do novo partido no sentido de restringir a atuação do Estado na esfera econômica ao papel de agente regulador, para garantir à população acesso de qualidade aos serviços públicos essenciais e fundamentais, como saúde, educação, segurança, liberdade, habitação e saneamento. Ou seja, na área social, em que o Ideário do Democratas reconhece espaço legítimo para a atuação do Estado, o estatuto do UNIÃO BRASIL (apontando especialmente saúde, educação, habitação e saneamento) prega a atuação estatal no papel de agente regulador, para garantir a adequada prestação dos serviços à população.

Verifico, portanto, panorama ideológico sem severas dissonâncias entre o extinto DEM e o novel UNIÃO, de forma que não houve mudança substancial do programa partidário. Há referências breves também no relativo aos costumes, com menções aos perfis dos políticos que compunham as agremiações fundidas, mas elas não possuem caráter conclusivo, peremptório, em muito se assemelhando com as alegações de perda de coesão e de coerência, que se trata, em verdade, de conjecturas de que o novo partido venha a se orientar por um formato “fisiológico”.

Em resumo, julgo não ter havido a ocorrência de justa causa para desfiliação partidária com a manutenção do cargo eletivo, em decorrência da fusão do DEM e do PSL, para o surgimento do UNIÃO BRASIL.

 

Diante do exposto, VOTO para negar procedência ao pedido.