REl - 0600308-15.2020.6.21.0156 - Voto Relator(a) - Sessão: 26/07/2022 às 16:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

Preliminarmente, não conheço da documentação juntada com o recurso.

Com efeito, os recorrentes apresentaram prestação de contas retificadora com o apelo, hipótese em que esta Corte reputa inviável seu conhecimento em grau recursal, diante da necessidade de exame pormenorizado dos lançamentos contábeis apresentados, nos termos de ementa do seguinte julgado:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADORA. DESAPROVAÇÃO. NOVOS DOCUMENTOS APRESENTADOS EM FASE RECURSAL. CONHECIDO APENAS O INSTRUMENTO DE PROCURAÇÃO. AUSÊNCIA DE COMPROVANTES DA DEVOLUÇÃO DE SOBRAS DE VERBA PÚBLICA. OMISSÃO DE MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA. PAGAMENTO DE DESPESA EM DESACORDO COM A NORMA REGENTE. MANTIDO O DEVER DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas de candidata, referentes às eleições municipais de 2020, com fulcro no art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19, e determinou o recolhimento da quantia irregular ao Tesouro Nacional.

2. Da análise de novos documentos. O conhecimento de documentos em fase recursal é prática aceita por este Tribunal na classe processual sob exame, quando não apresentar prejuízo à tramitação do processo por se tratar de documentação simples, capaz de esclarecer as irregularidades apontadas sem a necessidade de nova análise técnica ou diligências complementares. Entretanto, na hipótese, o conhecimento das peças exigiria a reabertura da instrução para o exame detalhado dos lançamentos, em cotejo com as demais informações e dados constantes dos extratos eletrônicos, resultando em supressão de instância e tratamento desigual à recorrente, privilegiado em relação aos demais candidatos da eleição para a qual concorreu. Admitido somente o instrumento de procuração, rechaçados os demais.

3. Por força do art. 50, §§ 1º a 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19, os valores referentes a sobras de campanha devem ser devolvidos à agremiação partidária. Identificadas, no extrato de prestação de contas, informações de recebimento de recursos oriundos do Fundo Partidário sem a correspondente ocorrência de gastos, gerando sobra de campanha. A correção da falha seria possível com a juntada do comprovante de devolução ao partido político, o que não ocorreu.

4. Omissão de movimentação financeira. Efetuadas três transferências de valores, omitidas na contabilidade. Apesar do entendimento do juízo sentenciante da ausência de vedação na transferência de recursos públicos entre candidatos da mesma agremiação, as doações envolvem elementos a considerar no exame da contabilidade de outros candidatos, situação que gera indubitavelmente distorções e deve ser considerada, ao menos, para a construção do juízo de aprovação ou desaprovação.

5. Identificadas três notas fiscais eletrônicas emitidas contra o CNPJ da campanha, cujos gastos não foram declarados na prestação de contas. Ausente comprovação do destino das verbas públicas e dos pagamentos efetuados. Inobservância das formas estabelecidas na legislação de regência para atendimento dos gastos eleitorais – cheque nominal cruzado, transferência bancária que identifique o CPF ou o CNPJ do beneficiário, débito em conta ou cartão de débito da conta bancária –, inviabilizando a verificação do real destino das verbas, por meio da identificação dos beneficiários, confirmando-se o vínculo entre pagamento e fornecedor. Remanesce a irregularidade.

6. Desprovimento. Mantido o dever de recolhimento ao Tesouro Nacional.

(Rel n. 0600469-47.2020.6.21.0084, Relator Oyama Assis Brasil de Moraes, julgado em 10.3.2022.) (grifo nosso)

 

Assim, descabido o conhecimento das peças, pois sua aceitação exigiria uma nova análise técnica, com reabertura de instrução para o exame detalhado dos lançamentos em cotejo com as demais informações e dados constantes dos extratos eletrônicos, resultando em supressão de atividade atinente, na espécie, ao Juiz Eleitoral da instância inicial.

Portanto, não conheço dos documentos trazidos com o recurso eleitoral.

No mérito, a prestação de contas foi desaprovada pelo juízo a quo, em virtude da utilização de recursos de origem não identificada, em face de dois depósitos em dinheiro na conta de campanha dos recorrentes, realizados no dia 19.10.2020, nos valores de R$ 1.900,00 e R$ 35,00, contrariando o que estabelece o art. 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, que exige a transferência eletrônica ou a utilização de cheque cruzado e nominal, no caso de doações superiores a R$ 1.064,10.

Em suas razões, os recorrentes aduzem que são valores de pequena monta, considerando que os prestadores concorreram aos cargos majoritários, que as falhas não comprometeram a totalidade das contas e que a origem dos recursos são recursos próprios, devidamente comprovados nos documentos juntados com o recurso.

Acertadamente, a sentença (ID 44873491) foi no seguinte sentido:

A prestação de contas à Justiça Eleitoral decorre de imperativo constitucional, art. 17, inc. III, da Constituição Federal, o qual impõe aos partidos políticos a observância de vários preceitos, dentre os quais, a prestação de contas à Justiça Eleitoral.

Nesse sentido, a Resolução TSE n. 23.607/19, que dispõe sobre a arrecadação e os gastos de recursos por partidos políticos e candidatos e sobre a prestação de contas nas eleições 2020, em seus arts. 45 e 46, determina que devem prestar contas todos os candidatos e órgãos partidários vigentes após a data prevista para o início das convenções partidárias e até a data da eleição em segundo turno, se houver.

Pois bem, compulsando os autos verifico a existência de doações financeiras recebidas de recursos próprios, no valor de R$ 1.935,00, realizadas de forma distinta da opção de transferência eletrônica ou cheque cruzado e nominal, entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação, contrariando o disposto no art. 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, sendo considerado recurso de origem não identificada e sujeito ao recolhimento previsto no art. 32, caput, dessa resolução.

Verifico ainda divergências entre a movimentação financeira registrada na prestação de contas e aquela registrada nos extratos eletrônicos (art. 53, inc. I, al. "g" e inc. II, al. "a", da Resolução TSE n. 23.607/19, conforme apontado no Parecer Conclusivo).

Trata-se de irregularidade grave e insanável que compromete a lisura das contas, haja vista que a receita considerada como "recurso de origem não identificada" representa 34,9% do total da receita utilizada na campanha.

Assim, a desaprovação das contas e o recolhimento do valor considerado irregular ao Tesouro Nacional, no montante de R$ 1.935,00 (um mil, novecentos e trinta e cinco reais), é medida que se impõe, na forma do art. 74, inc. III, c/c o art. 32, inc. IV, ambos da Resolução TSE n. 23.607/19, sem prejuízo de o excesso ser verificado nas representações de que tratam o art. 22 da Lei Complementar n. 64/90 e o art. 30-A da Lei n. 9.504/97.

Saliento, outrossim, que o julgamento das contas apresentadas está adstrito às informações declaradas pelo prestador de contas e à movimentação financeira apurada nos extratos bancários vinculados à campanha eleitoral, não afastando a possibilidade de apuração por outros órgãos quanto à prática de eventuais ilícitos antecedentes e/ou vinculados, verificados no curso de investigações em andamento ou futuras, conforme previsto no art. 75 da Resolução TSE n. 23.607/19.

III – DISPOSITIVO

Isso posto, considerando o parecer conclusivo de exame e o parecer do Ministério Público Eleitoral, com base no art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19, DESAPROVO as contas de campanha de PAULO NERES TEIXEIRA FERREIRA e NERO ELIAS BURALDE, candidatos aos cargos de prefeito e vice-prefeito, respectivamente, relativas às eleições de 2020.

Determino, ainda, fulcro no art. 32, inc. IV, da Resolução TSE n. 23.607/19, o recolhimento do valor de R$ 1.935,00 (um mil, novecentos e trinta e cinco reais), importância considerada como recurso de origem não identificada, ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU), no prazo de 5 (cinco) dias após o trânsito em julgado, sob pena de remessa dos autos à Advocacia-Geral da União para fins de cobrança.

 

Com efeito, a forma das doações eleitorais deve obedecer ao que estabelece o art. 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, que exige a transferência eletrônica ou a utilização de cheque cruzado e nominal, no caso de doações superiores a R$ 1.064,10.

Nesse sentido, o que constou no parecer da douta Procuradoria Regional Eleitoral (ID 44957678):

Importante salientar que o objetivo da regra é, para quantias mais significativas, exigir uma forma de doação que assegure à Justiça Eleitoral que os recursos saíram da conta do doador declarado, haja vista que o mero depósito de dinheiro com identificação do CPF não é suficiente para tanto, pois nesse caso a informação é inserida pelo próprio depositante, sem controle por parte da instituição financeira, abrindo-se a possibilidade de colocação de qualquer CPF – o que, obviamente, não ocorreria se utilizados a transferência eletrônica ou o depósito de cheque cruzado e nominal, em que a operação é “conta a conta”, garantindo-se a correta identificação da origem do recurso.

 

No caso em tela, os prestadores não se desincumbiram do dever de comprovar a origem dos recursos, no valor de R$ 1.935,00, mediante a juntada de extrato da conta pessoal do depositante, demonstrando que o valor equivalente foi sacado na mesma data. Assim, restou inviabilizado o sistema instituído pela Justiça Eleitoral para conferir transparência e publicidade às receitas e gastos de campanha.

A matéria em exame foi amplamente debatida nesta Corte, conforme ementa que reproduzo, que bem evidencia o entendimento sufragado:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. DEPÓSITO EM ESPÉCIE ACIMA DO LIMITE REGULAMENTAR. RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. ALTO PERCENTUAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou as contas de candidato, referentes às eleições municipais de 2020, em virtude do recebimento de depósito bancário em espécie, identificado com o CPF do prestador, determinando-lhe o recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional.

2. Matéria disciplinada no art. 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, que estabelece o limite de R$ 1.064,09 para depósitos bancários em espécie. No caso, o extrato bancário da conta de campanha apresenta depósito em dinheiro em valor superior ao estabelecido na norma, cujo depositante foi identificado com o CPF do próprio candidato, em afronta à norma eleitoral.

3. Inviável constatar, pela documentação colacionada, a tese recursal de que o valor depositado na conta de campanha tem origem em recursos próprios e que o candidato tentou devolver o dinheiro para sua conta pessoal em data posterior ao uso da quantia apontada como irregular. O descumprimento da exigência de transferência bancária ou de cheque nominal cruzado não fica suprido pela realização de depósito em espécie identificado por determinada pessoa, circunstância que não se mostra apta para comprovar a efetiva origem do valor, devido à ausência de trânsito prévio dos recursos pelo sistema bancário.

4. A irregularidade representa 77,29% das receitas financeiras e ultrapassa o valor de parâmetro de R$ 1.064,10 que a Resolução TSE n. 23.607/19 considera módico, inviabilizando o juízo de aprovação das contas, ainda que com ressalvas, pois a falha é grave e compromete de forma insanável a confiabilidade da movimentação financeira. Manutenção da sentença.

5. Desprovimento.

(TRE-RS REI n. 0600344-39.2020.6.21.0065, Gramado/RS, RELATOR: Gerson Fischmann, Data de julgamento: 26.01.2022, Publicação no DJE) (grifo nosso)

 

Acertada a sentença quanto ao juízo de desaprovação das contas, vez que a irregularidade envolve recursos de origem não identificada no valor de R$ 1.935,00, que representa 34,95% das receitas declaradas (R$ 5.535.00), ou seja, valor e percentual superiores aos parâmetros utilizados pela Justiça Eleitoral como critérios para aprovação das contas com ressalvas.

Por fim, relativamente à divergência entre a movimentação financeira declarada e aquela registrada nos extratos eletrônicos, pode-se observar no site de Divulgação de Candidaturas e Contas (disponível em: https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/89672/210001047092/extratos, acesso em 26.4.2022.) que os cheques relativos aos pagamentos pendentes de comprovação não foram emitidos na forma nominal e cruzada, deixando de observar o disposto no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, sendo descontados sem a devida identificação dos beneficiários.

Ocorre que, como bem pontuado pelo douto Procurador Regional Eleitoral: "(...) em que pese haja evidências de malversação de recursos oriundos do FEFC, a sentença não determinou o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional. Não obstante, não houve recurso do MPE a respeito, pelo que, considerando a proibição de reformatio in pejus, não se mostra mais possível a adoção de tal providência".

Ante o exposto, preliminarmente, não conheço da documentação acostada à irresignação e, no mérito, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo a desaprovação das contas, bem como a determinação do recolhimento da importância de R$ 1.935,00 ao Tesouro Nacional.