REl - 0600205-16.2020.6.21.0121 - Voto Relator(a) - Sessão: 26/07/2022 às 16:00

VOTO

Da Admissibilidade Recursal

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade recursal, merece ser conhecido o recurso.

 

Do Mérito

Eminentes Colegas, trata-se de recurso interposto por SILVESTRE ANTÔNIO REBELATO e ADEMAR ZENI, respectivamente, candidatos aos cargos de prefeito e vice-prefeito no Município de Ibirubá/RS, contra sentença que desaprovou suas contas e determinou o recolhimento de R$ 12.064,90 ao Tesouro Nacional, em razão das seguintes irregularidades: a) recebimento de doações, no somatório de R$ 12.000,00, em desconformidade com a forma exigida pelo art. 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19; e b) pagamento de despesa, no valor de R$ 64,90, com recursos que não transitaram pela conta de campanha, configurando receitas de origem não identificada, nos termos do art. 32, inc. VI, da aludida Resolução.

Passo a analisar, individualmente, as falhas apontadas.

 

a) Recebimento de doações em espécie em desconformidade com o art. 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19

Conforme reconheceu a sentença, os candidatos receberam duas doações no valor individual de R$ 6.000,00, nos dias 09 e 11 de novembro de 2020, mediante depósito em cheque, sendo a primeira atribuída a Ademar Zeni e a segunda declarada como procedente de Carlos Gilberto Derlam.

Ocorre que os recursos financeiros utilizados em campanha devem transitar pela conta bancária específica, sendo que o ingresso de valores iguais ou superiores a R$1.064,10 somente poderá ser efetuado mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal, consoante dispõe o art. 21 e parágrafos da Resolução TSE n. 23.607/19, verbis:

Art. 21 […].

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias da doadora ou do doador e da beneficiária ou do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

§ 2º […].

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação da doadora ou do doador, ser a ela ou a ele restituídas ou, se isso não for possível, devem ser consideradas de origem não identificada e recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 32 desta Resolução.

§ 4º No caso da utilização das doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo, ainda que identificada(o) a doadora ou o doador, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma do disposto caput do art. 32 desta Resolução.(Grifei).

No caso dos autos, embora registradas nos demonstrativos contábeis como depósitos em dinheiro, os extratos bancários identificam as operações como “DEP CH BB LIQ”, ou seja, as doações em tela foram efetivadas por meio de cheque. Todavia, não restou comprovado que os cheques eram nominais e estavam cruzados, conforme determina o disposto no parágrafo primeiro supramencionado.

De seu turno, os recorrentes, em manifestação (ID 43284883), pretendendo sanear a falha, apenas reapresentaram extratos bancários destacando a natureza das operações em debate.

Entretanto, caberia aos prestadores demonstrar a origem dos recursos por meio da simples juntada da microfilmagem dos cheques em dois momentos - ou quando da manifestação ou mesmo em sede recursal -, providência simples. A mera apresentação de extratos informando a natureza da operação efetuada não é hábil para esclarecimento da irregularidade.

Para além, o regulamento permite que o candidato acompanhe a movimentação financeira e corrija erros que porventura sejam verificados tempestivamente, ao dispor que as doações financeiras atípicas não sejam utilizadas e possam ser restituídas ao doador, acaso possível.

Sendo assim, a aferição da origem dos recursos restou frustrada, haja vista a impossibilidade de cruzamento das informações entre os sistemas.

Dessa forma, permanece a grave irregularidade de utilização de recursos tidos como não devidamente identificados, reconhecida na decisão de primeiro grau, maculando a confiabilidade e a transparência das contas de campanha, devendo ser mantida a determinação do recolhimento da quantia de R$ 12.000,00 ao Tesouro Nacional.

 

b) Pagamento de despesa no valor de R$ 64,90 com recursos que não transitaram pela conta de campanha

A decisão recorrida reconheceu a divergência entre o gasto declarado pelos prestadores – R$ 47,70 - e o valor registrado na nota fiscal n. 3803646 (ID 43284633), emitida por Locaweb Serviços de Internet S.A. em 06.11.2020, no valor de R$ 112,60.

Oportunizado o esclarecimento da falha, os recorrentes, além de apresentarem capturas de imagem de aplicativo de mensagens com declarações da empresa contratada sobre o ocorrido, declararam que a quantia de R$ 47,70 paga pelo serviço corresponde ao valor promocional e que a nota fiscal foi emitida com o valor usual. Tal alegação, porém, não restou contabilmente confirmada.

Adianto que as circunstâncias dos autos não permitem a superação da irregularidade.

Com efeito, a legislação eleitoral preconiza que a emissão de nota fiscal para o CNPJ de campanha gera a presunção de existência da despesa, conforme preceitua o art. 60, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 60. A comprovação dos gastos eleitorais deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

Da leitura do dispositivo presume-se que, se há a nota fiscal, houve o gasto correspondente. Nesse sentido, impõe-se ao candidato o dever de comprovar que o gasto eleitoral não ocorreu ou que ocorreu de forma regular.

Se o gasto ocorreu com valor diverso, a nota fiscal deve ser cancelada, consoante estipula o art. 59 da Resolução TSE n. 23.607/19, e, em sequência, adotados os procedimentos previstos no art. 92, §§ 5º e 6º, da mesma Resolução, in verbis:

Art. 59. O cancelamento de documentos fiscais deve observar o disposto na legislação tributária, sob pena de ser considerado irregular.

[...].

Art. 92. (...)

§ 5º O eventual cancelamento de notas fiscais eletrônicas após sua regular informação como válidas pelos órgãos fazendários à Justiça Eleitoral, apresentado por ocasião do cumprimento de diligências determinadas nos autos de prestação de contas, será objeto de notificação específica à Fazenda informante, no julgamento das contas, para apuração de suposta infração fiscal, bem como de encaminhamento ao Ministério Público.

§ 6º Na situação de eventual cancelamento de notas fiscais eletrônicas após sua regular informação como válidas pelos órgãos fazendários à Justiça Eleitoral, o prestador deverá apresentar a comprovação de cancelamento, junto com esclarecimentos firmados pelo fornecedor.

No caso em apreço, contudo, o candidato tão somente sustenta que a NF n. 3803646 foi emitida com valor integral e que a despesa corresponde ao valor promocional, para o CNPJ de campanha dos candidatos Silvestre Antonio Rebelato e Ademar Zeni, no total de R$ 47,70.

Porém, a documentação acostada aos autos não permite debelar a irregularidade constatada, consoante constou no rigoroso exame efetuado no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, de lavra do Dr. José Osmar Pumes, que adoto como razões de decidir:

Não obstante, a Nota Fiscal (ID 43284633) do prestador de serviços “Locaweb Serviços de Internet S.A.” foi emitida no valor de R$ 112,60, ao passo que o pagamento ao fornecedor foi de R$ 47,70, havendo, pois, dissonância na escrituração da despesa. A propósito, o documento juntado pelos recorrentes na tentativa de afastar a irregularidade, consubstanciada em cópia de mensagem de WhatsApp com a explicação da empresa (ID 43285383), não é hábil a ilidir a presunção de que o valor pago pelo serviço é aquele constante da Nota Fiscal, tornando imprecisa a origem e a forma de adimplemento da diferença entre o debitado na conta de recursos e o constante do documento.

Desse modo, conclui-se que o montante divergente caracteriza omissão de receita, a indicar a utilização de recursos financeiros de origem não identificada para o pagamento de gastos eleitorais, o que enseja o dever de recolhimento ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 32, caput e § 1º, VI, da Resolução TSE nº 23.607/2019.
 

Dessa forma, é certo que não houve o esclarecimento sobre a emissão do documento fiscal em favor do CNPJ de campanha e tampouco foi realizado o cancelamento da nota fiscal, o que deveria ter sido feito oportunamente.

Afinal, cabe aos candidatos, e não à empresa, prestar contas perante a Justiça Eleitoral e responder por eventual incorreta emissão de nota fiscal para a sua campanha, pois o art. 45, § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19 é expresso ao determinar a responsabilidade dos candidatos, em solidariedade com seus administradores financeiros, pela veracidade das informações financeiras e contábeis de sua campanha.

Assim, está caracterizada a omissão de registro de despesas, pois, conforme anteriormente analisado, a simples declaração unilateral do prestador ou de seu fornecedor não representa meio de comprovação idôneo para desconstituir o conteúdo da nota fiscal emitida.

Por conseguinte, as despesas não declaradas implicam sonegação de informações a respeito dos valores empregados para a quitação da dívida de campanha, caracterizando o recurso como de origem não identificada, nos termos do art. 32, caput e inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19, impondo-se o recolhimento do valor de R$ 64,90 (diferença entre o valor do documento fiscal e o do pagamento) ao Tesouro Nacional, tal como determinado na decisão recorrida.

 

Percentual das irregularidades constatadas

Por fim, no caso concreto, a quantia irregular alcança R$ 12.064,90, que representa, aproximadamente, 33,71% das receitas declaradas pelos candidatos (R$ 35.780,00), valor relativo e nominal que inviabilizam a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas.

Portanto, deve ser integralmente confirmada a sentença recorrida.

 

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo desprovimento do recurso, mantendo a desaprovação das contas de Silvestre Antonio Rebelato e Ademar Zeni, relativas ao pleito de 2020, e a determinação de recolhimento do valor de R$ 12.064,90 (doze mil, sessenta e quatro reais e noventa centavos) ao Tesouro Nacional.