REl - 0600415-81.2020.6.21.0084 - Voto Relator(a) - Sessão: 21/07/2022 às 14:00

VOTO

Da Admissibilidade

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

Dos Documentos Juntados com o Recurso

Inicialmente, consigno que, no âmbito dos processos de prestação de contas, expedientes que têm preponderante natureza declaratória e possuem como parte apenas o prestador, este Tribunal tem concluído, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, acostados com a peça recursal e não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição quando sua simples leitura pode sanar irregularidades, ictu primo oculi, sem a necessidade de nova análise técnica.

Nesse sentido, o seguinte julgado:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DESAPROVAÇÃO. PRELIMINAR. JUNTADA DE NOVOS DOCUMENTOS COM A PEÇA RECURSAL. ACOLHIDA. MÉRITO. AUSENTE OMISSÃO. DIVERGÊNCIA ENTRE OS DÉBITOS CONSTANTES NOS EXTRATOS E OS INFORMADOS NA CONTABILIDADE. PAGAMENTO DESPESAS SEM TRÂNSITO NA CONTA DE CAMPANHA. IMPOSSIBILIDADE DE REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROBATÓRIA MEDIANTE A JUNTADA DE NOVOS DOCUMENTOS. INVIÁVEL NOS ACLARATÓRIOS. REJEIÇÃO.

1. Preliminar. Admitida a apresentação de novos documentos com o recurso, quando capazes de esclarecer irregularidades apontadas, sem a necessidade de nova análise técnica ou diligências complementares.

2. Inviável o manejo dos aclaratórios para o reexame da causa. Remédio colocado à disposição da parte para sanar obscuridade, contradição, omissão ou dúvida diante de uma determinada decisão judicial, assim como para corrigir erro material do julgado. Presentes todos os fundamentos necessários no acórdão quanto às falhas envolvendo divergência entre a movimentação financeira escriturada e a verificada nos extratos bancários bem como do pagamento de despesas sem o trânsito dos recursos na conta de campanha. Não caracterizada omissão. Rejeição.

(TRE-RS, RE n. 50460, Relator Des. El. SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, Data de Julgamento: 25.01.2018, DEJERS: 29.01.2018, Página 4.) (Grifei.)

 

Por essas razões, conheço dos documentos acostados com o recurso – consistentes em contratos, notas fiscais, cheques, comprovantes bancários, recibos de pagamento – de simples constatação e com aptidão para, em tese, conduzirem ao saneamento das irregularidades.

Do Mérito

No mérito, trata-se de recurso interposto por JONATHAN BAUM contra sentença que desaprovou suas contas de campanha e lhe determinou o recolhimento de R$ 739,00 ao Tesouro Nacional, em razão de a) ausência de comprovação das despesas pagas com recursos do FEFC; b) recebimento de doação efetuada por pessoa física beneficiária do Auxílio Emergencial; e c) omissão de informações relativas ao registro integral da movimentação financeira de campanha.

Passo, a seguir, à análise discriminada de cada apontamento glosado.

I – Da Ausência de Comprovação no Uso de Recursos do FEFC

Na instância de origem, o examinador técnico apontou inconsistências em relação a dois gastos efetuados com recursos do FEFC, ambos contratados com VERA LUCIA GORZIZA, nos valores de R$ 400,00, em 10.11.2020, e de R$ 150,00, em 16.11.2020 (ID 44917042).

Foi identificada no laudo pericial a “ausência/inconformidade de alguns documentos comprobatórios relativos às despesas bem como dos respectivos comprovantes de pagamento”, além de ter sido detectado, à vista do extrato bancário, que as quantias relativas aos referidos gastos “foram debitadas por terceiros e não pelos fornecedores registrados na Prestação de Contas em exame, em manifesta contrariedade à legislação vigente, que expressamente determina que o pagamento das despesas eleitorais deva ser realizado com cheque nominal cruzado ou transferência bancária ao fornecedor dos bens ou serviços”.

Com a peça recursal, foram apresentados, quanto ao dispêndio de R$ 150,00, o contrato de locação de veículo (IDs 44917070 e 44917070), o recibo de pagamento (ID 44917082), o qual já se encontrava juntado sob ID 44917028, e o correspondente cheque n. 5, nominativo e cruzado, em favor da fornecedora de campanha (ID 44917061), em conformidade com as informações lançadas no Relatório de Despesas Efetuadas (ID 44916998).

Do mesmo modo, no que tange ao gasto de R$ 400,00, foram apresentados o contrato de prestação de serviços de motorista e distribuição de santinhos (IDs 44917068 e 44917067), o recibo de pagamento (ID 44917083) e o correspondente cheque n. 6, nominativo e cruzado em favor da fornecedora (ID 44917062), em sintonia com o Relatório de Despesas Efetuadas (ID 44916998).

As despesas, portanto, foram devidamente comprovadas por documentos idôneos.

Cumpre assinalar que, não obstante as cártulas referidas, emitidas em nome da fornecedora dos bens e serviços contratados, VERA LUCIA GORZIZA, tenham sido – consoante demonstra o extrato bancário (ID 44917044) – compensadas em contas bancárias de terceiros, a saber, OLIVEIRA CARDOSO COMERCIAL DE COMBUSTIVEL, CNPJ 08.362.750/0001-15, no caso do cheque n. 5, e ERNEI KAMINSKI, CPF 95.095.014/0001-42, no caso do cheque n. 6, tal fato não se erige em óbice para que sejam reputados escorreitos os pagamento das despesas.

Ora, a legislação eleitoral, ao estabelecer as formas de quitação dos gastos eleitorais, não impõe a emissão de cheque não endossável (“não à ordem”), não sendo, portanto, exigível do candidato que emitiu o cheque na forma reclamada pela legislação (nominal e cruzado) que o próprio prestador do serviço ou fornecedor do bem proceda ao desconto do título, o qual pode ser licitamente transmitido a terceiros, mediante endosso, conforme previsto no art. 17 da Lei n. 7.357/85.

Nesse sentido, reproduzo ementa de julgado desta Corte Regional:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DESAPROVAÇÃO. CHEQUE DESCONTADO POR TERCEIROS. DOCUMENTAÇÃO APTA A DEMONSTRAR A REGULARIDADE NO PAGAMENTO DE DESPESA. CÁRTULA NOMINAL E CRUZADA. ART. 38 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. AUTORIZADO O ENDOSSO POSTERIOR. ART. 17 DA LEI N. 7.357/85. POSSIBILIDADE DE DESCONTO EM BANCO POR TERCEIROS. VÍCIO SANADO. AFASTADA A NECESSIDADE DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. CONTAS INTEGRALMENTE APROVADAS. PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que julgou desaprovadas as contas de campanha e determinou o recolhimento da quantia considerada irregular ao Tesouro Nacional.

2. Acervo probatório coligido aos autos pela prestadora apto a demonstrar o fiel cumprimento do disposto no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19 quanto às formas de realização de dispêndios durante o pleito. O cheque acostado comprova a emissão na forma cruzada e nominal, não havendo ressalva na legislação eleitoral quanto ao seu endosso, podendo ser transmitido a terceiros, de acordo com o art. 17 da Lei n. 7.357/85.

3. Sanado o vício que maculava as contas. Aprovação sem ressalvas. Afastada a necessidade de recolhimento ao erário do montante tido por irregular quando da sentença de primeiro grau.

4. Provimento.

(TRE-RS, REl n. 0600285-77.2020.6.21.0024, Relator: Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, julgado em 06.7.2021.) Grifei.

 

Assim, na esteira do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, restou comprovada a regularidade dos gastos eleitorais com verbas públicas, devendo ser afastada a irregularidade em exame.

II – Do Recebimento de Doação Oriunda de Beneficiário do Auxílio Emergencial

O juízo a quo considerou irregular o recebimento pelo candidato de doação, no importe de R$ 189,00, proveniente de pessoa física beneficiária do Auxílio Emergencial, qual seja, Anelise Garcia Raphaelli, sob o fundamento de que a ausência de comprovação da capacidade econômica de doadora inscrita em programa social do governo configura aporte de recursos de origem não identificada, nos termos dos arts. 15, inc. II, e 32 da Resolução TSE n. 23.607/19.

De seu turno, o recorrente alega que a incapacidade para doação não passa de mera presunção e que se trata de fato exclusivamente relacionado à pessoa da doadora, alheio ao conhecimento do candidato, o qual não teria como exercer a fiscalização sobre a situação econômica de sua apoiadora.

Entendo que, no caso concreto, assiste razão ao recorrente.

Primeiramente, há que se destacar o valor bastante módico da doação, de forma que, seja qual for a profissão da doadora, esse montante, equivalente a cerca de 18 % do valor do salário mínimo vigente à época, poderia ser auferido em apenas alguns dias de trabalho em qualquer ofício.

Assim, não se pode considerar como elemento indicativo de fraude uma singela doação a um postulante a cargo eletivo, consideravelmente inferior ao quantum percebido via auxílio emergencial, ao tempo do fato, estabelecido em R$ 400,00, sob o pretexto de falta de capacidade econômica.

No caso em tela, em que o candidato arrecadou o total de R$ 3.299,00 para sua campanha, sendo R$ 1.099,00 em recursos privados, foge do razoável atribuir-se ao prestador de contas a obrigação de comprovar que a doadora possuía capacidade financeira para contribuir financeiramente em prol de sua candidatura.

A Lei n. 9.504/97, em seu art. 23, caput e §§ 1º e 3º, dispõe que pessoas físicas poderão fazer doações em dinheiro para campanhas eleitorais, limitadas a 10 % dos rendimentos brutos auferidos no ano anterior à eleição, e que, sendo excedido o limite, o infrator ficará sujeito ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso.

A Resolução TSE n. 23.607/97, tratando do tema, em seu art. 27, § 5º, preceitua que a aferição do limite de doação do contribuinte dispensado da apresentação de Declaração de Ajuste Anual do Imposto de Renda deve ser realizada com base no limite de isenção previsto para o exercício financeiro do ano da eleição.

Ora, essa é a limitação incidente à hipótese concreta. A doadora, tendo realizado a contribuição de R$ 189,00, encontrava-se ao abrigo da referida norma, que permite indistintamente a qualquer eleitor a doação de até R$ 2.855,97, uma vez que o limite de isenção para o exercício de 2020 foi de R$ 28.559,70.

Veja-se que o egrégio Tribunal Superior Eleitoral já decidiu, apreciando hipótese de doação eleitoral de pessoa registrada como desempregada no Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), no sentido de afastar o argumento de que o candidato não é obrigado a verificar a capacidade financeira daqueles que realizam doação à sua campanha, pois, uma vez identificados indícios de que a origem não está devidamente demonstrada, é dever do prestador esclarecê-las na forma definitiva (AgR-Al n. 149-74.2016.6.26.0269/SP).

Entrementes, naquele caso, a doadora, contando 84 anos de idade, viúva e dona de casa, realizou doação da importância de R$ 260.000,00 à campanha eleitoral do candidato, situação absolutamente díspar do presente caso.

Por sua vez, a Procuradoria Regional Eleitoral argumentou, para a manutenção da glosa, de que o município é pequeno, onde compareceram às urnas no pleito de 2020 apenas 5.949 pessoas, e que o candidato recebeu aporte de recursos privados somente dele próprio (R$ 910,00) e de ANELISE GARCIA RAFHAELLI (R$ 189,00), de modo que se revelaria “improvável, nesse contexto, que não a conhecesse o suficiente para ter ciência de sua incapacidade econômica”.

Porém, entendo que, ainda que o prestador de contas, em um juízo estritamente presuntivo, conhecesse a situação econômica da eleitora e sua inclusão no cadastro de beneficiários do auxílio-emergencial, não há amparo jurídico para exigir-lhe a recusa da doação eleitoral.

Impende registrar, outrossim, que o precedente deste Tribunal, de lavra do eminente Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, utilizado para fundamentar a sentença guerreada, possui moldura fática distinta da observada no caso sub judice.

Naquela hipótese, o valor doado foi de R$ 700,00, e o candidato já havia praticamente alcançando o teto de autofinanciamento previsto no art. 27 da Resolução TSE n. 23.607/19, ao passo que neste processo, ainda que fossem somadas as contribuições do candidato e da doadora, resultaria em um montante inferior ao limite autorizado para recursos próprios, fixados para o Município de Cerro Grande do Sul em R$ 1.230,77.

Aliás, nesse aspecto convém gizar que o entendimento desta Corte vinha sendo pacífico no sentido de que eventual fraude no recebimento de verbas sociais pelos doadores deve ser apurada na esfera competente, sem repercussão na análise da regularidade de contas:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. ELEIÇÕES 2016. PRELIMINAR. DOCUMENTOS JUNTADOS COM O RECURSO. POSSIBILIDADE. MÉRITO. ALUGUEL DO COMITÊ ELEITORAL. OMISSÃO. SEDE LOCALIZADA EM CARCAÇA DE VEÍCULO. IMPROPRIEDADE FORMAL. CAPACIDADE FINANCEIRA. DOADOR. PROCEDIMENTO PRÓPRIO. REPRESENTAÇÃO POR DOAÇÃO ACIMA DO LIMITE LEGAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Preliminar. A apresentação de novos documentos com o recurso, especialmente em sede de prestação de contas de campanha, não apresenta prejuízo à tramitação do processo, principalmente quando capazes de esclarecer irregularidades apontadas e que visam salvaguardar o interesse público na transparência da contabilidade de campanha. Conhecimento da documentação.

2. Mérito. 2.1. Ausência de registro de cedência ou aluguel do comitê eleitoral. Juntada de documento demonstrando a localização do referido comitê, o qual funcionou dentro de uma carroceria de ônibus. Razoável e verossímil a alegação de ausência do apontamento, na contabilidade, de aluguel de uma carcaça de veículo, revelando-se mera impropriedade, não justificando o severo juízo de desaprovação das contas. 2.2. Doações por pessoa cuja capacidade financeira seria incompatível com as arrecadações. Eventual ausência de condições econômicas do doador não pode ser atribuída ao candidato, sendo irregularidade a ser apurada em ação própria de doação acima do limite legal ajuizada contra o próprio doador. Apresentada prova nos autos capaz de demonstrar a capacidade econômica do doador. Aprovação com ressalvas.

Parcial provimento.

(Prestação de Contas n. 58112, Acórdão de 06.11.2017, Relator Des. Federal João Batista Pinto Silveira, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 200, Data 08.11.2017, p. 13). Grifei.

 

Recurso. Prestação de contas. Candidato. Arrecadação e gastos de recursos em campanha eleitoral. Resolução TSE n. 23.463/15. Eleições 2016.

Recebimento de recursos de beneficiários do programa Bolsa Família e utilização de recursos próprios considerados, pelo magistrado de piso, incompatíveis com os rendimentos do candidato. Desaprovação na origem.

(...)

Parecer técnico pela aprovação das contas e manifestação ministerial de piso pela aprovação com ressalvas. Demonstrado que as doações estão discriminadas como “receitas estimáveis em dinheiro”, decorrentes da cessão de bens móveis. Emissão dos recibos eleitorais e dos respectivos instrumentos de cessão, bem como comprovadas as suas propriedades por meio dos certificados de registro e licenciamento de veículo. Atendidos os requisitos do art. 18, inc. II, da Resolução TSE n. 23.463/15.

Eventual fraude no recebimento de verbas sociais pelos doadores deve ser apurada na esfera competente, sem repercussão na análise da regularidade das contas ora em apreciação. Ausentes elementos nos autos a demonstrar falta de capacidade econômica do candidato prestador, não se pode presumir que os recursos próprios utilizados são incompatíveis com os respectivos rendimentos. Aprovação das contas.

Provimento.

(Recurso Eleitoral n. 26748, ACÓRDÃO de 16.02.2017, Relator Des. Carlos Cini Marchionatti, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 29, Data 20.02.2017, p. 4). Grifei.

 

Não desconheço a jurisprudência desta Corte sobre a matéria envolvendo diversos casos oriundos do Município de Ibiraiaras, relatados, em sua maioria, pelo eminente Desembargador Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, julgados na sessão de 07.10.2021, a exemplo do REl 0600604-33.2020.6.21.0028, cuja ementa reproduzo:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DESAPROVAÇÃO. CANDIDATO. VEREADOR. DOAÇÃO PROVENIENTE DE PESSOA FÍSICA BENEFICIÁRIA DO AUXÍLIO EMERGENCIAL. PANDEMIA COVID-19. INDÍCIOS CONCRETOS DO CONHECIMENTO E DA ANUÊNCIA DO PRESTADOR. CONFIRMADA A IRREGULARIDADE. PREPONDERÂNCIA DO PRINCÍPIO DA MORALIDADE. PRESERVAÇÃO DA FINALIDADE SOCIAL DO BENEFÍCIO. RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. AUSENTES ESCLARECIMENTOS DA PARTE INTERESSADA. MANTIDO O DEVER DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas referentes às eleições municipais de 2020, em razão do recebimento de doação financeira proveniente de pessoa física beneficiária do auxílio emergencial de que trata o art. 2º da Lei n. 13.982/20, medida assistencial repassada pelo Governo Federal para minimizar os efeitos socioeconômicos decorrentes da pandemia causada pelo novo coronavírus (Covid-19), a evidenciar a ausência de capacidade financeira do doador e a caracterização da doação como recurso de origem não identificada. Determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional.

2. Apesar de a legislação não prever vedação expressa à doação eleitoral por pessoa física beneficiária de programas sociais, a ausência de provas de que o doador possuía capacidade financeira para o aporte, e a existência de indícios concretos de que o candidato não ignorava a condição de seu apoiador podem caracterizar a doação como recebimento de recursos de origem não identificada. Particularidades do caso concreto o distinguem das hipóteses fáticas de precedentes deste Tribunal, no sentido de que a prova da capacidade econômica de terceiro doador não pode ser atribuída ao candidato, devendo eventual irregularidade dessa natureza ser apurada em demanda específica, sem repercussão na análise da regularidade das contas.

3. Os elementos constantes nos autos são suficientes para que se estabeleça uma relação próxima entre o candidato e seu apoiador, não sendo plausível a alegação de que o recorrente desconhecesse a condição econômica ou ignorasse a qualidade de beneficiário do auxílio emergencial de seu doador. Circunstância que impõe o entendimento no sentido de fazer preponderar os princípios da moralidade e da transparência das contas, preservando a finalidade social do benefício, qual seja, garantir a sobrevivência das pessoas que tiveram sua renda reduzida no período de enfrentamento à crise causada pela pandemia da Covid-19. Não se mostra crível nem verossímil que o doador, em um contexto de pandemia e crise econômica, recebendo verba assistencial destinada à sua manutenção básica e de sua família, pratique liberalidades financeiras a candidato, perfazendo doação em monta superior ao valor mensal da própria prestação assistencial.

4. O contexto dos fatos comprova o modus operandi de contribuições análogas à presente e que marcaram as eleições de 2020 na comunidade do pequeno município, por meio de doações a candidatos feitas por pessoas físicas beneficiárias da verba emergencial da covid-19. Não merece reparo a sentença no ponto em que reconheceu a irregularidade e caracterizou o valor como recurso de origem não identificada, frente à ausência de esclarecimentos da parte interessada, determinando o recolhimento do equivalente ao Tesouro Nacional.

5. Inviável o juízo de aprovação com ressalvas das contas com base nos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, ainda que a quantia em questão seja diminuta e represente baixa porcentagem da arrecadação total de campanha. A jurisprudência do TSE não admite a aplicação dos aludidos princípios nos processos de prestação de contas quando, a despeito da irrelevância percentual ou nominal dos valores envolvidos, constatarem-se indícios de má-fé do prestador e houver o comprometimento da fiscalização exercida pela Justiça Eleitoral. Contundentes indicativos de que o prestador se apartou dos deveres de transparência e colaboração no fornecimento de informações à Justiça Eleitoral, incorrendo em irregularidade grave, uma vez que se utilizou, para fins de campanha eleitoral, de verba legalmente destinada ao amparo de pessoas com vulnerabilidade social agravada durante a situação de emergência pública decorrente da pandemia da Covid-19, nos termos da Lei n. 13.982/20.

6. Ademais, a insuficiência dos esclarecimentos sobre a origem dos recursos em questão abre espaço, em tese, para a ocultação de eventual fonte vedada de receitas ou de transgressão aos limites de gastos legalmente impostos aos candidatos, afetando, sobremaneira, o controle sobre a origem dos recursos e o destino dos gastos de campanha exercidos pela Justiça Eleitoral. Mantida a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional.

7. Provimento negado.

 

Entretanto, em todos esses casos em que foi constatada a irregularidade na doação do auxílio emergencial e determinada sua devolução ao Tesouro Nacional, houve a identificação de um vínculo próximo ou uma ação conjugada entre o doador do auxílio e o candidato, situação não verificada no processo em análise.

Dessa forma, não existindo acervo probatório que autorize a fundada conclusão que a doadora não tinha condições econômicas de repassar a receita e que o candidato beneficiado possuía conhecimento dessa realidade, entendo que inexiste irregularidade na doação recebida de Anelise Garcia Raphaelli, devendo ser afastada a irregularidade.

Cumpre destacar que a possibilidade de falta de capacidade econômica da doadora pode denotar, no entanto, fraude no recebimento do benefício emergencial, circunstância que deve ser apurada pelo órgão competente, na esfera apropriada, sem macular a regularidade das contas em questão.

III – Da Omissão de Informações sobre a Movimentação Financeira de Campanha

A unidade técnica zonal, em seu parecer, detectou a seguinte inconsistência (ID 44917042):

2. ANÁLISE DA MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA (ART. 53, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19)

Com ressalvas aos apontamentos anteriores, o restante das receitas declaradas está em conformidade com os créditos bancários, os quais estão devidamente identificados, não havendo indícios do recebimento de fontes vedadas de forma direta e indireta.

Os gastos declarados estão dentro dos limites estabelecidos pela Resolução TSE n. 23.607/19.

Há divergências entre a movimentação financeira registrada na prestação de contas e aquela registrada nos extratos eletrônicos (art. 53, inc. I, al. "g" e inc. II, al. "a", da Resolução TSE n. 23.607/19, conforme abaixo:

Identificação da conta bancária:  - BCO DO ESTADO DO RS S.A. (BANRISUL) / 529 / 00000000000603760206

Natureza da conta:  FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (FEFC)

Movimentação financeira não compatibilizada:

As divergências entre os registros financeiros no Sistema de Prestação de Contas Eleitoral (SPCE - Cadastro) e a movimentação financeira apurada nos extratos bancários são consideradas falhas graves, geradoras de potencial desaprovação, pois denotam a ausência de consistência e confiabilidade nos dados declarados no Sistema de Prestação de Contas Eleitoral (SPCE-Cadastro), impedindo o controle pela Justiça Eleitoral acerca da regularidade e legalidade das contas.

 

Na sentença, a Juíza Eleitoral, quanto ao ponto, entendeu que, “Ainda, há irregularidades graves consubstanciadas na omissão de prestação de informações à Justiça Eleitoral relativas ao registro integral da movimentação financeira de campanha, conforme apontado no exame técnico de ID 99173400, em manifesta contrariedade ao disposto na Resolução TSE n. 23.607/19”.

Anoto que o ID referido corresponde ao ID 44917042 no sistema PJe de 2º Grau.

Pois bem.

A falha se refere à movimentação de recursos do FEFC, previamente analisados sob o item I deste voto.

Os dados constantes do extrato bancário são efetivamente diversos dos informados pelo candidato no sistema SPCE, porém ficou demonstrado que tal incongruência se deveu ao fato de os cheques para pagamento das despesas terem sido descontados por terceiros, em decorrência do endosso das cártulas.

Logo, devido à documentação vertida ao feito pelo recorrente com o apelo, não subsiste a mácula, de acordo com o exame levado a efeito no item I acima.

Conclusão

Por derradeiro, afastado o conjunto de irregularidades reconhecidas na origem, deve ser reformada a sentença, para que, dando-se provimento ao recurso, sejam as contas aprovadas, afastando-se a determinação de recolhimento de valores ao erário.

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo provimento do recurso, para que sejam aprovadas as contas de campanha de JONATHAN BAUM, candidato ao cargo de vereador no Município de Cerro Grande do Sul, relativas às eleições de 2020, afastando-se a determinação de recolhimento de R$ 739,00 ao Tesouro Nacional.