REl - 0600222-24.2020.6.21.0001 - Voto Relator(a) - Sessão: 21/07/2022 às 14:00

VOTO

O recurso deve ser considerado tempestivo.

Em que pese a manifestação pela intempestividade do apelo, suscitada pelo douto Procurador Eleitoral, em consulta ao PJE de 1º grau, verifico que a ciência da intimação foi registrada no sistema em 13.10.2021, quarta-feira (IDS 8862763 e 8862764).

Assim, o prazo para manifestação encerraria somente em 18.10.2021 (segunda-feira), conforme se pode verificar na aba “expedientes” do sistema PJE de 1º grau.

Desse modo, o recurso foi interposto tempestivamente, ou seja, dentro do prazo adequado, já que trazido aos autos no dia 18.10.21.

Assim, com a vênia do que constou no parecer da douta Procuradoria Regional Eleitoral, conheço do recurso.

Cuida-se de recurso interposto contra sentença do juiz de origem que desaprovou as contas de campanha de LIGIA ARACY D’ELIA, candidata ao cargo de vereadora, eleições 2020, no Município de Porto Alegre, com fundamento tão somente em uma irregularidade: a ausência de recolhimento das sobras de campanha de recursos do FEFC (ID 44865048).

A doutrina de Rodrigo López Zílio (2022, p. 593/594) conceitua as sobras de campanha como sendo: “(...) a diferença positiva entre os recursos arrecadados e os gastos realizados em campanha, os bens e materiais permanentes adquiridos ou recebidos durante a campanha até a data da entrega da prestação de contas (art.50, caput, da Resolução TSE n. 23.607/2019)”.

A matéria atinente a sobras de campanha está disciplinada no art. 31 da Lei das Eleições, observadas as alterações na redação trazidas pela Lei n. 12.891/13:

Art. 31. Se, ao final da campanha, ocorrer sobra de recursos financeiros, esta deve ser declarada na prestação de contas e, após julgados todos os recursos, transferida ao partido, obedecendo aos seguintes critérios: (Redação dada pela Lei nº 12.891, de 2013)

I - no caso de candidato a Prefeito, Vice-Prefeito e Vereador, esses recursos deverão ser transferidos para o órgão diretivo municipal do partido na cidade onde ocorreu a eleição, o qual será responsável exclusivo pela identificação desses recursos, sua utilização, contabilização e respectiva prestação de contas perante o juízo eleitoral correspondente; (Incluído pela Lei nº 12.891, de 2013)

II - no caso de candidato a Governador, Vice-Governador, Senador, Deputado Federal e Deputado Estadual ou Distrital, esses recursos deverão ser transferidos para o órgão diretivo regional do partido no Estado onde ocorreu a eleição ou no Distrito Federal, se for o caso, o qual será responsável exclusivo pela identificação desses recursos, sua utilização, contabilização e respectiva prestação de contas perante o Tribunal Regional Eleitoral correspondente; (Incluído pela Lei nº 12.891, de 2013)

III - no caso de candidato a Presidente e Vice-Presidente da República, esses recursos deverão ser transferidos para o órgão diretivo nacional do partido, o qual será responsável exclusivo pela identificação desses recursos, sua utilização, contabilização e respectiva prestação de contas perante o Tribunal Superior Eleitoral; (Incluído pela Lei nº 12.891, de 2013)

IV - o órgão diretivo nacional do partido não poderá ser responsabilizado nem penalizado pelo descumprimento do disposto neste artigo por parte dos órgãos diretivos municipais e regionais. (Incluído pela Lei nº 12.891, de 2013)

Parágrafo único. As sobras de recursos financeiros de campanha serão utilizadas pelos partidos políticos, devendo tais valores ser declarados em suas prestações de contas perante a Justiça Eleitoral, com a identificação dos candidatos. (Redação dada pela Lei nº 12.034, de 2009).

 

 

Nessa senda, havendo sobras de recursos, os órgãos de direção devem identificar esses valores, declarando-os na prestação de contas e, após, transferir os recursos para o partido.

Em sede de recurso, a prestadora postula reforma da sentença para que as contas sejam aprovadas, “pois foi possível localizar os documentos comprobatórios junto a agência bancária, notadamente a cópia do cheque, deixando claro que houve o efetivo pagamento” (ID 44865053).

Quanto à admissibilidade de tal documento, conheço da documentação apresentada com o recurso, sobretudo porque seu exame independe de novo parecer técnico, seguindo a orientação firmada nesta Corte:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO 2016. DESAPROVAÇÃO. AFASTADA PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA. NÃO CONFIGURADO CERCEAMENTO DE DEFESA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. DOCUMENTOS JUNTADOS COM O RECURSO. ART. 266 DO CÓDIGO ELEITORAL. IRREGULARIDADE SANADA. PROVIMENTO.

1. Preliminar. Afastada a nulidade da sentença. Ausente qualquer prejuízo ao recorrente, pressuposto essencial para a declaração de nulidade.

2. Constatado, pelo órgão técnico, o recebimento de recursos de origem não identificada. Documentos juntados pelo prestador em sede recursal, com fulcro no art. 266 do Código Eleitoral. Irregularidade sanada. 3. Provimento do recurso para aprovação das contas.

(TRE-RS - RE: 2593 SÃO SEBASTIÃO DO CAÍ - RS, Relator: GUSTAVO ALBERTO GASTAL DIEFENTHÄLER, Data de Julgamento: 03/12/2019, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 231, Data 11/12/2019, Página 2-4) (grifo nosso)

 

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2017. DESAPROVAÇÃO. PRELIMINAR ACOLHIDA. CONHECIMENTO DE NOVOS DOCUMENTOS JUNTADOS AO RECURSO. ART. 266, CAPUT, DO CÓDIGO ELEITORAL. MÉRITO. RECEBIMENTO DE VALORES PROVENIENTES DO DIRETÓRIO NACIONAL DA AGREMIAÇÃO SEM A IDENTIFICAÇÃO DO DOADOR ORIGINÁRIO. DOCUMENTOS APRESENTADOS SUPRIRAM A FALHA. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Preliminar acolhida. Juntada de novos documentos com o recurso. Este Tribunal, com base no art. 266, caput, do Código Eleitoral, tem se posicionado pelo recebimento de documentos novos com as razões de recurso, até mesmo quando não submetidos a exame de primeiro grau de jurisdição, quando sua simples leitura mostra capacidade de influir positivamente no exame das contas, ou seja, o saneamento da falha deve resultar de plano da documentação, sem necessidade de qualquer persecução complementar.

2. Recebimento de valores provenientes do diretório nacional da agremiação, sem a identificação dos doadores originários, em afronta ao art. 5º, inc. IV, da Resolução TSE n. 23.464/15. Os esclarecimentos prestados, associados às informações constantes nos recibos das doações, permitem aferir, de forma clara, os doadores originários com seus respectivos CPFs, cumprindo a determinação normativa. Afastadas as sanções impostas. 3. Parcial provimento. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS - RE: 1428 SANTIAGO - RS, Relator: GERSON FISCHMANN, Data de Julgamento: 25/04/2019, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 75, Data 29/04/2019, Página 7) (grifo nosso)

 

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. DESAPROVAÇÃO. CONHECIMENTO DA DOCUMENTAÇÃO APRESENTADA INTEMPESTIVAMENTE. PREVISÃO DISPOSTA NO ART. 266 DO CÓDIGO ELEITORAL. RECEBIMENTO DE RECURSOS PROVENIENTES DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. ART. 13, PARÁGRAFO ÚNICO, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.464/15. APLICAÇÃO IRREGULAR DE VERBAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. INCONSISTÊNCIA COM RELAÇÃO A GASTOS COM COMBUSTÍVEIS. SANADA PARTE DAS IRREGULARIDADES. REDUÇÃO DO MONTANTE A SER RECOLHIDO AO TESOURO NACIONAL. AFASTADA A PENALIDADE DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DE QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. MANTIDA A MULTA FIXADA NA SENTENÇA. RESPONSABILIDADE PELO RECOLHIMENTO DOS VALORES FIXADA EXCLUSIVAMENTE À ESFERA PARTIDÁRIA. PROVIMENTO PARCIAL.

1. Conhecimento da documentação apresentada com o recurso, a teor do disposto no art. 266 do Código Eleitoral.

2. Recebimento de recursos oriundos de origem não identificada. Ainda que o número de inscrição no CPF corresponda ao do doador informado nas razões recursais, não foram apresentadas outras informações para subsidiar a fiscalização da licitude da receita, não sendo possível, sem a adoção dos procedimentos técnicos de exame destinados à verificação das fontes vedadas, atestar a regularidade do recurso arrecadado.

[…]

6. Provimento parcial.

(TRE-RS - RE: 4589 ALVORADA - RS, Relator: ROBERTO CARVALHO FRAGA, Data de Julgamento: 21/03/2019, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 52, Data 22/03/2019, Página 4.) (Grifo nosso)

 

Nesse sentido, a Procuradoria Regional Eleitoral - PRE manifesta-se acompanhando o entendimento jurisprudencial desse e. TRE-RS, “na medida em que este se revela suficiente para sanar as irregularidades, ou, no mínimo, embasar a pretensão recursal com algum grau de verossimilhança, sem que seja necessário novo exame pela Unidade Técnica”.

Ademais, a Procuradoria Regional Eleitoral - PRE anexa ao seu parecer tela de consulta realizada junto ao SISGRU, confirmando o pagamento da GRU (ID 44952791).

Dessa feita, tendo a recorrente comprovado o recolhimento da sobra de campanha, no valor de R$ 2.386,50, mediante cópia do cheque emitido nominalmente à Secretaria do Tesouro Nacional, merece reforma a sentença para aprovar as contas da candidata, máxime porque o recolhimento foi realizado em 02.12.2020 (ID 44952791), antes mesmo do parecer conclusivo (ID 44865044) e da prolação da sentença.

Ante o exposto, VOTO pelo conhecimento e provimento do recurso, para aprovar as contas de LIGIA ARACY D’ELIA .