ED no(a) REl - 0600482-06.2020.6.21.0065 - Voto Relator(a) - Sessão: 21/07/2022 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas.

 

Admissibilidade

O recurso é tempestivo e preenche os demais requisitos de admissibilidade, razões pelas quais dele conheço.

 

Mérito

Inicialmente, cumpre consignar que os embargos de declaração só podem ser opostos com o objetivo específico de esclarecer obscuridade ou contradição, sanar omissão ou corrigir erro material existente na decisão judicial, conforme estabelece o art. 1.022 do Código de Processo Civil, aplicado aos feitos eleitorais por força do disposto no art. 275, caput, do Código Eleitoral.

É entendimento pacífico do Superior Tribunal de Justiça que “a boa técnica dos embargos declaratórios visa a escoimar o relatório, os fundamentos e o acórdão de incoerências internas, capaz de ameaçarem sua inteireza” e, portanto, não é o meio adequado para o embargante “obter o reexame da matéria versada nos autos, na busca de decisão que lhe seja favorável” (STJ, EDcl no REsp 440.106/RJ, 6a Turma, Rel. Min. Celso Limongi, DJe 23.8.2010.).

No caso dos autos, mostra-se evidente ausência dos requisitos para a oposição dos presentes aclaratórios. O que pretende o embargante é rever a justiça da decisão, entendendo possuir argumentos suficientes para alterar o resultado do julgamento. O fato é que o mérito restou plenamente enfrentado, não havendo quaisquer vícios a serem sanados.

Ao contrário do que refere o embargante, ambos os temas foram debatidos na fundamentação do acórdão embargado, o que vai bem sintetizado na seguinte passagem da ementa do acórdão:

2. Preliminar de ilegitimidade ativa. De acordo com o disposto no art. 6º, §§ 1º e 4º, da Lei n. 9.504/97, o partido coligado não possui legitimidade para, isoladamente, propor ação eleitoral, salvo quando questionar a validade da própria coligação. Os partidos políticos são partes legítimas à propositura de ações eleitorais de forma individualizada, exceto no pleito majoritário quando estiverem coligados a outras agremiações. No pleito proporcional, por força de comando constitucional, a sua atuação será sempre isolada (EC n. 97/17  altera o art. 17, § 1º, da Constituição Federal). Compondo coligação para o pleito majoritário, não detém a agremiação legitimidade para a propositura da ação originária em relação aos atos imputados aos candidatos aos cargos de prefeito e vice, devendo ser extinto o processo, em relação a estes, sem resolução de mérito, com fundamento no art. 485, inc. VI, do CPC. A legitimidade ativa ad causam do recorrente, na hipótese, restringe-se ao questionamento da licitude dos fatos que se relacionam ao pleito proporcional, alcançando os ilícitos eleitorais imputados a candidato a vereador e ex-secretário municipal.

3. Reconhecida a ilegitimidade do recorrente para o ajuizamento da AIJE, fica prejudicado o exame do mérito das alegações de abuso de poder e prática de conduta vedada em relação ao pleito majoritário, uma vez que tal apreciação somente poderia se dar para manter a sentença de improcedência, nos termos do art. 488 do CPC. Dessa forma, o apelo circunscreve-se à questão relativa à alegada prática de conduta vedada por parte do candidato a vereador, ex-secretário municipal, devidamente desincompatibilizado para concorrer ao referido cargo legislativo, o qual teria comparecido à inauguração de obra pública e divulgado tal ato por vídeo publicado no Facebook, configurando as condutas vedadas pelos arts. 77, parágrafo único, e 73, inc. VI, al. “b”, da Lei n. 9504/97.

 

O que pretende o embargante é rediscutir a justiça da decisão, objetivo para o qual não se presta o presente recurso.

E no mesmo sentido é o entendimento deste Relator quanto à inexistência de vício no que se refere à análise de suposto abuso de poder político ou dos meios de comunicação pretensamente cometidos por FLAVIO MITON DE SOUZA. Transcrevo excerto do acórdão que bem abordou o tema (ID 44885519):

Por consequência, o apelo circunscreve-se à questão relativa à alegada prática de conduta vedada por parte do candidato a Vereador, ex-Secretário Municipal de Obras de Gramado, FLÁVIO MILTON DE SOUZA, devidamente desincompatibilizado para concorrer ao referido cargo do legislativo municipal, o qual teria comparecido à inauguração de obra pública e divulgado tal ato por vídeo publicado no Facebook, configurando condutas vedadas pelos arts. 77, parágrafo único, e 73, inc. VI, al. “b”, da Lei n. 9504/97, a seguir transcritos:

 

Art. 77. É proibido a qualquer candidato comparecer, nos 3 (três) meses que precedem o pleito, a inaugurações de obras públicas. (Redação dada pela Lei n. 12.034/09)

 

Parágrafo único. A inobservância do disposto neste artigo sujeita o infrator à cassação do registro ou do diploma. (Redação dada pela Lei n. 12.034/09)

 

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

 

(...)

 

VI - nos três meses que antecedem o pleito:

 

(...)

 

b) com exceção da propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado, autorizar publicidade institucional dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral;

 

Visando demonstrar embasamento fático de sua pretensão, o recorrente acostou vídeo produzido pelo candidato FLÁVIO MILTON DE SOUZA (ID 44349133), no qual este anuncia a conclusão de pavimentação e recapeamento asfáltico da Rua Ângelo Bisol e a consequente retomada do fluxo de veículos, no sábado, 14.11.2020, véspera da eleição, o que teria promovido a sua candidatura e a dos candidatos da chapa majoritária.

 

Contudo, como bem ressaltou a douta magistrada da 65ª Zona Eleitoral, Dra. Simone Ribeiro Chalela, não se pode compreender tal ato como participação em inauguração de obra pública, bem como inviável se mostra acolher a alegação de propaganda institucional para os fins de enquadramento na conduta vedada do art. 73, inc. VI, al. “b”, da Lei n. 9.504/97.

 

Quanto ao ponto, colho excerto da bem-lançada sentença:

 

Em relação a suposta inauguração da obra de recapeamento da Rua Angelo Bisol, também considera este juízo que não se sustenta a alegação do representante. O vídeo de ID 41338348 apresentar caráter informativo aos residentes da região de que uma rua importante teria seu fluxo liberado. Ainda que seja possível reconhecer que exista caráter de autopromoção do então candidato Flávio Milton de Souza, não se pode inferir da publicação que houve tentativa de simular inauguração de obra pública, pois inexistentes características como cerimônia solene, divulgação de ato de inauguração e presença de eleitores.

 

Analisado ainda o release mencionado nas alegações finais do representante como meio de utilização da máquina pública para promoção do suposto ato de inauguração, não se observam elementos que possam justificar tal afirmação, vez que ainda que produzido por departamento da prefeitura, apenas constam os dados de interrupção do trânsito nas ruas determinadas, o bloqueio do tráfego para veículos e o pedido de compreensão da comunidade pelos transtornos que seriam causados. Não foi fornecido, sequer, o prazo de conclusão das obras ou exaltação dos benefícios que a obra traria a população local. Não cabe, portanto, a alegação de propaganda institucional para os fins de enquadramento na conduta vedada do art. 73, inc. VI, al.  “b”, da Lei n. 9504/97.

 

Diante dos fundamentos expostos, cabe a improcedência da presente Ação de Investigação Judicial Eleitoral neste ponto. Este, aliás, foi o posicionamento do Ministério Público Eleitoral em seu parecer.

 

Acrescento que do acervo probatório acostado aos autos, entendo que as condutas em análise não ostentam nem de longe qualquer vedação legal.

 

No aludido vídeo, realizado pelo próprio candidato em modo selfie e de forma amadora, é possível visualizar a figura de FLÁVIO em primeiro plano e, ao fundo, a Rua Angelo Bisol. O candidato está sozinho e não há nenhum indicativo de que tal ato possa minimamente parecer uma inauguração de obra pública. Não há solenidade, não outras pessoas, sequer há a costumeira fita para ser cortada ou desenlaçada. Não há nada. Apenas a figura do candidato e a rua ao fundo.

 

Repito. Não se constata a ocorrência de cerimônias ou aglutinação de eleitores ou cabos eleitorais, sequer foram afixadas propagandas de cunho institucional no local, não sendo possível, por isso, inferir que houve o uso indevido da máquina pública com o objetivo de beneficiar a eleição do recorrido.

 

Portanto, a mim é de extrema clareza que o referido vídeo não demonstra a participação do candidato em obra pública, assim como a divulgação deste não pode, de igual modo, ser considerada propaganda institucional.

 

E na mesma linha é o entendimento do douto Procurador Regional Eleitoral (ID 44873004):

 

Em que pese o candidato tenha se dirigido até Rua Ângelo Bisol e anunciado a conclusão da obra de asfaltamento da via, bem como tenha veiculado o vídeo como propaganda eleitoral nas redes sociais, o fato não pode ser interpretado como inauguração de obra, uma vez que não é mostrado nenhum tipo de evento, cerimônia ou solenidade, tampouco movimentação de pessoas e veículos no local. Embora tenha ocorrido proveito da oportunidade para exaltar o trabalho da administração municipal (com evidente propósito de angariar votos), não foi promovida a participação de eleitores. A simples divulgação da obra não é suficiente para caracterizar uma inauguração, de modo a configurar a prática da conduta vedada de que trata o art. 77 da Lei das Eleições.

 

De forma semelhante, já decidiu este TRE, conforme ilustram as seguintes ementas:

 

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. REPRESENTAÇÃO. PRÁTICA DE CONDUTA VEDADA. FACEBOOK. INSTAGRAM. IMPROCEDÊNCIA. NÃO INCIDÊNCIA DE EFEITO SUSPENSIVO. ART. 257, CAPUT, DO CÓDIGO ELEITORAL. AUSÊNCIA DE CAUSA DE NULIDADE. NÃO PREJUÍZO ÀS PARTES. DEVOLUÇÃO DA MATÉRIA. LEGÍTIMO EXERCÍCIO DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO. NÃO CARACTERIZAÇÃO DE PUBLICIDADE INSTITUCIONAL OU ATO ABUSIVO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO.

(...)

4. As postagens nas redes sociais Facebook e Instagram não configuram abuso de poder, e sim se encontram na esfera do legítimo exercício da liberdade de expressão. Trata-se de simples divulgação de informações sobre as obras públicas da gestão à qual se alinham os candidatos, pondo-se ao escrutínio da população para a continuidade de gestão, divulgada em espaço permitido de apoio eleitoral, razão pela qual é inviável caracterizá-la como publicidade institucional ou ato abusivo. Os vídeos foram veiculados em página pessoal de redes sociais, de maneira acessível a qualquer pessoa, candidato ou apoiador. Não foi utilizado, por exemplo, canal oficial da administração municipal. Realizada filmagem comum, ao ar livre, em local público, de acesso a qualquer pessoa, e não de um gabinete, uma dependência governamental. Não há identificação do cargo ocupado.

5. O alto número de visualizações, curtidas e compartilhamentos recebidos pelas postagens é circunstância que não pode ser trazida como fundamento para a imposição de sanções. Ainda que nos vídeos esteja a falar o atual prefeito da cidade, noticiando o que entende como boas práticas de gestão, tal comportamento é permitido, faz parte do debate eleitoral e não configurou malferimento à paridade de armas, à quebra da igualdade de chances. Qualquer apoiador da coligação recorrente poderia ter divulgado vídeo idêntico, apenas destacando eventuais defeitos, tanto da chegada de nova empresa de logística, quanto da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) entregue a determinada região da cidade. Seria antinatural do próprio embate que as candidaturas da situação, ou os agentes públicos a ela alinhados, não pudessem noticiar aquelas obras ou feitos que entendem como benéficos à comunidade, sob pena de limitação indevida à liberdade de expressão. Cabe às candidaturas de oposição estabelecer, de forma propositiva, uma campanha eleitoral que convença os cidadãos que uma mudança na administração será proveitosa à cidade. Manutenção da sentença.

6. Desprovimento.

(Recurso Eleitoral n 060014681, ACÓRDÃO de 16.12.2020, Relator(a) GUSTAVO ALBERTO GASTAL DIEFENTHÄLER, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 17.12.2020.)

 

RECURSO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CONDUTA VEDADA. ART. 77 DA LEI N. 9.504/97. INAUGURAÇÃO DE OBRA PÚBLICA. NÃO CONFIGURAÇÃO. PROVIMENTO. ELEIÇÃO 2016.

1. É vedado aos candidatos o comparecimento, nos três meses que antecedem ao pleito, à inauguração de obras públicas. O art. 77 da Lei n. 9.504/97 comporta interpretação objetiva. Vedada a analogia ou a equiparação de conceitos, por versar sobre restrição de direitos cuja gravidade do sancionamento leva o infrator à cassação do registro ou do diploma.

2. A divulgação de vídeo nas redes sociais, mostrando os recorrentes em visita ao Centro de Referência em Assistência Social - CRAS e à escola pública, sinaliza proveito de oportunidade para exaltar o trabalho da Administração Municipal. Fato que não pode ser interpretado como inauguração de obra pública. Inexistentes evento, cerimônia ou solenidade, tampouco pessoas no local. Conduta vedada não vislumbrada.

3. Provimento.

(Recurso Eleitoral n 25951, ACÓRDÃO de 18.7.2017, Relator(aqwe) DR. EDUARDO AUGUSTO DIAS BAINY, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 127, Data 20.7.2017, Página 6)

 

Dessa forma, na esteira do parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, deve ser confirmada a sentença que julgou improcedente a ação em relação ao recorrido FLÁVIO MILTON DE SOUZA.
 

Por todo o exposto, verifica-se que os presentes embargos têm como único intuito rediscutir matéria já enfrentada no acórdão.

Desse modo, diante da ausência de qualquer omissão, obscuridade, contradição ou erro material no acórdão, deixo de acolher a pretensão recursal.

Registro que as questões relevantes ao deslinde da controvérsia foram todas apreciadas e, como dito alhures, a jurisprudência está consolidada no sentido da desnecessidade de que o órgão julgador se manifeste, expressamente, a respeito de todas as teses e dispositivos legais indicados pelas partes.

A esse respeito, é a expressa dicção do art. 489, inc. III, do CPC, in verbis:

Art. 489. São elementos essenciais da sentença: [...] § 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

[...].

IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;


 

Nesse sentido, elenco julgado do STJ:

PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA ORIGINÁRIO. INDEFERIMENTO DA INICIAL. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO, OBSCURIDADE, ERRO MATERIAL. AUSÊNCIA.

1. Os embargos de declaração, conforme dispõe o art. 1.022 do CPC, destinam-se a suprir omissão, afastar obscuridade, eliminar contradição ou corrigir erro material existente no julgado, o que não ocorre na hipótese em apreço.

2. O julgador não está obrigado a responder a todas as questões suscitadas pelas partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente para proferir a decisão. A prescrição trazida pelo art. 489 do CPC/15 veio confirmar a jurisprudência já sedimentada pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, sendo dever do julgador apenas enfrentar as questões capazes de infirmar a conclusão adotada na decisão recorrida.

4. Percebe-se, pois, que o embargante maneja os presentes aclaratórios em virtude, tão somente, de seu inconformismo com a decisão ora atacada, não se divisando, na hipótese, quaisquer dos vícios previstos no art. 1.022 do Código de Processo Civil, a inquinar tal decisum.

5. Embargos de declaração rejeitados.

(EDcl no MS 21315 / DF – Relator Ministra DIVA MALERBI - PRIMEIRA SEÇÃO - Data do Julgamento - 08.6.2016 -Data da Publicação/Fonte - DJe 15.6.2016.) (Grifo nosso)
 

Em relação ao pedido de prequestionamento, tenho que os dispositivos restam prequestionados por força do art. 1.025 do CPC.

Ante o exposto, VOTO pela rejeição dos embargos de declaração.

É como voto, senhor Presidente.