PetCiv - 0600281-44.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 15/07/2022 às 14:00

VOTO

Eminentes Colegas.

O fato é notório e de ampla divulgação desde o início do dia de ontem, tendo inclusive se posicionado nos tópicos mais comentados nacionalmente nas redes sociais, circunstância esta que contemporaneamente bem demonstra a repercussão alcançada.

A manifestação desta Corte se faz necessária, em razão da excepcionalidade da situação e de sua repercussão, em especial, levando-se em consideração a proximidade do período eleitoral, a necessidade de orientação aos magistrados, candidatos e à população em geral, além da segurança jurídica em relação às regras da propaganda.

Em verdade, friso o contido no Código Eleitoral, o qual prescreve que as atribuições do(a) Corregedor(a) Regional são fixadas por ato normativo do TSE e do TRE perante o qual servir.

Nosso Regimento Interno reproduz a Resolução TSE n. 7.651/65 nesse aspecto, prevendo que:

Art. 21. Incumbe ao Corregedor Regional Eleitoral a inspeção e correição dos serviços eleitorais e, especialmente:
(...).
II – velar pela fiel execução das leis e pela boa ordem e celeridade dos serviços e processos eleitorais;
(...).
V – verificar se há erros, abusos ou irregularidades nos serviços eleitorais a serem corrigidos, evitados ou sanadas, determinando, por provimento, as providências a serem tomadas ou as corrigendas a se fazer;
(...).
IX – orientar os juízes eleitorais sobre a regularidade dos serviços nos respectivos juízos e cartórios.
(...).

Art. 25. Os provimentos expedidos pela Corregedoria Regional Eleitoral vinculam os juízes eleitorais a lhes dar imediato e preciso cumprimento.

 

Assim, sob esses fundamentos, inclusive retratados no Regimento Interno do TRE-RS, trata-se de ato discricionário da Corregedora. Entretanto, faço a apresentação da questão ao Plenário para discussão e apreciação pelos demais pares da Corte, haja vista sua grande repercussão.

Prossigo.

De início, entendo fundamental que sejam trazidas minúcias da fala da Juíza Eleitoral Ana Lúcia Todeschini Martinez, para além da manchete jornalística amplamente propagada.

Em resumo, houve a concessão de entrevista à rádio Fronteira Missões, na qual a magistrada afirmou ser “evidente que, hoje, a bandeira nacional é utilizada por diversas pessoas como sendo um lado da política (…)”; citou o cenário de polarização, frisou que “de um dos lados há o uso da bandeira nacional como símbolo dessa ideologia política”, e opinou não haver “mal nenhum nisso”. Destacou que, no seu entendimento, manifestações com a bandeira nacional deverão se submeter às regras de regência eleitorais típicas, aplicáveis às demais bandeiras (partidárias ou de candidato), de forma a “obedecer aos requisitos da propaganda eleitoral”.

E seguiu elencando condições legais relativas à mobilidade e à proibição de afixação, para afirmar que à exceção “dos mastros que estão nos prédios públicos” será ordenada a retirada das bandeiras.

Repetiu possuir ponto de vista próprio, sugeriu aos diretórios estaduais e nacionais de partidos políticos a realização de consulta aos Tribunais Regionais Eleitorais e ao Tribunal Superior Eleitoral, os quais “podem emitir uma decisão como consulta eleitoral e essa decisão valer para todo o território”, e ressaltou que o posicionamento externado se sustentará até “orientação ou decisão superior”.

A fala da magistrada se encerrou com a seguinte afirmação: “(…) o que a gente passou na reunião foi exatamente isso: é bandeira, é bandeira nacional, mas hoje ela está configurando propaganda eleitoral, então ela vai ter que obedecer às regras da propaganda eleitoral, no meu ponto de vista”.

Pois bem.

Inicialmente, cumpre destacar não ter havido, de parte da magistrada e no que toca às presentes circunstâncias, prestação jurisdicional ou decisão em sede de exercício de poder de polícia. Houve uma reunião com representantes locais das agremiações partidárias, ocasião na qual fora sinalizado futuro posicionamento relativo à aplicação da legislação eleitoral, posicionamento este relatado na entrevista.

Destaco, ademais, que em vários momentos a Dra. Ana Lúcia Todeschini Martinez deu relevo ao fato de que as conclusões externadas são produtos de exegese própria, tendo expressamente indicado que se alinhará às vindouras decisões do Tribunal Regional Eleitoral ou do egrégio Tribunal Superior Eleitoral.

Portanto, deve-se fixar bem a premissa de que se tratou de manifestação relativa à aplicação da legislação eleitoral em tese. A magistrada compreende, em resumo, que ao longo do próximo período eleitoral a bandeira nacional há de se submeter às regras de regência aplicáveis aos materiais de campanha de agremiações e de candidatos – o melhor exemplo comparativo seria a bandeira de um partido político.

Contudo, e aqui também trato do tema de forma hipotética, é certo que a bandeira nacional possui destaque como símbolo da República Federativa do Brasil e se posiciona acima, bem acima, de eventuais disputas eleitorais. O Constituinte de 1988 não deixa dúvidas quanto a isso no art. 13, § 1º, reforçando uma característica ínsita ao Estado Democrático de Direito: o elevado patamar conferido aos símbolos nacionais, de modo a colocá-los a salvo de apropriação por determinado governo, ideologia, partido político ou candidato.

Ainda que anterior à atual Constituição, a legislação ordinária relativa ao tema foi por ela recepcionada, pois a Lei n. 5.700/71, que dispõe sobre os Símbolos Nacionais, determina:

Art. 10. A Bandeira Nacional pode ser usada em todas as manifestações de sentimento patriótico dos brasileiros, de caráter oficial ou particular.

Exatamente por tal quadro normativo, constitucional e ordinário é que o Tribunal Superior Eleitoral, consultado sobre o tema, manifestou-se no sentido de que não há vedação para o uso de símbolos nacionais na propaganda eleitoral, sendo punível a utilização indevida nos termos da legislação de regência, tendo o Relator, Ministro Caputo Bastos, destacado que os símbolos nacionais estão ligados “à nação e ao povo”.

Transcrevo a ementa:

Consulta. Propaganda eleitoral. Símbolos nacionais, estaduais e municipais. Uso. Possibilidade.

Não há vedação para o uso, na propaganda eleitoral, dos símbolos nacionais, estaduais e municipais, sendo punível a utilização indevida nos termos da legislação de regência. (Consulta n. 1271. Relator Ministro CAPUTO BASTOS. Publicação: Diário da Justiça de 08.8.2006, pág. 117).
 

Lembro que as normas de cunho restritivo devem ser interpretadas também restritivamente, de forma que o art. 40 da Lei n. 9.504/97, único dispositivo que trata de limitações quanto ao uso de símbolos em campanhas eleitorais, não se aplica à hipótese, pois sua redação veda o “uso, na propaganda eleitoral, de símbolos, frases ou imagens, associadas ou semelhantes às empregadas por órgão de governo, empresa pública ou sociedade de economia mista”.

Ou seja, não havendo restrição específica na legislação brasileira sobre o uso da bandeira nacional em período eleitoral – ao contrário, pois presente em nosso ordenamento jurídico o comando encorajador de seu uso em toda manifestação patriótica, inclusive de caráter particular, art. 10 da Lei n. 5.700/71 –, não vislumbro ser viável limitar o direito à liberdade de expressão quanto à utilização de um símbolo nacional, garantia fundamental insculpida constitucionalmente, ao entendimento de caracterização de propaganda eleitoral, sobretudo de forma apriorística.

O uso dos símbolos nacionais não tem coloração governamental, ideológica ou partidária, pertencem a todo povo brasileiro. Eventuais desrespeitos à legislação serão, certamente, objeto de análise e manifestação da Justiça Eleitoral em cada caso concreto, fornecendo segurança jurídica ao pleito eleitoral de 2022.

Esta é a orientação que submeto ao Plenário desta Corte Eleitoral.