RecCrimEleit - 0600079-67.2021.6.21.0173 - Voto Relator(a) - Sessão:

VOTO

Eminentes Colegas.

O recurso é tempestivo.

Sublinho que o prazo para interposição do recurso sob exame é de 10 (dez) dias, de acordo com o previsto no art. 362 do Código Eleitoral, e, nos termos do art. 798, § 5º, do CPP, a contagem de tal interregno há de ser realizada a partir da última intimação da sentença condenatória, seja ela do réu ou do defensor, conforme a interpretação conferida pelo Supremo Tribunal Federal e externada na Súmula n. 710: “No processo penal, contam-se os prazos da data da intimação, e não da juntada aos autos do mandado ou da carta precatória ou de ordem”.

No caso, o defensor dativo interpôs recurso em 05.12.2019, ID 41294683, p. 7-10, e o réu foi intimado pessoalmente da sentença condenatória em data posterior, 20.10.2020, ID 41294783, p. 24, razão pela qual o recurso é tempestivo, de forma que não possui efeito a certidão expedida pelo Cartório Eleitoral, no sentido de que houve trânsito em julgado da sentença para a defesa em 28.9.2020, ID 41294783, p. 25, bem como o arquivamento pelo despacho judicial, ID 41294783, p. 26, tanto que a magistrada, em despacho posterior, datado de 18.5.2021, determinou a remessa dos autos a este Tribunal, ID 41295033.

Destarte, o recurso da defesa deve ser conhecido.

À análise.

1. Prescrição.

Destaco a não ocorrência da prescrição da pretensão punitiva, pois não decorreram três anos entre o recebimento da denúncia, 21.01.2019, e a publicação da sentença condenatória, 09.10.2019, bem como desta segunda data e o presente julgamento, nos termos do art. 109, inc. VI, do Código Penal, para os crimes em que a pena aplicada foi inferior a um ano.

2. Impedimento. Promotora de Justiça.

Ainda, trato de forma apartada a questão do impedimento da Promotora de Justiça Janine Faleiro em prestar testemunho, invocada nas razões recursais defensivas, em tese que não merece amparo.

Indico inicialmente o art. 258 do Código de Processo Penal:

Art. 258. Os órgãos do Ministério Público não funcionarão nos processos em que o juiz ou qualquer das partes for seu cônjuge, ou parente, consangüíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, e a eles se estendem, no que lhes for aplicável, as prescrições relativas à suspeição e aos impedimentos dos juízes.

E as hipóteses de impedimento de magistrados, no processo penal, estão presentes no art. 252:

Art. 252.  O juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que:

I - tiver funcionado seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, como defensor ou advogado, órgão do Ministério Público, autoridade policial, auxiliar da justiça ou perito;

II - ele próprio houver desempenhado qualquer dessas funções ou servido como testemunha;

III - tiver funcionado como juiz de outra instância, pronunciando-se, de fato ou de direito, sobre a questão;

IV - ele próprio ou seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, for parte ou diretamente interessado no feito.

Ora, a situação é resolvida pelo inc. II do art. 252, pois ao não oficiar no presente processo a condição de testemunha da Promotora de Justiça restou preservada e, como bem lembrado pelo parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, desde o oferecimento da denúncia, a atuação foi realizada por outro integrante do Ministério Público.

Nesse norte, e considerando que as hipóteses de impedimento compõem rol taxativo, conforme pacífica jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (a título exemplificativo o RHC n. 37.813/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, j. em 02.8.2018), não há impedimento a ser declarado.

3. Emendatio Libelli.

A Procuradoria Regional Eleitoral pugna pela emendatio libelli, instituto que resumidamente visa a dar enquadramento legal diverso daquele indicado na denúncia, ao fato tido como criminoso, ainda que tal circunstância resulte em apenamento mais gravoso, nos termos do disposto no art. 383 do Código de Processo Penal, e aduz que o Supremo Tribunal Federal possui posicionamento pela viabilidade da emendatio libelli em segunda instância mediante recurso exclusivo da defesa, desde que não ocorra piora na situação jurídica do recorrente, consoante o art. 617 do CPP.

Com razão.

Ainda que a denúncia oferecida contra ANDERSON SANTOS SAPKO tenha indicado o fato como subsumível à hipótese do inc. II, § 5º, art. 39 da Lei n. 9.504/97, e a sentença tenha aderido a tal posicionamento, na realidade o inc. III do citado artigo possui maior correlação típica, uma vez que descreve a conduta de divulgação de qualquer espécie de propaganda eleitoral.

Destaco que ANDERSON SANTOS SAPKO foi denunciado pelo Ministério Público Eleitoral fundamentalmente porque foi flagrado em uma aglomeração de pessoas, em 07.10.2018, por volta das 14h30min, cercado por pilhas de panfletos de propaganda eleitoral, em via pública próxima ao funcionamento de seções eleitorais da Escola Municipal de Ensino Fundamental Alberto Pasqualini, em Gravataí (Rua Evaristo da Veiga, 440, Bairro Morada do Valle II), e tais circunstâncias foram consideradas indicativas da prática do crime de propaganda eleitoral durante fiscalização realizada por Promotora de Justiça, escoltada pela Guarda Municipal de Gravataí. Outra pessoa presente na mesma ocasião, Cristiano Medeiros Ishkawa, obteve benefício via transação penal.

Transcrevo os comandos legais:

Art. 39. A realização de qualquer ato de propaganda partidária ou eleitoral, em recinto aberto ou fechado, não depende de licença da polícia.

(…)

§ 5º Constituem crimes, no dia da eleição, puníveis com detenção, de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de cinco mil a quinze mil UFIR:

(...)

II - a arregimentação de eleitor ou a propaganda de boca de urna; (Redação dada pela Lei nº 11.300, de 2006)

III - a divulgação de qualquer espécie de propaganda de partidos políticos ou de seus candidatos. (Redação dada pela Lei nº 12.034, de 2009)

(...)

Ressalto que a adequação típica se mostra, ainda em tese, mais adequada no inc. III do § 5º do art. 39 do que em seu congênere inc. II. Da doutrina, trago pertinente lição de Luiz Carlos dos Santos Gonçalves:

A norma atual veda a divulgação de qualquer espécie de propaganda de partidos políticos ou de seus candidatos, sem exigir a tendência para influir na vontade do eleitor e sem especificar as modalidades da propaganda. Simplesmente, todas as formas de divulgação propagandística estão proibidas no dia do pleito. Cabe notar que essa generalidade da descrição típica do inciso III desse artigo 39 tornou supérflua a menção, no inciso II, da propaganda de boca de urna. Esta é aquela realizada nas imediações das seções eleitorais, quando os eleitores se dirigem para o voto. A distância exata do que se deve considerar “imediações” sempre deu margem a debates, exigindo tradição no sentido de que a área de exclusão seria de 100 metros a partir do local onde funcionam as mesas receptoras de votos.  (Crimes eleitorais e processo penal eleitoral. São Paulo: 2ª ed. Atlas, 2015, p.131-132)

Transcrevo, ainda, trecho do parecer ministerial, o qual agrego expressamente às razões de decidir, evitando assim desnecessária repetição de argumentos:

Ao tratar do crime previsto pelo inciso II, Rodrigo López Zilio (Crimes eleitorais, 3ª ed., São Paulo, JusPdvm, 2017, pp. 242-244), apresenta as seguintes considerações (com grifos nossos):

O tipo penal recebeu a atual redação com a Lei n. 11.300/06. Antes em sua redação originária, dispunha o art. 39, inciso II, da LE que o crime consistia na “distribuição de material de propaganda política, inclusive volantes e outros impressos, ou a prática de aliciamento, coação ou manifestação tendentes a influir na vontade do eleitor”. Esse tipo penal originário foi bipartido: a sua primeira parte, com ligeira modificação, virou o inciso III do art. 39; a segunda parte também modificada ganhou o status do atual inciso II do art. 39. A redação atual, porém, é mais confusa do que anterior, causando a necessidade de uma interpretação do texto legal em harmonia com o princípio constitucional da liberdade de expressão – que é o elemento preponderante da participação ativa do eleitor na perfectibilização da soberania popular, revelando uma plenitude substancial do processo eleitoral. A arregimentação é o aliciamento ou coação, tendente a influir na vontade do eleitor (…) O crime de aliciamento ou arregimentação, previsto no art. 39, § 5º, inciso II, primeira parte, da LE exige o dolo específico, consistente na intenção de influenciar na vontade livre do eleitor. A propaganda de boca de urna, de outro lado, é um tipo penal indeterminado e excessivamente genérico, além de adotar nomenclatura que não observa o vernáculo adequado. Na verdade, a expressão “boca de urna” evoca uma época em que a propaganda eleitoral sofria determinadas limitações em face à proximidade da seção eleitoral (ou seja, quando a propaganda é realizada na “boca” da urna). Neste contexto, constata-se que a criminalização da propaganda de boca de urna, em uma ponta, é inócua – porque toda e qualquer divulgação de propaganda eleitoral é punida na forma do inciso III do § 5º do art. 39 da LE- e, em outra ponta, é vazia – porque se houver abordagem nessa “propaganda de boca de urna” o tipo passa a ser inciso II do § 5º do art. 39 da LE.

Em suma, tratando-se de propaganda eleitoral na data do pleito, a tipificação precisa será a do inciso II, se houver abordagem do eleitor com o dolo de alterar-lhe o voto (arregimentação), e a do inciso III, se não estiver caracterizada abordagem dessa espécie, mas mera divulgação de propaganda eleitoral.

No caso, a descrição fática feita pela denúncia (e encampada pela sentença condenatória) limitou-se à divulgação de propaganda de candidato na data do pleito, por meio de panfletos (“santinhos”).

 

Logo, entendo por realizar a emendatio libelli nos termos do art. 383, caput, do Código de Processo Penal, alterando a capitulação jurídica do art. 39, § 5º, inc. II, segunda parte, para o art. 39, § 5º, inc. III - divulgação de propaganda de candidatos na data do pleito, procedimento permitido conforme a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no presente caso com a condicionante de que não agrave a situação do único recorrente, a defesa (HC n. 103.310, Relator para acórdão o Ministro Gilmar Mendes, DJe de 8.5.2015, e HC n. 134.872, Relator o Ministro Dias Toffoli, Segunda Turma, DJe de 08.10.2018).

4. Mérito.

No relativo ao mérito propriamente dito, ou seja, quanto à verificação da materialidade e da autoria do crime em questão, adianto que o recurso defensivo não merece provimento e a sentença não merece reparos, pois a prova dos autos bem demonstra a prática delitiva de ANDERSON SANTOS SAPKO.

Sublinho que a tese defensiva se encontra distante dos demais elementos de prova. Noto que apenas o relato do réu, no momento em que fora lavrado o boletim de ocorrência, é pela negativa de vínculo com o material de propaganda:

Relato do autor Anderson: que estava na parada de ônibus esperando o transporte, foi quando a Promotora achou diversos santinhos a 50 metros de distância de onde estava e falou que pertencia ao mesmo, que fazia 15 minutos que estava no local.

E a alegação defensiva sequer foi reforçada em juízo pelo próprio acusado, pois, muito embora tenha sido devidamente intimado, o réu deixou de comparecer à audiência de instrução, de modo que abriu mão da realização de seu interrogatório, momento em que poderia apresentar diretamente perante o magistrado a sua versão dos fatos.

Dessa forma, a afirmação extrajudicial de ANDERSON é a única que destoa dos demais componentes de prova, como o boletim de ocorrência e o auto de apreensão de 283 (duzentos e oitenta e três) panfletos/santinhos e, sobretudo, do testemunho compromissado do Guarda Municipal Josué Alves Pacheco, servidor público que acompanhou o flagrante e conduziu o réu para lavratura do Boletim de Ocorrência/Termo Circunstanciado perante o 17º Batalhão de Polícia Militar, ID 41294933.

Destaco, aqui, o relato realizado por Josué:

Relato do comunicante: que estavam acompanhando a Promotora Janine Faleiro, durante fiscalização referente a denúncias de boca de urna. Foi quando no mercado em frente a escola Alberto Pasqualini, avistaram Anderson tirando fotos da equipe, que realizou abordagem sendo encontrado entre suas pernas uma bandeira da candidata Patricia Alba e perto do mesmo 208 santinhos do candidato Mano Changes e Gabriel Gonçalves, ambos do Partido Verde, mais 75 santinhos dos candidatos Stedile e Vicente Pires. Que durante o ato o indivíduo Cristiano que estava perto da abordagem começou a contestar dizendo que a equipe estava fazendo era abuso. Neste momento em revista pessoal foi encontrada uma faca sem bainha com aproximadamente 25 cm de lâmina, alegando estar pilchado e poderia tal situação.

Aliás, o testemunho em juízo do Guarda Municipal veio absolutamente alinhado ao relato extrajudicial em que detalhou o flagrante, ID 41294933, no sentido de que acompanhava a Promotora de Justiça, Janine Rosi Faleiro, no momento da abordagem ao réu, ocorrida a cerca de quinze metros da escola Alberto Pasqualini, local de votação, momento em que ANDERSON estava sentado na escadaria em frente a um mercado e ao seu redor havia pilhas de “santinhos”, em ambos os lados, de forma a indicar a atitude suspeita de retirar o material dos bolsos. As demais pessoas foram orientadas a dispersar, e o réu, exatamente em razão da proximidade do expressivo material de campanha, foi conduzido para a formalização do termo circunstanciado.

Em termo, bastante semelhantes são as declarações da Promotora de Justiça Janine Rosi Faleiro, ID 41294883, a qual, devidamente compromissada, declarou que ao realizar fiscalização notou aglomeração de pessoas próxima à escola Alberto Pasqualini, em frente a um mercado, motivo pelo qual se dirigiu ao local, em companhia de guarda municipal. Relatou que, após a abordagem, ANDERSON iniciou uma discussão. Conforme certidão, o restante do depoimento não foi gravado, ID 44862078.

A confirmar o conjunto de fortes indícios de cometimento do ilícito, de acordo com os testemunhos, uma situação bastante peculiar é o registro da Brigada Militar, no sentido de que, após ser flagrado ao lado do material de propaganda eleitoral e conduzido ao 17º Batalhão da Polícia Militar, ANDERSON CAMPOS SAPKO, ao argumento de que precisaria realizar uma ligação telefônica, tomou para si e destruiu o telefone celular recém apreendido:

Observação: Durante o registro da ocorrência, o autor Anderson, pediu o celular apreendido informando que precisava efetuar uma ligação, nesse momento quebrou o aparelho com as próprias mãos o qual segue apreendido.

Ora, trata-se de comportamento que teve o intuito claro – e grave – de obstruir a apuração dos fatos, pois, ainda que não seja obrigado a fazer prova contra si, o ato substanciou manobra de obstrução ao desenvolvimento regular das investigações e busca da verdade, considerando que o celular já havia sido apreendido pela Brigada Militar.

Aliás, a situação vem ligada a outra prática peculiar de parte de ANDERSON, pois, ao notar os atos de fiscalização da Promotoria e da Guarda Municipal, o réu passou a tirar fotografias do grupo, tendo, na sequência, ocorrido a abordagem que resultou na sua condução, na clara tentativa de intimidação dos envolvidos.

Ou seja, o conjunto de ingredientes de prova ultrapassa o mero indício, e o comportamento do próprio réu dá suporte à conclusão da autoria da prática de ilícito de divulgação irregular de propaganda eleitoral na data do pleito, já percebido pelas testemunhas em relatos coerentes tanto judicial quanto extrajudicialmente.

Concluo, portanto, que a prova dos autos caracteriza a prática ilícita, tendo em vista a considerável quantidade de material eleitoral apreendido em área próxima a local de votação no dia do pleito e com identificada aglomeração de eleitores, material esse que, dadas as circunstâncias comprovadas, somente poderia estar na posse do recorrente ANDERSON CAMPOS SAPKO.

 

Diante do exposto, VOTO para de ofício capitular o fato no art. 39, § 5º, inc. III, da Lei 9.504/97, conhecer e negar provimento ao recurso da defesa, mantendo a condenação nos mesmos patamares da sentença, com a aplicação das penas de seis meses de detenção (substituída por prestação de serviços à comunidade) e de dez dias-multa.