AJDesCargEle - 0600121-19.2022.6.21.0000 - Divirjo do(a) relator(a) - Sessão: 15/07/2022 às 14:00

Eminentes Colegas.

Peço vênia ao r. Relator, pois discordo do argumento de que a fusão partidária configura razão objetiva de justa causa de desfiliação partidária. O requerente invoca justa causa da mudança substancial de programa partidário para sua desfiliação do UNIÃO, sem que o movimento de saída da agremiação acarrete a perda do mandato de vereador que está a exercer.

Sabemos que a fusão partidária já foi hipótese objetiva de justa causa para a desfiliação sem perda de cargo, com fundamento na Res. TSE n. 22.610/07, art. 1º, § 1º. Com as reservas (e as há em abalizadas doutrinas constitucionalistas) sobre a possibilidade do Tribunal Superior Eleitoral de forma autônoma inovar no campo de direitos políticos presentes no catálogo de garantias fundamentais (pois se trata, ao fim e ao cabo, de manutenção do exercício de jus honorum), é certo que a situação era ao menos indicada expressamente em algum texto de cunho normativo, ainda que em sentido bastante largo.

Contudo, o Supremo Tribunal Federal entendeu recentemente que a superveniência da Lei n. 13.165/2015, ao inserir o art. 22-A na Lei n. 9.096/95 e dispor de forma taxativa as hipóteses de justa causa para a desfiliação partidária, revogou tacitamente o § 1º do art. 1º da Res. TSE n. 22.610/2007.

O posicionamento foi exarado no julgamento da ADI n. 4583, em 23.11.2020.

Desse panorama, ainda que não apenas por ele, indico que a expressão “pelo qual foi eleito”, presente no artigo 22-A da Lei n. 9.096/95 (redação dada pela Lei n. 13.165/15) e em patamar constitucional constante no artigo 17, § 6º, da CF (redação dada pela EC n. 111/21) não possui força para conceder justa causa a priori àquele desertor de partido que sofreu fusão, sob pena de que passemos a tratar a exceção como regra.

Explico.

A concessão de justa causa é excepcional, e a fusão não é citada como hipótese para tanto, nem no artigo 22-A da Lei n. 9.096/95, nem no artigo 17, § 6º, da CF.

Ora, se é exceção, e se justa causa por fusão partidária não foi objeto de regra constitucional ou ordinária, a melhor hermenêutica leva à exegese de que o legislador (constituinte ou ordinário) ao indicar a expressão “pelo qual foi eleito” legislou sobre um grupo restrito de parlamentares: aqueles que pretendem se desfiliar do partido pelo qual foram eleitos.

Nem mais, nem menos, de modo que o caput não pode favorecer o desertor que pretende sair do partido resultado de fusão. O caso dos autos se trata apenas de situação não legislada, pois o silêncio do legislador tem a mesma importância das palavras inseridas no texto legal, sobremodo no concernente às exceções. Teríamos aqui então, repiso, uma situação não legislada, sendo necessária interpretação restritiva, porquanto de exceção.

Dito de outro modo, o resultado do raciocínio relativo à expressão “pelo qual foi eleito” não seria compreender que em fusões a justa causa resta concedida a priori, mas sim que ela não foi regrada, e restaria ao Poder Judiciário a aplicação de normas por analogia diante da lacuna legislativa, submetendo o desertor de partido resultado de fusão àquelas mesmas hipóteses de justa causa do desfiliado do partido “pelo qual foi eleito”.

Notem a facilidade de afirmação: a fusão partidária nunca esteve presente como hipótese de justa causa para desfiliação partidária em um texto emanado pelo Poder Legislativo, competente para legislar sobre direito eleitoral, conforme o art. 22, inc. I, da CF.

Admitamos: a justa causa por fusão era hipótese regulamentar de 2007 a 2015. Em 2015, surge lei ordinária que silencia a respeito, e em 2020, o Supremo Tribunal Federal decide pela revogação tácita do dispositivo regulamentar, mas não é só.

Em 2021 surge texto constitucional, e novamente não trata a fusão de partidos como hipótese de justa causa.

Convenhamos que, acaso o legislador desejasse a fusão partidária como hipótese de justa causa somente pelo fato dela, fusão, acontecer, a situação estaria prevista há algum tempo em textos emanados pelo Poder Legislativo.

E como desfecho do presente raciocínio, trago assertivas.

1. é contraditório que concordemos relativamente à necessidade de fortalecimento das agremiações partidárias no Brasil, critiquemos a pessoalização das relações eleitorais no sistema político brasileiro e, ao mesmo tempo, entendamos existir uma justa causa objetiva de desfiliação partidária à míngua de indicação legislativa expressa.

2. é lógico que de uma fusão decorra um texto estatutário misto, resultado de partes dos conteúdos estatutários dos partidos que se fundiram, pois é exatamente disso que se trata uma fusão, e invocar tal situação como justa causa traz uma situação inusitada, pois a razão de ser da fusão – a decisão autônoma e livre de dois partidos em unir forças - se tornaria uma carta branca para a desfiliação partidária.

Estabelecidas tais premissas pela não ocorrência de justa causa de forma objetiva em casos de fusão partidária, passo a analisar o caso concreto, e sublinho que muito embora a peça inicial faça referência a uma suposta incompatibilidade ideológica entre os partidos que se fundiram, PSL e DEM, o demandante não logrou discriminar no que consistiria, de forma concreta e no mundo dos fatos, tal desacerto.

Noto que boa parte da argumentação central é o inconformismo com o suposto surgimento, no âmago do UNIÃO, de oposição ao atual ocupante da cadeira de Presidente da República, a quem o referente parece manifestar irrestrito apoio.

Ora, a circunstância bem demonstra o tratamento dado por alguns filiados aos partidos políticos. A decisão de integrar a base de apoio de determinado governo é prerrogativa inerente das agremiações partidárias em um contexto macro político de articulação política. Há a figura do líder de bancada para a sinalização de tais movimentos, ínsitos ao jogo de poder.

Trago uma questão que sequer deveria integrar o presente debate, mas o faço exatamente pela alegação do demandante: Jair Bolsonaro não era filiado ao DEM ou ao PSL no momento da fusão, e não é filiado ao UNIÃO, o que reforça o quadro de fragilidade ideológica inerente a todas as agremiações partidárias no cenário político brasileiro, fundado em personalismos, em figuras pessoais de políticos. O demandante deseja apoiar uma pessoa, e entende que posição contrária do partido o colocaria em situação de justa causa.

Dito de outro modo, a possibilidade de apoio a esse ou aquele político, sobremodo quando não integrante da agremiação, não pode ser indicada como causa de pedir para um pedido de desfiliação por justa causa, não sem reduzir os partidos políticos a meras incubadoras de candidaturas. Um filiado não pode entender legítimo cobrar de uma agremiação o apoio a político de outra agremiação, situação essencialmente parecida com o argumento de “meu eleitorado”, de alegação inviável em um sistema de representação baseado em eleição proporcional. Ora, o eleitorado não é do candidato. O UNIÃO certamente há de colher nas vindouras eleições os frutos ou dissabores da fusão realizada entre PSL e DEM.

Identifico situações semelhantes no que diz respeito à análise do espectro ideológico dos partidos envolvidos, tanto aqueles objetos da fusão quanto aquele resultante da fusão. Nos presentes debates tem sido frequente a presença da doutrina de Norberto Bobbio em sede argumentativa.

Contudo, sem diminuir a relevância da obra de um dos maiores pensadores jurídicos e políticos do Século XX, é certo que surgiram, desde a elaboração daquelas linhas, uma série de circunstâncias que já não mais permitem asseverar com acuidade o posicionamento de um determinado partido político como “de esquerda” ou de “direita”, e tanto há obsolescência em tais carimbos que termos outros tem surgido, muitas vezes compondo conceitos considerados antagônicos em décadas passadas, como o “social liberalismo”.

Ressalto que o próprio autor de “Direita e Esquerda” ponderou tais circunstâncias. Em capítulo intitulado “Resposta aos Críticos”, a partir da 2ª Edição da obra, Norberto Bobbio assevera que “não há dúvida de que o livro foi favorecido pelo fato de ter sido lançado com um título sugestivo durante uma campanha eleitoral em que duas forças estavam se contrapondo de modo muito mais nítido do que em eleições precedentes” (referia-se ele à campanha eleitoral para a renovação da Câmara dos Deputados da Itália, ocorrida em março de 1994), para a seguir indicar que os críticos poderiam ser agrupados em três vertentes “(1) os que continuam a sustentar que direita e esquerda são hoje nomes sem sujeito; (2) os que consideram a díade ainda válida, mas não aceitam o critério sobre o qual me apoiei, e sugerem outros, e (3) os que aceitam a díade, aceitam também o critério, mas o consideram insuficiente” (BOBBIO, Norberto. Direita e Esquerda. São Paulo, 3ª Ed, UNESP, 2011, p. 25-27.

Ou seja, ainda que válido como suporte de análise, a díade esquerda-direita é cada vez menos suficiente, em decorrência do próprio comportamento das greis partidárias, fluido, líquido, com acordos ideológicos superficiais e delimitados no tempo. Basta que lembremos algumas coligações realizadas nas últimas décadas no Brasil, capazes de gerar bastante espanto.

Sublinho a própria história do DEM, hoje Democratas, cuja raiz notória é o antigo PFL, Partido da Frente Liberal, objeto de controvérsias já nos idos do ano de 2005, pois mesmo sendo considerado na época um dos principais partidos “de direita”, o então Presidente Jorge Bornhausen afirmou em entrevista que se tratava de “um partido de centro e que defende o liberalismo social, afiliando-se à Internacional Democrática de Centro, e não à Internacional Liberal, que une os partidos de ideologia puramente liberal” (Estado de São Paulo, Caderno de Economia, 30.11.2005).

Ademais, repito que da fusão entre dois partidos há de resultar naturalmente um estatuto que não seja idêntico a nenhum dos predecessores, um terceiro documento portanto, ora com aspectos relativos à uma das agremiações extintas, ora com traços da outra. Nesse norte, vale dizer, a “movimentação ideológica” apontada pelo requerente, inclusive via gráficos apresentados na petição inicial, mostra-se bastante sutil, demonstrando que na fusão o novo programa foi fruto de consenso entre os integrantes das agremiações.

No ponto, o d. relator assevera que não se poderia presumir que o novo programa partidário tenha sido objeto de intenso debate em todas as instâncias da agremiação, surgido como resultado de consenso entre filiados de ambos os partidos, e assevera ser “notório” que há encabeçamento por “caciques políticos” ou por diretórios nacionais, asseverando que os partidos devem obediência ao princípio democrático.

Obviamente, concordo que às agremiações cumpre o dever de obediência aos postulados democráticos, mas com a devida vênia discordo da conclusão. Pondero que não se pode presumir exatamente o contrário, ou seja, que o novo programa partidário tenha sido objeto de “ditatura intrapartidária”, até mesmo porque tal argumento não vem comprovado nos autos, tendo sido meramente alegado que vários vereadores “não concordaram com a fusão”, ou “muitos se sentiram prejudicados”, e nesse norte (1) agir ilícito não se presume, e (2) discordância ou sentimento de prejuízo não são situações que consubstanciam, em si mesmas, hipóteses de justa causa na legislação de regência. Para situações subjetivas e pessoais há a desfiliação a todos os correligionários, detentores de mandato inclusive, contudo sem a obtenção de justa causa.

Quanto à legislação de regência, julgo objetivamente observados, no caso, os comandos do art. 29, § 1º, incs. I e II, da Lei n. 9.096/95, pois houve decisão dos respectivos órgãos nacionais de deliberação conjunta e por maioria absoluta em que (1) aprovaram os projetos. e (2) elegeram o órgão de direção nacional, movimentos em relação aos quais o requerente não se insurgiu (repito, nos autos não há demonstração disso), seja na esfera de deliberação interna da agremiação, seja pelo manejo de ações contrárias ao processo de fusão. A possibilidade da hipótese de mudança substancial não pode ser presumida, exigindo-se cabal comprovação, e não ocorre sequer em tese, por exemplo, acaso modificada a sistemática de voto na convenção partidária, pois é nítido que a questão é daquelas integrantes da esfera da autonomia partidária garantida constitucionalmente.

Verifico, portanto, panorama ideológico sem severas dissonâncias entre o extinto DEM e o novel UNIÃO, como aliás muito bem asseverado no bem lançado parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, de forma que não houve mudança substancial do programa partidário.

Em resumo, peço vênia para divergir do e. Relator, e julgo não ter havido ocorrência de justa causa para desfiliação partidária com a manutenção do cargo eletivo, em decorrência da fusão do DEM e do PSL, para o surgimento do UNIÃO BRASIL.

Por fim, sublinho que o demandante obteve tutela provisória no início da marcha processual, situação que logicamente deve ser modificada acaso a presente posição reste majoritária.

Diante do exposto, VOTO para cassar a tutela provisória concedida a CELMIR MARTELLO, e negar procedência ao pedido.