REl - 0600336-19.2020.6.21.0047 - Voto Relator(a) - Sessão: 15/07/2022 às 14:00

VOTO

Eminentes colegas.

O recurso é tempestivo, e presentes os demais pressupostos de admissibilidade, merece conhecimento.

Registro que, por ocasião do recurso, foi formulado pedido de parcelamento da quantia de R$ 1.000,00, determinada para recolhimento na sentença, em 15 parcelas de R$ 66,66.

Desde já, indico que pedido deverá ser deduzido após o julgamento do presente processo, em pleito de parcelamento cuja competência para análise é do Exmo. Des. Presidente deste Tribunal Regional Eleitoral, de maneira que não conheço do requerimento.

No mérito, SOLANGE BENITEZ recorre da sentença que desaprovou as contas de campanha ao cargo de vereadora nas eleições 2020, ao fundamento central de transferência irregular de valor à campanha eleitoral de candidato do sexo masculino, nomeadamente Gerson Ademir. A decisão hostilizada determinou o recolhimento de R$ 1.000,00 ao Tesouro Nacional.

O suporte legislativo utilizado pela sentença é o art. 17 da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 17. O Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) será disponibilizado pelo Tesouro Nacional ao Tribunal Superior Eleitoral e distribuído aos diretórios nacionais dos partidos políticos na forma disciplinada pelo Tribunal Superior Eleitoral (Lei n. 9.504/97, art. 16-C, § 1º) Inexistindo candidatura própria ou em coligação na circunscrição, é vedado o repasse dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) para outros partidos políticos ou candidaturas desses mesmos partidos.

(...)

§ 2º É vedado o repasse de recursos do FEFC, dentro ou fora da circunscrição, por partidos políticos ou candidatos:

I - não pertencentes à mesma coligação; e/ou

II - não coligados.

§ 3º Os recursos provenientes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) que não forem utilizados nas campanhas eleitorais deverão ser devolvidos ao Tesouro Nacional, integralmente, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU), no momento da apresentação da respectiva prestação de contas.

§ 4º Os partidos políticos devem destinar no mínimo 30% (trinta por cento) do montante do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) para aplicação nas campanhas de suas candidatas.

§ 5º Havendo percentual mais elevado de candidaturas femininas, o mínimo de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) deve ser aplicado no financiamento das campanhas de candidatas na mesma proporção.

§ 6º A verba oriunda da reserva de recursos do Fundo Especial de Financiamento das Campanhas (FEFC) destinada ao custeio das candidaturas femininas deve ser aplicada pela candidata no interesse de sua campanha ou de outras campanhas femininas, sendo ilícito o seu emprego, no todo ou em parte, exclusivamente para financiar candidaturas masculinas.

§ 7º O disposto no § 6º deste artigo não impede: o pagamento de despesas comuns com candidatos do gênero masculino; a transferência ao órgão partidário de verbas destinadas ao custeio da sua cota-parte em despesas coletivas; outros usos regulares dos recursos provenientes da cota de gênero; desde que, em todos os casos, haja benefício para campanhas femininas.

§ 8º O emprego ilícito de recursos do Fundo Especial de Financiamento das Campanhas (FEFC) nos termos dos §§ 6º e 7º deste artigo, inclusive na hipótese de desvio de finalidade, sujeitará os responsáveis e beneficiários às sanções do art. 30-A da Lei n. 9.504/97, sem prejuízo das demais cominações legais cabíveis.

§ 9º Na hipótese de repasse de recursos do FEFC em desacordo com as regras dispostas neste artigo, configura-se a aplicação irregular dos recursos, devendo o valor repassado irregularmente ser recolhido ao Tesouro Nacional pelo órgão ou candidato que realizou o repasse tido por irregular, respondendo solidariamente pela devolução o recebedor, na medida dos recursos que houver utilizado.

 

Em sua defesa, a parte recorrente alega que a doação estaria amparada no § 7º do art. 17 supracitado, aduzindo que o benefício às candidaturas femininas se deu “tendo em vista que, no momento em que a senhora Solange Benitez transferiu os valores, ela estava apoiando o seu companheiro de partido almejando que este atingisse um público alvo e assim, aumentasse seu número de eleitores, e ambos possuíssem condições de se elegerem no pleito eleitoral de 2020”.

Acrescentou, ademais, que as candidatas do partido doaram R$ 1.000,00, cada uma, aos candidatos masculinos para que estes “conseguissem ter condições de concorrer de iguais para iguais dentro do processo eleitoral”.

Sem razão. Tenho como flagrante a ilegalidade.

A tese recursal de que o repasse financeiro a candidatos do sexo masculino beneficiaria as demais candidaturas da agremiação não pode ser acolhida; ao contrário, deve ser repudiada veementemente.

Destaco que a determinação das cotas de gênero substancia ação afirmativa com o escopo de fortalecer as candidaturas femininas e que, portanto, não pode comportar argumentos de benefícios como o apresentado, especulativos e deturpadores do sistema, sob pena de que se torne legislação álibi, sem efetividade.

A mero título de exemplo, imaginemos que toda candidata ao pleito proporcional repassasse valores a candidatos homens, aliás adversários na eleição, em um suposto benefício coletivo de impossível aferição, mas sim apenas a potencialização das candidaturas masculinas. Não houve benefício algum às candidatas, pois não se tratou das denominadas "dobradinhas", candidaturas para cargos diversos, mas verdadeiro repasse de valores a adversários, homens candidatos ao cargo de vereador.

Ora, há inúmeras outras formas de estabelecer sinergia em candidaturas e apoiamentos eleitorais que não o repasse de dinheiro. Repito: houve o manejo irregular de valores públicos que se destinam restrita e exclusivamente ao suporte financeiro de candidaturas femininas.

Causa espécie inclusive o argumento de que ao realizarem doações – a recorrente e outras candidatas – deixariam os candidatos masculinos em igualdade de condições. Ora, a alegação beira o deboche, sobretudo quando dialoga com a realidade eleitoral brasileira, onde a representatividade feminina é relegada a um segundo plano, inclusive pelos partidos. A afirmação faz sugerir, inclusive, algum tipo de orquestração para o repasse ilegal dos valores, situação passível de um olhar mais acurado.

Assim, permanece a caracterização da irregularidade quanto à doação do valor de R$ 1.000,00, para o candidato Gerson Ademir.

Destaco que a falha comporta natureza gravíssima e representa 32,61% das receitas declaradas, porém nominalmente está abaixo do parâmetro legal de R$ 1.064,10, admitido pela jurisprudência como “balizador, para as prestações de contas de candidatos”, e “como espécie de tarifação do princípio da insignificância” (AgR–REspe 0601473–67, de relatoria do Ministro Edson Fachin, de 5.11.2019.), admitindo a aprovação com ressalvas das contas.

No que toca ao repasse coletivo de valores públicos, por candidatas, a candidatos do sexo masculino, declaro desde já a disposição dos presentes autos ao Ministério Público Eleitoral, de modo que proceda conforme entenda de direito.

Diante do exposto, VOTO pelo não conhecimento do pedido de parcelamento, pelo parcial provimento do recurso para aprovar as contas com ressalvas, manter a determinação de recolhimento de R$ 1.000,00 ao Tesouro Nacional e, ainda, colocar os autos à disposição do Ministério Público Eleitoral para que atue conforme entender de direito no relativo ao repasse de valores de forma coletiva, por candidatas, a candidatos do sexo masculino.