AJDesCargEle - 0600104-80.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 12/07/2022 às 16:00

VOTO

O requerente invoca justa causa para sua desfiliação do Partido União Brasil (UNIÃO) sem a perda de seu mandato de vereador.

A alegada justa causa apresentada pelo requerente, a fim de justificar a sua desfiliação, está prevista no art. 22–A, parágrafo único, inc. I, da Lei n. 9.096/95:

Art. 22-A. Perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa causa, do partido pelo qual foi eleito.

Parágrafo único. Consideram-se justa causa para a desfiliação partidária somente as seguintes hipóteses:

 I - mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário; (Grifo nosso)

 

Sobre o tema, o STF, ao apreciar a ADI n. 4583, consignou que houve revogação tácita das hipóteses outrora previstas na Resolução TSE n. 22.610/07. Confira-se a ementa:

EMENTA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO CONSTITUCIONAL ELEITORAL. ART. 1º, § 1º, II, DA RESOLUÇÃO Nº 22.610/2007 DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. CRIAÇÃO DE NOVO PARTIDO COMO HIPÓTESE DE JUSTA CAUSA PARA DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA SEM PERDA DE MANDATO ELETIVO. CONTEÚDO JURÍDICO-NORMATIVO ESSENCIALMENTE PRIMÁRIO APTO AO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. TEMA DIVERSO DO DEBATIDO NAS ADIs 3.999 E 4.086. CABIMENTO. SUPERVENIÊNCIA DA LEI Nº 13.165/2015 INSERINDO O ART. 22-A NA LEI Nº 9.096/1995. ROL TAXATIVO DE JUSTA CAUSA. REVOGAÇÃO TÁCITA DA NORMA IMPUGNADA. PERDA DO INTERESSE DE AGIR. PREJUDICIALIDADE DA AÇÃO.

1. Suscitada a inconstitucionalidade do art. 1º, § 1º, II, da Res.-TSE nº 22.610/2007 que prevê a criação de novo partido como justa causa para a desfiliação partidária sem perda do mandato eletivo.

2. Segundo a jurisprudência desta Suprema Corte, viável o controle abstrato da constitucionalidade de ato do Tribunal Superior Eleitoral de conteúdo jurídico-normativo essencialmente primário.

3. Cabível a presente ação, uma vez que (i) nas ADIs 3.999 e 4.086, o Supremo Tribunal Federal somente se pronunciou sobre a constitucionalidade formal da Res.-TSE nº 22.610/2007, rejeitada a tese de usurpação pelo Tribunal Superior Eleitoral de competência legislativa; e (ii) acolhida, por esta Suprema Corte, ao julgamento da ADI 5.081, a possibilidade de reapreciação da constitucionalidade de dispositivo específico desta Resolução.

4. A superveniência da Lei nº 13.165/2015, inserindo o art. 22-A na Lei nº 9.096/95, ao dispor de forma taxativa e exaustiva sobre as hipóteses de justa causa para a desfiliação partidária, revogou tacitamente o § 1º do artigo 1º da Res.-TSE nº 22.610/2007.

5. O art. 22-A da Lei nº 9.096/1995 acrescentou como hipótese de justa causa, no inciso III do parágrafo único, a mudança de partido durante o período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, a chamada “janela” de desfiliação.

6. Antes da introdução do art. 22-A da Lei dos Partidos Políticos, o Tribunal Superior Eleitoral havia firmado entendimento, ao exame da Consulta nº 755-35, de que o prazo para filiação ao novo partido criado, sem a perda do mandato, seria de 30 (trinta) dias contados do registro do Estatuto do partido naquela Corte Eleitoral.

7. A medida cautelar concedida no bojo da ADI 5.398 solucionou a questão de direito intertemporal, ao conferir às agremiações recém criadas, cujos prazos para migração partidária ainda estavam em curso, o direito de não se submeter ao novo regramento, resguardando suas legítimas expectativas.

8. Ação direta de inconstitucionalidade julgada prejudicada, ante a perda superveniente do seu objeto, mais especificamente do interesse processual no prosseguimento do feito, em decorrência da revogação e do exaurimento da eficácia do ato normativo impugnado.

(STF - ADI: 4583 DF, Relator: ROSA WEBER, Data de Julgamento: 23/11/2020, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 03/12/2020) (Grifo nosso)

 

Nesse cenário, ainda que seja razoável a argumentação trazida na inicial quanto à mudança programática decorrente da fusão, não menos razoável é a circunstância de que a fusão, por si só, não é justa causa para autorizar a desfiliação do mandatário.

Isso porque o art. 22-A da Lei n. 9.096/95, acrescentado pela Lei n. 13.165/15, revogou tacitamente o art. 1º, § 1º, inc. I da Resolução TSE n. 22.610/07, que previa, de forma expressa, a hipótese de incorporação ou fusão de partido político como justa causa para a desfiliação partidária.

O vigente art. 22-A da Lei n. 9.096/95 não prevê a incorporação ou fusão partidária como justa causa para a desfiliação partidária.

Dessa forma, reitero: a mera fusão ou incorporação de partidos não significa necessariamente uma mudança substancial do programa partidário sem que isso seja objetivamente aferido nos autos.

Superada a questão da fusão do DEM e PSL como justa causa para a desfiliação partidária, resta a demonstração da mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário afirmada pelo requerente, hipótese amparada no art. 22–A, parágrafo único, inc. I, da Lei n. 9.096/95.

Assim, a matéria controvertida é verificar se há fundamento legítimo para que o eleito deixe o partido conservando o mandato.

Note-se que, quando há a fusão de dois partidos ou mais, em tese, não há uma alteração substancial do programa partidário, visto que o novo programa é fruto de um consenso entre os integrantes das agremiações em processo de fusão. Conforme se verifica na legislação que disciplina os processos de fusão e incorporação, art. 29, § 1º, incs. I e II, da Lei n. 9.096/95:

Art. 29. Por decisão de seus órgãos nacionais de deliberação, dois ou mais partidos poderão fundir-se num só ou incorporar-se um ao outro.

§ 1º No primeiro caso, observar-se-ão as seguintes normas:

 I - os órgãos de direção dos partidos elaborarão projetos comuns de estatuto e programa;

 II - os órgãos nacionais de deliberação dos partidos em processo de fusão votarão em reunião conjunta, por maioria absoluta, os projetos, e elegerão o órgão de direção nacional que promoverá o registro do novo partido.

 

A fusão do Partido Social Liberal (PSL) e Democratas (DEM) foi aprovada pelo TSE, o que significa dizer que todas as normas do art. 29, § 1º, incs. I e II, da Lei n. 9.096/95 foram rigorosamente observadas. Isto é, a fusão ocorreu por decisão dos órgãos nacionais de deliberação do PSL e DEM. E, principalmente, que os órgãos de direção dos partidos elaboraram projetos comuns de estatuto e programa, bem como os órgãos de deliberação de ambos os partidos votaram em reunião conjunta, por maioria absoluta, os projetos e elegeram o órgão de direção nacional.

A fusão tem caráter nacional, as deliberações são tomadas em nível nacional e devem ser cumpridas pelos seus filiados nos demais níveis, estadual e municipal. Entretanto, o fato de as decisões serem acertadas entre as cúpulas nacionais dos partidos fundidos não significa dizer que, antes de qualquer decisão, não tenham sido os planos amplamente debatidos por seus correligionários internamente.

Os projetos, estatutos e programas do novo partido foram elaborados conjuntamente pela direção dos dois partidos fundidos. A votação de tais projetos ocorreu por maioria absoluta, de modo que não é crível que ninguém durante esse processo de fusão tenha se oposto à elaboração de um novo estatuto que ferisse de tal forma os ideários e programas partidários de sua agremiação original.

Em que pese o argumento acima exposto, se da fusão de partidos resultar em adoção de um programa divergente dos ideários que orientavam os partidos fundidos, sim, existe a possibilidade de se configurar a hipótese de mudança substancial, a qual deverá ser provada.

Note-se que, por óbvio, em decorrência da fusão, a criação de um novo partido a partir da construção conjunta de outros dois partidos, alterações estatutárias e programáticas existirão. Porém, o ponto nevrálgico capaz de ensejar a desfiliação por justa causa são mudanças substanciais. Logo, igual não será, pode ser semelhante, mas não discrepante.

Segundo o requerente, o Partido União Brasil (UNIÃO) tem ideologias muito distintas do partido Democratas (DEM), e tal premissa poderia ser verificada através dos respectivos estatutos.

Ocorre que o mero cotejo dos estatutos não é suficiente para afirmar se há ou não incompatibilidade de orientação política capaz de embasar a desfiliação, sendo necessária a demonstração cabal das diferenças entre o estatuto do partido fundido e do partido novo, traduzindo no plano de atuação partidária a substancial mudança de programa partidário, que torna incompatível a permanência de determinado cidadão filiado aos quadros do partido recém criado.

Nos termos da jurisprudência do TSE, é ônus do parlamentar requerente comprovar uma das hipóteses de justa causa previstas na legislação de regência. No caso, o requerente deve demonstrar, de forma concreta, que a fusão deu causa à mudança substancial no programa partidário, por meio de uma análise minuciosa das alterações estatutárias.

Nesse ponto, o parecer do douto Procurador Regional Eleitoral muito bem sintetiza as alegações trazidas pelo requerente no que copreende à mudança substancial no programa partidário (ID 44953808):

Sustenta que a mudança partidária ocorreu, principalmente, por 3 (três) motivos: I) pela mudança ideológica substancial dos valores, ideias, princípios, ações e diretrizes do partido (denominados de programa partidário); II) da contrariedade desse novo programa com a história política do DEM, especialmente no que diz respeito ao apoio a determinadas figuras políticas; III) dos reflexos que essas mudanças possuem no mandato do requerente, prejudicando, em especial, a sua representatividade perante o eleitorado.

 

                A inicial relata que a fusão partidária representou uma mudança substancial do programa partidário, movendo-se da direita para o centro, porque o novo partido não mais adotaria a ideologia liberal que caracterizava o Democratas (DEM), tendo assumido uma linha política “social liberalista”. Aqui, o ponto central gira em torno do liberalismo. Enquanto o “liberalismo” defendido pelo Democratas (DEM) compreende que o grande protagonista do desenvolvimento e da regulação do mercado é o empresário e a atividade privada, no seu entender, o “social liberalismo” defendido pelo União Brasil (UNIÃO) preconiza que o grande protagonista do desenvolvimento e da regulação do mercado é o Estado, que respeita (parcela de) liberdade empresarial e econômica. Ocorre que a própria expressão “social liberalismo” adotada pelo União Brasil (UNIÃO) encerra um conceito vazio, desprovido de conteúdo em ciência política, restando inviável balizar diferenças entre um e outro, sobretudo diferenças concretas e substanciais.

                Quanto ao ideário do Democratas (DEM), o que se depreende do que foi trazido aos autos é que se admite a interferência do Estado na atividade econômica, contudo deve-se evitar a interferência excessiva. Dessa ideologia não diverge o teor do art. 3º do Estatuto do União Brasil, ao apontar a orientação no sentido de restringir a atuação do Estado na esfera econômica ao papel de agente regulador, para garantir à população acesso de qualidade aos serviços públicos essenciais e fundamentais, como saúde, educação, segurança, liberdade, habitação e saneamento. Na área social, o ideário do Democratas (DEM) reconhece espaço legítimo para a atuação do Estado, enquanto o Estatuto do União Brasil (UNIÃO) prega a atuação estatal no papel de agente regulador, para garantir a adequada prestação dos serviços à população. Assim, não é possível afirmar que existam mudanças programáticas substanciais, suficientes a fundamentar a saída do parlamentar por justa causa.

Ainda, afirma o requerente que “o partido já perdeu e continuará perdendo coesão ideológica”. Ocorre que, conforme dito na contestação, o novo partido ainda não teve tempo hábil para mostrar suas efetivas características. Em verdade, não se sabe qual rumo o partido seguirá. Logo, toda e qualquer afirmação não passará de exercício de futurologia. A meu ver, afirmar que um partido recentemente criado assume posições à direita, centro ou esquerda, com base apenas na leitura do Estatuto, é bastante precipitado. Na maioria das vezes, os posicionamentos partidários ao longo de sua existência diante das votações de determinados assuntos nas Casas Legislativas é que de fato definem a posição adotada. Todavia, não restou comprovado nos autos que essas mudanças tenham sido substanciais.

Aponta, ainda, a posição de antagonismo do União Brasil (UNIÃO) em relação ao governo do Presidente Bolsonaro, diferentemente do que ocorria com o Democratas (DEM). Em um país em que as tendências políticas são extremadas (contra ou a favor do governo), a certeza de que estaria abandonando um partido favorável ao governo para ingressar num de oposição parecer-me-ia suficiente para a desfiliação, em face do constrangimento que tal mudança causaria perante seus eleitores. Todavia, não restou claro que o Democratas (DEM) apoiava de forma irrestrita o governo Bolsonaro e que o União Brasil (UNIÃO) é de oposição. Como observou o ilustre Procurador Regional Eleitoral, “o noticiado antagonismo (ou mesmo o alinhamento, que fosse) ao atual Presidente da República não é apto a configurar desvio, e muito menos alteração, do programa partidário. A decisão pela oposição configura, a princípio, uma opção legítima dos partidos políticos, de modo a refletir a divergência com objetivos ou alianças do governo, a discordância em relação aos seus métodos ou apenas uma forma de mostrar força para posteriormente conquistar espaços na administração pública”. Com relação a isso, não existem provas formais (documentais) e concretas nos autos, apenas meras notícias nos clips jornalísticos e manifestações de alguns de seus filiados, as quais não demonstram em que medida esse posicionamento representaria mudança substancial ou desvio reiterado do programa.

Nesse sentido, ementa de acórdão de minha lavra, na AJDesCargEle 0600109-5.2022.6.21.0000, julgada por esta Corte, por maioria de votos, em 17.06.22, nos termos que segue:

AÇÃO DECLARATÓRIA DE JUSTA CAUSA PARA DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA. VEREADOR ELEITO. INDEFERIDO PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA. LEI N. 9.096/95. FUSÃO PARTIDÁRIA. MUDANÇA SUBSTANCIAL NO PROGRAMA PARTIDÁRIO. NÃO DEMONSTRADO. AUSENTE HIPÓTESE DE JUSTA CAUSA. IMPROCEDENTE.

1. Ação declaratória de justa causa para desfiliação partidária sem perda do mandato eletivo, ajuizada por vereador eleito em face de partido político, com fundamento na mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário, tendo em vista a fusão entre agremiações. Indeferida tutela provisória.

2. Fusão partidária como hipótese de justa causa para a desfiliação partidária sem perda do cargo eletivo. Na ADI n. 4.583, o Supremo Tribunal Federal consignou que o art. 22-A da Lei n. 9.096/95 dispõe de forma taxativa e exaustiva sobre as hipóteses de justa causa para a desfiliação partidária, revogando, tacitamente, o § 1º do art. 1º da Resolução TSE n. 22.610/07. Das alterações no texto se extrai que a incorporação ou fusão entre agremiações não mais caracterizam, por si sós, hipóteses legais de justa causa para desfiliação partidária.

3. A mera fusão ou incorporação de partidos não significa necessariamente mudança substancial do programa partidário, uma vez que o novo programa é fruto de consenso entre os integrantes das agremiações envolvidas, conforme se verifica na legislação que disciplina os processos de fusão e incorporação, art. 29, § 1º, incs. I e II, da Lei n. 9.096/95. As deliberações são tomadas em nível nacional e devem ser cumpridas pelos seus filiados nos demais níveis, estadual e municipal. O fato de as decisões serem acertadas entre as cúpulas nacionais dos partidos fundidos não significa que não tenham sido amplamente debatidas por seus correligionários internamente. Os projetos, estatutos e programas do novo partido foram elaborados conjuntamente pela direção dos dois partidos fundidos, mediante votação por maioria absoluta, não sendo crível a aprovação de um novo programa que ferisse os ideários partidários da agremiação original.

4. Na hipótese dos autos, o ponto capaz de ensejar a desfiliação por justa causa seria a mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário. Para sua perfectibilização, necessária a demonstração cabal das diferenças entre o estatuto do partido fundido e do partido novo, traduzindo no plano de atuação partidária a substancial mudança de programa que tornaria incompatível a permanência de determinado cidadão filiado aos quadros do novo partido. Nos termos da jurisprudência do TSE, é ônus do parlamentar requerente comprovar a existência de uma das hipóteses de justa causa previstas na legislação de regência. Entretanto, não comprovada a mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário, tampouco demonstrada qualquer hipótese de justa causa para desfiliação partidária, deve ser julgada improcedente a ação.

5. Improcedência.

 

Com essas considerações, inexistindo demonstração de hipótese de justa causa para desfiliação partidária, o juízo de improcedência da ação é de rigor.

Ante o exposto, VOTO pela improcedência do pedido.