REl - 0601015-72.2020.6.21.0094 - Voto Relator(a) - Sessão: 12/07/2022 às 16:00

VOTO

O recurso interposto é regular, adequado e tempestivo, comportando conhecimento.

No mérito, trata-se de recurso interposto pelo Ministério Público Eleitoral contra a sentença que julgou improcedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral, cumulada com Representação Especial por Conduta Vedada, proposta em face de Márcio José Menuzzi, Daniel Coelho dos Santos, Dirceu Antônio Stefanello, Diego Fernando Bruxel, Emir Furtado e da Coligação Caiçara Para Todos (PT/PDT/PP).

Segundo defende o recorrente, teria ocorrido, no dia 14 de outubro de 2020, evento de campanha eleitoral, com distribuição gratuita de comida (churrasco) e bebida (chope e refrigerante), a fim de arregimentar eleitores em favor dos candidatos da Coligação Caiçara Para Todos (PT/PDT/PP), de modo a configurar abuso dos poderes econômico e de autoridade. Igualmente, teria havido a caracterização de prática de conduta vedada a agentes públicos, porquanto o evento teria ocorrido em imóvel público municipal, em infração ao art. 73, inc. I, da Lei n. 9.504/97.

Passo à análise.

 

I - Do Abuso do Poder Econômico e de Autoridade na Realização de Churrasco na Campeira de Caiçara.

 

Quanto ao fato em questão, o recorrente sustenta que há nos autos provas robustas capazes de indicar que ocorreu um evento de campanha, materializado em um grande jantar, em 14.10.2020, organizado por Diego Fernando Bruxel, Emir Furtado e Márcio José  Menuzzi, em favor das candidaturas de Daniel Coelho dos Santos e Dirceu Antonio Stefanello, com distribuição de alimentos e bebidas, "que se deu de forma gratuita para todos os participantes, muitos deles, inclusive, arregimentados para o jantar sem sequer saber do que inicialmente se tratava", configurando abuso de poder econômico e de autoridade.

De seu turno, o magistrado a quo, na sentença hostilizada, concluiu pela inexistência de provas suficientes de que a reunião ostentasse cunho eleitoral, expondo os seguintes fundamentos:

No presente caso, entendo que a representante não logrou êxito em comprovar as alegações imputadas aos representados, uma vez que não há provas robustas capazes de afirmar que o jantar realizado em 14/10/2020 era evento de campanha dos candidatos Daniel Coelho dos Santos e Dirceu Antonio Stefanello.

 

Das informações trazidas aos autos, pressupõe-se que o evento seria destinado a razoável número de pessoas, uma vez que algumas testemunhas mencionaram haver de 40 a 50 quilos de carne, bem como a existência de 310 litros de chopp, fato este confirmado pela existência de nota fiscal nos autos, bem como por Gessi de Freitas Appel, a qual é proprietária da distribuidora de bebidas que forneceu o chopp para Diego Bruxel, um dos supostos organizadores do jantar.

Segundo o MPE, o flagrante só não alcançou maior êxito porque os participantes evadiram-se do local antes da chegada da Brigada Militar, pois alguém os teria avisado da ação que seria promovida pelo órgão ministerial com o apoio da polícia.

 

No boletim de ocorrência lavrado pela Brigada Militar relativamente ao ocorrido naquele noite, bem como no depoimento dos policiais ouvidos na audiência, há o relato da interceptação de veículos que se deslocavam no sentindo do interior para a cidade de Caiçara, na bifurcação da Linha Mendes, próximo à "Campeira", sendo que os motoristas justificavam de forma diversa o local onde estavam. Entre os interceptados estava o prefeito da época, Márcio José Menuzzi, o qual relatou ter ido buscar passageiro, mas não falou o local. Posteriormente, na audiência, o passageiro foi identificado como Darci Marques, o qual foi arrolado como testemunha pela parte requerida e afirmou ter encontrado Márcio José Menuzzi em um bar da Linha Mendes, tendo lhe solicitado carona para voltar ao centro de Caiçara, sendo atendido em seu pedido.

 

Nos documentos juntados pelo MPE na inicial, como também no boletim de ocorrência, há registro de que foram encontrados adesivos e "santinhos" dos candidatos a prefeito e vice-prefeito, respectivamente, Daniel Coelho dos Santos e Dirceu Antonio Stefanello, no local de realização do evento, sendo colacionado imagens de churrasqueira com fogo e espetos de carne, chopp e outros elementos indicativos da realização de um jantar, sendo identificados também veículos com os adesivos dos candidatos mencionados.

 

As testemunhas, quando inquiridas na audiência, afirmaram ou que se tratava de evento comemorativo ao aniversário de Emir Furtado (Banda), embora alguns tenham referido que era reunião do CTG para definição da programação para os próximos meses.

 

Ainda que tenha tenham sido juntadas mensagens e áudio que circularam em aplicativos de mensagens, dando conta de se tratar possível reunião política, o autor do áudio foi arrolado como testemunha pelo Ministério Público e afirmou, na audiência, que o evento era do aniversário de "Banda". Disse não ser verdade o áudio que enviou, oportunidade em que alterara o candidato a prefeito derrotado a tomar providência porque haveria um evento na campeira para promover a campanha do vencedor, um dos requeridos.

 

É de se acrescentar que não existe confirmação da presença dos candidatos ao evento, bem como não se pode provar que Marcio José Menuzzi esteve na "Campeira".

Em que pese o fato de haver grande quantidade de carne, bebidas, carros adesivados encontrados pelos arredores e a existência de alguns "santinhos" e outros materiais de campanha no ambiente do evento, não é possível imputar o fato como evento de campanha dos candidatos citados sem prova robusta o suficiente capaz de afastar qualquer suposição.

 

Em se tratando de abuso de poder econômico, cuja sanção gravosa é a de cassação do mandato, não se pode formar convicção com base em pressupostos.

 

De tal modo, entendo não haver prova suficiente de que se trata efetivamente de uma festa com cunho eleitoral, para promover a campanha dos representados Daniel e Dirceu.

 

(...).

 

Pelo exposto, é lúcida a posição de que a constatação de abuso de poder e a consequentemente transgressão da norma eleitoral depende fundamentalmente de provas cabais que afastam qualquer dúvida e, por isso, só permitem visão lúcida do fato, o que não fica caracterizado na presente demanda, uma vez que a prova documental juntada pela representante carece de robustez imperiosa e imprescindível capaz de provar a materialização do abuso de poder perpetrado pelos representados Daniel e Dirceu e a respectiva Coligação da qual faziam parte. As testemunhas ouvidas em audiência também não foram capazes de firmar convicção sobre a finalidade do evento, muito menos quem era (m) o (s) patrocinador (es).

 

Destarte, também não é possível caracterizar o evento sob o prisma da captação ilícita de sufrágio, pois novamente a demanda carece de elementos robustos que comprovem que o jantar era destinado a angariar votos para os candidatos da coligação representado, nos termos do art. 41-A da Lei das Eleições (Lei 9504/97), in verbis:

 

(...).

 

Dos fatos, provas documentais e testemunhais trazidas aos autos, entendo não restar comprovado o abuso do poder econômico e abuso de autoridade, nem captação ilícita de sufrágio, perpetrados por Daniel Coelho dos Santos e Dirceu Antonio Stefanello, de modo que a improcedência da Ação de Investigação Judicial Eleitoral é a medida que se impõe, visto que inexiste robustez de provas capaz de apontar com clareza solar que os candidatos obtiveram benefício e/ou vantagem eleitoral com a realização do evento narrado anteriormente.

 

Com efeito, em audiência, as testemunhas que afirmaram terem estado presentes ao churrasco declararam que o evento se destinava a comemorar o aniversário de Emir Furtado, conhecido como “Banda”, tal como asseverado por Airton Merten (ID 44825712), o qual acrescentou que a comemoração ocorria tardiamente "por causa da pandemia"; além de Valdemir Bonatti (ID 44825716) e Matheus Felipe Bonatti (IDs 44825701 e 44825702).

Este último, cabe salientar, na audiência, informou, quanto ao evento, que “ficou sabendo que ia ter uma janta”, “aniversário do meu amigo Banda”, “que convidaram pra mim ir. Daí eu fui!” (ID 44825701).

Durante sua oitiva, o representante do Ministério Público Eleitoral, com a palavra, pontuou ser o teor do depoimento bastante diferente daquele registrado no áudio (ID 44825634) encaminhado a Zilio Roggia (candidato a prefeito por outra agremiação), por meio de aplicativo de mensagens instantâneas, o qual ensejou a instauração pelo Ministério Público Eleitoral de procedimento apuratório, que embasou o presente processo.

Nesse áudio, importa reproduzir as seguintes palavras atribuídas à testemunha:

(...) amanhã à noite tem uma reunião do tal do PDT ali na Linha Campeira. E daí tão me xaropeando pra mim ir. Já me convidaram uns dez convites, ali... Eu conversei com o pai, digamos, ali, e daí ele achou melhor de eu ir. A mãe me convidou também, que acho que vão tá ali. Parece que vão pagar banda de chope, e não sei o quê. Vai só eu. Daí eu vou lá. Se tu vai ficar sabendo, daqui a pouco, que eu tô lá, como se diz... mas não se preocupe, né? Eu vou lá. Se vier alguns que eu possa dar umas pirocadas neles, como se diz, né? Vamo tá por lá, vamo ver quem que é os...o partido, como se diz.

 

A tal respeito, Matheus Felipe Bonatti, confirmando a veracidade do áudio, afirmou que naquela oportunidade havia se expressado mal, mencionando reunião do PDT porque os convidados, amigos do "Banda", seriam daquela legenda, mas que era uma janta de aniversário.

Em que pese a aparente contradição, as demais provas dos autos não refutam a alegação de que o jantar tenha sido uma confraternização particular, em que reunidos correligionários do partido e outras pessoas com relacionamento pessoal com Emir Furtado, que era também morador e espécie de zelador da Campeira.

As versões acerca de ser uma reunião do PDT, a comemoração atrasada do aniversário de Emir ou um festejo “da Campeira”, como também referido por Altermir Massoco e Marlei Colle, não são necessariamente conflitantes e excludentes entre si, eis que o evento poderia ser aproveitado para todos esses ensejos, dentre outros encontros represados por conta da pandemia.

Nesse contexto, podem também ser compreendidas as declarações de Neli Aparecida de Fátima Furtado, esposa de Emir Furtado, contidas em gravação produzida pela Promotoria de Justiça Eleitoral no contexto da própria festa (ID 44825743), na qual ela afirma que, junto com o marido, moram no espaço e que, naquele momento, "tinha uma reunião do CTG", organizada "pela nossa turma mesmo", pois "em maio sempre é feito uma festa campeira e a gente sempre faz reuniões para atualizar como estão as regras da pandemia". Disse, ainda, que estavam entre 15 ou 20 pessoas na ocasião, que a janta é custeada pelo CTG e que lá, em sua casa, estavam seus amigos, que estavam no jantar.

Anota-se que Neli Aparecida de Fátima Furtado não foi ouvida em juízo, mas apenas perante os oficiais da Promotoria de Justiça Eleitoral.

Em realidade, tem-se que nenhuma das pessoas ouvidas, seja na fase investigatório, levada a efeito pela Promotoria de Justiça Eleitoral, ou em juízo, afirmara que o churrasco possuía caráter eleitoral, nem que se tratava de um evento de campanha ou que haveria o chamamento ou arregimentação de potenciais eleitores.

Ademais, nos autos não há prova ou mesmo indícios de que candidatos da Coligação Caiçara Para Todos (PT/PDT/PP) tenham sequer estado presentes, o que, por si, fragiliza a alegação de que seria um evento eleitoral para a cooptação de eleitores.

Todas as testemunhas negaram terem visto os recorridos Daniel Coelho dos Santos e Dirceu Antônio Stefanello no churrasco, não havendo quaisquer outros indicativos de que eles teriam participado, de qualquer modo, da festividade.

Ainda que possa haver indícios de que o então Prefeito Márcio José Menuzzi tenha estado na reunião, tendo em vista que foi abordado pela Brigada Militar na estrada, nas proximidades do local, no final da noite, ocasião em que foi encontrada ao lado de seu veículo uma sacola de pães (IDs 44825694 e 44825691), bem como pela afirmação de Emir Furtado, que, após a festividade, disse que o prefeito esteve no local (ID 44825744, 00:01:30), há de se destacar que ele não concorria a cargo eletivo.

Acentua-se que a existência de diversos automóveis com adesivos da coligação recorrida na área onde ocorreu o churrasco, bem como por terem sido encontrados, após o evento, alguns santinhos e adesivos no chão do galpão, consoante declarado pelos servidores do Ministério Público Mariele Albiero (IDs 44825687 e 44825689) e Mateus Sperry (ID 44825685 e 44825686) em seus respectivos testemunhos, não tem o efeito de evidenciar a realização de ato de campanha.

Ora, exatamente em virtude de terem se reunido diversos amigos de Emir Furtado e pessoas ligadas ao PDT revela-se natural o fato de serem encontrados veículos adesivados com propaganda dessa grei política, bem como alguns santinhos no ambiente, circunstância intensificada em razão do calor da eleição que se avizinhava.

Muito embora a Oficial da Promotoria de Justiça Mariele Albiero tenha declarado que (ID 44825687, 00:06:00) “em todo o canto do local tinha santinhos pelo chão, nos carros, tinha propaganda política por tudo, lá”, e que havia muitos santinhos no local (ID 44825688, 00:00:15), os quais não chegou a contar, tal declaração deve ser considerada com reservas, por ser vaga e decorrente de sua impressão pessoal e não de uma aferição objetiva.

Por outro lado, as fotografias (IDs 44809222, 44809224 e 44809224) e vídeos (IDs 44809207 e 44809209) gravados na ocasião, acostados ao feito, não evidenciam a presença de material de propaganda eleitoral espalhado pelo chão ou pelas mesas, onde ainda deveriam permanecer, visto que a agente do Ministério Público informou que não recolhera todos os santinhos, apenas “pelo menos um de cada, porque eles eram diferentes. Alguns eram na vertical, outros na horizontal, outros eram adesivos redondos, outros maiores, e pelo menos um de cada eu peguei pra fotografar e deixei na minha sala” (ID 44825689, 00:03:10).

Além disso, todas as pessoas ouvidas relataram alguma relação com Emir Furtado, não havendo elementos que indiquem que o festejo estava aberto ao público ou prova de que teriam sido convidadas pessoas tão somente em virtude de serem potenciais eleitores para determinado candidato.

No aspecto, o recorrente destaca a presença no churrasco de José Almiro, o qual seria um cidadão aleatório, sem proximidade afetiva com Emir Furtado, o que comprovaria a intenção eleitoreira do acontecimento.

Ocorre que José Almiro, interpelado pelo Oficial da Promotoria de Justiça ainda durante a averiguação in loco, na data do evento (ID 44825746), informou residir na Linha João Pedro, distante uns 6 ou 8 quilômetros da Campeira. Disse que recém tinha chegado ao local e estava começando a comer “uma carne”, quando alguém avisou “a polícia tá vindo”, sendo que ficou ali, pois não estava fazendo nada, “tava comendo uma carne, só”, mas “uns saíram” e tinha bastante gente. Questionado sobre como foi convidado (00:00:46), disse que estava passando e o chamaram: “vem aqui Almiro, tem uma carne, aqui”, que apenas “vinha passando”, que “vinha de Caiçara”. Perguntado sobre se lhe foi cobrado alguma coisa, afirmou: “capaz, né, churrasquinho dados dos amigos, (...), só uma festinha”, bem como que “vou te dizer uma coisa: estragaram nossa carne”, “estragaram nosso churrasquinho”, “larguemo as carne e saímo. Sobre a correria de alguns pela chegada da polícia, asseverou: “mas porque a polícia tá vindo por comer churrasco?”, acrescentando que “alguma coisa tem, eu não sei de nada”, seguindo-se de risos. Prosseguindo, o Oficial da Promotoria indaga, “mas era do que a festa?” (00:02:09), ao que José Almiro responde: “Era do ‘Banda’, da Campeira, isso aí, homem. Saí festa, churrasquinho toda a semana. (...). Não sei o que estão achando que era”.

Como se infere das afirmações expostas, a presença de José Almiro na festa ocorreu a partir de amigos que lá já estavam, os quais o chamaram quando passava pelo local a caminho de sua casa. Ainda, apesar da ausência de ligação direta com Emir, o depoente atribuiu a festa ao “Emir” e à “Campeira”, nada relatando sobre possíveis conotações eleitorais ou políticas e nem, ao menos, sendo capaz de presumir sobre as razões que justificaram a presença da força policial no local, corroborando o argumento de que o evento estava ocorrendo de forma particular e delimitada a convidados do círculo social e político de Emir.

Além disso, a eventual dispersão acelerada do público presente ao evento em função de suposto vazamento de informação de iminente abordagem policial não significa que a admissão de alguma transgressão à Lei Eleitoral.

A título especulativo, poderia ter havido receio de flagrante de crime contra a saúde pública, tendo em vista que o churrasco se deu durante fase aguda da pandemia, em que não era permitida a aglomeração de pessoas. Inclusive, o boletim de ocorrência lavrado pela Brigada Militar versou sobre infração de medida sanitária preventiva, tipificada no art. 268 do Código Penal (ID 44825768, fl. 21), dentre outras circunstâncias envolvendo potenciais conduções de veículos sob efeito de bebidas alcoólicas, etc.

Conforme bem concluiu o magistrado sentenciante, não há comprovação clara, robusta e induvidosa sobre a existência de ato de campanha eleitoral e de cooptação de eleitores por ocasião do churrasco em tela.

De qualquer sorte, sobre as dimensões do churrasco, a testemunha Gessi de Freitas Appel asseverou, em depoimento perante juízo (IDs 44825696, 44825697 e 44825698), que vendeu bebidas para a Campeira, por intermédio de Diego Bruxel, ao custo total de R$ 2.897,00, totalizando cerca de 300 litros de chope e mais 200 copos, e que somente lhe foram devolvidos vazios os barris de 20 litros.

De seu turno, a testemunha Airton Merten disse que ajudou a assar a carne e que acredita terem sido utilizados cerca de 30 ou 40 quilos (ID 44825712, 00:02:30).

A aferição do quantitativo de convidados a partir do total de alimentos adquiridos pelo realizador da festividade ocorreria apenas por especulação ou presunção, sendo necessário verificar de forma objetiva os contornos concretos da ocorrência em relação à sua extensão.

Nesse passo, o Oficial da Promotoria Mateus Sperry declarou ter aferido a existência de mais de 30 veículos no local, bem como a Oficiala de Promotoria Marieli Albiero afirmou a estimativa de mais 50 pessoas, embora não tenham conseguido contar todas.

Por outro lado, Emir Furtado declarou que havia cerca de 30 pessoas; e sua esposa, Neli Aparecida de Fátima Furtada, relatou haver entre 15 e 20 pessoas. Em audiência, Matheus Felipe Bonatti (ID 44825701) disse ter um pouco mais de 40 pessoas no jantar.

Assim, tenho que o oferecimento de churrasco e chope para cerca de cinquenta pessoas, ainda que se tratasse de ato político-eleitoral, não teria o condão de afetar a normalidade e legitimidade do pleito, a ponto de ensejar a cassação de mandatos eletivos, em detrimento da manifestação da soberania popular.

Trago à colação, a seguir, precedente do Tribunal Superior Eleitoral que apreciou caso com contornos fáticos bastante semelhantes aos ora analisados: festa com oferecimento de churrasco e bebidas para considerável número de pessoas, supostamente em comemoração de aniversário de servidor da prefeitura, o qual não teria condições econômicas para arcar com os respectivos custos:

DIREITO ELEITORAL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2016. AIJE. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. LITISCONSÓRCIO. TEORIA DA ASSERÇÃO. NULIDADE PROCESSUAL NÃO VERIFICADA. AUSÊNCIA DE PROVA ROBUSTA. RECURSO PROVIDO. 

1. Recurso especial eleitoral contra acórdão do TRE/MG que, reformando sentença em AIJE por abuso do poder econômico, condenou o ex-Prefeito do Município de Pedra Bonita/MG à pena de inelegibilidade por oito anos e o Prefeito e Vice-Prefeito eleitos em 2016 à cassação dos respectivos diplomas, convocando novas eleições. 

I HIPÓTESE 

2. Hipótese de realização de festa durante o período eleitoral em fazenda de propriedade do então prefeito, com oferecimento de churrasco e bebidas para grande número de pessoas, supostamente em comemoração de aniversário de motorista da prefeitura. 

3. O acórdão concluiu que a festa teria sido desvirtuada em benefício dos candidatos, com base no seguinte conjunto fático-probatório: (i) vários convidados trajavam roupas na cor azul e o local estava enfeitado com bandeirolas da cor azul, que eram as cores de campanha dos candidatos; (ii) havia grande número de pessoas no local da festa (de 500 a 1000 pessoas); (iii) o aniversariante não tinha condições financeiras de custear evento de tal magnitude. 

4. De acordo com o acórdão, o grande número de pessoas e a pequena diferença de votos evidenciariam a potencialidade lesiva da conduta para configurar abuso do poder econômico. Por outro lado, o acórdão afastou a configuração de conduta vedada e de captação ilícita de sufrágio, por não ter havido qualquer pedido de voto. 

II DECADÊNCIA 

5. Preliminarmente, discute-se se o aniversariante de churrasco promovido durante o período de campanha eleitoral no município deve ser litisconsorte necessário na ação e se a falta de sua integração à lide acarreta a decadência. 

6. É no momento da propositura da ação, com base na descrição fática apresentada pelo autor do processo, que se verifica a regularidade quanto aos aspectos subjetivos da demanda, por força da teoria da asserção. 

7. No caso, o litisconsórcio foi regularmente observado pelo autor da ação ao incluir no polo passivo tanto aquele a quem imputou a responsabilidade pelo abuso do poder econômico como os candidatos beneficiados. 

8. Posterior conclusão sobre a necessidade de participação de terceiro que não foi incluído como réu na demanda não implica decadência. 

9. Sinalização, em obiter dictum, da necessidade de rever, para as Eleições 2018, a atual jurisprudência em relação à obrigatoriedade de formação de litisconsórcio passivo entre os responsáveis pela prática do ato e os candidatos beneficiados nas AIJEs por abuso de poder. 

III MÉRITO 

10. No mérito, não há, no acórdão regional, comprovação da gravidade das condutas reputadas ilegais para a configuração do abuso do poder econômico. A utilização de camisetas e de bandeirinhas nas cores da campanha dos candidatos e a quantidade de pessoas no evento não são aptas a comprometer a legitimidade do pleito e a paridade de armas, em um contexto em que não houve qualquer pedido de voto nem a presença dos candidatos. 

11. Diante da gravidade das sanções impostas em AIJE por abuso de poder, exige-se prova robusta e inconteste para que haja condenação. Precedentes. 

IV CONCLUSÃO 

12. Recurso especial eleitoral provido.

(TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 50120, Acórdão, Relator Min. Admar Gonzaga, Relator designado Min. Luís Roberto Barroso, Publicação:  DJE - Diário da justiça eletrônica, Data: 26.6.2019, p. 25.) (Grifei.)

 

No caso concreto analisado no referido precedente, no qual também não estiveram presentes no evento os candidatos que se sagraram eleitos por pequena margem de votos, mas em que foi reconhecida a utilização de camisetas e de bandeirinhas nas cores da campanha por algumas pessoas, entendeu a Corte Superior que as condutas reputadas ilegais não são aptas a comprometer a legitimidade do pleito e a paridade de armas, em um contexto em que não se comprovou qualquer pedido de voto nem a presença dos candidatos, tal como na hipótese sob exame.

Com relação especificamente à caracterização do abuso de poder de autoridade e político, reproduzo os ensinamentos de Rodrigo López Zilio:

Abuso de poder de autoridade é todo ato emanado de pessoa que exerce cargo, emprego ou função que excede aos limites da legalidade ou de competência. O ato de abuso de poder de autoridade pressupõe o exercício de parcela de poder, não podendo se cogitar da incidência desta espécie de abuso quando o ato é praticado por pessoa desvinculada da administração pública (lato sensu). O exemplo mais evidenciado de abuso de poder de autoridade se encontra nas condutas vedadas previstas nos artigos 73 a 77 da LE. Enquanto o abuso de poder de autoridade pressupõe a vinculação do agente do ilícito com a administração pública mediante investidura em cargo, emprego ou função pública, o abuso de poder político se caracteriza pela vinculação do agente do ilícito mediante mandato eletivo. (Direito Eleitoral. 5ª ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016, pp. 541-542)

 

Assim, quanto ao alegado abuso de poder político ou de autoridade, não há nos autos elemento que possa caracterizar que algum agente público tenha se valido de sua condição funcional e em manifesto desvio de finalidade, desequilibrando a disputa em benefício de sua candidatura ou de terceiros.

Deduz-se da peça recursal que o suposto abuso consistiria na utilização pelo Secretário Municipal de Obras de bem público – galpão da Campeira – para realização de ato de campanha.

Primeiramente, consoante acima exposto, não restou comprovado o evento ter se destinado a promover candidaturas ao pleito que se avizinhava.

Outrossim, ainda que tivesse ocorrido o emprego do referido estabelecimento para abrigar evento eleitoral, tal fato não teria o condão de configurar abuso de poder de autoridade, pois inexistiria gravidade suficiente para desequilibrar a disputa.

Ora, poderia ter sido alugado outro espaço nas cercanias, em área rural, por quantia seguramente módica, de modo que a presumida utilização exclusiva do galpão por um dos contendores da arena política não tem o efeito de afetar a isonomia entre os candidatos e levar à cassação de mandatos obtidos nas urnas.

Nesse sentido, reproduzo julgados do TSE:

ELEIÇÕES SUPLEMENTARES 2018. RECURSO ORDINÁRIO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. GOVERNADOR E VICE–GOVERNADOR. CONDUTA VEDADA E ABUSO DO PODER POLÍTICO. CUMULAÇÃO DE PEDIDOS. APURAÇÃO CONCOMITANTE. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES. PUBLICIDADE INSTITUCIONAL. NOMEAÇÃO E EXONERAÇÃO DE SERVIDOR PÚBLICO. EXTINÇÃO DE CONTRATOS TEMPORÁRIOS. PERÍODO PROIBIDO. CONDUTAS VEDADAS CARACTERIZADAS. MULTA. APLICAÇÃO. RAZOABILIDADE. ABUSO DE PODER. AUSÊNCIA DE GRAVIDADE. BENEFÍCIO ELEITORAL NÃO PROVADO. PROVIMENTO PARCIAL.

(...)

8.6. Conforme assentou a Corte de origem, a configuração do abuso do poder político depende da demonstração de gravidade das circunstâncias para afetar o pleito, bem como da violação do princípio da isonomia entre os concorrentes, o que não ocorreu no caso sub judice.

(RO-El n. 060010891, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 96, Data 27.5.2021).

 

Ação de investigação judicial eleitoral. Conduta vedada. Abuso do poder político e de autoridade.

- Não há como se reconhecer a prática de abuso do poder político ou de autoridade pelo candidato, porquanto, ainda que se tenha utilizado de bens, serviços e servidores da Administração Pública, o fato não teve repercussão suficiente a ponto de desequilibrar a disputa eleitoral.

Agravo regimental não provido.

(Recurso Ordinário n. 282772, Acórdão, Relator Min. Arnaldo Versiani, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo  162, Data 23.8.2012, p. 39). Grifei.

 

AGRAVO INTERNO. RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2014. GOVERNADOR E VICE. DEPUTADOS FEDERAL E ESTADUAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). ABUSO DE PODER POLÍTICO. ART. 22 DA LC 64/90. USO DE BEM PÚBLICO. EVENTO. CONCESSÃO DE BENEFÍCIOS SOCIAIS. INDEVIDA PARTICIPAÇÃO. AUSÊNCIA DE PROVAS. NEGATIVA DE PROVIMENTO.

1. No decisum monocrático, negou–se seguimento a recurso ordinário interposto contra acórdão unânime em que o TRE/PA julgou improcedentes os pedidos em Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) em decorrência de falta de provas da prática de abuso de poder político e econômico pelos eleitos aos cargos de governador e vice do Pará em 2014, além de candidatos não eleitos aos cargos de deputado federal e estadual (art. 22, caput, da LC 64/90).

(...)

3. Este Tribunal reconhece o abuso de poder político ou de autoridade quando o agente público, valendo-se de condição funcional e em manifesto desvio de finalidade, desequilibra a disputa em benefício de sua candidatura ou de terceiros (Precedentes). Ainda nos termos da jurisprudência, a prova do ilícito deve ser robusta e inconteste.

(...)

8. Ante a insuficiência do conjunto probatório, impõe-se manter a improcedência dos pedidos.

9. Agravo interno a que se nega provimento.

(TSE, AgR-RO-El n. 172977, Acórdão, Relator Min. Benedito Gonçalves, Publicação:  DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 70, Data: 22.4.2022.) (Grifei.)

 

Conforme assentado no decisum hostilizado, a circunstância de Emir Furtado, a época do fato, ser “Secretário Municipal de Obras, de modo que recebia dupla incumbência: de um lado, agente público ocupante de cargo em comissão e, de outro, zelador da ‘Campeira’, sendo que recebia remuneração pelo cargo em comissão e não pagava nada para morar na ‘Campeira’”, atrai mais a investigação por improbidade administrativa que a apuração de ilícito eleitoral.

Demais disso, há controvérsia sobre o status jurídico da Campeira se tratar de bem público, conforme será examinada adiante.

Na esteira da jurisprudência do TSE, para a aplicação das drásticas penalidades previstas no art. 22, inc. XIV, da LC n. 64/90, faz-se necessária a comprovação, por prova segura e robusta, da gravidade dos fatos narrados e de sua significativa repercussão na disputa eleitoral, consoante ilustra a seguinte ementa:

AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES DE 2018. PRESIDENTE E VICE–PRESIDENTE DA REPÚBLICA. PRELIMINARES. INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL. LITISPENDÊNCIA. REJEIÇÃO. DEPOIMENTO PESSOAL. MEIO DE PROVA. FALTA DE PREVISÃO LEGAL. CONSENTIMENTO DA PARTE. ADMISSIBILIDADE. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. ELEMENTOS. CARACTERIZAÇÃO. USO. RECURSOS PÚBLICOS OU PRIVADOS. GRAVIDADE. DESEQUILÍBRIO DO PLEITO. ENGAJAMENTO. EMPRESÁRIO. CAMPANHA DE CANDIDATO. VEICULAÇÃO. CRÍTICAS. LIMITES TOLERÁVEIS DO EMBATE ELEITORAL. POSSIBILIDADE. PRESERVAÇÃO DA IGUALDADE DE CONDIÇÕES NA DISPUTA. COAÇÃO. EMPREGADOS. INICIATIVA PRIVADA. CONFIGURAÇÃO. ATO ABUSIVO. EXIGÊNCIA. PROVA SEGURA. MANIFESTO CONSTRANGIMENTO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA.

(...).

5. Para se caracterizar o abuso de poder, impõe–se a comprovação, de forma segura, da gravidade dos fatos imputados, demonstrada a partir da verificação do alto grau de reprovabilidade da conduta (aspecto qualitativo) e de sua significativa repercussão a fim de influenciar o equilíbrio da disputa eleitoral (aspecto quantitativo). A mensuração dos reflexos eleitorais da conduta, não obstante deva continuar a ser ponderada pelo julgador, não se constitui mais em fator determinante para a ocorrência do abuso de poder, sendo agora revelado, substancialmente, pelo desvalor do comportamento.

(...).

9. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é firme no sentido de que, para afastar legalmente determinado mandato eletivo obtido nas urnas, compete à Justiça Eleitoral, com base na compreensão da reserva legal proporcional e fundamento em provas robustas admitidas em direito, verificar a existência de grave abuso de poder, suficiente para ensejar as rigorosas sanções de cassação do registro, diploma ou mandato e inelegibilidade. Precedentes.

10. Ação de Investigação Judicial Eleitoral que, rejeitadas as questões preliminares, se julga improcedente.

(Ação de Investigação Judicial Eleitoral nº 060175489, Acórdão, Relator(a) Min. Jorge Mussi, Publicação:  DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 54, Data: 20/03/2019.) (Grifei.)

 

Ante todo o exposto, julgo que o conjunto probatório, no caso concreto, não é robusto e inconteste quanto à ocorrência de fatos caracterizadores de abuso de poder de autoridade ou econômico, de modo que se impõe a manutenção da sentença de improcedência em relação ao ponto.

 

II. Da Prática de Conduta Vedada pela Cessão de Uso de Bem Público em Favor de Candidatos.

 

Relativamente à prática da conduta vedada descrita no art. 73, inc. I, da Lei n. 9.504/97, melhor sorte não socorre o recorrente.

Transcrevo, a seguir, o texto legal da norma alegadamente violada:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;

 

É assente na jurisprudência que as previsões de condutas vedadas consistem em tipos fechados, que, por presunção legal, tendem a afetar a isonomia entre os competidores eleitorais, sendo que, na análise de tais ilícitos, “imperam os princípios da tipicidade e da legalidade estrita, devendo a conduta corresponder exatamente ao tipo previsto na lei” (TSE, REspe n. 626-30/DF, Relatora: Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 4.2.2016).

In casu, como apontado na sentença, a “Campeira” corresponde à antiga sede do Clube Palmeiras, a qual não apresenta divisão de fato, mediante cerca ou murada, com o Parque Municipal de Rodeios Agenor Prevedello, vinculado ao Município de Caiçara:

Estabelecidos os conceitos anteriores, o fato que se põe é que o local denominado "Campeira", onde foi realizado o evento da noite de 14/10/2020, conforme lastreado em documentos e depoimentos das testemunhas, corresponde à antiga sede do Clube Palmeirinhas, porém não apresenta divisão fática do Parque Municipal Agenor Prevedello, este de propriedade do Município de Caiçara.

A "Campeira", inclusive, está situada dentro da delimitação do Parque Municipal, conforme consta em memorial descritivo aportando aos autos. Ainda, foi identificado pela RGE Sul Distribuidora de Energia S.A que a Prefeitura Municipal de Caiçara arcava com os custos da energia elétrica do local.

Mesmo que no Registro de Imóveis a área em que ocorreu o fato está registrada em nome de particular e não do Município, para fins eleitorais o que importa é a situação fática, a forma como o bem se apresenta ao povo, como a população vê o local.

No caso, ao que se tem, a população vê o local como único bem de uso comum do povo e repete-se que é bem de uso comum porque o acesso ao parque é livre, não há guardas controlando a entrada ou cerca impedindo o livre acesso de qualquer pessoa ao local.

Assim, pelo arranjo geográfico e organizacional, a "Campeira" constitui-se, portanto, como bem público de uso comum, porém custeada pelo município de Caiçara.

Destaca-se que a área da “Campeira” pertence majoritariamente ao lote rural n. 122 (8.030,00 m2) (IDs 44825676 e 44825677), o qual se encontra registrado no Registro de Imóveis em nome de particulares (ID 44825621), tendo ainda uma pequena área vinculada ao lote rural n. 121 (230,00 m2).

Quanto ao aspecto, o art. 99 do Código Civil dispõe sobre os bens públicos:

Art. 99. São bens públicos:

I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;

II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias;

III - os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.

Parágrafo único. Não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado.

 

Segundo a Lei n. 9.504/97, em seu art. 37, caput e § 4º, é vedada a veiculação de propaganda eleitoral em bens cujo uso dependa de cessão ou permissão do poder público, ou que a ele pertençam, e nos de uso comum, assim entendidos, para fins eleitorais, tanto os definidos pelo Código Civil como também aqueles que a população em geral tem acesso, litteris:

Art. 37.  Nos bens cujo uso dependa de cessão ou permissão do poder público, ou que a ele pertençam, e nos bens de uso comum, inclusive postes de iluminação pública, sinalização de tráfego, viadutos, passarelas, pontes, paradas de ônibus e outros equipamentos urbanos, é vedada a veiculação de propaganda de qualquer natureza, inclusive pichação, inscrição a tinta e exposição de placas, estandartes, faixas, cavaletes, bonecos e assemelhados.

(...).

§ 2º Não é permitida a veiculação de material de propaganda eleitoral em bens públicos ou particulares, exceto de:

I - bandeiras ao longo de vias públicas, desde que móveis e que não dificultem o bom andamento do trânsito de pessoas e veículos;

II - adesivo plástico em automóveis, caminhões, bicicletas, motocicletas e janelas residenciais, desde que não exceda a 0,5 m² (meio metro quadrado).                

(...).

§ 4º Bens de uso comum, para fins eleitorais, são os assim definidos pela Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil e também aqueles a que a população em geral tem acesso, tais como cinemas, clubes, lojas, centros comerciais, templos, ginásios, estádios, ainda que de propriedade privada.

    

Conquanto haja a proibição de veiculação de propaganda eleitoral em bens de uso comum, tais como clubes, ginásios e estádios, mesmo que de propriedade privada, para que haja a incidência da regra estampada no art. 73, inc. I, da Lei das Eleições, diferentemente, impõe-se que o bem pertença à Administração Pública Direta ou Indireta de um dos entes federados.

Ora, a Campeira situa-se em imóvel particular, mas acessível à população em geral, de sorte que ostenta a natureza jurídica de bem de uso comum, para fins do art. 73, inc. I, da Lei das Eleições, porquanto, nos termos da redação legal, “os verbos ‘ceder’ ou ‘usar’ permitem inferir que se trata de bens dominicais ou de uso restrito, não abrangendo os bens de uso comum, vez que estes não precisam de cessão ou cedência para serem utilizados” (GONÇALVES, Luiz Carlos dos Santos. Direito eleitoral. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2018, pág. 443).

Portanto, sua eventual cessão ou utilização em favor de determinada candidatura, agremiação ou coligação não é apta a configurar a conduta vedada em comento.

Nessa linha, cito julgado do TSE:

ELEIÇÕES 2014. REPRESENTAÇÃO. CONDUTA VEDADA A AGENTE PÚBLICO. ART. 73, I, II E III, DA LEI Nº 9.504/97. USO DO MEMORIAL JK. BEM DE USO COMUM. NÃO CARACTERIZAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA.

1.   Preliminar de ilegitimidade passiva. Não acolhimento. Não só o candidato, mas também aquele que tiver praticado ou concorrido para a prática do ilícito, poderá figurar no polo passivo da representação.

2.   A utilização do bem imóvel, que restou evidenciada nos autos, deu-se mediante contrato de locação e teve por objeto espaço pertencente à Sociedade Civil Memorial Juscelino Kubitschek, cuja natureza jurídica é de bem de uso comum para fins eleitorais e caracteriza-se como sendo de caráter privado e de utilidade pública.

3.   É pacífico o entendimento de que a vedação legal ao uso ou cessão de bem público em benefício de candidato, partido político ou coligação não alcança os bens de uso comum.

4.   No presente caso, não há prova da utilização de serviços ou de bens custeados pelo poder público ou de participação de agente público para a realização da propaganda eleitoral contestada, bem como não restou evidenciada qualquer prática capaz de afetar a igualdade de oportunidades entre os candidatos nas eleições que se encerraram.

5.   Improcedência da representação.

(Representação n. 160839, Acórdão, Relator Min. Admar Gonzaga, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 25, Data: 05.2.2015, p. 165/166.) (Grifei.)

 

Ora, em se tratando de bem de uso comum do povo, não seria vedada a realização de reuniões por qualquer interessado no local, inclusive de cunho político-eleitoral, a reclamar a comprovação de alguma prerrogativa exclusiva no uso do bem em relação aos recorridos, mediante impedimento à utilização de forma equivalente pelos adversários políticos, do que não se desincumbiu o ora recorrente.

Outrossim, insta frisar que inexiste prova de que o evento ocorrido no dia 14.10.2020, na Campeira, tenha se revestido de caráter eleitoral, conforme enfrentado no tópico antecedente, o que, por si só, afasta a possibilidade de se cogitar sobre a conformação de conduta vedada, uma vez que é mister que a cessão tenha sido realizada em benefício de candidato, circunstância não cabalmente demonstrada nos autos.

Nessa esteira, colaciono aresto do TSE:

ELEIÇÕES 2014. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ORDINÁRIO. DEPUTADO FEDERAL. REPRESENTAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA. CONDUTA VEDADA. LEI Nº 9.504/97, ART. 73, I. USO DE BEM PÚBLICO PARA FAVORECIMENTO DE CANDIDATO. NÃO CONFIGURAÇÃO. DISCURSO DE CAMPANHA. CAMPUS. INSTITUTO FEDERAL DE ENSINO (IFES). AUTARQUIA FEDERAL. ÁREA ACESSÍVEL AO PÚBLICO EM GERAL. DESPROVIMENTO. 

O CASO 

1.  In casu, o Tribunal a quo reputou configurada a conduta prevista no art. 73, I, da Lei nº 9.504/97 e aplicou ao representado multa em patamar mínimo, no valor de R$ 5.320,00 (cinco mil, trezentos e vinte reais), a partir do conjunto probatório, sobretudo fotos extraídas da página pessoal do candidato mantida no Facebook, nas quais apareceu ao lado de alunos que portavam material de campanha, em 15.9.2014, no pátio do Instituto Federal de Ensino (IFES), imóvel pertencente à autarquia federal. 

MÉRITO 

2.  Com o panorama obtido a partir do caderno probatório, depreende-se que o candidato não adentrou na área restrita do campus do IFES, mas permaneceu próximo ao ginásio e ao refeitório, áreas cujo acesso é franqueado ao público em geral.

3.  Tais condutas não se amoldam ao tipo previsto no art. 73, I, da Lei nº 9.504/97, devido à ausência de elemento indispensável à configuração do ilícito, qual seja, a utilização intencional do imóvel, por parte de agente público ou dirigente da autarquia, em favor de partido, coligação ou candidato, o que afasta a subsunção dos fatos ao tipo legal.

4.  Ademais, o candidato não se valeu de sua condição de deputado federal para acessar as dependências do Instituto, pois qualquer outro concorrente poderia ter adotado a mesma prática, o que afasta, por completo, a violação ao bem jurídico protegido pelo art. 73 da Lei nº 9.504/97, que consiste na igualdade de chances entre os candidatos. Precedente.

5.  O agravado poderia, quando muito, ser sancionado na condição de beneficiário, ex vi dos §§ 5º e 8º do art. 73 da Lei nº 9.504/97, desde que particularizado o uso intencional do bem público por ato do agente responsável, o que não ocorreu na espécie.

6.  Agravo regimental desprovido.

(Recurso Ordinário n. 213566, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 245, Data: 19/12/2017, p. 75.) (Grifei.)

 

De outra banda, assinala-se que o fato de a energia elétrica e a água do imóvel estarem sendo custeadas pela Prefeitura, com possível inobservância a preceitos legais, não altera o título de propriedade ou a natureza jurídica do bem, nem necessariamente tem repercussão na esfera eleitoral.

Nesse passo, não restou configurada a prática na campanha eleitoral de conduta vedada a agente público, de modo que a sentença de improcedência da demanda deve ser integralmente mantida.

 

III. Conclusão.

 

Desse modo, devido à escassez e à precariedade dos elementos probatórios coligidos aos autos, com relação aos alegados abusos de poder econômico e de autoridade/político, bem como pela ausência de caracterização da prática de conduta vedada descrita no art. 73, inc. I, da Lei n. 9.504/97, deve ser mantido o juízo de improcedência da demanda.

Por fim, não obstante a conclusão do presente voto, sendo o Ministério Público o titular da ação penal, cabendo-lhe a formação inicial da opinio delicti, e considerando a independência entre as instâncias cível e penal, autorizo a Procuradoria Regional Eleitoral a que proceda ao envio de cópia dos autos ao Ministério Público Federal em Palmeira das Missões/RS, a fim de avaliar a persecução penal pelo crime de falso testemunho em face de Matheus Bonatti, conforme requerido no parecer ministerial.

 

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, bem como por autorizar a Procuradoria Regional Eleitoral a que proceda ao envio de cópia dos autos ao Ministério Público Federal em Palmeira das Missões/RS, nos termos da fundamentação.