AJDesCargEle - 0600136-85.2022.6.21.0000 - Acompanho o(a) relator(a) - Sessão: 12/07/2022 às 16:00

DECLARAÇÃO DE VOTO

DESEMBARGADORA ELEITORAL VANDERLEI TERESINHA TREMEIA KUBIAK

 

Eminentes Colegas,

O ilustre Des. Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo, em apertada síntese, concluiu que a fusão partidária constitui mudança substancial de programa partidário e vincula o parlamentar à legenda pela qual não foi eleito, justificando a desfiliação sem perda do mandato.

Adianto que estou aderindo ao mencionado posicionamento, em especial, em prestígio à interpretação de que houve a extinção do partido pelo qual o requerente foi eleito e que não há dever de fidelidade à nova agremiação resultante de fusão partidária.

Tenho que a solução da controvérsia está na dicção do caput do art. 22-A da Lei n. 9.096/95, que prevê que “Perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa causa, do partido pelo qual foi eleito”.

Explico:

O exame da disciplina da fidelidade partidária demonstra a importância do tema, que tem sido objeto de atenção do legislador nos últimos anos.

A fim de traçar breve histórico e expor os fundamentos de meu convencimento, me valho inicialmente dos apontamentos de Gabriela Rollemberg (Aspectos Polêmicos e atuais sobre Fidelidade Partidária. In: FUX, Luiz (coord) et al. Direito Partidário. Belo Horizonte: Fórum, 2018):

O tema da fidelidade partidária voltou a ser discutido no âmbito do Tribunal Superior Eleitoral a partir da Consulta no 1.398 formulada pelo então Partido da Frente Liberal (PFL), atual Democratas (DEM), que diante da migração de diversos filiados eleitos na legislatura 2007-2011 para outras legendas, formulou questionamento indagando sobre a possibilidade de a agremiação preservar a vaga obtida pelo sistema eleitoral proporcional quando houver pedido de cancelamento de filiação ou transferência do candidato eleito pelo partido para outra legenda.

A resposta do Tribunal foi afirmativa, reacendendo a discussão sobre o tema da fidelidade partidária, que já havia sido analisado de forma diametralmente diversa pelo Supremo Tribunal Federal em precedentes anteriores, tal como no Mandado de Segurança nº 20.927, da relatoria do Ministro Moreira Alves, e no Mandado de Segurança nº 23.405, da relatoria do Ministro Gilmar Mendes.

Em virtude do posicionamento do TSE, a discussão sobre o tema voltou ao Supremo Tribunal Federal por meio dos Mandados de Segurança no 26.602, 26.603 e 26.604, os quais se insurgiram contra o ato do Presidente da Câmara dos Deputados, que se recusou a declarar vagos os mandatos dos parlamentares que se desfiliaram para dar posse aos suplentes do partido, com base no que decidido na Consulta no 1398.

O Supremo Tribunal Federal, ao analisar o tema, ratificou o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral na Consulta no 1398, estabelecendo que a permanência do parlamentar no partido político pelo qual se elegeu é imprescindível para a manutenção da representatividade do eleitor, e que, por essa razão, o abandono de legenda enseja a perda do mandato, ressalvadas situações específicas, como, por exemplo, mudanças na ideologia do partido ou perseguições políticas, que deveriam ser definidas e apreciadas caso a caso pelo Tribunal Superior Eleitoral.

O Tribunal Superior Eleitoral, em observância ao que decidido pelo Supremo Tribunal Federal, editou a Resolução no 22.610/2007, para disciplinar o processo de perda de cargo eletivo, bem como de justificação de desfiliação partidária [...]

Fixado que o “instituto da fidelidade partidária, vinculando o candidato eleito ao partido, passou a vigorar a partir da resposta do Tribunal Superior Eleitoral à Consulta n. 1.398, em 27 de março de 2007” (STF, MS 26602, Relator Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 04/10/2007), foi editada a Resolução TSE n. 22.610/2007, que estabeleceu que

Art. 1º O partido político interessado pode pedir, perante a Justiça Eleitoral, a decretação da perda de cargo eletivo em decorrência de desfiliação partidária sem justa causa.

§ 1º - Considera-se justa causa:

I) incorporação ou fusão do partido;

II) criação de novo partido;

III) mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário;

IV) grave discriminação pessoal.

Posteriormente, com a publicação da Lei nº 13.165/15, o art. 22-A da Lei n. 9.096/95 passou a reger a matéria.

A redação do dispositivo incorporado à Lei dos Partidos Políticos demonstra que o legislador observou e manteve algumas das hipóteses previstas como justa causa pelo Tribunal Superior Eleitoral (mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário; e grave discriminação política pessoal), criou nova permissão de desfiliação (a chamada “janela partidária”) e excluiu modalidades do rol inserido na nova norma, ao passo que deu redação diversa ao caput do artigo em relação ao que constava na Resolução. Vejamos:

Art. 22-A. Perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa causa, do partido pelo qual foi eleito.

Parágrafo único. Consideram-se justa causa para a desfiliação partidária somente as seguintes hipóteses:

I - mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário;

II - grave discriminação política pessoal; e

III - mudança de partido efetuada durante o período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término do mandato vigente.

A substituição da autorização para postular a decretação da perda do cargo eletivo - redação do art. 1º da Resolução TSE n. 22610/2007 - pela previsão de perda do mandato por aquele que se desfilia do partido pelo qual foi eleito – caput do art. 22-A da Lei dos Partidos Políticos - é, portanto, uma clara opção do legislador.

A relevância que adquiriu a questão da fidelidade partidária é evidenciada por sua inclusão em normas que foram editadas desde sua regulamentação pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Em 2017, a Emenda Constitucional nº 97 acrescentou o § 5º ao artigo 17 da Constituição Federal, prevendo que ao eleito por partido que não preencher os requisitos previstos na “cláusula de barreira” “é assegurado o mandato e facultada a filiação, sem perda do mandato, a outro partido que os tenha atingido”.

Em 2021, a Emenda Constitucional nº 111 veio estabelecer nova hipótese de justa causa, a anuência do partido. Ficou estabelecido que os “Deputados Federais, os Deputados Estaduais, os Deputados Distritais e os Vereadores que se desligarem do partido pelo qual tenham sido eleitos perderão o mandato, salvo nos casos de anuência do partido ou de outras hipóteses de justa causa estabelecidas em lei”.

Finalmente, ainda em 2021, foi publicada a Lei n. 14.208/2021, que inseriu dispositivo na Lei dos Partidos Políticos para estabelecer que “Perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa causa, de partido que integra federação” (art. 11-A, § 9º).

Tal produção legislativa demonstra, além da importância, o cuidado que o legislador dispensa à desfiliação de mandatários dos partidos políticos pelos quais foram eleitos.

Nessa linha, a redação dada ao caput do art. 22-A da Lei n. 9.096/95 não pode ser tomada com um descuido, mas sim como uma opção legítima do legislador que deve ser prestigiada.

Aqui, a determinação de que “perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa causa, do partido pelo qual foi eleito” me parece não comportar interpretações.

José Jairo Gomes (Direito Eleitoral, 16. ed. – São Paulo: Atlas, 2020) afirma que a “filiação estabelece um vínculo jurídico entre o cidadão e a entidade partidária“, vinculo esse que é rompido quando se verifica a extinção do partido pela fusão, como no caso dos autos.

Se o partido pelo qual o candidato foi eleito não mais existe, deve ser autorizada sua migração para outra agremiação sem a imposição de qualquer sanção.

Em trabalho que ressalta a importância da segurança jurídica, o Min. Ricardo Lewandowski destaca que

para que a representação popular tenha um mínimo de autenticidade, ou seja, para que reflita um ideário comum aos eleitores e candidatos, de tal modo que entre eles se estabeleça um liame0 em torno de valores que transcendam os aspectos meramente contingentes do cotidiano da política, é preciso que os mandatários se mantenham fiéis às diretrizes programáticas e ideológicas dos partidos pelos quais foram eleitos.

“Sem fidelidade dos parlamentares aos ideários de interesse coletivo” – ensina Goffredo Telles Júnior –, “definidos nos respectivos programas registrados, os partidos se reduzem a estratagemas indignos, a serviço de egoísmos disfarçados; e os políticos se desmoralizam” (TELLES JÚNIOR, 2005, p. 117).

(Infidelidade partidária e proteção da confiança. In: Estudos eleitorais. Tribunal Superior Eleitoral. – v. 1. n. 1. Brasília: TSE, 1997)

Essa é outra perspectiva que pode ser considerada na hipótese: com a sucessão partidária e a consequente alteração dos ideários definidos no programa partidário, quebra-se relação de confiança entre o mandatário e a agremiação, sendo justamente esse o aspecto prestigiado pela fidelidade partidária.

Retomando a questão do conteúdo do dispositivo legal que se examina, é sabido que o texto e o contexto da lei são decisivos para a construção do sentido do enunciado normativo, mas, ainda que se entenda que haja espaço para interpretação da norma, tenho que a clareza da redação do caput do art. 22-A da Lei n. 9.096/95 deve ser prestigiada no caso em análise.

Extrair outra interpretação do texto desmerece a atuação discricionária do legislador e desborda do comedimento interpretativo esperado do Estado-Juiz.

No caso concreto, o autor ROSALVO DUARTE foi eleito vereador de Guaíba/RS pelo DEMOCRATAS - DEM nas Eleições 2020.

Em momento posterior, na sessão realizada em 8.2.2022, o Tribunal Superior Eleitoral, nos autos do RPP nº 0600641–95/DF, de relatoria do Ministro Edson Fachin, deferiu o requerimento de registro do UNIÃO BRASIL, partido resultante da fusão entre o PARTIDO SOCIAL LIBERAL - PSL e o DEMOCRATAS – DEM, conferindo imediata execução ao acórdão.

A partir do deferimento da fusão, o DEMOCRATAS – DEM deixou de existir, sendo sucedido pelo UNIÃO BRASIL.

A norma em comento estabelece a sanção de perda de mandato ao detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa causa, do partido pelo qual foi eleito. Como ROSALVO DUARTE foi eleito pelo DEM e deste partido não se desfiliou, mas pretende se desfiliar de partido diverso, não há razão para se cogitar da perda do mandato eletivo.

Em prestígio à interpretação literal do comando normativo, como o autor se elegeu pelo DEMOCRATAS – DEM, deve ser autorizada sua desfiliação do UNIÃO BRASIL sem a decretação de perda do mandato eletivo, com base no caput do art. 22-A da Lei n. 9.096/95.

Portanto, acrescento estes argumentos à bem lançada fundamentação do voto condutor, acompanhando o relator para julgar procedente o pedido.

É como voto, Senhor Presidente.