PCE - 0600435-33.2020.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 12/07/2022 às 16:00

VOTO

Eminentes Colegas.

O Diretório Estadual do PARTIDO VERDE apresenta contas relativas às eleições 2020, disciplinadas quanto ao mérito pela Resolução TSE n. 23.607/19.

Em parecer conclusivo, a unidade técnica apontou que o partido não apresentou Guia de Recolhimento da União – GRU referente aos recursos não utilizados oriundos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC, na quantia de R$ 4.723,75.

Em resposta, a agremiação alega que a Justiça Eleitoral operou indevidamente o bloqueio dos recursos do FEFC, pois seriam impenhoráveis, e afirma que esta própria Especializada deveria dispor “de tais verbas para quitação da presente Prestação de Contas Eleitorais, haja vista tratar-se do mesmo credor.”

Sem razão.

No que se refere à alegada impenhorabilidade dos recusos públicos recebidos pelos partidos, registro que o Des. Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, nos autos do processo em cumprimento de sentença n. 0000077-64.2013.6.21.0000, julgou improcedente impugnação oferecida pelo PSC – PARTIDO SOCIAL CRISTÃO do Rio Grande do Sul, na qual o devedor alegou ter havido constrição de ativos em contas bancárias utilizadas para recebimento do Fundo Partidário, mantendo bloqueio de valores relativos ao Fundo Partidário.

Tal posição vem apoiada na nítida relativização que o Tribunal Superior Eleitoral tem realizado em relação à impenhorabilidade dos recursos em tela, conforme recente decisão de relatoria do Min. Alexandre de Moraes:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. DIRETÓRIO ESTADUAL. ELEIÇÕES 2018. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. RECURSOS ORIUNDOS DO FUNDO PARTIDÁRIO. IMPENHORABILIDADE. RELATIVIZAÇÃO. DESPROVIMENTO.

1. As normas jurídicas devem ser interpretadas de forma sistêmica, lógica e com prestígio ao sentido maior de toda a organização do sistema de justiça, qual seja, uma prestação que seja efetiva e viabilizada em tempo razoável. Inteligência do art. 5º, LXXVIII e art. 4º do Código de Processo Civil.

2. A execução se faz no interesse do credor, devendo ser operacionalizada da forma menos gravosa ao devedor quando por mais de um modo se evidenciar que o débito pode ser satisfeito, jamais podendo ser confundido com inexistente direito do executado de tornar a via satisfativa um calvário moroso e inefetivo. Inteligência dos arts. 797 e 805 do Código de Processo Civil.

3. O Código de Processo Civil em vigor, ao tratar das impenhorabilidades, não reproduziu no caput do art. 833 o que dispunha o revogado art. 649, excluindo o advérbio de negação de tom peremptório "absolutamente". Certo que a Lei não contém termos inúteis, inexorável concluir que a atual sistemática relativiza as impenhorabilidades elencadas nos incisos que a ele se subordinam, entre as quais a do Fundo Partidário, certo que nenhum direito ou restrição tem caráter absoluto.

4. O fundo partidário não é intocável para a legislação eleitoral, como se infere dos artigos 37, § 3º e 37–A, da Lei n º 9.096/95 e art. 60, III, a, item I da Res. TSE n. 23.546/17. Também não o é para a legislação processual civil, que regula, à míngua de norma processual eleitoral específica, os feitos executivos eleitorais.

5. A melhor intelecção do art. 833, XI, do Código de Processo Civil, portanto, é no sentido de que a impenhorabilidade do fundo partidário é a regra, mas excepcionalmente admite–se a constrição, ainda que se constitua verba de natureza pública e essencial aos partidos políticos, pois embora a execução deva ser conduzida da forma menos gravosa ao devedor, deve ser compatibilizada com a utilidade em relação ao credor e a efetividade do processo.

6. A natureza pública do Fundo Partidário motiva a regra da impenhorabilidade prevista no art. 833, XI, do CPC, mas não impede em casos excepcionais, notadamente quando os valores em execução decorrem exatamente do reconhecimento pela Justiça Eleitoral de que tais recursos foram malversados e, exatamente por isso. devem ser ressarcidos ao Erário. Intelecção diversa poderia levar a dupla implicação negativa: a) o erário é vitimado na malversação dos recursos repassados para exercício específico da atividade partidária e; b) é vitimado – quando reconhecida a necessidade de sua recomposição exatamente pela malversação – pela blindagem decorrente da consideração de que eventuais valores remanescentes são absolutamente intocáveis.

7. No caso em apreço, na forma delineada pelo quadro fático assentado no acórdão regional, não se observa violação da norma constante do art. 833, XI, do CPC, tampouco do princípio da menor onerosidade, seja pela modicidade dos valores, seja pela ausência de demonstração de que tal constrição efetivamente impacta a subsistência do Diretório partidário de forma intensa, seja sobretudo porque não se preocupou o executado, ora recorrente, em indicar como pretende pagar o que deve (ID 30382938).

8. Recurso especial desprovido.

(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 060272621, Acórdão, Relator(a) Min. Alexandre de Moraes, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 48, Data: 21/03/2022.)

Como se percebe, em resumo, as afirmações do prestador de contas baseiam-se em argumentos já superados pela jurisprudência, desatualizados.

Quanto à alegação de que a Justiça Eleitoral deveria dispor das verbas bloqueadas e operar a quitação do recolhimento devido, destaco inicialmente que as ações de prestação de contas dos partidos políticos têm cunho jurisdicional de forma expressa, conforme o art. 37, § 6º, da Lei n. 9.096/95,  circunstância que, por si só, traria a lógica conclusão pela incumbência de o partido, bem como os respectivos profissionais advogados patrocinadores das causas, realizar as diligências relativas aos cumprimentos das ordens judiciais, como todo e qualquer jurisdicionado. 

Ademais, as agremiações partidárias são em dicção constitucional entes cuja natureza jurídica é privada, de autonomia também assegurada constitucionalmente, de modo que é inviável e até mesmo causa espécie (sobretudo pela veemência com que é invocada) a atitude paternalista pedida pelo prestador de contas, no sentido de que a Justiça Eleitoral envidasse esforços para gerir a contabilidade partidária - cumprir uma obrigação de pagamento que incumbe à grei, em resumo. Friso que a referida autonomia traz a reboque uma série de responsabilidades aos partidos políticos, e uma das mais básicas é o adimplemento de compromissos financeiros decorrentes de ordens judiciais.

Por fim, e tendo sido estas as alegações do prestador de contas, acolho o parecer técnico e aprovo com ressalvas as contas, considerando a falha ser única e representar quantia irrisória diante do total de receitas auferidas no período, R$ 809.997,60, equivalente portanto a cerca de 0,6% do arrecadado. Ainda, determino o recolhimento do valor de R$ 4.723,75 ao Tesouro Nacional, de acordo com a previsão contida no § 3º do art. 17 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Diante do exposto, VOTO para aprovar com ressalvas as contas do Partido Verde, e  determinar o recolhimento da quantia de R$ 4.723,75 ao Tesouro Nacional.