REl - 0600371-03.2020.6.21.0039 - Voto Relator(a) - Sessão: 12/07/2022 às 16:00

VOTO

As contas foram desaprovadas em virtude do recebimento de recursos de origem não identificada relativos ao pagamento de despesa com impulsionamento na rede social Facebook, no valor de R$ 499,86, localizadas a partir de nota fiscal não contabilizada, emitida contra o CNPJ do candidato a prefeito, e pela extrapolação do limite de gastos com aluguel de veículos automotores na quantia de R$ 6.730,80.

Quanto à primeira irregularidade, a nota fiscal n. 24536752, emitida por Facebook Serviços Online do Brasil Ltda. em 03.12.2020, no valor de R$ 499,86, foi encontrada pelo exame técnico por meio do procedimento de circularização, e pode ser consultada no sítio Divulga Cand Contas ( https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/88315/210001172678/nfes).

A irregularidade foi apontada devido à falta de identificação da origem dos recursos utilizados para o pagamento dos serviços prestados pelo Facebook.

Em suas razões, os candidatos alegaram que, devido à demora na emissão da nota fiscal, houve o lançamento de R$ 500,00 nas contas, quando na realidade o gasto foi de R$ 499,86, e que efetuaram o pagamento de um boleto no valor de R$ 500,00 à empresa Facebook relativa ao impulsionamento contratado (ID 44872878).

De fato, no exame técnico, consta que a quantia paga a Facebook Serviços Online do Brasil Ltda. foi de R$ 499,86 (ID 44872902), e no Demonstrativo de Despesas apresentado pelos prestadores foi declarado que o valor pago  foi de R$ 500,00 (ID 44872878).

A Procuradoria Regional Eleitoral aponta que não houve apresentação do comprovante de pagamento do boleto ao Facebook, e que os recorrentes juntaram ao recurso a mesma nota fiscal de contratação da despesa já constante nos autos, a qual não supre a omissão quanto à origem do valor utilizado para o adimplemento.

Conforme aponta o Parquet, considerando que a contratação do impulsionamento gera um crédito junto à empresa, e que a nota fiscal é emitida somente após a efetiva utilização de serviço de impulsionamento, é certo que o Facebook foi remunerado pelo serviço em questão. Diante dessa conclusão, analisei os extratos bancários constante nos autos (ID 44872890) e disponíveis no sítio Divulga Cand Contas (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/88315/210001172678/extratos).

Do exame desses documentos verifica-se que há um pagamento de R$ 500,00, realizado por cheque debitado da conta de campanha efetuado em 03.11.2020, mesma data da emissão da nota fiscal de impulsionamento sem a identificação da contraparte.

Tendo em vista que a emissão do cheque não observou o disposto no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, que autoriza o pagamento de despesas somente com uso de cheque nominal e cruzado para fins de identificação do beneficiário, assiste razão à Procuradoria Regional Eleitoral ao concluir que não é possível vincular o cheque debitado da conta, no valor de R$ 500,00, ao pagamento da despesa de R$ 499,86 contratada com o Facebook.

Ademais, os candidatos não se desincumbiram de apresentar relatório de cobrança abrangendo o período de 01.11.2020 até a emissão da nota fiscal em 03.12.2020 pela fornecedora Facebook, ou mesmo o comprovante de pagamento ou cópia do cheque de R$ 500,00, alegadamente emitido ao Facebook.

Assim, tenho por não comprovada a origem da quantia paga pelo impulsionamento no valor de R$ 499,86 ao Facebook, na esteira da conclusão contida no parecer do Parquet.

Desse modo, tendo em vista que a tese recursal atinente ao esclarecimento da presente falha não foi suprida com documentos comprobatórios do alegado, deve ser mantida a conclusão da sentença no sentido de que o valor utilizado para pagamento caracteriza recurso de origem não identificada, o qual deve ser recolhido ao Tesouro Nacional (art. 32, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19).

A segunda falha refere-se à extrapolação da quantia paga no aluguel de veículo automotor, superior a 20% do total de gastos de campanha, conforme o disposto no art. 42, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Os recorrentes contraíram despesa no valor de R$ 12.060,00 em aluguel de automóvel, conforme contrato de locação de veículo, constando como locador Luiz Humberto Rodrigues Bernardes e locatário o candidato a prefeito Sandro da Silva Paz (ID 44872870).

Os candidatos tiveram um total de gastos de campanha no valor de R$ 26.646,00 e poderiam, de acordo com a norma de regência, efetuar o adimplemento de despesa com locação de veículo até 20% desse valor, ou seja, R$ 5.329,20.

Entretanto, o gasto foi de R$ 12.060,00, extrapolando o limite legal em R$ 6.730,80.

Os recorrentes alegam que, para efetuar a expensa, deve ser levado em conta o valor de mercado de cada região, porém não trouxeram aos autos quaisquer documentos comprobatórios de que a quantia contratada estaria de acordo com média de mercado da localidade e do período da locação.

Ademais, conforme análise realizada pela douta Procuradoria Regional Eleitoral, não foi apresentada a íntegra do contrato em questão, somente a primeira página (ID 44872870), sem data ou assinatura dos contratantes, e os recorrentes foram candidatos em Rosário do Sul/RS, mas o locador reside em Alegrete/RS “cidade que, a partir de consulta na internet, disporia de outros fornecedores para o serviço”:

Em sede recursal, aduz a parte recorrente que a contratação nessas condições teria se dado em virtude dos preços de mercado para aluguel de veículos na região, o que não logrou comprovar, quiçá se considerarmos que, hipoteticamente e considerando o prazo informado para a duração da locação (45 dias), haveria ofertas de aluguel de veículo para além daquela região.

Ainda, no documento particular que serviria para embasar a prestação, a pessoa física locadora do veículo, agricultor, informa domicílio no município de Alegrete, RS, cidade que, a partir de consulta na internet, disporia de outros fornecedores para o serviço.

A propósito do contrato referido, tem-se que foi acostada apenas a primeira página (ID 44872870), não havendo data ou assinatura dos contratantes, mostrando-se o documento disponibilizado nessa instância, pois, insuficiente a comprovar o fornecimento do serviço. Porém, em que pese tenha a sentença apontado como irregular apenas o valor que teria extrapolado o limite de 20% para gastos com a locação de veículo, não houve recurso do Ministério Público.

Consoante bem demonstrado pelo Parquet, o Contrato de Locação de Veículo (ID 44872870) está sem qualquer data ou assinatura, insuficiente para demonstrar o gasto efetivamente efetuado na quantia de R$ 12.060,00 pagos pelo cheque n. 850018, dirigido nominalmente ao locador Luiz Humberto Rodrigues Bernardes e devidamente compensado.

Essas falhas não constaram da sentença, e a Promotoria Eleitoral não interpôs recurso objetivando a glosa do pagamento, o qual configura irregularidade na utilização de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) a ensejar o recolhimento do valor ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Não se trata da apuração de má-fé, mas da total falta de confiabilidade dos documentos apresentados pelos prestadores para comprovar o destinatário de recursos públicos, sendo certo que o mero registro da contratação não tem o condão de sanar as irregularidades relativas à omissão de despesa e extrapolação do limite de gasto com locação de veículo.

Como se vê, os candidatos não se desincumbiram de comprovar de forma suficiente e estreme de dúvidas a irregularidade, e não é possível aceitar tão somente as alegações sem qualquer documento comprobatório do emprego de dinheiro público.

A sentença determinou o recolhimento da quantia excedida ao Tesouro Nacional em virtude de o art. 6o da Resolução TSE n. 23.607/19, que regulamenta o art. 18–B da Lei das Eleições, estabelecer pena de multa equivalente a 100% da quantia que exceder o limite de gastos de campanha:

Art. 6º Gastar recursos além dos limites estabelecidos sujeita as(os) responsáveis ao pagamento de multa no valor equivalente a 100% (cem por cento) da quantia que exceder o limite estabelecido, a qual deverá ser recolhida no prazo de cinco dias úteis contados da intimação da decisão judicial, podendo as(os) responsáveis responderem, ainda, por abuso do poder econômico, na forma do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990, sem prejuízo de outras sanções cabíveis (Lei nº 9.504/1997, art. 18-B).

 

Porém, a decisão merece ser reformada nesse ponto porque este Tribunal firmou jurisprudência no sentido de que a cominação de multa se aplica exclusivamente para a hipótese de extrapolação do limite global de gastos, não alcançando o gasto específico com locação de veículos:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CARGO. VEREADOR. OMISSÃO DE DESPESAS. NOTA FISCAL NÃO REGISTRADA NA CONTABILIDADE. GASTO COM COMBUSTÍVEIS. CONTRATAÇÃO DE CÔNJUGE/COMPANHEIRO COMO FORNECEDOR DE CAMPANHA. AUSÊNCIA DE DOCUMENTOS COMPROBATÓRIOS. DESPESA COM ALUGUEL DE VEÍCULO. LIMITE EXCEDIDO. AFASTADO O APONTAMENTO DE ATRASO NA ABERTURA DA CONTA BANCÁRIA. IRREGULARIDADES PERCENTUALMENTE REPRESENTATIVAS DIANTE DO TOTAL MOVIMENTADO. INVIÁVEL A APLICAÇÃO DA PROPORCIONALIDADE. MANTIDA A DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. READEQUAÇÃO, DE OFÍCIO, DA FUNDAMENTAÇÃO PARA O RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. PROVIMENTO PARCIAL.

 

(...)

 

4. A disciplina normativa do limite de gastos com locação de veículos encontra-se no art. 26, § 1º, inc. II, da Lei n. 9.504/97, e no art. 42, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19. Expresso que as despesas com locação de veículos ficam limitadas a 20% do total dos gastos eleitorais, sob pena de caracterizar irregularidade atinente à aplicação dos recursos de campanha. Entretanto, a penalidade prevista no art. 18-B da Lei das Eleições, que foi imposta à recorrente, somente há de ser aplicada em caso de extrapolação dos limites de gastos globais de campanha, não se relacionando com o limite de gastos parciais previstos no art. 26, § 1º, da Lei n. 9.504/97. Esta Corte, em julgamento ocorrido na data de 13.10.2021, reviu seu posicionamento para fixar que a aplicabilidade da previsão contida no art. 18-B da Lei n. 9.504/97, combinado com o art. 6º da Resolução TSE n. 23.607/19, é restrita à extrapolação do limite global de gastos. Assim, deve ser afastada a sanção de multa por excesso do limite de gastos específico com locação de veículo.

(...)

9. Parcial provimento, apenas para afastar a irregularidade relativa ao atraso na abertura das contas bancárias de campanha, mantendo o juízo de desaprovação das contas e readequando, de ofício, o fundamento legal para imposição do recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral n 060067877, ACÓRDÃO de 24/01/2022, Relator FRANCISCO JOSÉ MOESCH, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data 01/02/2022 ) - grifei

 

Contudo, nada obstante o recurso mereça ser provido quanto ao afastamento da pena de multa, a irregularidade subsiste para fins de emissão do juízo de mérito sobre as contas, ainda que afastada a sanção de multa imposta na origem.

Portanto, entendo que as razões recursais são insuficientes para o afastamento das falhas verificadas nas contas, em virtude das irregularidades perfazerem o montante de R$ 7.230,66, quantia que representa 24,10% do total das receitas financeiras, no montante de R$ 30.000,00, e ultrapassa o valor de parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIRs) que a Resolução TSE n. 23.607/19 considera módico.

Com essas considerações, não é adequado, razoável e proporcional o juízo de aprovação das contas, ainda que com ressalvas, pois as falhas são graves e comprometem de forma insanável a confiabilidade da movimentação financeira.

Ante o exposto, VOTO pelo provimento parcial do recurso para manter a desaprovação das contas, afastar a multa imposta na sentença e reduzir de R$ 7.230,66 para R$ 499,86 o valor a ser recolhido pelos recorrentes ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.