REl - 0600280-08.2020.6.21.0072 - Voto Relator(a) - Sessão: 12/07/2022 às 16:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

O recurso é tempestivo e regular, comportando conhecimento.

No mérito, cuida-se de recurso em prestação de contas referente ao pleito de 2020 tida como desaprovada no juízo de origem, em razão do uso irregular de verbas oriundas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), porquanto realizado pagamento de despesas via cheque, sem, contudo, atentar para as regras de emissão das cártulas dispostas no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19. Segue excerto da sentença no que importa ao caso:

Após a manifestação da candidata restaram ainda gastos eleitorais com recursos do FEFEC no total de R$ 3.000,00, que descumpriram a previsão do art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, qual seja, a comprovação do CPF do destinatário na movimentação bancária. Em sua manifestação a candidata alega que “informou” tais dados no sistema SPCE, caso em que não supre a exigência de “comprovação” destes dados junto aos extratos bancários ou outros comprovantes do CPF/CNPJ do destinatário. Sujeitando-se assim, à desaprovação das contas, bem como à devolução dos valores irregulares ao Tesouro Nacional, conforme previsto no art. 79, §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

Em consulta ao sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais (Divulgacand), percebe-se, a partir do exame do extrato eletrônico da conta bancária n. 595039 do Banco do Brasil, o aporte de R$ 3.000,00 oriundos do FEFC, e a emissão de 6 cheques, todos no valor de R$ 500,00, sem a especificação do CPF/CNPJ da contraparte.

A argumentação vertida no apelo vai no sentido de que a prestadora alimentou o Sistema de Prestação de Contas Eleitorais (SPCE) com os dados dos beneficiários das cártula, nos moldes definidos pela norma de regência, e, a dar sustentação ao informado, colacionou os contratos de prestação de serviço bem como os respectivos recibos quanto à satisfação dos préstimos realizados. Entende, ainda, inaplicável à demanda o assentado na Resolução TSE n. 23.607/19, em seu art. 74, inc. III, ao entendimento de que as falhas arroladas não comprometem a regularidade do feito; e no art. 79, §§ 1º e 2º, visto que destinados a prestações de contas aprovadas com ressalvas, enquanto o caso vertente aponta para a desaprovação da contabilidade de campanha.

Em que pese a argumentação recursal, a tese não merece guarida.

Ocorre que, posto que informados os dados dos prestadores de serviços e carreados ao feito os contratos e recibos atinentes aos trabalhos realizados, a remuneração pelas jornadas cumpridas foi adimplida, ao arrepio da norma, via cheque não cruzado ou nominal.

O exame preliminar (ID 44966997), em 19.01.2022, sinalizou o descumprimento do art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, ao identificar a distribuição de cheques sem o registro do nome do destinatário e o devido cruzamento. As falhas foram repisadas em parecer conclusivo (ID 44967005), emitido em 21.3.2022, e serviram de base para a sentença de desaprovação.

A recorrente, quanto ao ponto, como já referido, limitou-se a asseverar, visando a elidir a falha, que o feito segue acompanhado de documentação robusta à dar sustentação ao informado no SPCE, não sendo necessários outros complementos a identificar sua movimentação financeira durante a corrida eleitoral.

Todavia, do acervo carreado, não apenas em sede recursal, mas em manifestação quanto ao relatório preliminar (ID 44967004), constam os mesmos documentos juntados aos autos quando da instrução da contabilidade, quais sejam, extrato da conta a demonstrar a saída dos valores (sem CPF/CNPJ), contratos e recibos de pagamento (ID 44966976, 44966977, 44966978, 44966979, 44966980, 44966981).

Nesse trilhar, a candidata, ciente dos vícios apontados desde a primeira orientação desta Justiça Eleitoral, não buscou se desincumbir do ônus probante, o qual poderia se dar, por exemplo, mediante o apensamento das microfilmagens dos cheques, optou, na realidade, por manter a argumentação expendida, ainda que as mesmas não tenham se prestado a sanar as falhas e tenham ensejado parecer conclusivo e sentença pela manutenção das máculas.

A juntada da cópia dos cheques, no caso concreto, permitiria a aferição do emprego das verbas e o atendimento do art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, que exige a emissão de cheque nominal e cruzado ao fornecedor de bens ou prestador de serviços à campanha, verbis:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

(Grifei.)

 

Depreende-se do texto legal que a regra possui caráter objetivo quanto à imprescindibilidade de o cheque ser emitido na forma nominal e cruzada aos fornecedores de bens ou prestadores de serviços declarados nos demonstrativos contábeis, procedimento que ganha especial relevo com relação às receitas públicas recebidas do FEFC, como na hipótese dos autos, em que foi repassado à candidata a quantia de R$ 3.000,00 (ID 44966985).

Como o cheque não cruzado pode ser descontado sem depósito bancário, a exigência relativa ao cruzamento da cártula — após o qual o seu pagamento somente pode ocorrer mediante crédito em conta bancária (art. 45, caput, da Lei n. 7.357/85) — visa a permitir a rastreabilidade das receitas eleitorais, conferindo maior confiabilidade às informações inseridas na escrituração contábil.

Após debater essa matéria no julgamento do RE n. 0600464-77.2020.6.21.0099, interposto em processo de prestação de contas atinente ao pleito de 2020, envolvendo recursos públicos derivados do FEFC, este Colegiado adotou entendimento no sentido de que os valores indevidos devem ser recolhidos ao erário:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. ELEIÇÕES 2020. PREFEITO E VICE. APROVADAS COM RESSALVAS. USO IRREGULAR DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA-FEFC. IRRESIGNAÇÃO UNICAMENTE QUANTO À DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DE VINCULAÇÃO ENTRE OS BENEFICIÁRIOS DAS CÁRTULAS E OS EMITENTES DAS NOTAS FISCAIS. INEXISTÊNCIA DE DOCUMENTOS IDÔNEOS A COMPROVAR A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO.

1. Recurso contra sentença que julgou aprovadas com ressalvas prestação de contas de candidatos à majoritária, referentes às eleições municipais de 2020, determinando o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, em face do uso irregular de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC.

2. Insurgência delimitada à determinação de restituição ao erário, não estando a sentença sujeita à modificação na parte em que aprovou as contas com ressalvas, uma vez que a matéria não restou devolvida à apreciação do Tribunal nas razões de apelo.

3. A norma que regulamenta a forma de pagamento das despesas eleitorais está prevista no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual determina que os gastos de natureza financeira devem ser pagos por meio de cheque cruzado e nominal ao fornecedor. Incontroverso, na hipótese, o descumprimento, cabe a análise se, por um lado, essa conduta por si só, conduz à determinação de recolhimento dos valores apurados ao Tesouro Nacional ou, por outro lado, se existem documentos idôneos capazes de comprovar os gastos efetuados por meio dos cheques objeto da glosa.

4. A atual jurisprudência do TSE supera o entendimento até hoje vigente neste colegiado, estabelecendo, em síntese, que a devolução de valores oriundos de recursos públicos ao Tesouro Nacional somente é cabível nas hipóteses de ausência de comprovação da utilização dos recursos ou utilização indevida, comandos estabelecidos no § 1º do art. 79 da já citada Resolução TSE n. 23.607/19.

5. A análise da microfilmagem dos cheques estabelece que os beneficiários das cártulas foram pessoas estranhas aos fornecedores identificados e que apresentaram as notas fiscais e as declarações tendentes a estabelecer vinculação com os já citados cheques. As regras contidas na Resolução TSE n. 23.607/19 dispõem que os gastos de campanha devem ser identificados com clareza e estabelecendo elos seguros entre os beneficiários dos pagamentos e os serviços prestados. É a chamada rastreabilidade, isto é, os pagamentos devem ser atestados por documentos hábeis a demonstrar o serviço prestado pelo beneficiário e sua vinculação com a despesa, o que não ocorreu no caso concreto.

6. O contexto probatório não revela nenhum documento fiscal idôneo emitido pelos beneficiários dos cheques e tampouco contrato ou prova de prestação de serviços a justificar os pagamentos feitos. Ausente a vinculação entre os beneficiários dos cheques e os emitentes das notas fiscais, bem como a inexistência de provas, por documentos idôneos, de prestação de serviços por parte dos beneficiários das cártulas, resta descumprida a regra posta no art. 60, e parágrafos, da Resolução TSE n. 23.607/19. Circunstância que atrai a incidência do disposto no § 1º do art. 79 da Resolução TSE n. 23.607/19, impondo a devolução dos valores ao Tesouro Nacional, como determinado na sentença.

7. Provimento negado.

(Julgado na sessão de 06.7.2021, Relator Des. Eleitoral SILVIO RONALDO DOS SANTOS DE MORAES, redator do acórdão Des. El. OYAMA ASSIS BRASIL DE MORAES.) (Grifei.)

 

Com efeito, ainda que fosse considerada a hipótese ventilada na segunda instância, padeceriam de irregularidades os contratos apresentados, pois neles não há o detalhamento das contratações, com a identificação dos locais de trabalho, das horas trabalhadas, e da justificativa do preço avençado, como exige o art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19, in verbis:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei n. 9.504/97, art. 26):

[...]

§ 12. As despesas com pessoal devem ser detalhadas com a identificação integral dos prestadores de serviço, dos locais de trabalho, das horas trabalhadas, da especificação das atividades executadas e da justificativa do preço contratado.

 

Gizo, também, falha constante nos contratos firmados com Sharon Nunes Machado Barboza e Ana Paula Marques Schardosim, os quais foram assinados inversamente (ID 44966977 e 44966980).

Não obstante os dados informados no SPCE e o ingresso dos contratos ao feito, o vício permanece, visto que a quitação dos débitos se deu erroneamente, em afronta ao art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, e a prestadora não trouxe à lide argumento ou documentação apta a sanar a irregularidade.

Quanto a alegada inaplicabilidade dos arts. 74, inc. III, e 79, § 1º, ambos da Resolução TSE n. 23.607/19, melhor sorte não socorre a prestadora.

A uma, pois na medida em que a documentação, tida por robusta pela recorrente, não supriu a lacuna de identificação criada pela emissão dos cheques não cruzados e nominais, e, de forma a majorar o erro, utilizados para quitar dispêndios com verba pública, a falha se revestiu de gravidade suficiente a atrair o disposto no inc. III do art. 74.

A duas, porque a malversação dos valores públicos tem por corolário lógico sua restituição ao erário, sejam as contas desaprovadas ou apenas ressalvadas, não calhando o entendimento que o art. 79 limita a devolução dos recursos públicos somente às decisões que aprovarem as contas com ressalvas, mas sim que estas, por óbvio, apesar de aprovadas, devem recolher as verbas utilizadas indevidamente. Qualquer entendimento diverso estaria a premiar a quem incorreu em erro mais grave, capaz de comprometer a regularidade das contas, em detrimento do prestador que recebeu apenas ressalvas, as quais não afetam a higidez da contabilidade.

É o entendimento desta Corte:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATA. CARGO DE VEREADORA. DESAPROVAÇÃO. PAGAMENTOS IRREGULARES COM RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (FEFC). CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS SEM ASSINATURA. NÃO APRESENTADOS OS CHEQUES EMITIDOS. AUSÊNCIA DO NOME DOS BENEFICIÁRIOS DE PAGAMENTOS NO EXTRATO BANCÁRIO. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. PRINCÍPIO DA NON REFORMATIO IN PEJUS. INVIABILIDADE DE APLICAÇÃO DOS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. PROVIMENTO NEGADO.


1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas de candidata ao cargo de vereadora, referentes às eleições municipais de 2020, em virtude da realização de pagamentos com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), sem observar as prescrições do art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, bem como de contrato de prestação de serviços sem assinatura do fornecedor. Determinado o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.


2. A forma de pagamento dos gastos eleitorais encontra-se disciplinada no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19. A norma possui caráter objetivo e exige, sem exceções, que o cheque manejado para pagamento de despesa eleitoral seja não apenas nominal ao fornecedor, mas também cruzado. Na hipótese, os documentos juntados não evidenciam que os recursos públicos foram efetivamente destinados aos prestadores de serviços declarados, porquanto não consta no extrato bancário o nome dos beneficiários dos dois pagamentos, tampouco foi juntada cópia da cártula empregada para quitação da despesa. Ademais, o contrato de prestação de serviços apresentado não se presta a qualquer comprovação, eis que desprovido da necessária assinatura do fornecedor. Ausente a devida demonstração da escorreita utilização de recursos públicos, impõe-se a obrigação de a candidata proceder ao ressarcimento do Tesouro Nacional, com fundamento no art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.


3. Conquanto tenham sido glosados pelo juízo singular dois dispêndios, foi comandada a devolução ao erário somente quanto ao gasto cujo contrato carece de assinatura, de sorte que a situação da recorrente não pode ser agravada nesta instância, em virtude do princípio da non reformatio in pejus.


4. As falhas identificadas nas contas representa 91,12% das receitas declaradas, inviabilizando a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade como forma de atenuar sua gravidade sobre o conjunto das contas, na linha da jurisprudência consolidada deste Tribunal. Manutenção da sentença.


5. Provimento negado.


(TRE-RS, REl 0600533-32.2020.6.21.0060, Relatora designada: Desa. Eleitoral Kalin Cogo Rodrigues, julgado na sessão de 29.3.2021.) Grifei.

 

Por fim, a inconsistência relativa aos recursos do FEFC perfaz o valor de R$ 3.000,00, o qual é superior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIR) que a disciplina normativa das contas considera módico e é utilizado como critério pela Justiça Eleitoral para que sejam aplicados os postulados da proporcionalidade e razoabilidade a fim de aprovar as contas com ressalvas.

Destarte, não sanado o vício quanto a forma de utilização e destinação dos recursos do FEFC, superada a tese recursal, a qual restou incapaz de infirmar o entendimento exarado na origem, a manutenção da sentença é medida que se impõe.

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento e desprovimento do recurso interposto por PAULINA MACIEL SARATE DE LIMA, para manter a sentença que julgou desaprovadas suas contas relativas ao pleito de 2020, e a determinação de recolhimento de R$ 3.000,00 ao Tesouro Nacional.

É como voto, senhor Presidente.