REl - 0600037-64.2020.6.21.0072 - Voto Relator(a) - Sessão: 08/07/2022 às 14:00

VOTO

Da Admissibilidade

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

 

Dos Documentos Juntados com o Recurso

Inicialmente, consigno que, no âmbito dos processos de prestação de contas, expedientes que têm preponderante natureza declaratória e possuem como parte apenas o prestador, este Tribunal tem concluído, em casos excepcionais, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, acostados com a peça recursal e não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição quando sua simples leitura pode sanar irregularidades, ictu primo oculi, sem a necessidade de nova análise técnica.

Potencializa-se, assim, o direito de defesa, especialmente quando a juntada da nova documentação mostra capacidade de influenciar positivamente no exame da contabilidade, de forma a prestigiar o julgamento pela retidão no gerenciamento dos recursos empregados no financiamento da campanha, como se denota da ementa abaixo colacionada:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DESAPROVAÇÃO. PRELIMINAR. JUNTADA DE NOVOS DOCUMENTOS COM A PEÇA RECURSAL. ACOLHIDA. MÉRITO. AUSENTE OMISSÃO. DIVERGÊNCIA ENTRE OS DÉBITOS CONSTANTES NOS EXTRATOS E OS INFORMADOS NA CONTABILIDADE. PAGAMENTO DESPESAS SEM TRÂNSITO NA CONTA DE CAMPANHA. IMPOSSIBILIDADE DE REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROBATÓRIA MEDIANTE A JUNTADA DE NOVOS DOCUMENTOS. INVIÁVEL NOS ACLARATÓRIOS. REJEIÇÃO.

1. Preliminar. Admitida a apresentação de novos documentos com o recurso, quando capazes de esclarecer irregularidades apontadas, sem a necessidade de nova análise técnica ou diligências complementares.

2. Inviável o manejo dos aclaratórios para o reexame da causa. Remédio colocado à disposição da parte para sanar obscuridade, contradição, omissão ou dúvida diante de uma determinada decisão judicial, assim como para corrigir erro material do julgado. Presentes todos os fundamentos necessários no acórdão quanto às falhas envolvendo divergência entre a movimentação financeira escriturada e a verificada nos extratos bancários bem como do pagamento de despesas sem o trânsito dos recursos na conta de campanha. Não caracterizada omissão. Rejeição.

(TRE-RS, RE n. 50460, Relator Des. El. SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, Data de Julgamento: 25.01.2018, DEJERS: 29.01.2018, Página 4.) (Grifei.)

 

Por essas razões, conheço dos documentos acostados com o recurso, consistentes em contratos e comprovantes bancários, de simples constatação e com aptidão para, em tese, conduzirem ao saneamento das irregularidades.

 

Do Mérito

No mérito, trata-se de recurso interposto por GERSON DO NASCIMENTO JUNIOR contra sentença que desaprovou suas contas de campanha e lhe determinou o recolhimento de R$ 2.280,00 ao Tesouro Nacional, por inobservância ao art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19 no pagamento, com recursos do FEFC, de despesas de campanha.

O decisum guerreado alicerçou-se em parecer expedido pelo órgão técnico, que, à vista do extrato eletrônico da conta de campanha, detectou a existência de três operações bancárias nas quais não constou o CPF/CNPJ da contraparte.

Passo, a seguir, à análise discriminada de cada operação considerada irregular.

 

I - Do cheque n. 1, de R$ 500,00, sem indicação da contraparte no extrato bancário.

O candidato lançou em sua contabilidade o dispêndio de R$ 500,00 para pagamento de serviços advocatícios, em prol de GUILHERME DA CUNHA RAUPP, com a informação de pagamento por meio do cheque n. 1 (ID 4496726), bem como acostou o correspondente recibo de pagamento a autônomo, sob a RPA n. 2 (ID 44967282).

Com o apelo, foi juntado o contrato e extrato bancário da conta pessoal do referido advogado, junto ao Banrisul, no qual se evidencia o depósito de R$ 500,00, no dia 29.10.2020, via cheque (ID 44967305, fl. 4).

De seu turno, o extrato eletrônico do candidato, disponível no sistema Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, indica o débito, naquela mesma data, de R$ 500,00, relacionado à compensação do cheque n. 1:

Ainda que a respeitável manifestação da Procuradoria Regional Eleitoral pontue que a prova dos autos é insuficiente para a demonstração do gasto, pois “a situação poderia ter sido facilmente esclarecida pelo recorrente, mediante a juntada de cópia do cheque microfilmado, de modo a comprovar que o depósito ocorreu na conta do prestador de serviços informado”, entendo que a irregularidade deve ser afastada.

Como se percebe, os registros no SPCE, as movimentações bancárias do advogado e do candidato, bem como as informações constantes no contrato de prestação de serviços e na RPA estão em perfeita coincidência em relação às partes, à data de pagamento e ao valor envolvido, não havendo mínima incongruência no ciclo de contratação e pagamento da despesa eleitoral.

Nesse ponto, cabe ressaltar que o extrato eletrônico anota a expressão “CH COMPENSADO 041”, ou seja, o mesmo código de instituição bancária relacionado ao banco em que recebido o depósito pelo fornecedor de serviços, ou seja, o Banrisul.

Assim, em que pese tenha havido a compensação do cheque n. 1, significando que ocorreu seu depósito em conta bancária, por razão não atribuível ao candidato, mas sim à instituição bancária, não constam os devidos dados concernentes à tal operação no extrato eletrônico.

Ora, nos termos do art. 12, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19, incumbe ao banco identificar o CPF ou o CNPJ do fornecedor de campanha, verbis:

Art. 12. Os bancos são obrigados a (Lei n. 9.504/97, art. 22, § 1º):

I - acatar, em até 3 (três) dias, o pedido de abertura de conta de qualquer candidato escolhido em convenção, sendo-lhes vedado condicionar a conta ao depósito mínimo e à cobrança de taxas ou de outras despesas de manutenção;

II - identificar, nos extratos bancários da conta-corrente a que se referem o inciso I deste artigo e o art. 9º desta Resolução, o CPF ou o CNPJ do doador e do fornecedor de campanha;

 

Aliás, nota-se que o banco deixou de encaminhar à Justiça Eleitoral as informações de todas as transações levadas a efeito no período compreendido entre as datas de abertura e encerramento da conta bancária, em afronta ao art. 13, § 4º, do diploma normativo supracitado, pois, a partir da atenta observação do extrato, percebe-se que há tão somente o registro de débitos, todos a partir de 21.10.2020, e não do crédito anterior, ocorrido em 16.10.2020, conforme extrato completo apresentado pelo candidato (ID 44967305, fl. 4).

Transcrevo, a seguir, o texto do dispositivo mencionado, litteris:

Art. 13. As instituições financeiras devem encaminhar ao Tribunal Superior Eleitoral o extrato eletrônico das contas bancárias abertas para as campanhas eleitorais dos partidos políticos e candidatos, para instrução dos respectivos processos de prestação de contas, no prazo de até 15 (quinze) dias após o encerramento do mês anterior.

(...)

§ 4º Os extratos eletrônicos devem ser padronizados e fornecidos conforme normas específicas do Banco Central do Brasil e devem compreender o registro da movimentação financeira entre as datas de abertura e encerramento da conta bancária.

 

Não bastasse isso, observando o teor do relatório técnico oferecido na instância de origem, vê-se que se cingiu a apontar que “2.1. Os gastos eleitorais com recursos do FEFEC descumpriram a previsão do art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19 (sem identificação do CPF/CNPJ do destinatário na movimentação bancária), conforme demonstrativo abaixo e extrato bancário juntado pelo candidato” e reproduzir imagem das operações bancárias que foram ao final reputadas irregulares (ID 44967293).

Inexistiu, portanto, qualquer apontamento inequívoco determinando ao candidato a apresentação de microfilmagem de cheques, na forma em que prescreve o art. 69, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 69. Havendo indício de irregularidade na prestação de contas, a Justiça Eleitoral pode requisitar diretamente ou por delegação informações adicionais, bem como determinar diligências específicas para a complementação dos dados ou para o saneamento das falhas, com a perfeita identificação dos documentos ou elementos que devem ser apresentados (Lei n. 9.504/97, art. 30, § 4º).

 

Diante de todas estas circunstâncias, impõe-se considerar regular o gasto com serviços de advocacia, pago com recursos do FEFC, no montante de R$ 500,00.

 

II. Do saque com cartão magnético no montante de R$ 700,00.

No que diz respeito ao saque na conta bancária efetuado por cartão magnético, em 30.10.2020, no importe de R$ 700,00, afirma o recorrente que se refere ao pagamento do boleto bancário n. 00019/112/0061682595-8, gerado para quitação de despesa com honorários de contabilidade, consoante nota fiscal n. 2020/52 e contrato de prestação de serviços firmado com Ibes Eron Alves Vaz, CNPJ n. 24.510.652/0001-34.

Com efeito, observando-se a documentação coligida aos autos com o apelo, verifica-se que a forma de pagamento do dispêndio, boleto debitado diretamente na conta corrente de campanha, obedeceu estritamente ao disposto no art. 38, inc. II e § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

III - débito em conta; ou

(...).

§ 1º O pagamento de boletos registrados pode ser realizado diretamente por meio da conta bancária, vedado o pagamento em espécie.

 

Trago também à colação ementa do egrégio Tribunal Superior Eleitoral que assenta a possibilidade de quitação de despesas eleitorais por meio de boleto bancário:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2018. DEPUTADO ESTADUAL. CONTAS DE CAMPANHA. PAGAMENTO. MILITANTES. TERCEIRIZAÇÃO. CHEQUE ÚNICO. IRREGULARIDADE. RECURSOS. FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA. PERCENTUAL ELEVADO NO CONTEXTO DA CAMPANHA. HIPÓTESE DE DESAPROVAÇÃO. RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO. DESPROVIMENTO. 

1. No decisum monocrático, desaprovaram–se as contas de campanha do agravante, determinando–se o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, em decorrência de pagamentos indiretos a militantes, sem trânsito pelo sistema bancário, irregularidade que correspondeu a 12,4% do total movimentado. 

2. A teor da jurisprudência desta Corte e do art. 40 da Resolução TSE n. 23.553/17, as despesas de campanha devem ser realizadas por meio de transferência bancária que identifique o CPF do beneficiário, de cheque nominal ou de boleto bancário, de modo a assegurar a higidez na movimentação dos recursos. 

3. Conforme se assentou em caso similar, "[...] os pagamentos de despesas de campanha foram realizados por meio de retiradas, sem observância da norma que exige o pagamento dos serviços por meio de transferência bancária ou cheque nominal, procedimento que prejudica a fiscalização da correta aplicação dos recursos de campanha. (AgR–Respe 558–58/BA, Rel. Ministro Admar Gonzaga, DJE 03.4.2018.). 

4. De acordo com a base fática descrita no aresto a quo, a emissão de quatro cheques únicos em favor dos coordenadores de campanha (responsáveis por pagar os militantes) importou em ofensa ao art. 40 da Resolução TSE n. 23.553/17. 

5. Ainda que o art. 43 da Resolução TSE n. 23.553/17 estabeleça a possibilidade de contratar pessoal terceirizado para mobilização de rua, os institutos não se confundem, uma vez que o art. 40 do mesmo diploma, repita–se, exige que os pagamentos a cada um dos militantes se faça por uma das formas específicas previstas, não se admitindo que os valores sejam entregues em espécie. 

6. A única hipótese em que se admite o pagamento em dinheiro está prevista no art. 41 da mesma Resolução, que trata do Fundo de Caixa, constituído por, no máximo, 2% dos gastos contratados, o que não é o caso dos autos. 

7.  Além disso, o fato de terem sido apresentados contratos de prestação de serviços e recibos eleitorais não exclui a obrigatoriedade de as despesas serem realizadas por meio dos modelos bancários de transação, pois apenas nesse quadro é que a Justiça Eleitoral pode identificar o verdadeiro destino dos recursos. No sentido da relevância da transparência da movimentação de valores pelo sistema bancário ao longo de toda a campanha: AgR–REspe 265–35/RO, redatora para acórdão Min. Rosa Weber, DJE de 11.9.2018. 8. Agravo regimental desprovido. 

(Recurso Especial Eleitoral n. 060034981, Acórdão, Relator Min. Jorge Mussi, Relator designado Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, Publicação:  DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 37, Data 21.02.2020.). Grifei.

 

Desse modo, restou satisfatoriamente comprovada a escorreita utilização de R$ 700,0 oriundos do FEFC e, em convergência com o parecer ministerial, impõe-se o afastamento da irregularidade em tela.

 

III – Do cheque n. 6, no valor de R$ 1.080,00, descontado em caixa.

Alega o recorrente que o cheque n. 6, no valor de R$ 1.080,00, teria sido compensado para pagar, durante o período eleitoral, serviços de panfletagem contratados com Felipe Ramos da Silva, CPF n. 601.159.960-52, de acordo com contrato por prazo determinado.

Pois bem.

Inicialmente, assinalo que o contrato de prestação de serviços acostado com o recurso já se encontrava presente nos autos, sob o ID 44967283.

Noutro vértice, examinando o extrato bancário juntado sob o ID 44967281, bem como o similar disponível no sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, constato que não houve compensação do cheque em questão, mas, sim, mero débito, indicando que ocorreu o seu desconto na boca do caixa, o que somente poderia ter ocorrido em caso de não ter sido o título emitido de forma cruzada.

Por outro lado, o candidato não logrou apresentar a microfilmagem do título, na qual se pudesse evidenciar a sua emissão de forma nominal e cruzada, ou outro documento bancário que demonstrasse o efetivo direcionamento do valor à conta do prestador de serviços.

Nesse cenário, portanto, conclui-se que houve descumprimento da norma de regência, estabelecida no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, no que diz respeito ao preenchimento do cheque, pois não foi realizado seu cruzamento, de sorte a caracterizar a irregularidade.

Esta Corte Regional, em recentes julgamentos, após debate da matéria, assentou que o pagamento de despesa eleitoral mediante cheque não cruzado, ainda que nominativo ao fornecedor, e descontado na boca do caixa, impede a comprovação da regularidade do gasto, impondo-se o reconhecimento da irregularidade e, em caso de pagamento com verbas públicas, o ressarcimento ao erário dos respectivos valores.

Eis as ementas dos julgados aludidos:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATOS. PREFEITO E VICE. DESAPROVAÇÃO. PRELIMINAR. CONHECIDOS OS DOCUMENTOS JUNTADOS AO RECURSO. MÉRITO. APLICAÇÃO IRREGULAR DE RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO E DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. DESPESAS PARCIALMENTE COMPROVADAS. ENDOSSO. POSSIBILIDADE. PAGAMENTO POR MEIO DE CHEQUE SEM CRUZAMENTO. MANTIDA A DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. REDUZIDO O MONTANTE A SER RECOLHIDO AO TESOURO NACIONAL. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas dos candidatos aos cargos de prefeito e vice-prefeito, referentes às eleições municipais de 2020, em virtude da realização de gastos com recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC sem observância à forma prescrita no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19. Determinado o recolhimento da quantia irregular ao Tesouro Nacional.

2. Preliminar de juntada de documentos. No âmbito dos processos de prestação de contas, expedientes que têm preponderante natureza declaratória e possuem como parte apenas o prestador, este Tribunal tem concluído, em casos excepcionais, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, acostados com a peça recursal e não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, ainda que o interessado tenha sido intimado para se manifestar, quando sua simples leitura pode sanar irregularidades e não há necessidade de nova análise técnica. No caso dos autos, conhecidos os documentos juntados, mesmo tendo sido acostados após o parecer ministerial, por ser de simples análise.

3. Os gastos eleitorais devem ser comprovados por documentos idôneos, nos termos do art. 60 da Resolução TSE n. 23.607/19. Quanto ao pagamento, devem os dispêndios observar a forma prescrita no art. 38 da referida resolução. A legislação eleitoral, ao estabelecer as formas de pagamento dos gastos eleitorais, não impõe a emissão de cheque não endossável (“não a ordem”), não sendo exigível dos candidatos que o próprio prestador do serviço ou o fornecedor do bem faça o desconto do título, o qual pode ser licitamente transmitido a terceiros, conforme previsto no art. 17 da Lei n. 7.357/85, desde que sejam observados os fins colimados pelo art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19. Na hipótese, ocorrência de despesas pagas por meio de cheques não endossados, não tendo sido demonstrada a coincidência entre fornecedor e beneficiário de pagamento com recursos públicos, impõe-se o recolhimento da quantia equivalente ao Tesouro Nacional. Por outro lado, ordens de pagamento que, embora tenham sido descontadas por terceiros, foram depositadas em conta bancária a partir de endossos realizados pelos fornecedores declarados, o que viabiliza o afastamento do dever de recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional.

4. Pagamento de gastos por meio de cheques emitidos sem cruzamento e descontados na boca do caixa. Mesmo nos casos em que este Tribunal tem admitido a circulação do título mediante endosso, não se tem mitigado a exigência de que o cheque tenha sido originariamente cruzado e descontado em conta bancária, ainda que sob a titularidade de terceira pessoa. A finalidade da exigência do cruzamento do cheque reside na obrigação do recebedor de depositá-lo em conta bancária para compensação, integrando um ciclo ou arquitetura de formalidades previstas na Resolução TSE n. 23.607/19, desde o recebimento de doações, passando pelas contratações à quitação de despesas, tendentes a possibilitar a fiscalização e diminuir a possibilidade de fraudes, especialmente em se tratando de verbas públicas. Na hipótese, existência de falha quanto à forma de pagamento dos gastos realizados com recursos públicos, cuja quantia deve ser restituída ao Tesouro Nacional, por ausência de comprovação segura de sua utilização regular, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

5. Parcial provimento. Manutenção da desaprovação das contas. Redução da quantia a ser recolhida ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS, REl 0600518-81.2020.6.21.0151, Acórdão por maioria, Relatora: Desa. Eleitoral Kalin Cogo Rodrigues. Redator para o acórdão: Des. Francisco José Moesch. Julgamento: 19.5.2022.). Grifei.

 

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PREFEITO E VICE NÃO ELEITOS. DESAPROVAÇÃO. CHEQUE COMPENSADO SEM IDENTIFICAÇÃO DO BENEFICIÁRIO. FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. AFRONTA AO DISPOSTO NO ART. 38, INC. I, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. AUSENTE COMPROVANTES DE PAGAMENTO. FALHA PARCIALMENTE SANADA. REDUZIDO O MONTANTE A SER RECOLHIDO AO TESOURO NACIONAL. ALTO PERCENTUAL DA FALHA. MANTIDA A DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas de candidatos não eleitos aos cargos de prefeito e vice-prefeito, relativas as eleições de 2020, em virtude do pagamento de despesa com recursos oriundos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), mediante utilização de cheques nominais não cruzados e ausência do comprovante de pagamento de despesa. Determinado o recolhimento da quantia irregular ao Tesouro Nacional.

2. Cheques compensados sem a identificação de seu beneficiário, impedindo a devida comprovação da utilização dos recursos do FEFC e do pagamento realizado aos prestadores de serviços declarados nas contas. Desatendido o disposto no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, que estabelece a necessidade de que o pagamento seja realizado por cheque nominal cruzado. A emissão de cheque nominal não cruzado permite sua circulação e compensação sem depósito bancário, não havendo transparência nem confiabilidade na identificação dos beneficiários dos gastos em questão, impedindo a rastreabilidade das quantias utilizadas na campanha. Caracterizada a irregularidade. Mantida a determinação de recolhimento da quantia ao erário, no ponto.

3. Constatada a ausência de comprovantes de pagamentos e de identificação das contrapartes nos extratos bancários (arts. 35, 53, inc. II, al. "c", e 60 da Resolução TSE n. 23.607/19), referente a gastos com fornecedores. Embora este Tribunal possibilite a apresentação de novos documentos em grau recursal, os contratos, por tratar-se de documentos produzidos mediante acordo entre partes, não têm fé suficiente, podendo dar margem a burlas por não trazerem transparência sobre o destino dos recursos públicos. Ademais, das cópias dos cheques juntados, resta demonstrado que apenas em relação a um fornecedor foi utilizado cheque nominal e cruzado, em atenção ao disposto no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19. Sanada parcialmente a falha.

4. As falhas são graves e impedem a rastreabilidade dos recursos, bem como o controle da movimentação financeira pela Justiça Eleitoral. O valor total das irregularidades representam 22,37% das receitas recebidas e ultrapassam o parâmetro de R$ 1.064,10 que a Resolução TSE n. 23.607/19 considera módico. Mantida a desaprovação das contas. Reduzido o montante a ser recolhido ao Tesouro Nacional.

5. Parcial provimento.

(TRE-RS, REl 0600223-10.2020.6.21.0130, Acórdão por maioria, Relator Des. Eleitoral Gerson Fischmann, julgado em 19.5.2022.). Grifei.

 

Não desconheço que a hodierna jurisprudência do egrégio Tribunal Superior Eleitoral entende que “despesas sem a observância dos meios previstos no art. 40 da Resolução TSE n. 23.553/17 não implica, por si só, na obrigação de restituir ao Erário os valores correspondentes, revelando–se necessário o exame das circunstâncias do caso para aferir se houve a ausência de comprovação da utilização dos recursos do Fundo Partidário e/ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) ou a sua utilização indevida”, consoante precedentes abaixo transcritos:

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DEPUTADO ESTADUAL. DESAPROVAÇÃO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. GASTOS ELEITORAIS REALIZADOS SEM A OBSERVÂNCIA DOS MEIOS DE PAGAMENTO LEGALMENTE PREVISTOS NO ART. 40 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.553/17. APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS IDÔNEOS À COMPROVAÇÃO DAS DESPESAS. DESNECESSIDADE DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. AFASTAMENTO DA INCIDÊNCIA DO ART. 82, § 1º, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.553/17. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO–PROBATÓRIO DOS AUTOS. SÚMULA Nº 24/TSE. ACÓRDÃO EM HARMONIA COM A HODIERNA JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. SÚMULA Nº 30/TSE. MANUTENÇÃO DO DECISUM. DESPROVIMENTO DO AGRAVO INTERNO.

1. De acordo com a hodierna jurisprudência deste Tribunal, a realização de despesas sem a observância dos meios previstos no art. 40 da Resolução TSE n. 23.553/17 não implica, por si só, na obrigação de restituir ao Erário os valores correspondentes, revelando–se necessário o exame das circunstâncias do caso para aferir se houve a ausência de comprovação da utilização dos recursos do Fundo Partidário e/ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) ou a sua utilização indevida, nos termos do art. 82, § 1º, da mesma resolução.

2. No caso, o TRE/RS asseverou que a documentação juntada, sobretudo comprovantes fiscais e contrato de prestação de serviço e de locação, foi suficiente para comprovar os referidos gastos eleitorais do candidato.

3. A modificação da decisão regional, que assentou a comprovação das despesas, demandaria análise do acervo fático–probatório dos autos, incidindo na espécie o enunciado da Súmula nº 24/TSE.

4. O processamento do recurso especial fica obstado quando o acórdão regional encontra–se em harmonia com a hodierna jurisprudência desta Corte, nos termos da Súmula nº 30/TSE.

5. Agravo interno a que se nega provimento.

(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL n. 060288784, Acórdão, Relator Min. Edson Fachin, Publicação:  DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 40, Data 09.3.2022.). Grifei.

 

Direito Eleitoral. Eleições 2018. Recurso Especial Eleitoral. Prestação de Contas Eleitorais. Forma de Realização de Gastos. Comprovação da Regularidade dos Gastos Eleitorais. Não provimento.

1. Recurso Especial interposto contra decisão que desaprovou as contas eleitorais de candidato ao fundamento de inobservância das formas de realização de gastos previstas no art. 40 da Resolução TSE n. 23.553/17.

2. A realização de gastos eleitorais que não foram efetuados por meio de cheque nominal, transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário ou de débito em conta é vício formal que apresenta, por si só, natureza grave. O desatendimento das formas prescritas na resolução dificulta ou mesmo impede o controle técnico exercido pela Justiça Eleitoral.

3. No entanto, essa irregularidade formal não ocasiona, como consequência direta, a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional. A medida de recomposição do erário apenas deve ser determinada quando não for possível comprovar, por documentos e informações complementares, a regularidade substancial das despesas eleitorais realizadas.

4. No caso, a Corte Regional considerou que, a despeito da não observância da forma de realização dos gastos, foi possível verificar sua regularidade por outros meios. A unidade técnica indicou a ausência de cópias de cheques nominais de despesas realizadas com recursos do Fundo Partidário e FEFC. Apresentados contratos, microfilmagens de cheques, nota fiscal e notas explicativas, o TRE/RS considerou suficientes os documentos juntados. A alteração da conclusão do Regional pela estreita via do recurso especial encontra óbice na Súmula nº 24/TSE.

5. Hipótese que não se amolda aos precedentes AgR–REspe nº 0601167–88/MA e AgR–REspe nº 0600349–81/MA, nos quais esta Corte Superior Eleitoral determinou o recolhimento de despesas não comprovadas, consistentes em emissão de cheque a terceiros, com pagamento indireto à militância, modalidade que impede a rastreabilidade dos recursos e que caracteriza não comprovação substancial do gasto.

6. Nego seguimento ao recurso especial.

(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL n. 060298569, Acórdão, Relator Min. Og Fernandes, Relator designado Min. Luís Roberto Barroso, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 150, Data 16.8.2021.). Grifei.

 

Entretanto, há de ser mantido o entendimento jurisprudencial local, no que se refere ao pleito de 2020, de modo a manter incólume a segurança jurídica e evitar decisões conflitantes, podendo a vigente interpretação sobre a matéria ser objeto de futuro debate, por ocasião do exame das contas relacionadas às eleições vindouras.

Portanto, ressalvado meu posicionamento pessoal sobre o tema, tem-se por caracterizada a mácula, consistente na falta de comprovação da correta utilização de recursos advindos do FEFC, cujo respectivo montante, R$ 1.080,00, deve ser restituído ao Tesouro Nacional, com fulcro no art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, na linha do parecer ministerial e da jurisprudência desta Casa.

 

IV - Conclusão

Assim, a irregularidade remanescente alcança a importância de R$ 1.080,00, representando 35,64% do total das receitas declaradas (R$ 3.029,99), montas que inviabilizam a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade como forma de mitigar a gravidade das falhas, impondo-se a manutenção do juízo de desaprovação das contas.

Ante o exposto, VOTO, preliminarmente, pelo conhecimento dos documentos juntados com o apelo e, no mérito, pelo parcial provimento do recurso, para, mantendo a desaprovação das contas de campanha de GERSON DO NASCIMENTO JUNIOR, relativas às eleições de 2020, reduzir para R$ 1.080,00 o montante a ser recolhido ao Tesouro Nacional.