MSCiv - 0600192-21.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 08/07/2022 às 14:00

VOTO

Eminentes Colegas.

De início, indico a viabilidade de impetração do presente mandado de segurança, uma vez que a decisão do juízo eleitoral fora proferida em exercício de poder de polícia, atividade administrativa conforme assentado por esta Corte, exemplificativamente, na recente decisão do Recurso Eleitoral n. 0600185-73, de relatoria do E. Des. Francisco José Moesch, julgado em 03.5.2022:

RECURSO INOMINADO. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. DETERMINADA A REMOÇÃO DE OUTDOOR. EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. NÃO CONHECIDO.

1. Insurgência contra decisão que acolheu o pedido do órgão ministerial e determinou a remoção de outdoor, por considerar caracterizada a propaganda eleitoral antecipada por meio vedado pela legislação. O juízo sentenciante, após descumprimento da ordem de retirada da propaganda, determinou que o Município realizasse a remoção do outdoor, autorizando a cobrança de valores dispendidos com a retirada do artefato. Acolhido ainda, pedido para a extração de cópia integral da representação e instauração de expediente criminal, para análise da eventual prática de crime de desobediência.

2. O parágrafo 3º do artigo 54 da Resolução TSE n. 23.608/19, estabelece que o mandado de segurança é a via cabível contra atos comissivos e omissivos praticados pela juíza ou pelo juiz eleitoral no exercício do poder de polícia.

3. No caso dos autos, trata-se de procedimento administrativo em que o Ministério Público Eleitoral invocou o exercício do poder de polícia pela Juíza Eleitoral do local do fato para a remoção de propaganda eleitoral antecipada por meio de outdoor. As decisões prolatadas no âmbito do poder de polícia, conferido aos juízes eleitorais, não têm caráter jurisdicional, mas eminentemente administrativo, de modo que devem ser judicialmente impugnadas por meio de mandado de segurança.

4. Recurso manifestamente incabível para o controle jurisdicional dos atos praticados no exercício do poder de polícia sobre a propaganda eleitoral, razão pela qual é inviável o seu conhecimento.

5. Não conhecido.

 

Passo ao exame do mérito, e adianto que mesmo após sopesar os consideráveis argumentos trazidos pelo Ministério Público Eleitoral, na origem, e também pela Procuradoria Regional Eleitoral em seu parecer, não vejo motivos para modificar o entendimento já manifestado monocraticamente, por ocasião do indeferimento da concessão de medida liminar, nos seguintes termos:

[...]

De fato, identifico grande controvérsia na utilização dessa espécie de painel para a veiculação de mensagens de apoio a este ou aquele pré-candidato, tanto que atualmente há, perante e. Tribunal Superior Eleitoral, ao menos quatro representações envolvendo o tema para as vindouras eleições de 2022, ainda sem data para julgamento. A fronteira é tênue, sendo árdua a tarefa de separar em linhas exatas o que é “conteúdo eleitoral”, expressão constante no art. 3º-A da Resolução TSE n. 23.610/19, acrescentado pela Resolução TSE n. 23.671/21, daquilo que constitui apoio ou legítima manifestação de cunho político de parte dos cidadãos.

Nesse norte, incumbe ao julgador valer-se de dois grupos de balizas.

O primeiro grupo é principiológico, seja porque no Estado Democrático de Direito a liberdade de expressão é regra, e seu tolhimento, exceção (art. 5º, inc. IV e inc. IX da Constituição Federal), seja porque à Justiça Eleitoral incumbe sempre uma postura minimalista (Recurso Especial Eleitoral n. 16996, Ac., rel. Min. Luiz Fux, DJE de 08.3.2018, p. 28-30).

O segundo grupo é composto pelas regras positivadas específicas sobre o tema. É certo que os outdoors consubstanciam modo proibido de veiculação de propaganda eleitoral (art. 39, § 8º, da Lei n. 9.504/97) e, portanto, também há a vedação de realização de pré-campanha sob tais meios, bem como o art. 36-A da Lei das Eleições traz regra expressa no sentido de que não configura propaganda eleitoral antecipada a mensagem que não envolva pedido explícito de voto.

E é exatamente porque não há pedido de voto ou qualquer menção às eleições, é que a decisão do juízo impetrado não se mostra ilegal ou teratológica como quer fazer crer o impetrante. Da leitura da mensagem e da visualização das fotografias dos artefatos constantes nos autos, concluo de que se trata de manifestações de apoio ao Presidente da República, que de fato visitou a cidade de Santa Rosa no dia 07.5.2022 em agenda oficial para as festividades da Fenasoja, inclusive com circunstâncias de sanção presidencial de lei que concederia à cidade o título de “Berço Nacional da Soja”, de modo que, repito, em análise superficial são inaplicáveis à situação o art. 36, § 1º, bem como o art. 39, § 8º, ambos da Lei n. 9.504/97.

Por fim, indico que parece haver distinção do caso posto do precedente regional citado pelo impetrante na peça inicial, e cito que em 2018 o Tribunal Regional Eleitoral de fato determinou a retirada de outdoors (rápida pesquisa indicou o número de treze decisões em tais termos), mas em casos de menção a “político honesto” ou de frase com o nome do pré-candidato e o ano da eleição, aqui inocorrentes, configurando situações diversas.

Diante do exposto, indefiro o pedido de concessão de medida liminar.

 

Nesse norte, entendo que o artefato publicitário apontado nos autos recebe o abrigo do art. 36-A da Lei n. 9.504/97, na medida em que não apresenta pedido explícito de votos, menção a pretensa candidatura ou exaltação de qualidades pessoais do Presidente da República, requisitos para a caracterização de propaganda eleitoral antecipada.

Portanto, tenho que a situação se enquadra em um indiferente eleitoral, na linha de precedentes do e. TSE, para o qual o conteúdo eleitoral é estampado naqueles casos em que “as mensagens que mencionem a candidatura, o cargo eletivo, o pleito, melhorias que se pretenda realizar e/ou a qualificação para exercer o cargo” (RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 060000280, Acórdão, Relator Min. Sergio Silveira Banhos, Relator designado Min. Luís Roberto Barroso, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 149, Data 13.8.2021.), permitindo concluir que não se trata de mensagem com cunho eleitoral a veiculada nos outdoors em tela.

Ou seja, ainda que a prestante do MPE tenha apresentado julgados para demonstrar a configuração de ilicitude, e concluído que “sobressai a flagrante pretensão eleitoreira das peças de propaganda”, o presente caso possui distinções relevantes.

Ressalto que o primeiro acórdão referido, o Mandado de Segurança n. 060029215, de relatoria do Des. Eleitoral Luciano André Losekann, no qual foi reconhecida “flagrante pretensão eleitoreira na peça impugnada”, mesmo sem pedido expresso de votos, cuidou de replicação em massa do outdoors em pelo menos 33 municípios com dizeres de exaltação ao candidato, como “honestidade não é virtude, é obrigação! Santiago-rs apoia político honesto” e “defensor do fim do estatuto do desarmamento defensor da redução da maioridade penal defensor da família político honesto um dos raros políticos ficha limpa vamos moralizar nossa pátria? Vamos dar um basta a essa roubalheira e imoralidade?”, em valores semânticos sensivelmente diversos do contexto sob exame.

Aqui, apenas dois artefatos, com mensagem que se resume a “SANTA ROSA – RS BERÇO NACIONAL DA SOJA. AQUI ACREDITAMOS NA FAMÍLIA E NO BRASIL. BRASIL ACIMA DE TUDO, DEUS ACIMA DE TODOS. #fechadocombolsonaro”.

Ora, como indicado nas razões de impetração, há redação “denotando sentimentos de nacionalismo e suscitando a devoção cristã, muito importantes na tradição cultural brasileira”, ou o uso de cores da bandeira do Brasil, vetores que não podem ser considerados ilícitos sob o prisma da liberdade de expressão.

O segundo acórdão apontado é o Recurso Especial Eleitoral n. 060004743, de relatoria do Min. Sergio Silveira Banhos, que entendeu alinhado o posicionamento do TSE e do Tribunal de origem, no sentido de "a realização de atos de pré-campanha por meio de outdoors importa em ofensa ao art. 39, § 8º, da Lei n. 9.504/97 e desafia a imposição da multa, independentemente da existência de pedido explícito de voto".

Destaco, contudo, que a ementa do citado julgado, item 5, esclarece que “(…) não há como alterar a conclusão das instâncias ordinárias, de que ficou caracterizado o caráter autopromocional das peças e não apenas institucional, bem como conteúdo eleitoral sem novo exame das provas constantes dos autos, providência inviável em sede de recurso especial, a teor do verbete sumular 24 do TSE” .

Ora, a mera leitura da ementa permite concluir pela inexistência de realização de juízo de valor, de parte do e. Superior, quanto ao conteúdo veiculado, sendo totalmente equivocado afirmar, como feito pelo impetrante, que o julgado ampara posicionamento do TSE em caso alegadamente semelhante ao dos autos. 

Destaco que não ignoro a sutileza dos contornos fáticos e da matéria tratada nos autos, a qual certamente será objeto de controvérsias ao longo do processo eleitoral de 2022. Todavia, exatamente pelas características limítrofes,  entendo por conferir eficácia à liberdade de expressão objetivada pelo constituinte originário, a exemplo da posição tomada pelo TSE em julgados recentes:

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. DIVULGAÇÃO DE MENSAGEM DE FELICITAÇÃO A PRÉ–CANDIDATO A PREFEITO. IMAGEM E NOME. PERÍODO DE PRÉ–CAMPANHA. UTILIZAÇÃO DE OUTDOOR. VIÉS ELEITORAL. INEXISTÊNCIA. INDIFERENTE ELEITORAL. AGRAVO DESPROVIDO.

1. A mensagem de felicitação apenas com a inserção de imagem e nome do candidato, sem pedido explícito de votos, exaltação de qualidades do pré–candidato, divulgação de planos de governo ou plataformas de campanha, não configura propaganda eleitoral antecipada, porquanto, conforme jurisprudência desta Corte, a publicação trata de "indiferente eleitoral".

2. Os argumentos expostos pelo agravante não se sustentam diante da fundamentação da decisão recorrida, afigurando–se insuficientes para modificá–la.

3. Agravo interno desprovido.

(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 060011123, Acórdão, Relator(a) Min. Ricardo Lewandowski, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 91, Data 19.5.2022.)

 

AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2018. DEPUTADO FEDERAL. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ANTECIPADA. OUTDOOR. NÃO CONFIGURAÇÃO. BALIZAS JURISPRUDENCIAIS. SEGURANÇA JURÍDICA. NEGATIVA DE PROVIMENTO.

1. No decisum monocrático, prolatado pelo douto Ministro Jorge Mussi, manteve–se acórdão unânime do TRE/PE de improcedência do pedido em representação proposta contra a parte agravada – Deputado Federal eleito em 2018 – versando sobre a prática de propaganda eleitoral extemporânea naquelas eleições (arts. 36 e 36–A da Lei n. 9.504/97).

2. Em feitos relativos às Eleições 2018, esta Corte decidiu que a divulgação de atos parlamentares por pré–candidatos, ainda que mediante outdoors – modalidade proibida durante o período de campanha pelo art. 39, § 8º, da Lei n. 9.504/97 –, não configura propaganda extemporânea (AgR–REspEl 0600083–90/BA, Rel. Min. Edson Fachin, DJE de 19.5.2020; AgR–REspEl 0600351–84/PI, Rel. Min. Sérgio Banhos, DJE de 22.11.2019, dentre outros).

3. A moldura fática do primeiro precedente acima – outdoor contendo fotografia e a mensagem "agora é lei! O Álcool em Gel em todos os estabelecimentos do Estado da Bahia. Lei n. 13.706 criada pelo Deputado Manassés – é extremamente similar à do caso, com os dizeres "relator do projeto que regulamentou e liberou aplicativos de transporte no Brasil. Deputado Daniel Coelho".

4. Ainda que a partir das Eleições 2020 o Tribunal Superior Eleitoral venha adotando, a princípio, posição mais restritiva acerca de mensagens veiculadas por meio de outdoors, no caso específico dos autos há de se prestigiar a segurança jurídica, em especial ante a extrema similitude fática com os paradigmas. Precedentes.

5. Agravo interno a que se nega provimento.

(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 060043260, Acórdão, Relator(a) Min. Benedito Gonçalves, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 79, Data 03.5.2022.)

 

Entendo, pelos fundamentos expostos, não demonstrada a existência de direito líquido e certo, de forma que julgo para denegar a segurança.

Diante do exposto, VOTO para denegar o mandado de segurança.