MSCiv - 0600193-06.2022.6.21.0000 - Divirjo do(a) relator(a) - Sessão: 08/07/2022 às 14:00

VOTO

Pedi vista dos autos para melhor examinar a matéria.

O Ministério Público Eleitoral com atuação perante a 42ª Zona Eleitoral impetrou mandado de segurança com pedido de concessão de medida liminar, contra ato praticado pelo Magistrado Titular do Juízo daquela Zona Eleitoral, sediada em Santa Rosa, ID 44967626.

Alega que a autoridade coatora ofendeu direito líquido e certo ao indeferir, no exercício do poder de polícia, requerimento nos autos da Notícia de Irregularidade em Propaganda Eleitoral n. 0600008-36.2022.6.21.0042, no sentido de determinar a remoção de outdoor situado na Rua Cruzeiro do Sul, n. 300, ao argumento central de que o artefato veicula propaganda eleitoral extemporânea, sugerindo a expedição de ordem ao Município de Santa Rosa para a retirada.

O pedido de concessão de medida liminar foi indeferido, conforme decisão de ID 44968670, e a autoridade coatora prestou informações, ID 44970418.

Os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opina pela concessão da segurança (ID 44979200).

Com as vênias do eminente Relator, compartilho do entendimento esposado pelo douto Procurador Eleitoral.

Com efeito, compulsando a jurisprudência deste Tribunal Regional, verifiquei que foi reconhecida a ilegalidade de artefato publicitário nas eleições de 2018, com as mesmas características, originário também de Santa Rosa, em várias decisões, como é o caso do MSCiv 0600249-78.2018.6.21.0000, julgado em 03.7.2018, Relator o Des. Federal João Batista Pinto Silveira:

MANDADO DE SEGURANÇA. EXERCÍCIO DE PODER DE POLÍCIA. PEDIDO LIMINAR PARA SUSPENDER A ORDEM DE RETIRADA DE ARTEFATO PUBLICITÁRIO. DEFERIDO. OUTDOOR. CONTEÚDO ELEITORAL. ALTO POTENCIAL DE ALCANCE DA PUBLICIDADE. CONFIGURADA A PROPAGANDA ANTECIPADA. REVOGADA A LIMINAR. DENEGADA A ORDEM.

Insurgência contra decisão que determinou a retirada de outdoor ao fundamento de configurar propaganda eleitoral antecipada de pré-candidato à Presidência da República. Pedido liminar deferido para suspender a ordem de retirada da peça publicitária.

Legítimo e regular exercício do poder de polícia conferido ao Juízo da Zona Eleitoral. Flagrante a pretensão eleitoreira da peça impugnada. Aparato expressamente vedado pela legislação eleitoral devido aos altos custos de sua utilização e ao seu elevado impacto publicitário, com capacidade de vulnerar a igualdade de oportunidades entre os candidatos. Apesar de ausente o pedido expresso de voto, o conteúdo eleitoreiro da mensagem é capaz de criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais ou passionais em benefício a determinado candidato, antecipando o período permitido para a propaganda eleitoral. Demonstrada a replicação em massa do outdoor, em pelo menos 33 municípios, distribuídos em 13 estados, com padrões e mensagens semelhantes.

Artefato com potencial alcance dos eleitores e relevante expressividade econômica, extrapolando os limites permissivos estabelecidos pelo art. 36-A da Lei n. 9.504/97. Configurada a propaganda eleitoral antecipada por meio de outdoor, em descumprimento aos arts. 36, caput, e 39, § 8º, da Lei das Eleições.

Revogada a liminar concedida. Determinada a notificação dos responsáveis para a retirada da propaganda irregular.

Denegação da segurança. (grifo nosso)

 

Naquela oportunidade, o eminente Relator Des. Federal João Batista Pinto Silveira consignou que:

[...] em sessão realizada em 26.6.2018, o egrégio Tribunal Superior Eleitoral, no julgamento do Agr. no Respe n. 4346 – Itabaiana/SE e do Agr. no AI n. 924 – Várzea Paulista/SP, ambos ainda pendentes de publicação, analisando casos de propaganda antecipada via Whatsapp e placas ou cartazes, enunciou critérios distintivos entre a propaganda eleitoral antecipada, vedada pelo art. 36 da Lei das Eleições, e os atos promocionais lícitos de pré-campanha, permitidos pelo art. 36-A do mesmo diploma.

O primeiro critério estabelece que o pedido explícito de votos, entendido em termos estritos, caracteriza a realização de propaganda antecipada irregular, independentemente da forma utilizada ou da existência de dispêndio de recursos.

O segundo fixa que os atos publicitários não eleitorais, ou seja, sem qualquer conteúdo direta ou indiretamente relacionados com a disputa, consistem em "indiferentes eleitorais", situando-se, portanto, fora da alçada desta Justiça Especializada.

Finalmente, o derradeiro parâmetro enuncia que o uso de elementos classicamente reconhecidos como caracterizadores de propaganda, desacompanhados de pedido explícito e direto de votos, não enseja irregularidade per se. No entanto, quando a manifestação, sobretudo em relação à forma, possua uma expressão econômica minimamente relevante, devem ser considerados os seguintes ônus e exigências: a) impossibilidade de utilização de formas proscritas durante o período oficial, se considerados com conteúdo eleitoral, tais como outdoor, brindes, etc; e b) respeito ao alcance das possibilidades do pré-candidato médio.

Cotejando-se a publicidade em questão com esse último norteador de análise, resta clara a ilicitude da veiculação.

 

Nessa linha de intelecção, apesar de o artefato publicitário apontado nos autos não apresentar pedido “explícito de votos”, o meio utilizado – outdoor – foi proscrito da legislação eleitoral desde 2006 (Lei n. 11.300/06), em razão do princípio da igualdade, do alto apelo visual do instrumento e do custo elevado para sua viabilização como meio de propaganda.

No outdoor trazido na inicial, há a imagem do Presidente e notório pré-candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro, com a seguinte mensagem:

BERÇO NACIONAL DA SOJA.

AQUI TRABALHAMOS E

ACREDITAMOS NO BRASIL

PELA FAMÍLIA, PELO PAÍS

#fechadocombolsonaro

SANTA ROSA

 

Como indicado nas razões de impetração, trata-se de estratégia de ostensiva impressão visual e de eficácia massificada, garantida por suas dimensões e por seu forte apelo visual. Diversamente da propaganda em rádio, televisão ou internet, o artefato apreende a atenção involuntária e desprevenida do eleitor e, beneficiando-se da indevida antecipação ao pleito, incorpora-se, no curso dos dias, à própria paisagem cotidiana do local, o que favorece a assimilação por reiteração de leitura e induz à minoração da defesa crítica do eleitor.

Também como mencionado na exordial do Mandado Segurança, no outdoor há referência de que a cidade de Santa Rosa, sendo o “berço nacional da soja” e #fechadocombolsonaro, associa o município à imagem do Presidente da República, como se toda a comunidade estivesse apoiando a sua candidatura, em flagrante direcionamento à opção de voto e incitamento do eleitor.

Nesse sentido, o parecer da lavra do douto Procurador Eleitoral (ID 44979200):

No caso sob análise, além da imagem do Presidente da República, cuja pretensão de participar das eleições de 2022 disputando a reeleição é fato notório, o outdoor indicado pelo impetrante traz estampado a referência a elementos tipicamente utilizados na campanha pelo candidato Jair Bolsonaro (PELA FAMÍLIA, PELO PAÍS) e faz alusão ao apoio de (eleitores de) Santa Rosa a Jair Bolsonaro, por meio da expressão “#fechadocombolsonaro”, elementos de cunho eleitoral explícito (ID 44967630, p. 19).

Nesse contexto, a busca por votos, mesmo disfarçada de apoio ao pretenso candidato, constitui propaganda duplamente irregular, tanto por sua extemporaneidade quanto pela utilização de meio vedado.

 

Quanto à jurisprudência do TSE sobre o tema, ainda que trazido no voto do Eminente Relator decisões recentes no sentido da permissão do uso de outdoors que não contenham pedido explícito de voto, igualmente há inúmeras decisões dessa mesma Corte Superior em sentido contrário, como é exemplo o julgado colhido no parecer da douta Procuradoria Eleitoral:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. CONTEÚDO ELEITORAL. MEIO PROSCRITO. OUTDOOR. DESPROVIMENTO. SÍNTESE DO CASO.

1. O Tribunal Regional Eleitoral, por maioria, negou provimento ao recurso para manter a sentença do Juízo da 31ª Zona Eleitoral daquele Estado que julgou procedente a representação ajuizada pelo Diretório Municipal do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), aplicando à recorrente a multa na quantia de R$ 5.000,00, em virtude da prática de propaganda eleitoral antecipada, consistente na veiculação de publicidade institucional em período vedado por meio do uso indevido de placas ou outdoors.

2. Por meio da decisão agravada, foi negado seguimento ao recurso especial manejado pelo candidato, nos termos do art. 36, § 6º, do Regimento Interno do Tribunal Superior Eleitoral.

3. Irresignada, a candidata interpôs agravo interno. ANÁLISE DO AGRAVO REGIMENTAL.

4. A Corte Regional Eleitoral, soberana na análise de fatos e provas, manteve a multa imposta na sentença, em razão de veiculação de propaganda antecipada, mesmo que ausente pedido explícito de voto, tendo em vista a utilização de meio proscrito (outdoor) em publicidade institucional.

5. Quanto ao argumento da agravante de que a mensagem divulgada não tem nenhuma conotação eleitoral, não há como alterar a conclusão das instâncias ordinárias, deque ficou caracterizado "o caráter autopromocional das peças e não apenas institucional, bem como conteúdo eleitoral" sem novo exame das provas constantes dos autos, providência inviável em sede de recurso especial, a teor do verbete sumular 24 do TSE.

6. O entendimento da Corte Regional Eleitoral está alinhado com a orientação do Tribunal Superior Eleitoral no sentido de que "a realização de atos de pré–campanha por meio de outdoors importa em ofensa ao art. 39, § 8º, da Lei n. 9.504/97 e desafia a imposição da multa, independentemente da existência de pedido explícito de voto".

(Rp 0600061–48, rel. Min. Edson Fachin, DJE de 04.5.2020.). Incidência do verbete sumular 30 do TSE. CONCLUSÃO. Agravo regimental a que se nega provimento. (RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 060004743, Acórdão, Relator(a) Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação: DJE – Diário da justiça eletrônica, Tomo 181, Data 01.10.2021.). (grifos no original)

 

E o TSE, no desempenho de sua função normativa disciplinou, para as eleições de 2022, no art. 3º-A da Resolução TSE n. 23.610/19, com as alterações incluídas pela Resolução TSE n. 23.671/21, o quanto segue:

Art. 3º-A. Considera-se propaganda antecipada passível de multa aquela divulgada extemporaneamente cuja mensagem contenha pedido explícito de voto, ou que veicule conteúdo eleitoral em local vedado ou por meio, forma ou instrumento proscrito no período de campanha.

 

Por oportuno, trago recentíssima decisão do Juiz Auxiliar do TRE de São Paulo, exarada em 04.7.2022 (0600258-60.2022.6.26.0000), ao conceder tutela de urgência relativamente a outdoors que continham “mensagens de agradecimento”:

Segundo o art. 36-A da Lei n. 9.504/97, inexiste propaganda eleitoral antecipada quando o ato não consubstanciar pedido explícito de voto.

Embora nesses outdoors não haja explícito pedido de voto – contêm, em suma, cumprimentos pela gestão, além de expressões de reconhecimento e gratidão pelo que esse mandatário teria proporcionado aos munícipes -, não se pode olvidar a especialidade da regra do vigente art. 39, § 8º, da Lei n. 9.504/97: “É vedada a propaganda eleitoral mediante outdoors, inclusive eletrônicos, sujeitando-se a empresa responsável, os partidos, as coligações e os candidatos à imediata retirada da propaganda irregular e ao pagamento de multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 15.000,00 (quinze mil reais)”.

No sentido dessa proibição, e com vistas às eleições de 2022, também com caráter de especificidade – vedação de propaganda eleitoral por meio de outdoor –, ainda é presente o art. 26 da Resolução TSE n. 23.610/19, redação da Resolução TSE n. 23.671/21, ambas do colendo Tribunal Superior Eleitoral.

Ainda considera-se a seguinte lição do Professor José Jairo Gomes:

“No âmbito da propaganda em bens particulares, também é proibida a exibida mediante outdoor, ainda que em forma de tela ou telão eletrônico. Além do citado art. 37, § 2°, inc. II, a proibição também consta expressamente no artigo 39, § 8°, da LE. Esse último dispositivo sujeita a empresa responsável pelo outdoor, partidos, coligações e candidatos à imediata retirada da propaganda irregular e ao pagamento de multa.”

Aliás, pela sistemática do ordenamento jurídico estar direcionada ao resguardo da isonomia, d equilíbrio de forças, entre candidatos e partidos, o Professor Rodrigo López Zilio leciona ser “imperioso reconhecer que os atos de pré-campanha possuem determinados limites de forma, vetando-se a sua veiculação, como regra, pelas formas que não são meios lícitos de propaganda eleitoral – sobretudo quando se tratam de meios ostensivos de divulgação (ex. outdoor, showmício, rádio e na televisão). Não existe uma razoabilidade jurídica para justificar que os atos de pré-campanha tudo podem, sob o singelo pretexto de que não são regulamentados proibitivamente pela legislação eleitoral”.

Outrossim, dado essas publicidades irregulares (em princípio) terem sido ao mesmo tempo veiculadas em São José do Rio Preto, Catanduva e Mirassol – importantes municípios do oeste paulista –, não se compatibilizam, por exemplo, a singelas felicitações por natalícios ou boas-vindas. Revestidas de conteúdo eleitoral (porque delas se depreende notória candidatura ao governo paulista, e sob apoio de conhecidos políticos locais), portanto, não representam meros “indiferentes eleitorais”, ao menos à primeira vista.

E, porquanto colocadas em vias públicas com destaque visual nessas cidades, essas propagandas, em primeira análise, são passíveis de se coadunarem ao conceito de outdoor dimanante da Consulta 1.274 exarada pelo colendo Tribunal Superior Eleitoral, ou seja, “ (...)propaganda veiculada ao ar livre, exposta em via pública de intenso fluxo de pontos de boa visibilidade humana, com forte e imediato apelo visual e amplo poder de comunicação”.

[…]

Logo, reitera-se, de somenos que as supracitadas propagandas pré-eleitorais “não envolvam pedido explícito de voto” (art. 36-A da Lei  n. 9.504/97).

Ainda sem expressar juízo terminante sobre o mérito da representação sob análise, considera-se acórdão deste Tribunal Regional Eleitoral (TRE-SP), relator o juiz Afonso Celso da Silva, cuja ementa, em parte, é de seguintes termos:

“RECURSO ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO POR PROPAGANDA IRREGULAR. Propaganda eleitoral por meio de uso de artefato com efeito visual de outdoor – Ocorrência – Irregularidade constatada (...).”

(Recurso eleitoral 0600205-85.2020.8.26.0344, relator o juiz Afonso Celso da Silva, julgamento em 29.01.2021.)

Isso não bastasse, o art. 3°-A, da Resolução TSE n. 23.610/19 prevê ser propaganda antecipada passível de multa “(...) aquela divulgada extemporaneamente cuja mensagem contenha pedido explícito de voto, ou que veicule conteúdo eleitoral em local vedado ou por meio, forma ou instrumento proscrito no período de campanha”.

Por derradeiro, mutatis mutandis, considera-se julgado deste Tribunal Regional Eleitoral (TRE/SP) cuja ementa é a seguinte:

“RECURSO ELEITORAL. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA POR MEIO DE OUTDOORS. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. VIÉS ELEITORAL. IMAGEM DE PRÉ-CANDIDATO AO LADO DE MÁRCIO FRANÇA COM MENSAGEM QUE EVIDENCIA A INTENÇÃO, AINDA QUE SUBLIMINAR, DE LANÇAR SEU NOME COMO FUTURO CANDIDATO AO PLEITO DE 2020. ELEMENTOS QUE SE SOBREPÕEM À MENSAGEM DE BOAS FESTAS. ATO DE PRÉ-CAMPANHA DIVULGADO EM MEIO PROSCRITO PARA A PROPAGANDA ELEITORAL. PROVIMENTO DO RECURSO, PARA DETERMINAR A RETIRADA DOS OUTDOORS NOS ENDEREÇOS INDICADOS NA INICIAL E APLICAR MULTA NO MÍNIMO LEGAL.”

(Recurso eleitoral 0600001-88.2020.6.26.0296, relator o desembargador Paulo Sérgio Brant de Carvalho Galizia, julgamento em 16.4.2020.)

 

Por derradeiro, a quantidade de outdoors (1, 2 ou 33) não é elemento de distinção quanto à licitude ou não do artefato como propaganda antecipada, sendo critério interpretativo apenas para o efeito de aferição da gravidade para fins de abuso do poder econômico.

Com essas considerações, VOTO no sentido de CONCEDER a segurança para determinar a intimação do responsável pela veiculação do outdoor, para que promova sua retirada em 24 horas, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00, localizado no seguinte endereço: Rua Cruzeiro do Sul, n. 300, Santa Rosa/RS.