REl - 0600851-05.2020.6.21.0128 - Voto Relator(a) - Sessão: 08/07/2022 às 14:00

VOTO

As contas foram desaprovadas em razão do recebimento e uso de recursos de origem não identificada no valor de R$ 1.500,00, referente a um depósito bancário em espécie acima de R$ 1.064,10.

Em verificação, no sistema Divulgacand da Justiça Eleitoral, consta o ingresso, na data de 30.11.2020, da quantia de R$ 1.500,00, tendo sido identificado como depositante o Sr. Vanderlan Rosato. A contribuição ao partido, efetuada em dinheiro, ultrapassou o teto definido para esta operação bancária no art. 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual delimita o valor a ser doado nesta modalidade em R$ 1.064,10, e dispõe, no § 4°, sobre a devolução ao erário caso a quantia seja excedente, na forma do art. 32 do mesmo diploma legal, conforme segue:

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

...

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se também à hipótese de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia.

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, se isso não for possível, devem ser consideradas de origem não identificada e recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 32 desta Resolução.

§ 4º No caso da utilização das doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo, ainda que identificado o doador, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma do disposto caput do art. 32 desta Resolução.

§ 5º Além da consequência disposta no parágrafo anterior, o impacto sobre a regularidade das contas decorrente da utilização dos recursos recebidos em desacordo com este artigo será apurado e decidido por ocasião do julgamento.

§ 6º É vedado o uso de moedas virtuais para o recebimento de doações financeiras.

(…)

 

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatas ou candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

(...)

Como se vê, o ingresso do valor superior a R$ 1.064,10 na conta bancária deveria ter ocorrido por transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

Assim, ainda que identificado o doador no extrato bancário, diante da via inadequada escolhida para efetuar a contribuição ao partido, resta prejudicada a aferição da real fonte dos recursos percebidos pela grei, visto a não comprovação do trânsito prévio da quantia pelo sistema bancário nacional, de forma a garantir fidedignidade à operação, circunstância que compromete a confiabilidade das contas.

Dessa feita, correta a conclusão do juízo a quo ao desaprovar as contas, cujas razões cumpre transcrever, no que tange à ausência de conhecimento sobre a origem dos recursos:

[…]

A prática das doações em tela é coibida, expressamente, pelo art. 21, § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19, por impossibilitar o cruzamento de informações com o sistema financeiro nacional e, assim, prejudicar a precisa identificação da real origem dos recursos aplicados na campanha eleitoral.

[...]

 

Corroborando, vai na mesma linha o entendimento do egrégio Tribunal Superior Eleitoral ao indicar que o simples depósito identificado é incapaz de comprovar a efetiva origem dos recursos quando o valor é superior a R$ 1.064,10, diante da carência de trânsito anterior pelo sistema financeiro nacional e a natureza essencialmente declaratória desse ato bancário:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CAMPANHA ELEITORAL. VEREADOR. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. INCONFORMISMO. RESSARCIMENTO. VALORES DE DOAÇÃO. TESOURO NACIONAL.

1. A atual jurisprudência deste Tribunal é no sentido de que as doações acima de R$ 1.064,10 devem ser feitas mediante transferência eletrônica, nos exatos termos do art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463, e o descumprimento da norma regulamentar não é reputado como falha meramente formal. Nesse sentido, já se assentou que “a aceitação de doações eleitorais em forma diversa da prevista compromete a transparência das contas de campanha, dificultando o rastreamento da origem dos recursos” (AgR-REspe 313-76, rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 03.12.2018.).

(...)

3. Em face da jurisprudência consolidada no tema, se não se admite a realização de depósito na "boca do caixa" para fins de prova da origem de doação, também a mera emissão do recibo eleitoral pelo candidato não possibilita, por si só, comprovar tal fato, o que ocorre justamente pela providência alusiva à transferência eletrônica entre contas bancárias, modalidade preconizada na resolução destinada a possibilitar a confirmação das informações prestadas.

Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 25476, Acórdão, Relator Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Data 02.8.2019.) (Grifei.)

 

Consigno, quanto à obrigação de as doações iguais ou acima de R$ 1.064,10 serem realizadas mediante transferência bancária, que a jurisprudência da Corte Superior Eleitoral é no sentido de que o descumprimento da norma enseja, em tese, a desaprovação das contas, segue ementa de precedente:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DOAÇÃO. DEPÓSITO BANCÁRIO. EM ESPÉCIE. VALOR SUPERIOR A R$ 1.064,10. TRANSFERÊNCIA ELETRÔNICA. EXIGÊNCIA. ART. 18, § 1º DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.463/15. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. PROVIMENTO.

(...)

2. Nas razões do regimental, o Parquet argumenta que não foi observado o art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15, segundo o qual "as doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação".

3. A Corte Regional, soberana na análise dos fatos e provas, atestou a identificação da doadora do valor apontado como irregular por meio do número do CPF impresso no extrato eletrônico da conta de campanha.

4. Consoante decidido nesta sessão, no julgamento do AgR-REspe nº 265-35/RO, a maioria deste Tribunal assentou que a exigência de que as doações acima de R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) sejam feitas mediante transferência eletrônica não é meramente formal e o seu descumprimento enseja, em tese, a desaprovação das contas.

(...)

7. Agravo regimental acolhido para dar provimento ao recurso especial, com determinação de recolhimento ao erário do valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais).

(Recurso Especial Eleitoral n. 52902, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 250, Data 19.12.2018, pp. 92 – 93.) (Grifei.)

 

O recorrente não se desincumbiu do ônus de comprovar a procedência da cifra recebida a título de doação, mácula que poderia ser sanada, por exemplo, com a juntada de extrato da conta do depositante indicando o prévio saque do montante doado, remanescendo a falha quanto à real fonte da contribuição.

Não socorre ao prestador a tese vertida em recurso quanto ao valor ínfimo auferido, tampouco a boa-fé do ato. O entendimento deste Tribunal é de que a quantia considerada ínfima pela Resolução TSE n. 23.607/19 se limita a R$ 1.064,10, e a percepção e uso do depósito de R$ 1.500,00 contraria norma objetiva disposta no art. 21 da aludida resolução, que determina a não utilização de valores recebidos de forma diversa da prescrita em seus parágrafos, caracterizando a inobservância dessa regra como emprego de recurso de origem não identificada na campanha.

Não se trata de aferição de boa ou má-fé do prestador, pois o normativo acima visa a assegurar a rastreabilidade dos recursos recebidos durante a corrida eleitoral, o que resta comprometido quando a operação é feita por meio diverso, não calhando a alegação de que a falha não alterou o resultado do pleito frente ao descumprimento de norma eleitoral aplicável a todos os partidos e candidatos.

Por fim, é inviável a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, visando à mitigação do juízo de desaprovação para que as contas sejam aprovadas com ressalvas, dado que a cifra de R$ 1.500,00 representa o total arrecadado em campanha, ou seja, 100% da receita auferida, e ultrapassa o parâmetro utilizado por esta Corte para considerar a quantia ínfima, seja em valores nominais ou percentuais.

Assim, a irregularidade é grave e compromete de forma insanável a confiabilidade da movimentação financeira, não sendo adequado, razoável e proporcional o juízo de aprovação das contas com ressalvas.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso para manter a desaprovação das contas e a determinação de recolhimento de R$ 1.500,00 ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.