PCE - 0600414-57.2020.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 05/07/2022 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

Cuida-se da prestação de contas do Diretório Estadual do Patriotas, regida pela Lei n. 9.504/97 e pela Resolução TSE n. 23.607/19, relativa à arrecadação e aplicação de recursos durante o pleito de 2020.

O parecer conclusivo apontou a existência de irregularidades, consubstanciadas na ausência de extratos, divergências de informações, ingresso e uso de valores de oriundos de fontes vedadas, aporte de recursos de origem não identificada, omissão de gastos e não recolhimento de sobras do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) ao erário.

De início, nota-se a ausência de extratos bancários referentes às contas bancárias destinadas à movimentação de verbas do FEFC e de doações para a campanha.

A falha, nos termos do parecer técnico, apontada como impropriedade, não inviabilizou a análise da movimentação financeiro, visto que disponibilizados extratos eletrônicos pelo TSE, contudo, permanece não atendido o disposto no art. 53, inc. II, al. “a”, da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual versa sobre as peças que devem compor a prestação contábil, verbis:

Art. 53

Ressalvado o disposto no art. 62 desta Resolução, a prestação de contas, ainda que não haja movimentação de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro, deve ser composta:

[...]

II - pelos seguintes documentos, na forma prevista no § 1º deste artigo:

a) extratos das contas bancárias abertas em nome do candidato e do partido político, inclusive da conta aberta para movimentação de recursos do Fundo Partidário e daquela aberta para movimentação de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), quando for o caso, nos termos exigidos pelo inc. III do art. 3º desta Resolução, demonstrando a movimentação financeira ou sua ausência, em sua forma definitiva, contemplando todo o período de campanha, vedada a apresentação de extratos sem validade legal, adulterados, parciais ou que omitam qualquer movimentação financeira;

 

Ainda que revestida de impropriedade, a mácula permanece.

Analisados os extratos eletrônicos fornecidos pelo TSE, encontramos a falha seguinte, divergência entre as informações prestadas e os dados constantes nos documentos bancários.

A agremiação apresentou a esta Justiça Eleitoral extratos da contabilidade de campanha sem qualquer movimentação financeira (ID 39475333), porém, em cotejo com os extratos eletrônicos, verificou-se a existência de vasta quantidade de operações bancárias no período, de forma que a veracidade dos registros realizados pela agremiação não pode ser atestada.

A legislação de regência incumbe ao prestador o zelo na escrituração contábil com o fito de incorporar transparência e integridade às contas, o que não se verifica no caso presente. A falha é grave, enseja desaprovação, e afeta todo conjunto apresentado, visto que não permite a aferição da origem dos recursos e sua destinação, bem como atinge a fiscalização dos limites definidos para doações e gastos durante a corrida eleitoral. Em casos análogos, esta Corte entendeu pela desaprovação das contas:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. GASTO IRREGULAR COM COMBUSTÍVEL. OMISSÃO DE DESPESA NA CONTABILIDADE. PAGAMENTO REALIZADO PARA EMPRESA NA QUAL A PRESTADORA É SÓCIA MAJORITÁRIA. DIVERGÊNCIAS ENTRE A MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA E OS EXTRATOS ELETRÔNICOS. ALTO PERCENTUAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas relativas às eleições de 2020, em razão de gasto irregular com combustível, de pagamento de despesa cujo fornecedor é a própria prestadora de contas e de divergências entre a movimentação financeira registrada na contabilidade e aquela constante dos extratos eletrônicos.

2. Realizado gasto com combustível sem o correspondente registro de locação, cessão de veículos, publicidade com carro de som ou despesa com geradores de energia, em contrariedade ao art. 35, § 6º, da Resolução TSE n. 23.607/19. Os dispêndios de candidato com combustível, reputados como de natureza pessoal, não se consideram gastos eleitorais, não se sujeitam à prestação de contas e não podem ser pagos com recursos da campanha.

3. Pagamento de despesa para empresa da qual a candidata é sócia-administradora. Realização de TED em benefício da empresa sem o respectivo lançamento na escrituração contábil de campanha.

4. Recebimento de depósito bancário não declarado na prestação de contas. Divergência entre a movimentação financeira registrada na prestação de contas e aquela constante dos extratos bancários. A ausência de lançamento de receita constitui afronta ao art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19.

5. As irregularidades nas contas representam 66,04% das receitas declaradas, inviabilizando a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade como forma de atenuar sua gravidade sobre o conjunto das contas, na linha da jurisprudência consolidada deste Tribunal. Manutenção da sentença.

6. Desprovimento.

(Recurso Eleitoral n. 0600399-29, Acórdão, Relator Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico , edição n. 010/2022, fls. 124-129, em 25.01.2022.)

 

Do batimento entre o resumo das operações bancárias e o registro efetuado pela grei, observa-se, ainda, a ocorrência de outras irregularidades – o recebimento de valores oriundos de fontes vedadas e de recursos de origem não identificada e omissão de despesas.

A conta bancária n. 64287390-1, agência 100, do Banrisul, destinada à movimentação de “Outros Recursos”, demonstra, em seu extrato, o ingresso de valor procedente de pessoa jurídica (R$ 200,00), ou seja, aporte vedado pela Resolução TSE n. 23.607/19, em seu art. 31, inc. I. Sobre a percepção de valores de fonte vedada recai o dever de restituição imediata ao doador, na forma do § 3º, ou, na impossibilidade, ao erário, nos moldes do § 4º, ambos do aludido artigo, devendo o comprovante da devolução compor a prestação de contas, como determina o art. 53, inc. II, al. “g”, do normativo em comento:

Art. 31

É vedado a partido político e a candidato receber, direta ou indiretamente, doação em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

I - pessoas jurídicas;

[...[

§ 3º O recurso recebido por candidato ou partido oriundo de fontes vedadas deve ser imediatamente devolvido ao doador, sendo vedada sua utilização ou aplicação financeira.

§ 4º Na impossibilidade de devolução dos recursos ao doador, o prestador de contas deve providenciar imediatamente a transferência dos recursos recebidos ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

 

Art. 53

Ressalvado o disposto no art. 62 desta Resolução, a prestação de contas, ainda que não haja movimentação de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro, deve ser composta:

II - pelos seguintes documentos, na forma prevista no § 1º deste artigo:

g) comprovantes bancários de devolução dos recursos recebidos de fonte vedada ou guia de recolhimento ao Tesouro Nacional dos recursos provenientes de origem não identificada;

 

Entendimento este corroborado pela Procuradoria Regional Eleitoral, a qual refere que, consoante art. 31, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, “é vedado ao partido político receber doação em dinheiro procedente de pessoa jurídica, sendo que o § 3º do mesmo artigo determina que o recurso assim recebido deve ser imediatamente devolvido ao doador. No caso, o recurso foi utilizado, estando, portanto, sujeito ao recolhimento ao Tesouro Nacional, nos termos do artigo 31, § 4°, da Resolução citada. Assim, o montante de R$ 200,00 deve ser recolhido ao Tesouro Nacional, conforme previsto no art. 31, § 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19”.

Consigno, ainda, que, na mesma conta bancária, há movimentação financeira a indicar depósitos sem a identificação da fonte dos valores (R$ 850,00), e omissão de despesas.

Referente aos depósitos, das 10 operações de ingresso, 9 foram registradas sob o CNPJ da agremiação (R$ 700,00), e uma delas sem qualquer alusão a CPF ou CNPJ (R$ 150,00), de forma que inviável a aferição da origem das verbas doadas ao partido, se oriundas de pessoas físicas filiadas ou não à grei ou fontes vedadas, a caracterizar depósitos de recursos de origem não identificada (RONI), art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Com efeito, no que toca às doações atreladas ao CNPJ do partido, a norma autoriza a aplicação de valores recebidos pela agremiação fora do período eleitoral – aquelas demonstradas na prestação anual da grei – contudo, para que o permissivo se amolde ao comando legal, ele deve vir acompanhado da identificação dos doadores originários, consoante art. 18 e incisos da Resolução TSE n. 23.607/19.

No atinente à omissão de dispêndios, o exame apontou diversos pagamentos, com notas fiscais emitidas contra o CNPJ do prestador, no total de R$ 111.405,00, não registradas na demonstração contábil. O vício se afigura mediante a omissão das despesas e quitação dos gastos com valores que não transitaram pelo sistema financeiro, impossibilitando atestar a procedência das quantias demandadas, incorrendo em uso de RONI, matéria vertida no já citado art. 32, e desatendendo ao disposto no art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução:

Art. 53

Ressalvado o disposto no art. 62 desta Resolução, a prestação de contas, ainda que não haja movimentação de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro, deve ser composta:

I - pelas seguintes informações:

g) receitas e despesas, especificadas;

 

É defeso aos partidos, durante o pleito, usar valores sem comprovação de origem, de forma que, caracterizado o ilícito, as contas devem ser desaprovadas e os recursos destinados ao erário, em atenção ao art. 32.

Segue ementa de aresto de relatoria do Des. Federal Luís Alberto D'Azevdo Aurvalle, julgado em sessão de 16.5.2022, na mesma linha:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. MAJORITÁRIA. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. EMISSÃO DE NOTAS FISCAIS IDENTIFICADAS MEDIANTE CRUZAMENTO DE INFORMAÇÕES. NECESSIDADE DE CANCELAMENTO. INDÍCIOS DE OMISSÃO DE GASTOS ELEITORAIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. RONI. INAPLICABILIDADE DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas de candidatos ao pleito majoritário, em virtude de identificação de despesa não declarada referente à omissão de registro de notas fiscais de despesa, determinando o recolhimento do valor irregular ao Tesouro Nacional.

2. Nos termos do art. 59 da Resolução TSE n. 23.607/19, não basta a simples declaração do emissor alegando que a nota fiscal foi emitida por equívoco e não foi baixada por erro do emissor, sendo necessário o cancelamento da nota. Assim, como houve emissão de nota fiscal contra o CNPJ dos candidatos, não tendo sido essa despesa (e a respectiva receita utilizada para adimpli-la) lançada na prestação de contas, caracterizada a hipótese de recebimento de receitas de origem não identificada, nos termos do art. 32, inc. VI, da resolução acima mencionada.

3. Impossibilidade de aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para aprovação integral das contas, pois mantida a irregularidade.

4. Desprovimento. Mantidas a aprovação com ressalvas e a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional.

 

Por derradeiro, consta a falha quanto à devolução de sobra de verbas do FEFC ao Tesouro Nacional. A mácula restou sanada, ainda que em processo distinto, de forma que acompanho a manifestação exarada em parecer pela Procuradoria Regional Eleitoral:

Não obstante o recebimento irregular do recurso pelo partido, deve-se salientar que, conforme observado no parecer conclusivo, nos autos da PC nº 0600257- 81.2020.6.21.0001 foi determinado, e devidamente cumprido, que o candidato Pedro Mendes da Silva, que efetuou a transferência, recolhesse ao Tesouro Nacional o valor de R$ 46,00. Nesse sentido, não é o caso de determinar-se ao prestador a mesma providência.

 

O montante irregular perfaz R$ 112.455,00 (R$ 200,00 – fonte vedada, R$ 850,00 – recebimento de RONI, e R$ 111.405,00 – omissão de despesas e pagamento com RONI), valor muito além do parâmetro de R$ 1.064,10, utilizado por esta Corte no intuito de mitigar o juízo de desaprovação das contas, não sendo adequado, razoável e proporcional o juízo de aprovação das contas, mesmo com ressalvas, pois as falhas são graves e comprometem de forma insanável a confiabilidade e a transparência da movimentação financeira.

Destarte, confirmada a malversação dos valores de campanha, com a percepção e uso de valores de fonte vedada e de origem não identificada, a desaprovação das contas é medida que se impõe.

Ante o exposto, VOTO pela desaprovação das contas do partido PATRIOTAS, Diretório Regional, forte no art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19, com determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia de R$ 112.455,00, e, com esteio no art. 74, § 5º, a suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário por 12 meses.

É como voto, senhor Presidente.