REl - 0600307-38.2020.6.21.0024 - Voto Relator(a) - Sessão: 05/07/2022 às 14:00

VOTO

As contas foram julgadas não prestadas porque o candidato não atendeu à intimação para que apresentasse a mídia eletrônica gerada pelo Sistema de Prestação de Contas de Campanha Eleitoral (SPCE), requisito indispensável para a realização de exame técnico (ID 44902734).

O art. 53 da Resolução TSE n. 23.607/19 estabelece todos os documentos que obrigatoriamente devem ser juntados aos processos de contas de campanha, ainda que não haja movimentação de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro, e expressamente determina, em seu § 1º, que esses documentos “devem ser digitalizados e apresentados exclusivamente em mídia eletrônica gerada pelo SPCE”, observando os formatos de arquivo digital permitidos pelo TSE.

O art. 55 e seus parágrafos § 1o e 5o, da Resolução n. 23.607/19, reforçam essa previsão ao dispor sobre a necessidade de apresentação de documentos exclusivamente em mídia eletrônica.

A alegação recursal de erro técnico na apresentação da mídia, e de dificuldade de resolução do problema devido à pandemia causada pela covid-19, além de não ter sido acompanhada de mínima prova de efetiva ocorrência, não tem força suficiente para sanar essa grave irregularidade.

Veja-se que o recorrente participou no pleito proporcional ocorrido em 15.11.2020 e prestou as contas finais em 19.12.2020, sem entrega da mídia, mas teve prazo mais que suficiente para corrigir a falha.

Conforme consta da Informação cartorária do ID 44902730, em razão da pandemia do novo coronavírus foi promulgada a Emenda Constitucional n. 107/20, que dilatou os prazos eleitorais, ocasião em que o TSE editou a Resolução n. 23.632/20, prorrogando a data de entrega das mídias até 08.3.2021.

A referida Resolução também afastou o disposto no § 2º do art. 55 da Resolução TSE n. 23.607/19, que condicionava o recibo de entrega das contas finais à apresentação da mídia eletrônica, pois foi permitida a emissão do recibo com a simples recepção dos dados financeiros no SPCE.

O cartório eleitoral apontou que em 2021 o TSE prorrogou ainda mais os prazos para entrega das mídias, em virtude do agravamento da pandemia, tendo sido publicada a Portaria TSE n. 111, de 01.3.2021, que determinou a suspensão do prazo, circunstância posteriormente afastada pela Portaria TSE n. 506/21, a qual estabeleceu o dia 17.9.2021 como prazo final para entrega de mídias eletrônicas.

Devido à inércia do candidato quanto à apresentação da mídia, foi realizada em 28.9.2021 a sua intimação para corrigir a falha no prazo de mais 5 dias (ID 44902732).

Esse prazo transcorreu sem manifestação, tendo o cartório eleitoral emitido certidão de que “na data de 17/11/2021, decorreu o prazo do Sr. LUCIANO IBALDI NERES, sem que este apresentasse, junto ao cartório eleitoral, a mídia eletrônica contendo documentação relativa à sua prestação de contas da eleição 2020” (ID 44902734).

De todo esse contexto verifica-se que houve recalcitrância do candidato em não apresentar a mídia eletrônica da sua prestação de contas.

A irregularidade é grave e insanável.

O § 3º do art. 55 da Resolução n. 23.607/19 tratou da questão referindo que “Na hipótese de entrega de mídias geradas com erro, o sistema emitirá aviso com a informação de impossibilidade técnica de sua recepção”, e a consequência do descumprimento da obrigação está prevista no § 4º, segundo o qual, “Na hipótese do § 3º, é necessária a correta reapresentação da mídia, sob pena de as contas serem julgadas não prestadas”.

Ou seja, é de conhecimento dos candidatos o fato de que a ausência de entrega da mídia acarreta o julgamento de contas como não prestadas.

Essa exigência normativa é indispensável para que a Justiça Eleitoral proceda a um exame técnico, seguro e amplo, sobre a movimentação dos recursos de campanha, realização de despesas, pagamento de fornecedores, emissão de notas fiscais, recebimento de valores por meio de doações ou de verbas públicas.

A possibilidade de a Justiça Eleitoral consultar extratos bancários eletrônicos de eventuais contas abertas pelos partidos e candidatos não afasta o dever de observância dessas normas, pois é de interesse público que a análise financeira seja realizada em atendimento aos princípios da confiabilidade e da transparência dos recursos de campanha.

No caso dos autos, como o prestador não apresentou os dados digitalizados de sua movimentação financeira, o exame técnico ficou limitado às informações eletrônicas acessíveis à Justiça Eleitoral, tendo sido constada a abertura de uma conta bancária e o recebimento de receita estimável na quantia de R$ 453,00 (ID 44902737) procedente do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).

A Informação do ID 44902736 traz o resultado da análise técnica:

Em cumprimento ao disposto no art. 49, §5º, III, após consulta ao SPCE, foram anexados:

a) Consulta de recebimento de fundo público pelo candidato ( restou verificado o recebimento de recursos estimados advindos da conta FEFC);

b) Extratos bancários do prestador supracitado, extraídos do sistema da Justiça Eleitoral;

Não foram encontrados indícios de irregularidade afetos a fontes vedadas e/ou de origem não identificada.

Registre-se, contudo, que o candidato não apresentou a mídia eletrônica junto ao cartório eleitoral, mesmo após regular intimação. Nesse sentido, esta unidade técnica opina pelo julgamento das contas como não prestadas em face da permanência da omissão quanto à entrega da mídia.

 

A sentença de julgamento das contas como não prestadas foi proferida em 3.12.2021, e o candidato apresentou nova prestação de contas final, acompanhada de mídia eletrônica somente depois de sua intimação, em 07.12.2021, conforme certidão do ID 44902785.

A seguir, no dia 16.12.2021, o candidato interpôs recurso com pedido de retratação amparado no art. 267, §§ 6o e 7o, do Código Eleitoral, oportunidade em que o Ministério Público Eleitoral opinou pela possibilidade de reconsideração da sentença para que o processo fosse submetido a novo exame técnico (ID 44902781).

O recurso foi remetido pelo magistrado sentenciante a este Tribunal e a promoção ministerial não foi acolhida, nos seguintes termos (ID 44902787):

Malgrado a ocorrência dos eventos acima, entendo que a juntada a destempo da documentação não tem o condão de modificar/reconsiderar a decisão exarada , tampouco se mostra plausível atender ao pleito do "parquet", sobretudo pelo fato de o candidato ter tido diversas oportunidades de sanear o feito ( no caso, entregar a mídia eletrônica junto à zona eleitoral), conforme bem descrito na informação de id 99111567, no entanto, quedou-se inerte em todas as possibilidades.

Assiste razão ao douto julgador.

Cabe ressaltar que a adoção do juízo de retratação de que trata o art. 267, §§ 6° e 7°, do Código Eleitoral – instituto também previsto no art. 1.021, § 2°, do CPC, para as decisões sujeitas ao recurso de agravo interno nos tribunais – consiste em uma faculdade do julgador, a qual inclusive prescinde de pedido expresso da parte recorrente (TSE - RMS: 5698 BA, Relator: Min. ADMAR GONZAGA NETO, Data de Julgamento: 10/03/2015, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 62, Data 31/03/2015, Página 152).

Demais disso, é cediço que este Tribunal tem se posicionado pelo recebimento de documentos novos com as razões de recurso, até mesmo quando não submetidos a exame de primeiro grau de jurisdição, quando sua simples leitura mostra capacidade de influir positivamente no exame das contas, sem necessidade de nova análise técnica e contábil.

Cito, a propósito, acórdão de minha relatoria julgado à unanimidade na sessão de 17.02.2022:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATA. CARGO DE VEREADORA. DESAPROVAÇÃO. CONHECIDOS OS NOVOS DOCUMENTOS JUNTADOS NA FASE RECURSAL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA ADEQUADA UTILIZAÇÃO DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC. GASTO COM COMBUSTÍVEL. COMPRA DE ITENS EM SUPERMERCADO. PAGAMENTO REALIZADO EM DINHEIRO. DISPÊNDIOS NÃO ESCRITURADOS NO AJUSTE CONTÁBIL. VALOR ABSOLUTO DA IRREGULARIDADE SUPERIOR AO PARÂMETRO MÓDICO. INVIÁVEL A INCIDÊNCIA DOS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. PROVIMENTO NEGADO. 1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas de candidata ao cargo de vereadora, relativas às eleições de 2020, e determinou-lhe o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, em razão da ausência de comprovação da utilização de recursos oriundos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e da falta de registro integral da movimentação financeira de campanha. 2. Conhecidos os novos documentos juntados na fase recursal. No âmbito dos processos de prestação de contas de campanha, este Tribunal tem concluído, em casos excepcionais, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, acostados com a peça recursal e não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, quando, a partir de sua simples leitura, primo ictu oculi, seja possível esclarecer as irregularidades, sem a necessidade de nova análise técnica. Na hipótese, foram juntados comprovantes de encerramento de conta bancária, notas e cupons fiscais, todos de fácil análise. 3. Ausência de comprovação da adequada utilização de verbas do FEFC.(...) 5. Provimento negado.

(TRE-RS - RE: 06004391220206210084 tapes/RS 060043912, Relator: KALIN COGO RODRIGUES, Data de Julgamento: 17/02/2022, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico) – Grifei.

 

Contudo, na hipótese em tela, o recorrente teve diversos prazos para a entrega da mídia eletrônica, foi regularmente intimado durante a tramitação processual, e a correção do vício foi realizada somente após o julgamento das contas, com a juntada de nova prestação de contas final, sendo descabido o pedido de reforma da sentença para realização de um novo exame técnico.

Neste feito foi manifestamente desrespeitado o art. 69, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual prevê que as diligências determinadas nas contas devem ser supridas pelos candidatos e partidos políticos no prazo de 3 (três) dias contados da intimação, sob pena de preclusão.

Também considero que as teses recursais invocadas como fundamento para a reforma da sentença consistem em mera narrativa de que “a mídia foi corrompida na data da entrega, e não foi possível recuperá-la a tempo”, e que a entrega intempestiva “cumpre o seu papel no processo, oferecendo as condições para a análise das contas”.

Portanto, entendo correta a sentença ao concluir pelo julgamento das contas como não prestadas, conforme o disposto no § 4º do art. 55 da Resolução TSE n. 23.607/19, que determina essa consequência em caso de falta de entrega de mídia eletrônica.

Esclareço que o julgamento das contas como não prestadas acarreta, por força do inc. I do art. 80 da Resolução TSE n. 23.607/19, o impedimento de obtenção da certidão de quitação eleitoral até o fim da legislatura, persistindo os efeitos da restrição após esse período até a efetiva apresentação das contas.

O inc. I do § 1º do art. 80 da Resolução TSE n. 23.607/19 estabelece que, após o trânsito em julgado da sentença, o candidato pode requerer a regularização de sua situação para evitar que persistam os efeitos do impedimento de obter a certidão de quitação eleitoral após o fim da legislatura do cargo ao qual concorreu, cumprindo-se as formalidades dispostas no § 2o do referido dispositivo normativo.

Com esses fundamentos, entendo razoável e proporcional o julgamento das contas como não prestadas, pois as razões oferecidas são insuficientes para a reforma da sentença, merecendo ser desprovido o recurso.

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, nos termos da fundamentação.