REl - 0600919-12.2020.6.21.0012 - Voto Relator(a) - Sessão: 28/06/2022 às 14:00

VOTO

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, as contas de LEONAR DE OLIVEIRA TUCHTENHAGEN foram desaprovadas na origem, em razão do não recolhimento da verba do FEFC não utilizada ao Tesouro Nacional e da existência de dívida de campanha não assumida pelo partido político, em sentença assim fundamentada:

As contas foram apresentadas tempestivamente, tendo também procurador devidamente constituído.

 

O candidato recolheu R$ 0,30 de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) à agremiação partidária, contrariando o que dispõe o art. 17, § 3º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

Logo o candidato deveria ter devolvido o recurso ao Tesouro Nacional e não o fez, motivo suficiente para a desaprovação das contas, pois a falha constitui irregularidade com envergadura suficiente para macular as contas do candidato, sendo inconsistência grave, vez que se trata de recurso público e que o candidato descumpriu regra de utilização do mesmo.

 

Quanto ao recolhimento, por ser o único valor que deveria ser devolvido, deixo de determinar o pagamento, dada a insignificância do valor, que sequer justificaria o movimento da máquina jurisdicional para sua cobrança.

 

Também se verificou que o candidato teve devolvido, por duas vezes, o cheque nº 00001, no valor de R$ 190,00. A devolução ocorreu por insuficiência de fundos, sendo que sua quitação não foi comprovada nos autos.

 

Houve manifestação e juntada de nota fiscal com mesmo valor do cheque devolvido. Entretanto a documentação apresentada não comprova a quitação da dívida, uma vez que o referido cheque não foi juntado aos autos, demonstrando seu recolhimento com o credor e sua quitação.

 

A ausência de comprovação da quitação das obrigações configura dívidas de campanha, a qual não foi assumida pelo partido.

 

Mais ainda, a emissão de cheques sem provisão de fundos ignora o preceito da transparência que deve nortear tanto a gestão de recursos na campanha quanto a elaboração final das contas, em prejuízo à atuação fiscalizatória da Justiça Eleitoral, além de ferir o princípio da boa-fé dos contratos.

 

Pelo que se vê a falha também constitui irregularidade com envergadura suficiente para macular as contas do candidato, motivo pelo qual as contas devem ser desaprovadas.

 

Logo, a desaprovação é a medida que se impõe.

 

Passa-se à análise discriminada dos apontamentos glosados.

I – Do repasse de recursos do FEFC à agremiação partidária.

A unidade técnica, examinando as contas de campanha do candidato, relatou a seguinte inconsistência (ID 44869793):

O candidato, em manifestação (ID 44869797), prestou esclarecimentos, juntando a imagem de comprovante bancário de transferência eletrônica já constante dos autos (ID 44869790), aduzindo que :

O valor de R$0,30, foi regularmente devolvido ao diretório Municipal do PDT, por se tratar de sobras de campanha, conforme comprovante de depósito conforme segue:

 

(...).

 

Sendo assim, conforme comprovante apresentado acima, este foi recolhido na conta do diretório municipal e lançado no campo sobras de campanha do SPCE referente a prestação de contas do candidato, bem como, lançado na prestação de contas do diretório municipal. Sendo assim requer-se a reconsideração quanto ao aponte e ao final a aprovação das contas.

 

No parecer conclusivo, assim se pronunciou o examinador técnico (ID 44869801):

No item 1, subitem 1.2, percebe-se que o candidato declarou o recurso como sendo oriundo do FEFC. Sendo assim, o mesmo deveria ser devolvido ao Tesouro Nacional.

 

Em manifestação à diligência o candidato informou que recolheu o valor à agremiação partidária, o que, de acordo com os dados constantes dos autos está incorreto.

 

É dever salientar que o montante é de muito pequeno vulto (R$ 0,30). Sendo assim, cabe ao juízo avaliar se o valor deve ser ressarcido ao erário e qual consequência deve gerar nas contas, haja vista que do ponto estritamente técnico há uma irregularidade.

 

Acolhendo a manifestação técnica, na sentença, o Juízo a quo considerou irregular o repasse do montante de R$ 0,30, informado como advindo do FEFC, ao partido político, pois deveria ter sido direcionado ao Tesouro Nacional.

Tenho, porém, que a falha merece ser afastada, em virtude de a importância não ser efetivamente proveniente do FEFC, sendo manifesto que houve um equívoco no registro inicial sobre a natureza do valor transferido à agremiação.

Compulsando os autos, observo que o candidato não informou em sua contabilidade ter recebido valores oriundos do FEFC (IDs 44869739, 44869760, 44869776) e que não há indícios mínimos de que tenham sido transferidas verbas públicas em seu favor.

Ademais, verifico, via sistema Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/85464/210000922865/extratos), que a única conta corrente de campanha, aberta para movimentação de “Outros Recursos”, recebeu exclusivamente aporte de verbas privadas.

Portanto, acertada a transferência de R$ 0,30 ao órgão partidário, pois se tratou de sobras de campanha, originárias de recursos privados, atraindo a incidência do art. 50, inc. I e § 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19, verbis:

Art. 50. Constituem sobras de campanha:

I - a diferença positiva entre os recursos financeiros arrecadados e os gastos financeiros realizados em campanha;

 

(...).

 

§ 3º As sobras financeiras de recursos oriundos do Fundo Partidário devem ser transferidas para a conta bancária do partido político destinada à movimentação de recursos dessa natureza.

 

§ 4º As sobras financeiras de origem diversa da prevista no § 3º deste artigo devem ser depositadas na conta bancária do partido político destinada à movimentação de "Outros Recursos", prevista na resolução que trata das prestações de contas anuais dos partidos políticos.

 

Logo, entendo que candidato esclareceu o apontamento em tempo oportuno e demonstrou o escorreito cumprimento da norma ao transferir o saldo remanescente ao diretório partidário, devendo, assim, ser afastada a irregularidade em questão.

 

II – Da dívida de campanha não assumida pelo partido político.

O examinador técnico apontou, em seu relatório preliminar, a seguinte irregularidade (ID 44869793):

2.3. O candidato teve o cheque nº 000001, no valor de R$ 190,00, devolvido por duas vezes.

 

Não restou comprovada a quitação do cheque, o que pode caracterizar dívida de campanha.

 

É necessário apresentar a comprovação de quitação do cheque, bem como comprovar que tal quitação obedeceu a legislação de regência.

 

Em sua defesa, o candidato sustenta que o cheque n. 1 foi substituído pelo equivalente, sob o n. 4, bem como que acostou imagem da nota fiscal n. 272, que já se encontrava anexada ao feito, sob o ID 44869770.

No parecer conclusivo, o analista técnico concluiu pela persistência da falha (ID 44869801):

De outra banda, o apontamento 2.3, do item 2 se reveste de gravidade que enseja a desaprovação das contas.

 

Confere exposto no apontamento, o candidato teve um cheque devolvido por duas vezes e não apresentou o referido cheque (o que comprovaria a sua quitação).

 

O candidato juntou nota fiscal no valor do cheque, o que não comprova a quitação do mesmo.

 

Logo, não há nos autos documentação capaz de comprovar a quitação da dívida, restando caracterizada (até prova em contrário), dívida de campanha.

 

Na mesma linha da unidade técnica, o Magistrado a quo entendeu pela ausência de comprovação da quitação da obrigação, configurando dívida de campanha, não assumida pela agremiação respectiva.

Pois bem.

A fim de comprovar despesa contratada com WAINER GERSON DA SILVEIRA SAMPAIO ME, CNPJ n. 11.975.911/0001-50, na quantia de R$ 190,00, referente a produção de material de campanha, o candidato apresentou a nota fiscal n. 272, emitida em 13.11.2020 (ID 44869770).

Visualizando-se o extrato bancário de campanha, percebe-se que o cheque n. 1, no importe de R$ 190,00, foi depositado em prol de WAINER GERSON S SAMPAIO ME, CNPJ n. 11.975.911/0001-50, no dia 17.11.2020, tendo ocorrido, na mesma data, a sua devolução, com o estorno do valor na conta do candidato.

A cártula foi reapresentada no dia 19.10.2020, repetindo-se sua devolução, com o estorno da quantia.

Adiante, no dia 07.12.2020, o cheque n. 4, na cifra de R$ 190,00, foi compensado em favor de WAINER GERSON S SAMPAIO ME, CNPJ n. 11.975.911/0001-50.

Colaciono o histórico das movimentações bancárias referidas, extraído do Sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, em que se visualiza que todas as operações ocorreram com idêntico valor e tendo o mesmo fornecedor identificado na operação bancária:

 

Verifica-se que a primeira ordem de pagamento em tela foi emitida com saldo insuficiente em conta, acarretando sua devolução após o depósito.

Na sequência, candidato providenciou o ingresso de valores para satisfazer o débito, mas, ante a circunstância de terem sido lançadas tarifas bancárias, o saldo se tornou insuficiente para cobertura do cheque novamente apresentado, gerando uma segunda devolução.

Por fim, realizado novo aporte de verbas financeiras, foi emitido outro cheque, que permitiu que a despesa fosse quitada.

Dessa maneira, assiste razão ao recorrente, porquanto não há amparo jurídico para a interpretação de que, de maneira absoluta, caso deixe de ser juntado aos autos cheque devolvido por ausência de fundos, deva se concluir pela existência de gasto eleitoral não quitado.

Deveras, em que pese a emissão de cheque aponte, de maneira geral, para a ocorrência de prévia contratação de campanha, em situações como a do caso sub examine, tal presunção não se mostra razoável, pois é nítido que houve um único gasto, tendo havido o mero lançamento de uma segunda cártula para seu pagamento.

Por tais razões, não há que se falar em dívida de campanha sem assunção pelo órgão partidário.

 

III – Conclusão

Por derradeiro, deve ser reformada a sentença, para que, dando-se provimento ao apelo, sejam as contas aprovadas.

Ante o exposto, VOTO pelo provimento do recurso, para que sejam aprovadas as contas de campanha de LEONAR DE OLIVEIRA TUCHTENHAGEN, candidato ao cargo de vereador no Município de Cristal, relativas às Eleições de 2020.