MSCiv - 0600161-83.2022.6.00.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 28/06/2022 às 14:00

VOTO

Eminentes Colegas, trata-se de mandado de segurança impetrado pelo DIRETÓRIO ESTADUAL DO CIDADANIA NO RIO GRANDE DO SUL contra o acórdão do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul proferido no exercício de sua competência administrativa, nos autos do processo n. 0600080-52.2022.6.21.0000, onde se postulou a divulgação de propaganda partidária gratuita mediante transmissão no rádio e na televisão, por meio de inserções durante a programação normal das emissoras, no primeiro semestre de 2022.

A presente ação constitucional foi distribuída no Tribunal Superior Eleitoral, que remeteu os autos a este TRE-RS, com base em entendimento assentado pela Corte Superior no sentido de não possuir competência para o julgamento originário de mandado de segurança impetrado contra ato administrativo, colegiado ou singular, dos Tribunais Regionais Eleitorais (ID 44991378).

O mandado de segurança é remédio constitucional colocado à disposição do jurisdicionado quando seu direito líquido e certo estiver sendo violado ou ameaçado de lesão por ato de autoridade, na esteira do que dispõe o art. 5º, inc. LXIX, da CF/88.

Na hipótese, o mandamus é impetrado em face de acórdão proferido no exercício de competência administrativa, que ficou assim ementado (ID 44991362):

REQUERIMENTO. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. VEICULAÇÃO DE PROPAGANDA PARTIDÁRIA GRATUITA. INSERÇÕES. RÁDIO E TV. ÂMBITO ESTADUAL. PRIMEIRO SEMESTRE DE 2022. ART. 50-B DA LEI N. 9.096/95 E RESOLUÇÃO TSE N. 23.679/22. PEDIDO APRESENTADO FORA DO PRAZO NORMATIVO. INTEMPESTIVO. NÃO CONHECIDO.

1. Requerimento formulado por diretório estadual de partido político para a veiculação de propaganda partidária nas emissoras de rádio e de televisão do Estado, na modalidade de inserções, para o primeiro semestre de 2022, nos termos do art. 50-B da Lei n. 9.096/95 e da Resolução TSE n. 23.679/22.

2. A Seção de Procedimentos Específicos e Partidários da Secretaria Judiciária deste Tribunal prestou informações no sentido de que o partido político preenche os requisitos para a veiculação do quantitativo pleiteado de 10 (dez) inserções estaduais de 30 (trinta) segundos, indicou as datas de sua preferência e que não há decisão de cassação de tempo a ser efetivada no semestre. Contudo, a referida unidade administrativa deixou de apresentar proposta de veiculação das inserções, pelo fato de que o requerimento foi apresentado de forma intempestiva.

3. Inconteste a intempestividade do pedido, visto que o requerimento foi apresentado em 28.02.2022 às 17h23min, praticamente uma semana após o término do prazo estipulado no art. 31, c/c o art. 6º, da Resolução TSE n. 23.679/22 para a propaganda partidária a ser veiculada no primeiro semestre de 2022. O prazo estabelecido refere-se ao termo final para a apresentação de manifestação de vontade relativamente ao exercício de um direito que a legislação assegura às agremiações partidárias. Ademais, o deferimento de pedido intempestivo feriria o princípio da paridade, em flagrante inobservância à isonomia, desconsiderando os partidos políticos que apresentaram pedidos oportunamente.

4. Não conhecido o requerimento para a veiculação de inserções de propaganda partidária gratuita em emissoras de rádio e televisão, na modalidade de inserções estaduais, referente ao primeiro semestre do ano de 2022.

O impetrante afirma que a referida decisão teria violado seu direito líquido e certo à exibição da propaganda partidária no primeiro semestre de 2022 por considerar intempestivo o requerimento apresentado. Alega que a republicação da Resolução TSE n. 23.679/22, em 07.3.2022, trouxe mais sentido a seus dispositivos e argumenta que, tendo em vista a manutenção do número original da Resolução, trata-se também de uma retificação, ou seja, uma norma nova, com conteúdo distinto e com novas possibilidades de interpretação. Refere que, segundo a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), as correções de texto de lei já em vigor são consideradas lei nova. Aduz que, com a republicação da Resolução TSE n. 23.679/22, o prazo previsto no seu art. 31 foi reaberto, uma vez que seu marco inicial de contagem é a publicação da norma.

Prossigo.

A propaganda partidária nas emissoras de rádio e redes de televisão foi restabelecida ao ordenamento jurídico pela Lei n. 14.291/22, a qual alterou a Lei dos Partidos Políticos (Lei n. 9.096/95).

De acordo com o art. 50-B, caput e § 1º, inseridos na Lei dos Partidos Políticos, tem direito ao acesso gratuito ao rádio e à televisão, por meio exclusivo de inserções, na proporção de sua bancada eleita em cada eleição geral, o partido político com estatuto registrado no Tribunal Superior Eleitoral que tenha cumprido as condições estabelecidas no § 3º do art. 17 da Constituição Federal.

As novas disposições trazidas pela Lei n. 14.291/22 tratam da realização de propaganda partidária gratuita mediante transmissão no rádio e na televisão, no horário restrito entre 19h30 (dezenove horas e trinta minutos) e 22h30 (vinte e duas horas e trinta minutos), em âmbito nacional e estadual, por iniciativa e sob a responsabilidade dos respectivos órgãos de direção partidária.

Com a finalidade de esclarecer regras e aperfeiçoar procedimentos, o Tribunal Superior Eleitoral, no exercício de sua competência normativa regulamentar prevista no art. 23, parágrafo único, inc. IX, do Código Eleitoral, bem como mediante autorização do art. 61 da Lei n. 9.096/95, expediu a Resolução TSE n. 23.679/22, que passou a regulamentar a propaganda partidária gratuita em rádio e televisão realizada por meio de inserções nos intervalos da programação normal das emissoras.

O art. 31 desse regulamento, por meio de disposição transitória, autorizou a apresentação dos requerimentos para veiculação das inserções do primeiro semestre de 2022 até cinco dias após sua publicação, in verbis:

Art. 31. O prazo previsto no inc. I do art. 6º desta Resolução não se aplica à propaganda partidária a ser veiculada no primeiro semestre de 2022, ficando os partidos políticos autorizados a apresentar os requerimentos respectivos até 5 (cinco) dias após a publicação desta Resolução.

A Resolução TSE n. 23.679/22 foi publicada no DJE-TSE em 14.02.2022 (segunda-feira) e o prazo previsto no seu art. 31 findaria em 19.02.2022 (sábado), prorrogando-se para o primeiro dia útil seguinte, dia 21.02.2022 (segunda-feira).

A republicação realizada em 07.3.2022 se deu em razão da correção de meros erros materiais e não acarretou a reabertura do prazo estabelecido em seu art. 31, como restou expressamente consignado no item 4 da decisão proferida em 18.02.2022, da lavra do Eminente Ministro Luís Roberto Barroso, na Instrução TSE nº 0600068–23.2022.6.00.0000. Na decisão que determinou a republicação constou expressamente:

4. Destaco que a republicação não acarretará a reabertura do prazo previsto no art. 31 da Resolução TSE n. 23.679/22.

Assim sendo, não é possível acolher os argumentos apresentados pelo impetrante que, apoiado no disposto no art. 1º, § 4º, da LINDB, defende a reabertura do prazo para apresentação do requerimento para veiculação das inserções do primeiro semestre de 2022 uma vez que “As correções a texto de lei já em vigor consideram-se lei nova”.

A melhor interpretação, no presente caso, é de que somente as normas que foram corrigidas com a nova publicação consideram-se “lei nova”, não abrangendo o prazo definido para a veiculação da propaganda partidária no primeiro semestre de 2022, pois a republicação sobreveio apenas e tão somente em decorrência da constatação de pequenos erros materiais incapazes de modificar a compreensão da regra jurídica.

Com o escopo de evitar desnecessária tautologia, adoto como razões de decidir os argumentos da Procuradoria Regional Eleitoral, em seu bem lançado parecer, da lavra do douto Procurador Regional Eleitoral Auxiliar, Dr. Paulo Gilberto Cogo Leivas (ID 44998365):

Caso fosse o entendimento do TSE pela reabertura do referido prazo, a decisão de republicação da Resolução TSE n. 23.679/22 não teria sido adotada de forma monocrática pelo i. Min. Barroso, mas, seguramente, seria levada à deliberação do Plenário, como forma de respeito ao princípio do colegiado, invocado pelo impetrante.

Outrossim, tampouco induz às conclusões apresentadas pelo impetrante o disposto no art. 1º, § 4º, da LINDB, segundo o qual, “As correções a texto de lei já em vigor consideram-se lei nova.”. Interpretada em seu contexto, a norma não alberga as inferências apresentadas no presente mandado de segurança.

Eis o teor da regra:

Art. 1º Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país quarenta e cinco dias depois de oficialmente publicada.

§ 1º (...).

§ 3º Se, antes de entrar a lei em vigor, ocorrer nova publicação de seu texto,destinada a correção, o prazo deste artigo e dos parágrafos anteriores começará a correr da nova publicação.

§ 4º As correções a texto de lei já em vigor consideram-se lei nova.

Tratando da vacatio legis, a LINDB define o prazo de 45 dias depois de publicada para que a lei comece a vigorar. Prazo para que a sociedade tome conhecimento do seu teor e busque se adequar aos novos parâmetros normativos.

Caso a lei publicada – mas ainda sem vigência – seja objeto de nova publicação, destinada a correção, o prazo de 45 dias será reiniciado a partir da nova publicação.

Entretanto, se a lei já estiver em vigor, as correções – e apenas estas - consideram-se leis novas e, portanto, estarão sujeitas ao prazo de 45 dias de vacatio legis, salvo disposição em contrário.

Portanto, no caso da Resolução TSE n. 23.679/22, cuja vigência se deu na data da sua publicação, apenas as normas que foram corrigidas com a nova publicação consideram-se “lei nova”, para fins de definição da vacatio legis.

Sendo certo que o art. 31 foi objeto de republicação, com vistas à alteração na referência feita ao “prazo previsto na alínea a do caput do art. 6º”, resultando na correta referência ao “prazo previsto no inciso I do art. 6º”, pode-se dizer que referida norma – segundo dispõe o art. 1º, §4º, da LINDB – estaria sujeita, salvo disposição em contrário, como é o caso, a uma vacatio legis de 45 dias.

Esta é a única conclusão possível a ser extraída da incidência do art. 1º, §4º, da LINDB.

Quanto à reabertura do prazo de apresentação dos requerimentos de inserção da propaganda partidária, deve-se salientar que, a despeito da alteração no texto do art. 31 da Resolução TSE n. 23.679/22, uma leitura atenta e de boa-fé ao teor original do dispositivo não permite uma conclusão distinta, senão a de que o prazo para o requerimento das inserções partidárias para o primeiro semestre de 2022 é de 5 dias a partir da publicação da Resolução TSE n. 23.679/22.

[…]

Sendo o prazo de 1º a 14 de novembro definido para a apresentação de requerimento relativo à veiculação de inserções no primeiro semestre do ano seguinte, fica claro que o prazo excepcional definido no art. 31 da Resolução TSE n. 23.679/22, que diz respeito à propaganda partidária a ser veiculada no primeiro semestre de 2022, somente poderia fazer referência às datas previstas no inc. I do seu art. 6º.

Republicada a Resolução TSE n. 23.679/22, não houve correção no prazo definido para a veiculação da propaganda partidária no primeiro semestre de 2022, pois, desde a sua primeira publicação, ficaram “os partidos políticos autorizados a apresentar os requerimentos respectivos até 5 (cinco) dias após a publicação desta Resolução”.

Em tal aspecto, não há “lei nova” na fixação do prazo de apresentação de requerimento de veiculação da propaganda partidária no primeiro semestre de 2022, mas apenas na (superável) referência à não aplicação do prazo de 1º a 14 de novembro, estabelecido no art. 6º da citada Resolução.

Ainda que sejam ponderáveis os argumentos veiculados pelo representante na exordial, o requerimento apresentado em 28.02.2022 aportou após o término do prazo estipulado no art. 31, c/c o art. 6º, da Resolução TSE n. 23.679/22, qual seja, 21.02.2022 (5 dias após a publicação realizada em 14.02.2022.).

Por derradeiro, esclareço que o próprio Tribunal Superior Eleitoral se manifestou acerca dessa questão, em recentíssima decisão monocrática de lavra do Eminente Ministro Carlos Horbach, cujo excerto transcrevo abaixo, publicada no DJE de 04.5.2022, que negou seguimento à Tutela Cautelar Antecedente n.º 0600243-17.2022.6.00.0000:

[...]

Ademais, eventual superação, ainda que excepcional, dos mencionados óbices processuais, esbarrariam, de plano, na ausência de plausibilidade jurídica, dimensionada sob a ótica de manifesta probabilidade de êxito do recurso especial ao qual se postula efeito suspensivo, pois, do que se depreende da petição da presente tutela antecedente, a legenda deixou de observar o prazo fixado no art. 31 da Resolução TSE n. 23.679/22, que é preclusivo. O fato de ter havido republicação da norma em questão não induz, ao contrário do alegado, a reabertura do prazo para a apresentação do requerimento de veiculação da propaganda partidária no semestre corrente, tendo em vista que, nos autos da Instrução n. 0600068–23.2022.6.00.0000, constou, da determinação de republicação levada a efeito para correção de erros materiais, que aquela providência "não acarretará a reabertura do prazo previsto no art. 31 da Resolução TSE n. 23.679/22".

[…] (grifei)

 

Destaco, também, a necessidade de se observar a isonomia nas decisões e de se prestigiar as agremiações que apresentaram seus requerimentos dentro do prazo. Embora exíguo, diante da necessidade de se operacionalizar a exibição da propaganda partidária dentro do mesmo semestre em que aprovada a lei que a restabeleceu, o prazo previsto no regulamento pode ser observado, como demonstraram os diversos pedidos apresentados e deferidos por esta Corte.

Dessa forma, a denegação da segurança, com a confirmação do indeferimento ao pedido liminar, é medida que se impõe.

DIANTE DO EXPOSTO, por ausência de violação a direito líquido e certo, voto por denegar a segurança postulada.