PCE - 0600410-20.2020.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 23/06/2022 às 14:00

VOTO

Do exame dos autos verifica-se que durante a campanha de 2020 o Partido Liberal movimentou o total de recursos financeiros de R$ 1.749.300,00 (um milhão setecentos e quarenta e nove mil e 300 reais), não tendo sido identificadas arrecadação oriunda de fontes vedadas ou de origem não identificadas (ID 44975199).

Parte das impropriedades inicialmente verificadas pela Secretaria de Auditoria Interna (SAI) foram sanadas pelos prestadores quando da retificação das contas, ocasião em que o partido apresentou os extratos das contas bancárias de campanha e os registros de repasses de valores provenientes de recursos do Fundo Partidário para as candidaturas da legenda e para os diretórios municipais (ID 44965977).

Quanto à aplicação de recursos públicos nas quotas de gênero e racial, o órgão técnico referiu que a regularidade dos valores procedentes do Fundo Especial de Financiamento de Campanha repassados para as ações afirmativas somente deve ser apurada na prestação de contas do diretório nacional do partido político.

Esse apontamento encontra previsão expressa no § 5o-A do artigo 17 da Resolução TSE n. 23.607/2019:

Art. 17. O Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) será disponibilizado pelo Tesouro Nacional ao Tribunal Superior Eleitoral e distribuído aos diretórios nacionais dos partidos políticos na forma disciplinada pelo Tribunal Superior Eleitoral (Lei nº 9.504/1997, art. 16-C, § 2º).

(...)

§ 5º-A A regularidade da aplicação mínima dos percentuais mencionados nos incisos I e II do § 4º deste artigo será apurada na prestação de contas do diretório nacional do partido político. (Incluído pela Resolução nº 23.665/2021)

 

Entretanto, embora tenha sido constatada no exame preliminar a irregularidade quanto ao repasse de recursos do Fundo Partidário destinado às quotas de gênero e às de raça (ID 44964172), a falha foi desconsiderada quando da emissão do parecer conclusivo.

A unidade técnica concluiu que a falha não deveria ser contabilizada devido à promulgação da Emenda Constitucional n. 117, de 5 de abril de 2022, que no art. 3º determina não haver sanções aos partidos que não preencheram a cota mínima de recursos ou que não cumpriram com os repasses mínimos nas eleições anteriores à promulgação da Emenda, verbis:

EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 117, DE 5 DE ABRIL DE 2022

(...)

Art. 2º Aos partidos políticos que não tenham utilizado os recursos destinados aos programas de promoção e difusão da participação política das mulheres ou cujos valores destinados a essa finalidade não tenham sido reconhecidos pela Justiça Eleitoral é assegurada a utilização desses valores nas eleições subsequentes, vedada a condenação pela Justiça Eleitoral nos processos de prestação de contas de exercícios financeiros anteriores que ainda não tenham transitado em julgado até a data de promulgação desta Emenda Constitucional.

Art. 3º Não serão aplicadas sanções de qualquer natureza, inclusive de devolução de valores, multa ou suspensão do fundo partidário, aos partidos que não preencheram a cota mínima de recursos ou que não destinaram os valores mínimos em razão de sexo e raça em eleições ocorridas antes da promulgação desta Emenda Constitucional.

 

A falha foi constatada no parecer de exame do ID 44964172 a partir da análise das informações colhidas junto ao TSE quanto aos repasses de recursos em confronto com os dados constantes na prestação de contas.

A destinação de recursos do Fundo Partidário para as campanhas eleitorais deve observar o disposto no art. 19, §§ 3º e 4º, da Resolução TSE n. 23.607/2019, e o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade ADI n. 5617, e na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 738, segundo os quais os a proporcionalidade mínima de 30% dos gastos totais de campanha deve ser repassada: a) para as candidaturas femininas, considerado, dentro deste grupo, o percentual proporcional de candidaturas de mulheres negras (pretas e pardas), e b) para as candidaturas de homens negros (pretos e pardos) em relação ao total de candidaturas masculinas da agremiação.

O exame preliminar verificou que no pleito de 2020 o Diretório Estadual do Partido Liberal contou com total de 1.130 candidatas e candidatos no Rio Grande do Sul, das quais 397 consistem em candidaturas femininas, dentre elas 55 candidaturas de mulheres pretas e/ou parda, e 733 candidaturas do gênero masculino, dentre os quais 93 autodeclararam-se pretos e/ou pardos.

A partir desses dados, apurou-se a inobservância quanto ao repasse de recursos do Fundo Partidário a candidaturas femininas de pessoas negras no valor de R$ 194,34, e no pertinente à destinação a candidaturas masculinas de pessoas negras no valor de R$ 3.712,63, conformes quadros A, B e C anexados ao parecer:

Em face dessa grave irregularidade, entendo, diferentemente da conclusão da unidade técnica, ser inviável a conclusão pela aprovação integral das contas, merecendo registro o fato de que os prestadores, após intimados, sequer se manifestaram sobre o apontamento.

A promulgação da Emenda Constitucional n. 117, que anistia os partidos políticos das sanções pelo descumprimento das determinações legais de destinação de percentual mínimo de recursos públicos para minimizar as desigualdades de gênero e raça/cor, não impede a Justiça Eleitoral de considerar a falta de observância das ações afirmativas quando do julgamento das contas.

Esse foi o entendimento adotado por este Tribunal na sessão de 16.5.2022, em acórdão da lavra do ilustre Desembargador Eleitoral Gerson Fischmann, ocasião em que foi definido o alinhamento desta Corte à diretriz firmada pelo TSE quanto à interpretação da Emenda Constitucional n. 117, cuja ementa cumpre transcrever:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÃO 2020. DIRETÓRIO MUNICIPAL DE PARTIDO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. RONI. AUSÊNCIA DE DESTINAÇÃO DO PERCENTUAL MÍNIMO DE RECURSOS DO FUNDO PARTIDÁRIO PARA CANDIDATURAS FEMININAS. COTA DE GÊNERO. EMENDA CONSTITUCIONAL N. 117. REDUÇÃO DO MONTANTE A SER RECOLHIDO AO TESOURO NACIONAL. DIMINUIÇÃO DO PERÍODO DE SUSPENSÃO DE RECEBIMENTO DE QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. MANTIDA A DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. PROVIMENTO PARCIAL.

(...)

3. Ausência de destinação do percentual mínimo de recursos do Fundo Partidário para candidaturas femininas. Cota de gênero. Aplicação do disposto nos arts. 2º e 3º da Emenda Constitucional n. 117. Em recente julgamento, o TSE interpretou o alcance das novas normas consignando que, com a constitucionalização, “a gravidade da falha se tornou ainda mais evidente”, e que as regras “alcançam somente as sanções porventura aplicáveis aos partidos que tenham descumprido o percentual mínimo de aplicação na ação afirmativa” (Prestação de Contas n. 060176555, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJE 06/05/2022). Ainda, que a EC n. 117 não incide sobre a fase em que o Juízo Eleitoral analisa as glosas identificadas nas contas para concluir pela sua aprovação com ou sem ressalvas, ou desaprovação, nem excluiu a possibilidade desta Justiça Eleitoral aferir a regularidade do uso das verbas públicas.

4. Em face da EC n. 117 e do alinhamento ao que foi decidido pelo TSE, as quantias irregulares somadas representam aproximadamente 20,04% de toda a arrecadação, sendo proporcional e adequado o redimensionamento da sanção de perda do direito ao recebimento de quotas do Fundo Partidário para 02 meses, bem como a redução do montante a ser recolhido ao Tesouro Nacional. Mantida a desaprovação das contas.

5. Provimento parcial.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral 0600269-08.2020.6.21.0127 – Giruá, Rel. Des. Eleitoral Gerson Fischmann, j. 16.5.2022, DJE 20/05/2022) – Grifei.

 

O acórdão em questão se reporta ao julgamento da prestação de contas do Diretório Nacional do Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), relativa ao exercício financeiro de 2016, no qual o TSE assentou que a EC n. 117 alcança “somente as sanções porventura aplicáveis aos partidos que tenham descumprido o percentual mínimo de aplicação na ação afirmativa” (TSE, PC-PP n. 0601682-39.2017.6.00.0000 Brasília, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, j. 19/04/2022, DJE 06/05/2022).

Idêntico entendimento também foi posteriormente aplicado nesta Corte no acórdão do Recurso Eleitoral n. 0600464-52.2020.6.21.0075, da relatoria do ilustre Desembargador Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo, julgado na sessão de 16.5.2022 (DJE 18.5.2022).

Desse modo, conforme já decidido por este Tribunal, aqui deve ser adotado o raciocínio já consolidado de que o conteúdo da EC n. 117 não afasta o dever da Justiça Eleitoral de aferir a regularidade do uso das verbas públicas, nem incide sobre o julgamento pela aprovação com ou sem ressalvas, ou desaprovação das contas.

No caso em tela, o partido não destinou recursos do Fundo Partidário no valor de R$ 194,34 para candidaturas femininas de pessoas negras, e de R$ 3.712,63 para candidaturas masculinas de pessoas negras, com o que as irregularidades, somadas, alcançam o total de R$ 3.906,97 (três mil novecentos e seis reais e noventa e sete centavos).

Em face da EC n. 117, essa quantia não será objeto de determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional, restando afastado o disposto no artigo 79, § 1o, da Resolução TSE n. 23.607/19.

O montante de R$ 3.906,97 representa 0,2% do total da arrecadação do partido (R$ 1.749.300,00) e, na esteira do entendimento consolidado desta Corte, não enseja a desaprovação das contas por aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, sendo causa somente para o apontamento de ressalva, nada obstante se refira à grave infração quanto à ações afirmativas.

Com esses fundamentos, VOTO pela aprovação com ressalvas das contas do DIRETÓRIO ESTADUAL do PARTIDO LIBERAL - PL referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos as eleições municipais de 2020.