REl - 0600066-36.2020.6.21.0001 - Voto Relator(a) - Sessão: 23/06/2022 às 14:00

VOTO

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

Inicialmente, consigno que, no âmbito dos processos de prestação de contas, expedientes que têm preponderante natureza declaratória e possuem como parte apenas o prestador, este Tribunal tem concluído, em casos excepcionais, com amparo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, acostados com a peça recursal, ainda que não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, quando sua simples leitura, primo ictu oculi, pode sanar irregularidades e não há necessidade de nova análise técnica.

Potencializa-se, assim, o direito de defesa, especialmente quando a juntada da nova documentação mostra capacidade de influenciar positivamente no exame da contabilidade, de forma a prestigiar o julgamento pela retidão no gerenciamento dos recursos empregados no financiamento da campanha, como se denota da ementa abaixo colacionada:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DESAPROVAÇÃO. PRELIMINAR. JUNTADA DE NOVOS DOCUMENTOS COM A PEÇA RECURSAL. ACOLHIDA. MÉRITO. AUSENTE OMISSÃO. DIVERGÊNCIA ENTRE OS DÉBITOS CONSTANTES NOS EXTRATOS E OS INFORMADOS NA CONTABILIDADE. PAGAMENTO DESPESAS SEM TRÂNSITO NA CONTA DE CAMPANHA. IMPOSSIBILIDADE DE REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROBATÓRIA MEDIANTE A JUNTADA DE NOVOS DOCUMENTOS. INVIÁVEL NOS ACLARATÓRIOS. REJEIÇÃO.

1. Preliminar. Admitida a apresentação de novos documentos com o recurso, quando capazes de esclarecer irregularidades apontadas, sem a necessidade de nova análise técnica ou diligências complementares.

2. Inviável o manejo dos aclaratórios para o reexame da causa. Remédio colocado à disposição da parte para sanar obscuridade, contradição, omissão ou dúvida diante de uma determinada decisão judicial, assim como para corrigir erro material do julgado. Presentes todos os fundamentos necessários no acórdão quanto às falhas envolvendo divergência entre a movimentação financeira escriturada e a verificada nos extratos bancários bem como do pagamento de despesas sem o trânsito dos recursos na conta de campanha. Não caracterizada omissão. Rejeição.

(TRE-RS, REl n. 50460, Relator Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, Data de Julgamento: 25.01.2018, DEJERS: 29.01.2018, p. 4). Grifei.

Por essas razões, conheço dos documentos acostados em sede recursal.

No mérito, trata-se de recurso interposto por NELCIR REIMUNDO TESSARO contra sentença que aprovou com ressalvas suas contas de campanha e lhe determinou o recolhimento de R$ 1.095,84 ao Tesouro Nacional, tendo em vista a detecção de omissão de gasto, bem como o pagamento de despesas sem observância ao prescrito no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Passo, a seguir, à análise discriminada de cada apontamento.

I. Da omissão de gasto eleitoral.

Na instância de piso, o órgão técnico identificou a omissão de despesa na prestação de contas, a partir da análise de notas fiscais eletrônicas, constantes da base de dados da Justiça Eleitoral (IDs 44902328 e 44902359).

O gasto omitido, representado pela Nota Fiscal Eletrônica n. 38896, no valor de R$ 115,84, foi contratado em 16.10.2020 com TIMM DOCES E FESTAS, CNPJ n. 08.606.392/0002-20 (ID 44902332).

Em consulta ao sistema mantido pela Secretaria Estadual da Fazenda, na internet, disponível pelo endereço https://www.sefaz.rs.gov.br/dfe/Consultas/ConsultaPublicaDfe?, verifico, utilizando a chave de acesso n. 43201008606392000220650010000388961100388961, que a despesa diz respeito à aquisição de balões de látex e fitilhos. Além disso, o documento fiscal, embora emitido contra o CNPJ de campanha, não contém qualquer outro dado do candidato, tal como seu nome.

No apelo, o recorrente sustenta que não efetuou o dispêndio e que desconhece quem tenha realizado a compra e para qual finalidade, aventando a hipótese de que algum eleitor tenha utilizado seu CNPJ sem sua autorização, concluindo que não pode ser responsabilizado por esse ato.

Pois bem.

Conforme dispõe o art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19, todas as despesas de campanha devem ser escrituradas no ajuste contábil:

Art. 53. Ressalvado o disposto no art. 62 desta Resolução, a prestação de contas, ainda que não haja movimentação de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro, deve ser composta:

I - pelas seguintes informações:

(...).

g) receitas e despesas, especificadas;

(...).

Outrossim, o art. 32, caput e § 1º, inc. VI, do referido diploma normativo preceitua que constituem recursos de origem não esclarecida as verbas injetadas na campanha não provenientes das contas bancárias específicas, cujos valores devem ser transferidos ao Tesouro Nacional:

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1° Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

(...)

VI - os recursos financeiros que não provenham das contas específicas de que tratam os arts. 8º e 9º desta Resolução;

Em que pesem as considerações do recorrente, consistentes na negativa de realização da despesa, bem como a constatação de que se trata de aquisição de objetos festivos, inábeis a qualificar o gasto como eleitoral, não há de ser o decisum reformado nesse ponto, porquanto, segundo o entendimento deste Tribunal Regional, fixado para as Eleições de 2020, o fato de constar o número de CNPJ do candidato em nota fiscal não declarada e não cancelada tem o condão de atribuir-lhe a responsabilidade pelo dispêndio e de caracterizar o vedado recebimento de recursos de origem não identificada, pois presume-se que o pagamento tenha ocorrido fora das contas de campanha.

Nesse sentido, colaciono os seguintes julgados:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. MAJORITÁRIA. DESAPROVAÇÃO. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. RONI. OMISSÃO DE DESPESAS COM COMBUSTÍVEL. ACERVO PROBATÓRIO INSUFICIENTE PARA DEMONSTRAR A ORIGEM DO MONTANTE IRREGULAR. NECESSIDADE DE CANCELAMENTO DE NOTAS FISCAIS. VALOR ABSOLUTO INEXPRESSIVO. POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. REFORMA DA SENTENÇA. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO.

(...)

3. Omissão de despesas. Emissão de notas fiscais sem que fosse possível verificar a identidade do doador originário dos recursos. Alegado gasto pessoal com combustíveis, no qual, por equívoco, a empresa fornecedora teria lançado nota fiscal com o CNPJ da candidatura quando deveria ter registrado o CPF do recorrente. Entretanto, a documentação anexada não supre a irregularidade, pois não basta a simples declaração do emissor alegando equívoco na elaboração do documento fiscal, sendo necessário o cancelamento da nota. Determinação prevista no art. 59 da Resolução TSE n. 23.607/19.

4. A irregularidade considerada como recurso de origem não identificada representa 2,93% do total de receitas movimentadas, além de constituir valor absoluto reduzido, inclusive inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10, considerado módico pela disciplina normativa das contas, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19). Circunstância na qual a jurisprudência do TRE-RS admite a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovação das contas com ressalvas, ainda que mantida a necessidade de recolhimento da quantia impugnada ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS, REl n. 0600474-12.2020.6.21.0103, Relator Des. Eleitoral Gerson Fischmann, julgado em 01.7.2021.). Grifei.

 

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. CARGO DE VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. OMISSÃO DE DESPESA. EMISSÃO DE NOTA FISCAL, NÃO DECLARADA À JUSTIÇA ELEITORAL, CONTRA O CNPJ DO CANDIDATO. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. MANTIDA A DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. NÃO APRESENTAÇÃO DOS EXTRATOS BANCÁRIOS COMPROBATÓRIOS DA MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA DE TODO O PERÍODO DE CAMPANHA. IRREGULARIDADE GRAVE. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO.

(...)

2. Detectada emissão de nota fiscal, não declarada à Justiça Eleitoral, contra o CNPJ do candidato, restando caracterizada afronta ao art. 53, inc. I, als. “g” e “i”, da Resolução TSE n. 23.607/19. A Corte Superior entende que a omissão em tela viola as regras de regência e macula a confiabilidade do ajuste contábil, uma vez que a prestação de contas deve ser composta das informações relativas a todos os gastos eleitorais, com especificação completa. Além disso, as despesas não declaradas implicam, igualmente, sonegação de informações a respeito dos valores empregados para a quitação da dívida de campanha, cujo trânsito ocorreu de forma paralela à contabilidade formal do candidato, caracterizando o recurso como de origem não identificada, nos termos do art. 32, caput e inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19. Mantida a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS, REl n. 0600534-83.2020.6.21.0038, Relator Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, julgado em 19.8.2021.). Grifei.

 

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. CARGO DE VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. NOTAS FISCAIS EMITIDAS POR TERCEIRO SEM RELAÇÃO COMPROVADA COM OS BENEFICIÁRIOS DOS PAGAMENTOS. AFASTADA A PRELIMINAR. PEDIDO DE REALIZAÇÃO DE DILIGÊNCIAS. INDICAÇÃO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. MANTIDA A DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. VALOR NOMINAL DA IRREGULARIDADE ABAIXO DE R$ 1.064,10. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO.

(...)

3. Verificada omissão de duas notas fiscais, as quais foram identificadas na base de dados da Justiça Eleitoral. As regras contidas na Resolução TSE n. 23.607/19 objetivam esclarecer a utilização de recursos em gastos de campanha, estabelecendo elos seguros entre os beneficiários dos pagamentos e os serviços prestados. É a denominada rastreabilidade. Na hipótese, entretanto, as notas fiscais foram emitidas por terceiro sem relação comprovada com os beneficiários dos pagamentos. Ademais, a legislação prevê que cabe ao recorrente providenciar o cancelamento da nota quando se tratar de emissão indevida. Mantida a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, haja vista a indicação de recursos de origem não identificada entre as verbas usadas na campanha eleitoral.

(TRE-RS, REl n. 0600301-05.2020.6.21.0065, Relator Des. Eleitoral Oyama Assis Brasil de Moraes, julgado em 28.9.2021.). Grifei.

 

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATOS ELEITOS. PREFEITO E VICE-PREFEITO. OMISSÃO DE GASTOS ELEITORAIS. EMISSÃO DE NOTA FISCAL. PRESUNÇÃO DE EXISTÊNCIA DE DESPESA. NEGÓCIO DESFEITO. NÃO COMPROVADO. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA – RONI. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. OMISSÃO DE CONTA BANCÁRIA E EXTRATOS. APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS NA VIA RECURSAL. PRECLUSÃO. INVIÁVEL REABERTURA DA FASE INSTRUTÓRIA. CONFIABILIDADE E TRANSPARÊNCIA DA CONTABILIDADE COMPROMETIDAS. IRREGULARIDADE GRAVE. INVIÁVEL APLICAÇÃO DOS POSTULADOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. DESAPROVAÇÃO. DESPROVIMENTO.

(...)

2. Da omissão de gastos de campanha. Mediante o confronto de informações fornecidas pelos órgãos fazendários, a unidade de análise técnica constatou a emissão de nota fiscal contra o CNPJ do prestador, cuja despesa correspondente não constou registrada junto às contas de campanha. A legislação eleitoral preconiza que a emissão de nota fiscal para o CNPJ de campanha gera a presunção de existência da despesa, conforme art. 60, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19. Se o gasto não ocorreu ou se o candidato não reconhece a despesa, a nota fiscal deve ser cancelada, consoante estipula o art. 59, e, em sequência, adotados os procedimentos previstos no art. 92, §§ 5º e 6º, todos da mesma Resolução. Na hipótese, não houve o esclarecimento sobre a emissão do documento fiscal em favor do CNPJ de campanha, ou realizado o cancelamento da nota fiscal, nem comprovada a impossibilidade de sua efetivação. O TSE entende que a omissão em tela viola as regras de regência e macula a confiabilidade do ajuste contábil, uma vez que a prestação de contas deve ser composta das informações relativas a todos os gastos eleitorais. Ademais, as despesas não declaradas implicam, igualmente, sonegação de informações a respeito dos valores empregados para a quitação da dívida de campanha, cujo trânsito ocorreu de forma paralela à contabilidade formal do candidato, caracterizando o recurso como de origem não identificada, nos termos do art. 32, caput e inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19, impondo-se o recolhimento do valor correspondente ao Tesouro Nacional.

(TRE-RS, REl n. 0600312-15.2020.6.21.0039, Relator Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, julgado em 13.10.2021.). Grifei.

Nessa linha, se o candidato não reconhece a despesa, incumbe-lhe promover o cancelamento da nota fiscal, cuja comprovação deverá ser acostada ao feito, acompanhada de esclarecimentos firmados pelo fornecedor, nos termos previstos no art. 92, § 6º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Não desconheço que a hodierna jurisprudência do egrégio Tribunal Superior Eleitoral entende que “nem toda omissão de despesa revela, por si só, recurso de origem não identificada, devendo ser evidenciados elementos fáticos e probatórios que demonstrem tal hipótese, não sendo possível a mera inferência, mediante utilização de juízo contábil presuntivo”, consoante precedentes abaixo transcritos:

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO INTERNO. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CAMPANHA ELEITORAL. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. DESAPROVAÇÃO. OMISSÃO DE GASTOS. REEXAME DE FATOS E PROVAS. VEDAÇÃO.

SÍNTESE DO CASO

1. O Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão desaprovou as contas de campanha do agravado, candidato ao cargo de deputado estadual nas Eleições de 2018, e decidiu não determinar o recolhimento ao Tesouro Nacional do valor correspondente aos gastos eleitorais omitidos, por entender que os elementos fáticos dos autos não permitem concluir pelo recebimento de recursos de origem não identificada.                                 

ANÁLISE DO AGRAVO REGIMENTAL

2. O Ministério Público Eleitoral repisa a tese de violação dos arts. 24, § 4º, da Lei n. 9.504/97 e 34 da Resolução TSE n.  23.553, sob o argumento de que a Corte de origem não determinou a transferência ao Tesouro Nacional do valor alusivo às despesas omitidas.

3. É consabido que nem toda omissão de despesa revela, por si só, recurso de origem não identificada, devendo ser evidenciados elementos fáticos e probatórios que demonstrem tal hipótese, que enseja a devolução de recursos, não sendo possível a mera inferência, mediante utilização de juízo contábil presuntivo. Nesse sentido: AgR–REspe 0601247–52, rel. Min. Sérgio Banhos, DJE de 17.11.2020.

4. No caso específico, a Corte de origem concluiu por reconhecer a omissão de despesas contratadas junto a diversos fornecedores, no valor total de R$ 8.043,85, o que representa 15,1% dos recursos arrecadados. Assentou, ainda, não ser possível detectar elementos que corroborassem a compreensão de utilização de recursos de origem não identificada, o que demanda, para a alteração de tal premissa, a reapreciação de circunstâncias vinculadas à análise probatória, providência vedada no âmbito do recurso especial, a teor do verbete sumular 24 do TSE.

5. O entendimento da Corte de origem está em consonância com a jurisprudência deste Tribunal Superior, o que atrai a incidência do verbete sumular 30 do TSE, o qual "pode ser fundamento utilizado para afastar ambas as hipóteses de cabimento do recurso especial – por afronta à lei e dissídio jurisprudencial" (AgR–AI 152–60, rel. Min. Luciana Lóssio, DJE de 27.4.2017.).                                                   

CONCLUSÃO

Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 060127265, Acórdão, Relator Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação:  DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 51, Data 22.3.2021.). Grifei.

 

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DEPUTADO ESTADUAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. OMISSÃO DE GASTOS. REEXAME DE FATOS E PROVAS. VEDAÇÃO. 

SÍNTESE DO CASO 

1. O Tribunal Regional Eleitoral do Maranhão aprovou com ressalvas as contas de campanha do agravado, candidato a Deputado Estadual, referentes às Eleições de 2018, não tendo determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional do valor glosado como omissão de gastos eleitorais de campanha, qualificando–os como uso de recursos de origem não identificada. 

ANÁLISE DO AGRAVO REGIMENTAL 

2. O Ministério Público Eleitoral repisa a tese de violação dos arts. 24, § 4º, da Lei n. 9. 504/97 e 34 da Resolução TSE n. 23.553, sob o argumento de que a Corte de origem não determinou a transferência ao Tesouro Nacional do valor alusivo à despesa omitida. 

3. É consabido que nem toda omissão de despesa revela, por si só, recurso de origem não identificada, devendo ser evidenciados elementos fáticos e probatórios que demonstrem tal hipótese que enseja a devolução de recursos, não sendo possível a mera inferência, mediante utilização de juízo contábil presuntivo. 

4. No caso específico, a Corte de origem concluiu por reconhecer a omissão de duas despesas no montante de R$ 2.376,98, emitidas por H S C PEREIRA (R$ 1.600,00) e pelo Facebook Serviços Online do Brasil (R$ 776,98), que representaram cerca de 4,3% (em relação total de recursos arrecadados. Assentou, ainda, não ser possível detectar elementos que corroborassem a compreensão de utilização de recursos de origem não identificada, o que demanda, para a alteração de tal premissa, da reapreciação de circunstâncias vinculadas à análise probatória, providência vedada no âmbito do recurso especial, a teor do enunciado da Súmula 24 do TSE. 

5. Consoante jurisprudência desta Corte Superior, "não se conhece do recurso especial fundamentado no art. 276, inc. I, al. "b", do CE quando a caracterização do dissídio pretoriano depende de que o contexto fático–probatório seja revisto" (AgR–AI 0602991–17, rel. Min. Og Fernandes, DJE de 13.5.2020.). 

CONCLUSÃO 

Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 060124752, Acórdão, Relator Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 236, Data 17.11.2020.). Grifei.

 

Entretanto, no presente caso, há de ser mantido o entendimento jurisprudencial desta Corte Regional em relação ao pleito de 2020, de modo a manter incólume a segurança jurídica, preservar o tratamento isonômico entre os candidatos e evitar decisões conflitantes, podendo a vigente interpretação sobre a matéria ser objeto de futuro amadurecimento, por ocasião do exame das contas relacionadas às eleições vindouras.

Portanto, ressalvado meu posicionamento pessoal sobre o tema, tem-se por caracterizada a mácula, consistente no recebimento de recursos de origem não esclarecida, cujo respectivo montante, R$ 115,84, deve ser recolhido ao erário, na linha do parecer ministerial e da jurisprudência desta Casa.

II. Do pagamento de despesas sem observância ao disposto no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19.

O órgão técnico apurou que não foi possível identificar a origem dos recursos utilizados para pagamento dos seguintes gastos com o fornecedor DLOCAL BRASIL PAGAMENTOS LTDA., CNPJ n. 25.021.356/0001-32:

- em 06.10.2020, no montante de R$ 150,00;

- em 11.10.2020, no importe de R$ 130,00;

- em 21.10.2020, na quantia de R$ 150,00;

- em 03.11.2020, na cifra de R$ 250,00;

- em 12.11.2020, na monta de R$ 200,00; e

- no dia 13.11.2020, no valor de R$ 100,00.

Além disso, consignou a análise técnica que, em consulta aos extratos bancários, não foi identificada a emissão de cheque nominal cruzado ou transferência bancária ao mesmo fornecedor de campanha, significando afronta ao disposto no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19 (ID 44902359).

Em face disso, foram os desembolsos considerados irregulares na sentença, sendo comandado ao candidato o recolhimento do somatório de R$ 980,00 ao Tesouro Nacional.

Irresignado, o recorrente alega que as despesas são relacionadas a impulsionamento de publicidade no Facebook, contratados e pagos por meio de empresa intermediadora do serviço, cujos pagamentos foram devidamente comprovados, tendo sido utilizados recursos oriundos de conta bancária de campanha.

Primeiramente, assinalo que os dispêndios eleitorais de cunho financeiro devem observar a forma prescrita no art. 38 do supramencionado diploma normativo, in litteris:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

§ 1º O pagamento de boletos registrados pode ser realizado diretamente por meio da conta bancária, vedado o pagamento em espécie.

§ 2º É vedado o pagamento de gastos eleitorais com moedas virtuais.

Vê-se, assim, que, de acordo com o comando normativo, é possível o pagamento de bens e serviços destinados à campanha mediante boletos, desde que debitados diretamente na conta bancária.

Trago também à colação aresto do egrégio Tribunal Superior Eleitoral que assenta a possibilidade de quitação de despesas eleitorais por meio de boleto bancário, verbis:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2018. DEPUTADO ESTADUAL. CONTAS DE CAMPANHA. PAGAMENTO. MILITANTES. TERCEIRIZAÇÃO. CHEQUE ÚNICO. IRREGULARIDADE. RECURSOS. FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA. PERCENTUAL ELEVADO NO CONTEXTO DA CAMPANHA. HIPÓTESE DE DESAPROVAÇÃO. RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO. DESPROVIMENTO. 

1. No decisum monocrático, desaprovaram–se as contas de campanha do agravante, determinando–se o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, em decorrência de pagamentos indiretos a militantes, sem trânsito pelo sistema bancário, irregularidade que correspondeu a 12,4% do total movimentado. 

2. A teor da jurisprudência desta Corte e do art. 40 da Resolução TSE n. 23.553/17, as despesas de campanha devem ser realizadas por meio de transferência bancária que identifique o CPF do beneficiário, de cheque nominal ou de boleto bancário, de modo a assegurar a higidez na movimentação dos recursos. 

3. Conforme se assentou em caso similar, "[...] os pagamentos de despesas de campanha foram realizados por meio de retiradas, sem observância da norma que exige o pagamento dos serviços por meio de transferência bancária ou cheque nominal, procedimento que prejudica a fiscalização da correta aplicação dos recursos de campanha. (AgR–Respe 558–58/BA, Rel. Ministro Admar Gonzaga, DJE 03.4.2018.). 

4. De acordo com a base fática descrita no aresto a quo, a emissão de quatro cheques únicos em favor dos coordenadores de campanha (responsáveis por pagar os militantes) importou em ofensa ao art. 40 da Resolução TSE n. 23.553/17. 

5. Ainda que o art. 43 da Resolução TSE n. 23.553/17 estabeleça a possibilidade de contratar pessoal terceirizado para mobilização de rua, os institutos não se confundem, uma vez que o art. 40 do mesmo diploma, repita–se, exige que os pagamentos a cada um dos militantes se faça por uma das formas específicas previstas, não se admitindo que os valores sejam entregues em espécie. 

6. A única hipótese em que se admite o pagamento em dinheiro está prevista no art. 41 da mesma Resolução, que trata do Fundo de Caixa, constituído por, no máximo, 2% dos gastos contratados, o que não é o caso dos autos. 

7. Além disso, o fato de terem sido apresentados contratos de prestação de serviços e recibos eleitorais não exclui a obrigatoriedade de as despesas serem realizadas por meio dos modelos bancários de transação, pois apenas nesse quadro é que a Justiça Eleitoral pode identificar o verdadeiro destino dos recursos. No sentido da relevância da transparência da movimentação de valores pelo sistema bancário ao longo de toda a campanha: AgR–REspe 265–35/RO, redatora para acórdão Min. Rosa Weber, DJE de 11.9.2018. 

8. Agravo regimental desprovido. 

(Recurso Especial Eleitoral n. 060034981, Acórdão, Relator Min. Jorge Mussi, Relator designado Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, Publicação:  DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 37, Data 21.02.2020.). Grifei.

Na espécie, examinando o extrato bancário do candidato no sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/88013/210000729126/extratos, relacionado à conta corrente n. 643085109, agência 100, do Banco do Estado do Rio Grande do Sul, utilizada para movimentação de “Outros Recursos”, constata-se a existência de débitos alusivos a “PAGAMENTO FORNECEDORES”, mediante “TÍTULO OUTROS BANCOS”, consoante imagem abaixo:

Com o apelo, no intento de demonstrar a regularidade dos gastos, foram carreadas ao feito fichas de compensação, nas quais consta como beneficiário DLOCAL BRASIL PAGAMENTOS LTDA., CNPJ n. 25.021.356/0001-32, acompanhadas dos respectivos comprovantes de pagamento.

O conjunto probatório tem estreita correspondência às despesas de R$ 100,00 (ID 44902372), R$ 130,00 (ID 44902368), R$ 150,00 (ID 44902371), R$ 200,00 (ID 44902370) e R$ 250,00 (ID 44902369), que perfazem o total de R$ 830,00.

Saliento que os todos esses comprovantes atestam que o pagamento dos boletos ocorreu via conta bancária de campanha do candidato, de acordo com o que preceitua o art. 38, inc. III e § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Nesse cenário, tenho que a origem e o destino dos recursos financeiros em questão, utilizados para impulsionamento de conteúdo no Facebook, na monta global de R$ 830,00, restaram suficientemente comprovados nesta instância, devendo ser afastada a glosa sobre eles.

Noutro vértice, quanto ao dispêndio de R$ 150,00, supostamente efetuado no dia 06.10.2020, o recorrente deixou de coligir aos autos a comprovação do escorreito pagamento.

Nesse ponto, o documento sob ID 44902373, que presumivelmente se relacionaria ao gasto, não foi corretamente anexado ao sistema PJe pelo recorrente, pois, ao se tentar abrir o arquivo, é exibida a tela de erro “Falha ao carregar documento PDF”.

Portanto, não há nos autos elementos hábeis a apontar que, por um dos meios elencados no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, tenha o pagamento sido direcionado ao correspondente fornecedor de serviços, restando impedida a rastreabilidade das verbas de campanha, na linha da jurisprudência consolidada desta Corte, de sorte que entendo subsistente a mácula sobre tal operação.

Entretanto, em única dissonância com o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, entendo que deve ser afastada a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia considerada irregular, de R$ 150,00, paga com recursos privados, dada a ausência de fundamento no ordenamento jurídico para tanto.

Ora, a obrigatoriedade de devolução ao erário somente tem ensejo nas hipóteses de “recursos recebidos de fonte vedada, recursos de origem não identificada e de não comprovação da utilização indevida de recursos recebidos do Fundo Partidário ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha” (TSE, AgR-REspEl n. 060145451, Acórdão, Relator Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 243, Data 24.11.2020.).

Nesse mesmo sentido trilha a jurisprudência deste Tribunal Regional:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PROPORCIONAL. DESAPROVAÇÃO. DESPESAS SEM COMPROVAÇÃO FISCAL. QUITAÇÃO COM VALORES PRIVADOS. RECOLHIMENTO AO ERÁRIO AFASTADO. APLICAÇÃO DE RECURSOS PRÓPRIOS ACIMA DO LIMITE LEGAL. MULTA. IRREGULARIDADE EM PERCENTUAL DE 37,93% DO TOTAL DECLARADO. VALOR ABSOLUTO IRRISÓRIO. POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. REFORMA DA SENTENÇA. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. CORRIGIDA DESTINAÇÃO DA MULTA AO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou as contas do recorrente, em virtude de realização de despesa sem comprovação e de doações para a própria candidatura em montante superior ao limite previsto para gastos no cargo em que concorreu, determinando o recolhimento da quantia irregular ao Tesouro Nacional.

2. Preliminar de juntada de documentos em sede recursal acolhida, nos termos da jurisprudência desta Corte.

3. Despesas eleitorais sem apresentação de contraparte fiscal a caracterizar omissão de gastos, em afronta ao art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19. Dispêndio com contabilidade de campanha realizado sem demonstração da real destinação do recurso, visto que cancelada nota fiscal e o documento juntado aos autos traz valor distinto da quantia declarada para este fim na prestação de contas do candidato. Beneficiário do crédito não identificado. Transparência da contabilidade malferida.

4. Uso de recurso privado para quitação de despesa sem comprovação não enseja recolhimento ao erário, ação reservada apenas a aportes oriundos de fontes vedadas, sem identificação de origem ou da malversação de recursos públicos. Dever de recolhimento afastado.

5. Doação de recursos próprios em montante acima do limite definido para o cargo na municipalidade, de encontro ao disposto no art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19. É dever do prestador o conhecimento das regras eleitorais que visam assegurar a igualdade de oportunidades entres os candidatos. Aplicação de multa.

6. Irregularidade que perfaz 37,93% do total declarado, mas de valor absoluto irrisório, a autorizar a mitigação do juízo de desaprovação, diante dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade. Reforma da sentença para aprovar com ressalvas as contas e afastar o recolhimento da quantia gasta sem comprovação fiscal. Mantida a multa por excesso de doação de valores próprios e, de ofício, corrigir sua destinação, a qual deverá recair sobre o Fundo Partidário.

7. Parcial provimento.

(TRE-RS, REl n. 0600415-48.2020.6.21.0095, Acórdão, Rel. Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, julgado em 12.8.2021.). Grifei.

Por conseguinte, ainda que não devidamente demonstrado o gasto de R$ 150,00, não há que se falar em recolhimento ao Tesouro Nacional por ausência de previsão legal.

III. Conclusão

Por derradeiro, em que pese o montante das falhas identificadas totalizarem módicos R$ 265,84 (R$ 115,84 + R$ 150,00), ou seja, 0,88% das receitas declaradas (R$ 30.115,90), não se revela cabível a aprovação das contas sem quaisquer ressalvas, conforme entendimento consolidado desta Corte Regional (TRE-RS; REl n. 0600914-87.2020.6.21.0012; Redator do Acórdão: Des. Eleitoral Gerson Fischmann, julgado em 02.5.2022.).

De outra parte, impõe-se reduzir para R$ 115,84 o valor a ser recolhido ao erário, que foi reputado como de origem não identificada.

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para, mantendo a aprovação com ressalvas das contas de campanha de NELCIR REIMUNDO TESSARO, relativas às Eleições de 2020, reduzir para R$ 115,84 a quantia a ser recolhida ao Tesouro Nacional.