RecCrimEleit - 0000049-14.2018.6.21.0100 - Voto Relator(a) - Sessão: 21/06/2022 às 14:00

VOTO

Eminentes Colegas.

1. Tempestividade

O recurso é tempestivo.

Sublinho que o prazo para interposição do recurso sob exame é de 10 (dez) dias, conforme previsto no art. 362 do Código Eleitoral, e nos termos do art. 798, § 5º, do Código de Processo Penal, a contagem de tal interregno há de ser realizada a partir da última intimação da sentença condenatória, seja ela do réu ou do defensor, conforme a interpretação conferida pelo Supremo Tribunal Federal e externada na Súmula n. 710: “No processo penal, contam-se os prazos da data da intimação, e não da juntada aos autos do mandado ou da carta precatória ou de ordem”.

No caso, a ré foi pessoalmente intimada em cartório em 21.6.2021, e o recurso foi interposto em 01.7.2021, ID 44867238, p. 133-153 do PDF.

Tempestivo, o recurso da defesa deve ser conhecido.

2. Prescrição

Destaco que não há prescrição a ser reconhecida, pois tanto o lapso temporal entre o recebimento da denúncia (01.10.2018, ID 44867182 – fls. 51-v. do PDF) e a publicação da sentença condenatória no DJE (21.06.2021, ID 44867238 – fl. 129 do PDF), quanto entre esta última e a presente data, é inferior a oito anos, prazo prescricional previsto pelo art. 109, inc. IV, do Código Penal, quando a pena aplicada for superior a dois anos e não exceder a quatro anos.

Nesse norte, permanece existente a pretensão punitiva estatal.

3. Mérito

De início, aponto que a recorrente VERA LÚCIA LUCION sofreu a perda do mandato eletivo de vereadora no pleito de 2016, no município de Tapejara, por sentença proferida na Ação de Investigação Judicial Eleitoral - AIJE n. 000480-19.2016.6.21.0100, a qual decretou a cassação em razão de reconhecer as práticas de abuso de poder econômico e de captação ilícita de sufrágio. A decisão foi confirmada por este Tribunal quanto à cassação, e o Tribunal Superior Eleitoral negou provimento a agravo interposto contra decisão do TRE-RS, e não admitiu o recurso especial interposto.

Esclareço, ainda, que foi julgada improcedente a Ação Penal n. 240.2018.6.21.0100, no bojo da qual foi imputado à ré a prática de corrupção eleitoral, e exatamente com fundamento em tal fato, o julgamento de improcedência, é que surge a alegação de ter havido a absolvição de VERA LÚCIA em processo baseado “na mesma operação e investigação”.

Registro que a referida sentença absolutória transitou em julgado em 24.7.2019, não tendo havido recurso por parte do Ministério Público com atuação na Zona Eleitoral de Tapejara, autor da ação penal.

Este se torna o primeiro tópico de análise, até mesmo para que sejam deixados bem claros os contornos das duas diferentes, friso, ações penais. 

Por exemplo, verifico que nenhum dos dez denunciados por recebimento de combustível no presente feito, nomeadamente Juliano da Silva do Amaral, Maeli Caroline Brunetto Cerezolli, Jurandir Varela Bitencourt, Cristian Posser, Ramir José Sebben, Jovir Caus, Douglas Manfron, Alaide de Almeida Dias, Renan Silva Vieira, beneficiados com a suspensão do processo, figurou como  parte na Ação Penal invocada, pois aquela fora proposta contra Gilmar dos Santos, Jorge Lopes, Valdecir Carneiro e a ré recorrente, de forma que os fatos que envolvem os aqui denunciados nitidamente carecem de apreciação pela Justiça Eleitoral (ID 44867237, pg. 907 do PDF), pois se está a tratar da possível prática de corrupção eleitoral relativamente a outras pessoas.

Lá, houve o julgamento de outros fatos e aqui as acusações apresentam peculiaridades próprias, geradas a partir de provas específicas e que demandam a devida análise, não se podendo acolher a tese de que a ré foi absolvida.

Ao presente feito.

Ao longo das  eleições do ano de 2016, aportaram informações à Delegacia de Polícia Civil do município de Tapejara, pelas quais se autorizou a busca e apreensão de material que deu origem ao Inquérito Policial n. 534/2016/150842/A, procedimento investigatório do qual decorre a presente ação penal.

Na sentença, a recorrente foi condenada pela prática dos crimes, em concurso material, de corrupção eleitoral, art. 299, e falsidade ideológica, art. 350, ambos da Lei n. 4.737/65, Código Eleitoral. Como sanções, decretada a pena privativa de liberdade de 2 anos, 10 meses e 15 dias de reclusão, em regime inicial aberto, – substituída por por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade – e pagamento de 25 dias-multa, à razão unitária mínima, ID 44867238, fls. 105-127.

 

3.1. Dos fatos envolvendo a corrupção eleitoral

A parte recorrente foi condenada pela prática de quatro crimes de corrupção eleitoral, materializados na doação de gasolina a eleitores em troca de seus votos e foi sancionada, quanto a este crime, com pena privativa de liberdade de 1 ano, 10 meses e 15 dias de reclusão e 20 dias-multa, à razão unitária mínima.

A caracterização legal da corrupção eleitoral está prevista no art. 299 da Lei n. 4.737/65:

Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva, ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita:

Pena – reclusão até quatro anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa.

 

Quanto à estrutura deste crime, leciona José Jairo Gomes:

O objeto jurídico é a liberdade do eleitor de escolher livremente, de acordo com sua consciência e seus próprios critérios e interesses, o destinatário de seu voto. Tanto a dação, a oferta ou a promessa, quanto a solicitação e o recebimento de vantagem podem criar vínculo psicológico no eleitor, gerando obrigação moral que o force a apoiar determinada candidatura em razão da vantagem auferida ou apenas acenada.

[...]

No que concerne ao tipo subjetivo, só é típica a conduta dolosa, não sendo prevista a modalidade culposa.

Há previsão de elemento subjetivo do tipo, assim expresso: "para obter ou dar voto e para conseguir ou promoter abstenção". Destarte, para a perfeição do crime é preciso que a causa da conduta esteja relacionada diretamente ao voto, isto é, obter ou dar voto, bem como conseguir ou prometer abstenção de voto. Caso contrário, atípica será a conduta.

[…]

O crime em exame é de natureza formal. Para sua consumação, basta a oferta (ainda que não seja aceita), a promessa (ainda que não seja cumprida) ou a solicitação (ainda que não seja atendida). A entrega concreta, efetiva, real da coisa, bem ou produto, ou mesmo a transferência de sua propriedade, posso ou detenção, configura o esgotamento da ação delituosa.

A tentativa não é admitida: "[...] o crime de corrupção eleitoral, por ser crime formal, não admite a forma tentada, sendo o resultado mero exaurimento da conduta criminosa" […]

(GOMES, José Jairo. Crimes e Processo Penal Eleitorais. São Paulo: Atlas, 2015. p. 53-56.)

 

Indico que, como regra, o preceito normativo que tutela o livre exercício do voto é de difícil comprovação, pois geralmente se tratam de condutas sem registros, acordos verbais que escapam às provas.

Não é assim, contudo, o caso dos autos.

Destaco a documentação composta por vales-combustível, cupons fiscais, sacolas plásticas identificadas com as inscrições “políticos”, que por si só já trazem fortes indícios de conduta criminosa. 

Mas não é só. São absolutamente claros os registros de controle de entrega de combustíveis em forma de listas, nos quais são relacionados placas de veículos, datas, codinomes e até mesmo a quantidade de litros, documentos esses obtidos por meio de busca e apreensão realizada no posto de combustíveis BR Oliveira.

Nessa linha, adianto que me alinho ao entendimento do juízo a quo ao reconhecer a suficiência probatória dos autos para comprovar a prática de corrupção eleitoral realizada pela recorrente em quatro eventos, de modo a não acolher a argumentação da ré de inexistência de elementos na prova testemunhal que amparem a imputação de conduta delitiva ou de documentos que vinculem a oferta de combustível à recorrente, pois tal alegação simplesmente não corresponde ao comprovado.

Senão, vejamos.

A denúncia descreve os fatos 6º, 7º, 8º e 9º como práticas de corrupção eleitoral.

Passo a análise de cada fato.

Do 6º fato descrito conforme a denúncia:


No período compreendido entre os dias 01 e 30 de setembro de 2016, os denunciados, DOUGLAS MANFRON e VERA LÚCIA LUCION, em comunhão de esforços e vontades, deram vantagem, 20 litros de combustíveis, ao eleitor Renan Silva Vieira, para obter o voto do mesmo para a candidata a vereadora Vera Lucia Lucion, no pleito municipal de 2016.

Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, o denunciado RENAN SILVA VIEIRA recebeu, para si, vantagem, ou seja, 20 litros de combustível, de Douglas Manfron e de Vera Lucia Lucion para dar seu voto em favor candidata Vera Lucia Lucion, no pleito municipal de 2016.

Na oportunidade, o denunciado RENAN recebeu do denunciado DOUGLAS autorização verbal para abastecer seu veículo, placas ICC-5729, na empresa Posto de Combustíveis BR Oliveira, em troca do voto para a candidata a vereadora Vera Lucia Lucion. Para tanto, o denunciado DOUGLAS inseriu em uma lista deixada no estabelecimento a placa do veículo do denunciado RENAN, o qual esteve no local e abasteceu seu veículo, tendo o combustível sido pago pelo denunciado DOUGLAS. Os denunciados DOUGLAS e VERA LUCIA, então, solicitaram que o denunciado RENAN votasse para a candidata Vera Lucia Lucion.

 

Em suma, o Ministério Público aponta que a recorrente Vera Lúcia e seu cabo eleitoral, Douglas Manfron, ofereceram combustível em troca do voto de Renan Silva Vieira, o qual aceitou a suspensão condicional do processo. Transcrevo o depoimento de Renan em sede de inquérito policial, ID 44867175, pg. 17 do PDF:

Informa ser proprietário do veículo Voyage de placas ICC-5729, o qual está registrado em nome de Claudiomiro Tuzen. Informa o depoente que conhece Douglas Manfron e convidou o depoente para ir a comícios e jantas do partido, que tinha como candidato a prefeito Elton Sandini. Douglas fazia campanha para Elton Sandini e para Vera Lucion. Em razão desses convites, o depoente disse a Douglas que queria abastecer o veículo, tendo este autorizado o abastecimento no Posto Oliveira. O depoente abasteceu naquele posto duas ou três vezes, acredita que seis ou sete litros cada vez. Informa o depoente que Vera e Douglas pediram que o depoente e sua família votassem nela, mas nada haver com o combustível que havia ganhado. O combustível foi o depoente que solicitou para ir aos comícios e jantas do partido. O depoente e sua família são conhecidos de Vera.

(Grifei.)

 

E não se trata de mera afirmação em prova testemunhal. Com efeito, no Posto BR Oliveira foram apreendidas tabelas de controle de entrega de combustíveis, uma delas formada pelas colunas (1) PLACA, (2) 28/08-03/09, (3) 24/09-10/09, (4) 11/09-17/09, (5) 18/09-24/09 e, (6) 25/09-01/10 e por setenta e seis linhas com diferentes placas, dentre as quais, a placa “ICC-5729”, correspondente ao veículo Voyage de propriedade de Renan Silva Vieira.

Da análise dos dados de preenchimento da tabela, se conclui pela realização de, ao menos, três abastecimentos de Renan, de forma alinhada ao depoimento na polícia, de que “abasteceu naquele posto duas ou três vezes, acredita que seis ou sete litros cada vez”.

Destaco que a tabela continha o nome “Douglas” e Diego Girotto, gerente do Posto BR Oliveira, confirma que “Douglas” efetuou o pré-pagamento e entregou ao posto a informação das placas dos veículos autorizados ao abastecimento. Douglas Manfron, bem como Vera Lucia, admitem que o primeiro auxiliou na campanha à vereança da recorrente.

Portanto, o vínculo entre a distribuição do combustível e a candidata fica plenamente estabelecido por meio das provas testemunhais corroboradas pelas documentais.

Especificamente quanto ao elemento subjetivo do tipo, qual seja "para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção", verifico que Renan diz ter havido expresso pedido de voto, seu e de sua família, e acrescenta “mas nada a ver com o combustível que havia ganhado. O combustível foi o depoente que solicitou para ir aos comícios e jantas do partido”.

Ora, a oferta e a doação de combustível conjugadas ao pedido de votos estampa o objetivo de corrupção eleitoral, tornando sem credibilidade o argumento de que o combustível seria para deslocamento de Renan para participação em comícios e jantares. Mero exercício de retórica, aliás tão comum quanto pueril, usado por candidatos na prática de compra de votos.

Nesse norte, entendo evidenciada a materialidade e autoria do crime de corrupção por Vera Lucia Lucion em relação ao eleitor Renan Silva Vieira.

Do 7º fato descrito conforme a denúncia:

No período compreendido entre os dias 01 e 30 de setembro de 2016, na Rua Tranquilo Basso, 1129, no Bairro São Paulo, em Tapejara-RS, os denunciados VERA LUCIA LUCION e RAMIR JOSÉ SEBBEN, em comunhão de esforços e vontades, ofereceram vantagem ao eleitor Jandir José Rosa, ou seja, dinheiro e combustível, para obter o voto do mesmo em favor da candidata a vereadora VERA LUCIA LUCION no Município de Tapejara-RS, no pleito municipal de 2016.


Na oportunidade, os denunciados VERA LUCIA e RAMIR foram até a residência do eleitor Jandir José da Rosa e ofereceram dinheiro e combustível, gasolina, para que o mesmo votasse na candidata Vera Lucia, no pleito de 2016. Porém, o eleitor não aceitou a oferta. Não obstante, a denunciada VERA inseriu a placa do veículo do eleitor, ITW-9461, em uma lista de veículos que poderiam abastecer no Posto de Combustível BR Oliveira, por conta da candidata Vera Lucia Lucion.

 

Na lista já referida consta também a placa ITW-9461, veículo de propriedade Jandir José da Rosa ao tempo dos fatos. Jandir admitiu, perante a autoridade policial, o recebimento de combustível em troca de seu voto para a candidata Vera Lúcia (ID 44867176, fl. 242 do PDF):

Que é proprietário do veículo Fiat/Palio de placas ITW-9461, sendo que quem utiliza o veículo é o depoente. Informa que não fez campanha política para nenhum candidato, nem adesivou seu carro. Recorda o depoente que em certo dia, estiveram em sua residência “Marreco” e a candidata a vereadora Vera Lucion, sendo que lhe ofereceram gasolina e até dinheiro para votar para eles e nesse dia eles anotaram a placa de seu veículo. Mas mesmo assim, o depoente, não concordou com a oferta e não abasteceu nenhuma vez no Posto Oliveira para eles pagarem. A maioria das vezes que abasteceu no referido posto, pagou à vista o preço de seu combustível.

(Grifei.)

 

Em juízo, inicialmente Jandir afirmou não ter recebido vantagem de Vera, mas sim de “Marreco”; porém, questionado pelo órgão ministerial a respeito do depoimento perante a Polícia, reafirmou a oferta de gasolina feita presencialmente tanto por Vera quanto por “Marreco”.

Ora, a pequena divergência entre as informações na fase inquisitorial e o depoimento judicial não enfraquece a declaração, comum em ambas as falas, de ter havido pedido expresso de votos em troca de combustível, até mesmo porque inequívoca a presença do nome do depoente na lista de autorizados ao abastecimento, como visto, patrocinado por VERA LÚCIA, de forma que entendo comprovadas a autoria e a materialidade delitivas na prática de corrupção eleitoral em relação ao eleitor Jandir José da Rosa.

Do 8º fato descrito conforme a denúncia:

No período compreendido entre os dias 01 e 30 de setembro de 2016, nas instalações do Posto BR Oliveira, em Tapejara-RS, a denunciada VERA LUCIA LUCION deu vantagem ao eleitor Aldair da Silva Machado Junior, ou seja, 20 litros de combustível, para obter o voto do mesmo em favor de sua candidatura a vereadora no Município de Tapejara-RS, no pleito municipal de 2016.


Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, o denunciado ALDAIR DA SILVA MACHADO JUNIOR recebeu, para si, vantagem, ou seja, 20 litros de combustível, da candidata Vera Lucia Lucion para dar seu voto em favor da referida candidata, no pleito municipal de 2016.


Na oportunidade, a denunciada VERA LUCIA ofereceu ao denunciado ALDAIR combustível para votar na sua candidatura, sendo que o eleitor aceitou a oferta. Em seguida, a denunciada VERA inseriu a placa do veículo do eleitor ALDAIR, IJG-7071, em uma lista entregue ao Posto de combustíveis BR Oliveira, autorizando o mesmo a abastecer seu veículo naquele estabelecimento por conta da candidata/denunciada. O denunciado ALDAIR foi até o local e, por duas vezes, abasteceu seu veículo com 10 litros de gasolina, por conta da denunciada VERA.

 

As circunstâncias fáticas vem corroboradas pelo depoimento em sede policial de Aldair, aqui transcrito:

Informa ser proprietário de um veículo VW/Gol de placas IJG7071, o qual é utilizado apenas pelo depoente. Com relação ao fato de a placa de seu veículo aparecer em uma lista de abastecimento apreendida no posto Oliveira, o depoente confirma ter recebido alguns litros de gasolina fornecidos pela candidata a vereador Vera Lucion, a qual deu para o depoente vinte litros de combustível em duas abastecidas de dez litros. Vera pediu o voto do depoente e pegou o número da placa de seu veículo, mandando que passasse no posto Oliveira para abastecer seu carro. Não adesivou seu veículo com propagandas de Vera, tendo esta apenas pedido que o depoente votasse nela em troca do combustível.

 

Em juízo, Aldair altera seu depoimento dizendo não ter falado com Vera e nem conhecê-la, no entanto reafirma o recebimento do combustível para fazer a campanha para a recorrente, dizendo ter ido abastecer uma vez. Confirmou saber ler e escrever e reconheceu como sua a assinatura do termo policial refutado.

A situação de tal depoimento merece redobrada atenção. Assistindo ao vídeo, se percebe com facilidade a fragilidade das colocações de Aldair, o qual se valeu do termo “talvez” em diversas ocasiões, bem como utilizou expressões vagas, ambíguas e lacônicas ao longo de toda a sua fala, como nas passagens “podem ter entendido errado o que falei”, “posso ter entendido errado”; ou num momento “estava fazendo a campanha dela na rua”, em outro “fui a dois três amigos mas nem pedi voto”.

Nada convincente: Aldair não era entendido, não entendia, fazia campanha da recorrente na rua mas ia aos amigos e não pedia voto.  

Na mesma linha, destaca o atento Procurador Eleitoral uma contradição de Aldair com a verdade dos fatos, pois “em seu depoimento judicial ALDAIR também afirmou que não votou no pleito de 2016. Todavia, foi juntada imagem do caderno de votação comprovando que ele votou, sim (fl. 1.039 do PDF). Tal fato evidencia que ALDAIR faltou com a verdade em seu interrogatório judicial”.

Verifico que na planilha descritiva dos veículos beneficiados com abastecimento há quatro apontamentos para a Placa IJG-7071, de propriedade de Aldair da Silva Machado Junior, o qual admite ser pago pela campanha de Vera Lúcia, de modo a comprovar, com respaldo do restante do conjunto probatório, o recebimento da benesse.

Portanto, ainda que as falas de Aldair contenham contradições, entendo configurada a prática de corrupção eleitoral por VERA LÚCIA, considerando a robustez do restante do conjunto probatório, aliás ao qual o  primeiro depoimento é alinhado. Na linha do entendimento esposado, trago julgado do TSE, de relatoria do Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, grifado no que importa:

ELEIÇÕES 2012. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. AÇÃO PENAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. ART. 350 DO CE. FALSIDADE IDEOLÓGICA PARA FINS ELEITORAIS. DECISÃO AGRAVADA. INTERPOSIÇÃO DE DOIS AGRAVOS REGIMENTAIS. NÃO CONHECIMENTO DO SEGUNDO AGRAVO. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. FUNDAMENTOS NÃO INFIRMADOS. MANUTENÇÃO.

SÚMULA Nº 26/TSE.

1. PRELIMINAR DE CERCEAMENTO DE DEFESA. INTERROGATÓRIO. ÁUDIO SATISFATÓRIO. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 24/TSE. PREJUÍZO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO. PRELIMINAR REJEITADA.

MÉRITO.

2. PERÍCIA GRAFOTÉCNICA. NÃO REALIZAÇÃO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA Nº 72/TSE. DOCUMENTOS NÃO LOCALIZADOS. ART. 167 DO CPP. EXAME CIENTÍFICO SUPRIDO PELA PROVA TESTEMUNHAL. DESNECESSIDADE DE PRODUÇÃO DA PROVA.

3. CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO SUFICIENTE PARA A CONDENAÇÃO. REVOLVIMENTO DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 24/TSE. COMPROVAÇÃO DA AUTORIA DELITIVA. CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL. COERÊNCIA COM A PROVA TESTEMUNHAL. POSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO TSE, STF E STJ. CONCLUSÃO DIVERSA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 24/TSE.

4. DOSIMETRIA DA PENA. CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL RELATIVA À CULPABILIDADE. ADVOGADO. VALORAÇÃO NEGATIVA. MOTIVAÇÃO IDÔNEA. ELEVAÇÃO DA PENA-BASE. POSSIBILIDADE. PRECEDENTE DO STJ.

5. HABEAS CORPUS DE OFÍCIO. ATENUANTE GENÉRICA PREVISTA NO ART. 65, III, d, DO CP. INCIDÊNCIA. PENAS PRIVATIVA DE LIBERDADE E DE MULTA. REDUÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

1. Consoante entendimento deste Tribunal Superior, "o segundo agravo regimental interposto pela mesma parte em desfavor da mesma decisão não deve ser conhecido, em razão da incidência da preclusão consumativa. Precedentes" (AgR-AI nº 060000773/CE, Rel. Min. Admar Gonzaga, DJe de 12.9.2018.).

2. Na linha da remansosa jurisprudência desta Corte Superior, "a simples reiteração de argumentos já analisados na decisão agravada e o reforço de alguns pontos, sem que haja no agravo regimental qualquer elemento novo apto a infirmá-la, atraem a incidência do Enunciado da Súmula nº 26 do TSE" (AgR-REspe nº 1669-13/DF, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 27.10.2016.). Preliminar de cerceamento de defesa. Súmulas nº 24 e 30/TSE. Rejeitada.

3. O Tribunal de origem assentou a inexistência de prejuízos à defesa com a não realização de segundo interrogatório, visto que a mídia gravada na primeira oportunidade, apesar de apresentar chiados, possibilitou a compreensão do conteúdo das declarações do réu, as quais foram, inclusive, citadas pelas partes nos memoriais finais. Alterar tal conclusão demandaria reexame do conjunto fático-probatório carreado aos autos, providência vedada pela Súmula nº 24/TSE.

4. O TSE tem entendimento assente de que a "decretação de nulidade de ato processual pressupõe efetivo prejuízo à parte, a teor do art. 219 do Código Eleitoral e de precedentes desta Corte" (REspe nº 85-47/PI, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 19.12.2016.). Incide, na espécie, o teor da Súmula nº 30/TSE. Preliminar rejeitada.Inexistência de perícia grafotécnica. Ausência de prequestionamento e aplicação do art. 167 do Código Penal.

5. A matéria relativa à suposta violação ao art. 158 do CPP, porquanto não realizada perícia grafotécnica nas atas de reunião supostamente adulteradas, não foi objeto de análise pelo Tribunal de origem nem foi suscitada nos embargos de declaração, o que atrai a incidência da Súmula nº 72/TSE.

6. Na origem, o TRE/CE consignou que, apesar de várias tentativas, não foram localizados os originais das atas de reunião supostamente falsificadas, o que inviabilizou a produção de prova pericial. A impossibilidade de inspeção da prova documental, porém, foi compensada pela prova oral colhida na instrução criminal.

7. Aplicável, na espécie, o art. 167 do CPP, o qual preconiza que, nos casos em que o desparecimento de vestígios impossibilite a realização de perícia, a ausência do exame científico pode ser suprida pela prova testemunhal.

8. Ainda que assim não fosse, nos termos da jurisprudência do STJ (AgRg no REsp nº 1669729/SP, Rel. Min. Felix Fischer, Quinta Turma, DJe de 29.6.2018.), é desnecessária a realização de perícia para configuração do crime de falsidade ideológica, previsto no art. 299 do CP. Idêntico raciocínio há de ser empregado em caso de crime de falsidade ideológica para fins eleitorais (art. 350 do CE), o qual difere do delito comum apenas em virtude da finalidade exclusivamente eleitoral do documento que contém a declaração falsa. Suficiência do conjunto probatório para comprovação da materialidade e da autoria delitivas - Súmula nº 24/TSE.

9. O convencimento da Corte Regional, ao confirmar a sentença condenatória, foi formado a partir da confissão havida na fase do inquérito policial aliada aos depoimentos testemunhais colhidos em sede inquisitorial e judicial, elementos que, dotados de harmonia e convergência, possibilitaram estabelecer robusta margem de segurança quanto à prática da conduta ilícita e sua autoria, a ensejar a procedência da ação penal.

10. Nesse contexto, a tese de insuficiência de provas para a comprovação de materialidade e autoria do crime do art. 350 do CE demanda reexame do acervo fático-probatório dos autos, providência inviável nesta seara, por aplicação da Súmula nº 24/TSE.11. Consoante jurisprudência do TSE, STJ e STF, admite-se a condenação do acusado com base em confissão extrajudicial posteriormente retratada em juízo, desde que corroborada pelas demais provas colhidas na fase judicial, sob o manto das garantias constitucionais inerentes ao processo penal.

12. Evidenciadas materialidade e autoria delitivas, não há como cogitar a aplicação do princípio in dubio pro reo. Adequada valoração, pela Corte Regional, da circunstância judicial relativa à culpabilidade.

13. É ato discricionário do juiz a análise das circunstâncias judiciais dispostas no art. 59 do CP, que deve ser feita de forma fundamentada a fim de se evitarem ilegalidades. Precedentes do STJ e do STF.14. O acórdão regional, ao valorar as circunstâncias judiciais, entendeu desfavorável ao réu somente a referente à culpabilidade, tendo em vista que se trata de advogado e, como tal, desempenha atividade que exige maior probidade, honradez e conhecimento legal.

15. Na linha da jurisprudência o STJ, "é legítima a elevação da pena-base pela culpabilidade 'tendo em conta a condição de advogado do réu, que, por certo, exige conduta sempre pautada na legalidade, muito mais do que o cidadão comum'" (STJ: HC nº 332.563/DF, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, DJe de 15.8.2018.).

16. A fundamentação adotada pelo Tribunal Regional se apresenta suficiente e adequada para justificar a reprimenda, a qual foi calculada, em sua primeira fase, dentro dos limites estabelecidos pelo art. 59 do CP. Concessão de habeas corpus de ofício para reconhecer a incidência da atenuante genérica relativa à confissão no cômputo da pena privativa de liberdade.

17. Ainda que haja retratação da confissão extrajudicial em juízo, incide no cálculo da pena a atenuante prevista no art. 65, inc. III, al. "d", do CP, desde que o depoimento tenha concorrido para a condenação. Precedentes do TSE e do STJ.

18. Na hipótese dos autos, o magistrado singular, acompanhado pelo Tribunal a quo, utilizou a confissão extrajudicial do recorrente, aliada às demais provas dos autos, para respaldar a condenação pelo crime previsto no art. 350 do CE. Contudo desconsiderou, na segunda fase da dosimetria da pena, a incidência da atenuante da confissão espontânea, prevista no art. 65, inc. III, al.  "d", do CP.

19. No intuito de corrigir a flagrante ilegalidade, concede-se habeas corpus de ofício para reconhecer a incidência da atenuante da confissão espontânea, determinando-se o retorno dos autos à origem para que seja apreciada e mensurada a incidência do art. 65, III, d, do CP na dosimetria da pena, com a ressalva do entendimento do relator, o qual fixava, nesta instância, o novo quantum da pena privativa de liberdade.Conclusão20. Agravo regimental desprovido. Habeas corpus concedido de ofício para reconhecer a incidência da atenuante genérica prevista no art. 65, inc. III, al. "d", do CP, determinando-se o retorno dos autos à origem para que, considerada a atenuante da confissão espontânea, seja refeita a dosimetria da pena.

(Recurso Especial Eleitoral nº 3567, Acórdão, Relator(a) Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 183, Data 20.9.2019, Página 46/48)

 

Do 9º fato descrito conforme a denúncia:

No período compreendido entre os dias 01 e 30 de setembro de 2016, nas instalações do Posto BR Oliveira, em Tapejara-RS, os denunciados VERA LUCIA LUCION e CRISTIAN POZZER, em comunhão de esforços e vontades, deram vantagem ao eleitor Juliano da Silva do Amaral, ou seja, 20 litros de combustível, para dele obter o voto em favor da candidata a vereadora VERA LUCIA LUCION no Município de Tapejara-RS, no pleito municipal de 2016.


Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, o denunciado JULIANO DA SILVA DO AMARAL recebeu, para si, vantagem, ou seja, 20 litros de combustível, da candidata Vera Lucia Lucion e de seu cabo eleitoral Cristian Pozzer para dar seu voto a candidata Vera Lucia Lucion, no pleito municipal de 2016.


Na oportunidade, o denunciado Cristian, cabo eleitoral da denunciada VERA, ofereceu ao eleitor JULIANO 20 litros de combustível em troca do voto do mesmo para a candidata a vereadora VERA LUCIA, sendo que o mesmo aceitou a oferta. Em seguida, a placa do veículo, INL-0546, do denunciado JULIANO foi incluída em uma lista de veículos que estavam autorizados a abastecer no Posto de Combustível BR Oliveira, sendo que o denunciado JULIANO foi até o local e abasteceu seu veículo, sendo o combustível pago pela candidata Vera Lucia Lucion.

 

Aqui, de maneira resumida, a recorrente, por meio do seu cabo eleitoral Cristian Pozzer, teria oferecido e pago a Juliano da Silva do Amaral vinte litros de combustível em troca de voto. Juliano aceitou a suspensão condicional do processo, portanto somente há seu depoimento em sede de inquérito policial, o qual transcrevo, ID 44867176, pg. 251 do PDF:

Informa que é proprietário e quem utiliza o veículo FORD/FIESTA de placas: INL-0546. Aduz que em nenhum momento fez propaganda política para algum candidato e também não possuía adesivo de campanha em seu carro. Que não abastece seu veículo no Posto Oliveira, pois abastece no posto Kaninha, mas que abasteceu no Posto Oliveira duas vezes durante o período eleitoral. Acredita que a placa do seu veículo esteja na listagem apreendida no posto, pois Cristian Posser falou que se o depoente votasse na candidata Vera Lucion, iriam ser liberados 10 litros de gasolina no posto Oliveira, então o depoente abasteceu duas vezes de 10 litros de combustível e sua placa ficou anotada na listagem.

(Grifei.)

 

E Cristian Posser, beneficiado com a suspensão condicional do processo, em juízo, arrolado como testemunha de VERA, negou a prática do crime.

Comungo do entendimento do órgão ministerial no sentido da validade da utilização do depoimento de Juliano da Silva do Amaral, e tomo as argumentações ministeriais como razões para considerar a oitiva extrajudicial:

O eleitor foi codenunciado nos presentes autos e aceitou a suspensão condicional do processo. Por esse motivo, não foi interrogado em juízo.

Tal fato não constitui óbice à utilização de seu depoimento policial para fundamentar a condenação de VERA LUCION. Primeiro, porque se encontra em conformidade com a lista de abastecimentos (prova documental) e descreve modus operandi semelhante aquele descrito por outros eleitores / cabos eleitorais (em sede policial e em juízo), assim como confere com os depoimentos policial e judicial do gerente do Posto BR Oliveira, Diego Girotto. Segundo, porque o depoimento policial de Juliano da Silva do Amaral não foi desconstituído por nenhuma prova judicial. Terceiro, porque a defesa de VERA não apontou nenhuma circunstância pela qual o seu depoimento não seria verdadeiro.

 

Noto que, a exemplo da listagem sob a responsabilidade de “Douglas” descrita nos fatos anteriores, foi apreendida lista encabeçada com o nome “DARCI”, com mesmas colunas e com 90 (noventa) diferentes placas, entre as quais a INL-0546 pertencente a Juliano da Silva Amaral. Do preenchimento da linha correspondente à placa do veículo de Juliano, constato com segurança três abastecimentos, pois a repetição da placa aparece em três colunas diferentes, estando a quarta coluna apenas com “OK” e a quinta com “CX 2 27/05”.

Ainda que não tenha havido oitiva judicial de Juliano – também beneficiado pela suspensão condicional do processo – a afirmação do recebimento de combustível em troca de voto, em sede policial, somada aos elementos de prova documental apreendidos e aos demais depoimentos constante dos autos, também permite aqui concluir pela prática de corrupção eleitoral ativa de parte de por VERA LUCIA em relação ao eleitor Juliano da Silva Amaral.

Por fim, no concernente à corrupção eleitoral, destaco que tanto Aldair da Silva Machado Junior, que mudou a versão na esfera judicial, quanto Renan Silva Vieira, o qual diz que o recebimento do combustível não estaria relacionado ao pedido de votos feito por VERA, alegam que o combustível recebido se destinava à realização de atos de campanha para a ré.

Contudo, em franca oposição, a própria VERA em seus depoimentos na polícia (ID 44827176) e em juízo (ID 44867260) sustentou ter realizado sua campanha “sozinha” e “basicamente a pé”, tendo abastecido automóveis na campanha “uma ou duas vezes”, o que demonstra o desencontro e a necessária relativização de depoimentos que se deram claramente no intuito de buscar a impunidade, especialmente quando confrontados à farta documentação obtida.

Indico que o pagamento de combustível a cabos eleitorais não é vedado por lei, desde que declarados em prestação de contas e dentro dos limites legais. No entanto, não se verifica nos autos qualquer indicação de que os beneficiários estivessem operando em prol da campanha, pelo contrário, afirmações como “o combustível foi o depoente que solicitou para ir aos comícios e jantas do partido”, no caso de Renan Silva Vieira, ou “fui a dois três amigos mas nem pedi voto”, como disse Aldair da Silva Machado, demonstram a inexistência de trabalho a justificar o recebimento de combustível.

Sob outro aspecto, repito que o conjunto probatório é consistente e alinhado com o depoimento do gerente do posto, Diego Girotto.

À vista disso, entendo por manter a condenação de VERA LUCIA LUCION pela prática de crime de corrupção eleitoral nos quatro fatos acima analisados.

 

3.2. Dos fatos envolvendo a falsidade ideológica com finalidade eleitoral

Ainda, a recorrente VERA LÚCIA LUCION foi condenada pelo crime de falsidade ideológica com finalidade eleitoral, em razão de omissão na prestação de contas de gastos realizados com combustível utilizado na campanha referente às Eleições 2016, quando concorreu ao cargo de vereadora no município de Tapejara, recebendo a sanção, por este crime, de 01 ano de reclusão e 05 dias-multa, à razão unitária mínima.

A caracterização legal do crime de falsidade no âmbito eleitoral está prevista no art. 350 da Lei n. 4.737/65:

Art. 350. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais:

Pena – reclusão até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa, se o documento é público, e reclusão até três anos e pagamento de 3 a 10 dias-multa, se o documento é particular.

 

Ressalto que se trata de crime formal, dispensando o resultado para a sua configuração, em conduta que deve estar carregada de potencialidade lesiva e finalidade eleitoral.

Assim a prática de omitir, inserir ou fazer inserir declaração falsa deve ter aptidão de ofender a fé pública eleitoral, bem jurídico protegido pela norma, mediante ato juridicamente relevante. Exige-se, ainda, a comprovação do dolo específico, qual seja, a atuação consciente e deliberada de violar a higidez do processo eleitoral. Em outras palavras, deve estar presente uma vontade livre e consciente de inserir ou fazer inserir declaração falsa em documento verdadeiro, público ou particular, com fins eleitorais.

A denúncia foi proposta nesses termos:

2 º FATO: No dia 20 de outubro de 2016, na sede da 100ª Zona Eleitoral, em Tapejara-RS, a denunciada VERA LUCIA LUCION omitiu, em documento publico, ou seja, na sua prestação de contas à Justiça Eleitoral, declaração que dele deveria constar, bem como fez inserir declaração diversa da que deveria ser escrita, para fins eleitorais. Na ocasião, a denunciada concorreu ao cargo de vereadora no Município de Tapejara-RS, sendo que, quando apresentou a prestação de contas à Justiça Eleitoral, deixou de informar vultosos gastos relativos à aquisição de combustível, o qual foi utilizado em veículos que estavam a serviço da campanha eleitoral da candidata/denunciada e que havia sido adquirido no Posto de Combustíveis BR Oliveira, de Tapejara-RS, conforme listas apreendidas no referido estabelecimento comercial, com denominação “DOUGLAS” (fls. 19-20) e “DARCI” (fls. 22-23), e notas fiscais de combustível (fls. 43; 48; 61; 62; 81; 82; 83; 90; 91; 92; 93; 94; 95; 96; 97; 101; 102; 103; 104; 105). O combustível adquirido e não declarado como despesas na prestação de contas da candidata/denunciada serviu para abastecer os veículos que realizavam a campanha eleitoral para a mesma, quer conduzindo seus cabos eleitorais, quer servindo de espaço publicitário para afixação de propaganda eleitoral. Os referidos gastos eleitorais deveriam ser obrigatoriamente registrados e declarados na prestação de contas da candidata, conforme dispõe o art. 26, inc. II e IV, da Lei das Eleições. A candidata declarou apenas o gasto de R$ 258,00 em despesas com combustíveis e lubrificantes.

Com efeito, verifico no extrato de prestação de contas final, apresentado pela então candidata, referente às eleições do ano de 2016 (ID 44867169, fl. 12 do PDF), a declaração de gasto com combustível na quantia de R$ 258,00 (duzentos e cinquenta e oito reais), bem como o apontamento de inexistência de gasto com atividade de militância e mobilização de rua.

Nas razões de recurso, sustenta a ré não ter realizado os gastos a ela imputados pelo Ministério Público Eleitoral, aduzindo ainda que não se extrai, da prova testemunhal colhida em juízo,  conduta delitiva por parte da acusada.

Sem razão.

Em uma primeira abordagem, considero a íntima conexão do fato ora sob exame com o crime de corrupção eleitoral anteriormente analisado, e concluo que houve, na campanha eleitoral, a utilização de recursos não contabilizados na prestação de contas.

E sem esquecer da independência das decisões judiciais proferidas nas instâncias cível-eleitoral e criminal-eleitoral, entendo apropriada a referência ao julgado de relatoria do Des. Eleitoral Eduardo Augusto Dias Bainy, o qual confirmou sentença que reconhecia o abuso de poder praticado pela recorrente na AIJE n. 480-19.2016.6.21.0100, pelas práticas agora analisadas sob a ótica criminal. Transcrevo a ementa:

RECURSO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DE PODER. ART. 22 DA LEI COMPLEMENTAR N. 64/90. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART 41-A DA LEI N. 9.504/97. VEREADORA. ELEIÇÕES 2016. PRELIMINARES DE NULIDADE DA SENTENÇA AFASTADAS. INVERSÃO DO SILOGISMO. NÃO APRECIAÇÃO DAS TESES DEFENSIVAS. AUSÊNCIA DE OITIVA DA REPRESENTADA. INOBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. SENTENÇA “ULTRA PETITA”. MÉRITO. DISTRIBUIÇÃO DE COMBUSTÍVEIS A ELEITORES. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA DA COMPRA DE VOTOS. MULTA AFASTADA. RECONHECIDO O ABUSO DE PODER. CASSAÇÃO DO DIPLOMA. DECLARAÇÃO DE INELEGIBILIDADE. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Questões preliminares. 1.1. Sentença regularmente fundamentada com uso de técnica de redação consistente na inversão do silogismo. Prática não desobediente ao art. 93, inc. IX, da Constituição Federal. 1.2. Observado o respeito à garantia do devido processo legal. 1.3. O demandado, nos feitos de natureza eleitoral, deve se defender dos fatos a ele imputados, não se restringindo à capitulação legal indicada na petição inicial. Não configurada, assim, a ocorrência de sentença “ultra petita” por extrapolação das penas requeridas na demanda. Prefaciais de nulidades afastadas.

2. Captação ilícita de sufrágio. A incidência do art. 41-A da Lei n. 9.504/97 exige, ao menos, três elementos, segundo pacífica posição do Tribunal Superior Eleitoral: a) a prática de uma conduta (doar, oferecer, prometer); b) a existência de uma pessoa física (eleitor); c) o resultado a que se propõe o agente (o fim de obter o voto).

3. Abuso do poder econômico. O “caput” do art. 22 da Lei Complementar n. 64/90 busca impedir que o poder econômico seja utilizado por candidato em detrimento da liberdade do voto, preservando os princípios da moralidade e da igualdade a que têm direito os postulantes a cargo eletivo na corrida eleitoral.

4. Matéria fática: esquema de distribuição de combustível a eleitores. Não comprovada a ocorrência da captação ilícita de sufrágio, pois não caracterizada a negociação de votos mediante os atos praticados; evidenciado, no entanto, o abuso de poder econômico no sistema irregular de distribuição de vale combustível em benefício da candidata ao cargo de vereador. Recebimento de dez litros de gasolina pelo eleitor que colocasse adesivo da candidatura da recorrente e se dirigisse ao posto participante da atuação ilícita. Conjunto probatório formado por testemunhas, lista de placas de veículos, planilha de cadastro de distribuição do combustível, cópias dos adesivos e notas fiscais do comércio com referência às quantidades envolvidas na entrega. Reforma da sentença para absolver da condenação pela prática do art. 41-A da Lei das Eleições, afastando a multa aplicada. Mantido o reconhecimento do abuso de poder econômico, com a consequente penalidade de cassação do diploma e a declaração de inelegibilidade. Parcial provimento.

 

Retomo a análise da prova, e observo ser notório que no processo penal, em razão da gravidade das consequências condenatórias, deve ser estabelecido critério mais rigoroso na apreciação dos elementos de prova, exigindo-se elementos harmônicos e robustos de modo a eliminar incertezas sobre a autoria e materialidade do fato.

O conjunto probatório formado a partir de documentos obtidos por meio de busca e apreensão realizadas no Posto BR Oliveira, após informações recebidas pela Polícia Civil da ocorrência de doação de combustível em troca de votos, é constituído por vales-combustível, cupons fiscais, sacolas plásticas identificadas com a inscrição “políticos” e registros de controle de entrega de combustíveis em forma de listas, umas relacionando placas e intervalos de datas, nomes (ou codinomes) e quantidade de litros.

Reputo como de relevância o depoimento, na esfera policial, de Diego Girotto, gerente do Posto BR Oliveira (ID 44867170), local ao qual os eleitores se dirigiam para abastecer seus veículos.

Relativamente às planilhas apreendidas, o depoente referiu que “são listagens com números de placas de veículos autorizados a abastecer em determinada conta e outras são listagens de vales emitidos pelo posto a algumas pessoas. Todo o combustível relacionado as listas foi previamente pago, pela pessoa que adquiriu os vales ou autorizou as listas”.

Relato absolutamente alinhado à prova material colhida pela investigação.

Observo que duas das referidas listagens, cuja autorização era atribuída a cabos eleitorais de VERA, somavam 166 (cento e sessenta e seis) diferentes placas, um número expressivo que bem demonstra as circunstâncias de preparo e estruturação do esquema ilegal. Dessas 166 placas de veículos, 76 eram de responsabilidade de Douglas, e 90 de Darci, e há situações de quatro ocasiões de abastecimento da mesma placa.

Também foi encontrada grande quantidade de vales-combustível, alguns com a descrição de cinco, dez, quinze ou vinte litros, e outros com figuras (gato, sol, paisagem, “KKKK”, tartaruga, o personagem infantil "Bob Esponja").

Tais símbolos precisavam ser interpretados, a partir de uma tabela que relacionava a figura com determinado número de litros de combustível a ser liberado ao eleitor, em evidente dissimulação e ocultação da aferição contábil. Ainda, aqueles veículos constantes na listas com a descrição das placas dispensavam o uso de vales, o que demonstra diferentes categorias de benesses e, portanto, aumenta o já significativo número de beneficiados.

Igualmente, mostra-se relevante a existência de grande número de notas fiscais do “Comércio de Combustíveis Oliveira” referindo de regra quantidades “redondas” de combustível. Ainda que se argumente ser comum o condutor pedir 10 ou 20 litros de combustível, refiro que há cópias de mais de 150 (cento e cinquenta) cupons fiscais, acompanhados de uma etiqueta “autorização p/ abastecimento” de 10, 15, 20 litros, o que corrobora a volumosa distribuição de combustíveis.

Em juízo, Diego Girotto, gerente do Posto BR Oliveira, confirmou que Douglas Manfron, colaborador da campanha de VERA, era um dos responsáveis por informar ao posto as placas autorizadas ao recebimento de combustível (ID 44867257).

E alguns proprietários, ouvidos na esfera policial, confirmaram o recebimento de combustível: Jurandir Bitencourt, Lucas Duarte, Diego Stefani, Claudemir Luiz Palavro, Marcio Teixeira, Alaides dos Santos Maldaner, Marlon da Silva Ribeiro, Rosilei Teresinha da Silva, Cidimar da Silva, Jandecir Mesardi, Maicon Pegoraro, Aldemir dos Santos, Wagner Leandro Araujo Izaguirres, Milene Lima da Silva, Evacir Bechi, Everson Michelon Correa, Geici Lea Dias Pereira, Moacir Luiz Dallagasperina, Jaqueli Teresinha Sossella Bombarda, Sadi Dutra, David dos Santos da Silva, Aldemir dos Santos, Carlos Francisco de Souza Silva, Giovan Bernardelli de Araujo e Alfredo Favareto. Aliás, os sete últimos afirmaram ter recebido a proposta diretamente de VERA, ID 44827175-76.

Por óbvio, não há viabilidade legal de oitiva de tantas testemunhas em juízo, e como bem destaca o órgão ministerial “é forçoso reconhecer que não há motivos para duvidar da credibilidade desses depoimentos”.

Mais: há proprietários de veículos com as placas listadas que confirmaram depoimentos na seara judicial: Moisés Bortolini (em sede policial disse ter recebido combustível de Douglas, e em juízo ter recebido diretamente de Vera – ID 44867241), Ricardo dos Santos (ID 44867242), Luciano Tamagno (ID 44867251), Nathan Panisson (ID 44867254-55) e Lucas Duarte (ID 44867256).

Destaco: Luciano Tamagno disse que “ajudou na campanha a eleitoral de VERA entregando panfletos e para tanto recebia 5 ou 10 litros de combustível por semana”; Ricardo dos Santos, disse que “ganhou um vale-combustível de um rapaz para ir em um comício ou reunião, abasteceu mas não foi. Acha que o rapaz se chama Douglas e confirmou ter feito reconhecimento por foto na Polícia. Não sabe qual era a finalidade da reunião. Abasteceu cerca de 20 ou 30 litros.”; Lucas Duarte, disse que “Abasteceu uma vez, para fazer campanha. Não interagiu com VERA LUCION. “Pintinho” quem lhe ofereceu a gasolina em troca de colocar o adesivo de VERA e fazer campanha.”; e Nathan Panisson, “Tinha uma placa cadastrada no posto para receber gasolina, cerca de 10 litros de gasolina por semana, em troca de circular com o adesivo da VERA em seu carro”.

Ora, não resta dúvida quanto à realização de gastos com combustível em grande monta,  muito superior à quantia de R$ 258,00 declarada na prestação de contas.

Aponto, por relevante, que, à época dos fatos o município de Tapejara contava com pouco mais de dezesseis mil eleitores, e a recorrente logrou eleição com 438 votos, de modo que há, com sobras, elementos que demonstram a relevância jurídica da omissão, bem como a potencialidade lesiva da conduta em macular o pleito, por meio da omissão em informar gastos de natureza eleitoral durante a campanha, estando o núcleo da prática abusiva comprovado, de modo que entendo configurado o crime de falsidade ideológica com finalidade eleitoral praticado por Vera Lucia Lucion, e nego provimento ao recurso também no presente tópico.

4. Pedido de aplicação do princípio da consunção entre o crime de falsidade ideológica eleitoral e o crime de corrupção eleitoral, e o princípio da não autoincriminação

Acaso mantida a condenação, o recurso apresenta pedido subsidiário de afastamento do concurso material mediante o reconhecimento do princípio da consunção, pois a falsidade teria ocorrido para ocultar a corrupção, e do princípio da não autoincriminação, pois a declaração dos gastos com combustíveis na prestação de contas viria a demonstrar, conforme as razões, a prática do crime de corrupção.

Não procede.

Ressalto não ser aplicável o princípio da consunção diante da circunstância de que os crimes apresentam desígnios autônomos, não sendo a prática de falsidade ideológica imperativa para a ocorrência da corrupção eleitoral.

Nessa linha, indico decisão do Tribunal Superior Eleitoral:

Recurso especial. Falsidade ideológica para fins eleitorais. Acórdão recorrido que aplicou o princípio da consunção. Crime previsto no art. 350 do Código Eleitoral, absorvido pelo delito tipificado no art. 290 do mesmo diploma legal: impossibilidade. O princípio da consunção tem aplicação quando um crime é meio necessário ou fase normal de preparação ou de execução de outro crime e nos casos de antefato ou pós-fato impuníveis, o que não ocorre nos autos. O tipo incriminador descrito no art. 350 do Código Eleitoral trata de crime formal, que dispensa a ocorrência de prejuízos efetivos, sendo suficiente a potencialidade lesiva da conduta. Afastada a possibilidade de aplicação do princípio da consunção ao delito imputado ao réu, não há que se falar em prescrição em abstrato da pretensão punitiva estatal. Recurso provido.

(Recurso Especial Eleitoral nº 23310, Acórdão, Relator(a) Min. Cármen Lúcia, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Data 06.9.2011, Página 70)

(Grifei.)

Logo, inviável o provimento do recurso que requer a aludida absorção.

E, no mesmo norte, julgo inaceitável o argumento de que a omissão do gasto se justificaria pela aplicação do princípio da não autoincriminação, pois a declaração de todos os gastos eleitorais se impõe ao candidato, é obrigação, e como destacado pelo órgão ministerial “a recorrente poderia, faticamente falando, ter oferecido gasolina em troca de votos e ao mesmo tempo ter declarado essa gasolina em sua prestação de contas como combustível para campanha sem que isso importasse em autoincriminação pela corrupção eleitoral” .

Assim, não há sequer lógica no argumento apresentado.

5. Alegação de necessidade de redução da pena

Por fim, a recorrente sustenta a necessidade de redução da pena em relação ao crime de corrupção eleitoral para 1 ano, 1 mês e 15 dias, e não em 1 ano e 6 meses, bem como pugna pela redução da prestação pecuniária (substitutiva) de cinco salários-mínimos para o patamar de um salário-mínimo.

Fundamenta o pedido no fato de o julgador originário ter considerado apenas uma elementar negativa, qual seja, as consequências do delito, e ainda assim ter majorado em seis meses a pena mínima do crime, que é de um ano.

A fundamentação constante na sentença hostilizada se mostra irretocável, e muito bem dimensiona a reprimenda estatal que há de ser aplicada a uma prática tão reprovável, sobretudo na dimensão e amplitude em que comprovadamente ocorrera.

No ponto, reproduzo o bem lançado parecer do Ministério Público de origem, que tomo expressamente como razões de decidir para manter a pena no patamar estabelecido na sentença, evitando assim desnecessária repetição:

No que tange ao redimensionamento da pena, cumpre referir que a fixação da pena é questão que se insere na órbita de convencimento do Magistrado, no exercício de seu poder discricionário de decidir a quantidade da pena que julga suficiente e recomendável ao caso concreto, para a reprovação e prevenção do crime, observados os vetores insculpidos no art. 59 do Código Penal, bem como os limites legais estabelecidos (Súmula 231 do STJ). Destaca-se que pela simples leitura da análise realizada, observa-se que foram suficientemente fundamentados todos os vetores do art. 59 do Código Penal, quando da fixação da pena-base. Embora a defesa alegue que deveria ser realizada a exasperação considerando o patamar de 1/8 para cada circunstância judicial, o entendimento sedimentado da jurisprudência é que a exasperação ocorra na proporção de 1/6 para cada circunstância.

 

Diante do exposto, VOTO para negar provimento do recurso de VERA LÚCIA LUCION, mantendo a sentença penal condenatória nos exatos termos em que proferida pelo juízo de origem.