AgR no(a) REl - 0600574-82.2020.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 21/06/2022 às 14:00

VOTO

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, PEDRO DOS SANTOS, MARCIÉLI DOS REIS e ADEMAR OLIVEIRA DE AGUIAR insurgem-se contra a decisão monocrática, de lavra da eminente Desembargadora Eleitoral Kalin Cogo Rodrigues, que determinou a baixa dos autos à instância de origem, para inquirição da testemunha ROBERTO CRUZ DA SILVA, com esteio no art. 938, § 3º, do CPC.

O pronunciamento ora atacado restou assim deduzido:

Vistos.

Trata-se de recurso interposto por ILIANDO CESAR WELTER e JOAO AUGUSTO PRETTO contra sentença proferida pelo Juízo da 140ª Zona Eleitoral que julgou improcedente Ação de Investigação Judicial Eleitoral, fundada em abuso de poder e captação ilícita de sufrágio, ajuizada em face de PEDRO DOS SANTOS, MARCIÉLI DOS REIS e ADEMAR OLIVEIRA DE AGUIAR, candidatos eleitos nas Eleições de 2020 para os cargos, respectivamente, de Prefeito, Vice-Prefeita e Vereador do Município de Campo Novo.

Nesta instância, interposto o apelo, em 15.7.2021, em cujas razões a parte requer, preliminarmente, a desconstituição da sentença, por cerceamento de defesa, tendo em vista o indeferimento do pedido de intimação judicial de testemunha, e, no mérito, que sejam os investigados declarados inelegíveis e cassados seus mandatos (ID  44835180), e oferecidas contrarrazões (ID 44835184), em 29.7.2021, aportou ao feito petição formulada pelos recorrentes requerendo a juntada de TERMO DE DECLARAÇÃO de ROBERTO CRUZ DA SILVA, prestada perante a Promotoria de Justiça de Palmeira das Missões em 23.9.2021, portanto posteriormente à data do recurso, em que declara que não compareceu à audiência para oitiva das testemunhas na instância a quo, por ter sofrido ameaça de MARCOS REIS, o qual havia sido coordenador geral de campanha dos investigados (ID 44840115).

Com vista dos autos para emissão de parecer, a Procuradoria Regional Eleitoral opina pelo conhecimento do recurso, pela rejeição da preliminar de nulidade e, após assegurada a oitiva dos recorridos acerca da petição e documentos novos de IDs 44840116 e 44840117, pelo deferimento da oitiva de ROBERTO CRUZ DA SILVA, nos termos do art. 938, § 3º, do CPC (ID 44901084).

Intimados os recorridos para falarem quanto aos documentos novos (IDs 44840116 e 44840117), manifestaram-se no sentido de ser indeferida a oitiva de ROBERTO CRUZ DA SILVA, por impertinente e irrelevante (ID 44946515).

Decido.

Primeiramente, conheço dos documentos novos, com fulcro no art. 435 do CPC.

Na linha de intelecção do órgão ministerial, entendo que a decisão que indeferiu a intimação judicial ou condução de ROBERTO CRUZ DA SILVA, conhecido por “Balaca”, para audiência de oitiva das testemunhas, requerida com fundamento no art. 455, § 4º, inc. I, do CPC não guarda, em si, nulidade a ser declarada, porquanto não restou cumprido pelos investigantes o procedimento prescrito no art. 455, § 1º, do estatuto processual, que estabelece que cabe a parte intimar a testemunha, devendo ser juntada aos autos, com antecedência de pelo menos 3 dias da data da audiência, cópia da correspondência de intimação e do comprovante de recebimento.

Reproduzo, a seguir, o dispositivo em apreço:

Art. 455. Cabe ao advogado da parte informar ou intimar a testemunha por ele arrolada do dia, da hora e do local da audiência designada, dispensando-se a intimação do juízo.

§ 1º A intimação deverá ser realizada por carta com aviso de recebimento, cumprindo ao advogado juntar aos autos, com antecedência de pelo menos 3 (três) dias da data da audiência, cópia da correspondência de intimação e do comprovante de recebimento.

§ 2º A parte pode comprometer-se a levar a testemunha à audiência, independentemente da intimação de que trata o § 1º, presumindo-se, caso a testemunha não compareça, que a parte desistiu de sua inquirição.

§ 3º A inércia na realização da intimação a que se refere o § 1º importa desistência da inquirição da testemunha.

§ 4º A intimação será feita pela via judicial quando:

I - for frustrada a intimação prevista no § 1º deste artigo;

II - sua necessidade for devidamente demonstrada pela parte ao juiz;

III - figurar no rol de testemunhas servidor público ou militar, hipótese em que o juiz o requisitará ao chefe da repartição ou ao comando do corpo em que servir;

IV - a testemunha houver sido arrolada pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública;

V - a testemunha for uma daquelas previstas no art. 454.

§ 5º A testemunha que, intimada na forma do § 1º ou do § 4º, deixar de comparecer sem motivo justificado será conduzida e responderá pelas despesas do adiamento.

Veja-se que os investigantes, em 08.6.2021, previamente à audiência para inquirição de testemunhas, acostaram comprovantes de intimação de outros testigos, não incluído ROBERTO CRUZ DA SILVA (IDs 44835140 e 44835141).

Na data da solenidade, 10.6.2021, não comparecendo a citada testemunha, foi indeferido o pedido de intimação judicial ou condução, porque a parte não havia se desincumbido de seu ônus de proceder à intimação e juntar a respectiva comprovação ao feito, com antecedência mínima de 3 dias.

Apenas posteriormente, dia 14.6.2021, por ocasião de sua irresignação contra a decisão interlocutória, foi apresentado pelos ora recorrentes prova de intimação da testemunha, com data de 05.6.2021 (ID 44835155).

Flagrante, pois, que o comprovante apto a justificar a intimação judicial da testemunha foi intempestividade carreado aos autos, em desacordo com as normas de regência, de modo que não merece reparo o decisum exarado na instância de origem que indeferiu o pleito de utilização do mecanismo estatal para intimação ou condução de ROBERTO CRUZ DA SILVA.

Noutro vértice, no que atina à manifestação da Procuradoria Regional Eleitoral, pela oitiva de ROBERTO CRUZ DA SILVA, consoante autoriza o art. 938, § 3º, do CPC, tenho que há de ser deferida.

Deveras, segundo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, os tribunais estão autorizados, pelos arts. 932, inc. I, e 938, § 3º, do CPC, a complementar a prova produzida, tanto em primeiro como em segundo grau de jurisdição:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MATERIAIS, MORAIS E ESTÉTICOS. ACIDENTE DE TRÂNSITO. JULGAMENTO ANTECIPADO PARCIAL DO MÉRITO PELOS TRIBUNAIS. POSSIBILIDADE. CAUSA EXCLUSIVA DA VÍTIMA OU CONCORRÊNCIA DE CAUSAS. REEXAME DE PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. VALOR DA INDENIZAÇÃO. EXCESSIVIDADE NÃO CONSTATADA. JUROS DE MORA. RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL. EVENTO DANOSO. COMPLEMENTAÇÃO DE PROVAS PELO TRIBUNAL. VIABILIDADE. REDIMENSIONAMENTO DA SUCUMBÊNCIA. SÚMULA 7. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS NA DECISÃO PARCIAL DE MÉRITO. CABIMENTO. JULGAMENTO: CPC/15.

(...)

8. Os arts. 932, inc. I e 938, § 3º, do CPC/15, autorizam a complementação da prova pelos Tribunais. Na mesma linha, a jurisprudência desta Corte Superior é uníssona quanto à faculdade do juiz de determinar a complementação da instrução processual, tanto em primeiro como em segundo grau de jurisdição. Precedentes.

(...)

(STJ, REsp n. 1845542/PR, 3ª Turma, Relatora Min. Nancy Andrighi, julgado em 11.5.2021.).

No mesmo sentido, colaciono precedente do TRE-MT:

ELEIÇÕES 2016 - RECURSO ELEITORAL - AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL - ABUSO DE PODER ECONÔMICO - ABUSO DE PODER POLÍTICO/AUTORIDADE - REDUÇÃO DO VALOR DA TARIFA DE ÁGUA E ESGOTO - SENTENÇA PARCIALMENTE PROCEDENTE - PRELIMINARES DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO POR: (A) INTEMPESTIVIDADE; (B) APLICAÇÃO DA SÚMULA Nº 83/STJ - REJEITADAS - PRELIMINARES DE NULIDADE DO PROCESSO POR: (A) EXISTÊNCIA DE LITISCONSÓRCIO ATIVO NECESSÁRIO; (B) CERCEAMENTO DE DEFESA - REJEITADA - PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA - NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL - REJEITADA - QUESTÕES DE ORDEM SUSCITADAS - PRIMEIRA QUESTÃO DE ORDEM SUSCITADA PELA RECORRIDA - JUNTADA DE DOCUMENTOS E NOVA OPORTUNIDADE PARA SUSTENTAÇÃO ORAL - PARCIALMENTE ACOLHIDA - SEGUNDA QUESTÃO DE ORDEM SUSCITADA EX OFICIO 2º VOGAL - POSSIBILIDADE DE JUNTADA DE DOCUMENTO NOVO - ACOLHIDA - TERCEIRA QUESTÃO DE ORDEM SUSCITADA EX OFICIO 2º VOGAL - CONVERSÃO DO JULGAMENTO EM DILIGÊNCIA [ART. 938, § 3° DO NCPC] - ACOLHIDA - JULGAMENTO SUSPENSO PARA REALIZAÇÃO DE DILIGÊNCIAS.

(...)

8. Terceira Questão de Ordem. Suscitada "ex officio" pelo 2º Vogal. Necessidade de Provas - Provas dos autos inconclusivas - Interesse Público - Busca da Verdade Real - Necessidade de conversão do feito em diligência, para uma ampla produção de provas, ouvindo-se no juízo de primeiro grau, ambas as partes incluindo o Ministério Público Eleitoral que oficia perante a 26ª Zona Eleitoral (permitindo a elaboração de quesitos) com a finalidade de que venham aos autos informações precisas sobre: a) O consumo real de água não só no ano de 2016, mas como também no ano de 2015 dos munícipes de Campinápolis, e; b) o percentual de consumidores taxados pelo valor mínimo no ano de 2015 e de 2016.

9. Julgamento suspenso para realização de diligências. Determinado o reinício do julgamento, após a conclusão das diligências pelo juízo de primeiro grau.

(TER-MT, Recurso Eleitoral n 48803, ACÓRDÃO n 26773 de 11.7.2018, Relator ULISSES RABANEDA DOS SANTOS, Publicação: DEJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 2791, Data 06.11.2018, pp. 14-16).

Na hipótese vertente, “Balaca”, que alegadamente não teria comparecido à audiência para inquirição de testemunhas em virtude de ter sofrido ameaça de MARCOS REIS, possui importância central para o deslinde do feito, pois foi integrante da coordenação de campanha dos investigados e estaria envolvido diretamente com os eventuais atos ilícitos.

Justifica-se, portanto, a adoção da medida, tendo em vista que “os poderes instrutórios conferidos ao juiz da causa abarcam a possibilidade de reabertura da instrução processual para dilação probatória, com vista a alcançar a verdade real, não se verificando, portanto, violação ao rito legal da AIJE, mormente porque essa possibilidade/dever do julgador encontra amparo no art. 22, incs. VI e VII, da Lei Complementar n. 64/90” (TSE, AgR-REspe n. 0000386-96.2016.6.11.0020/MT, Acórdão, Relator: Ministro Edson Fachin, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 199, Data 05.10.2020.).

Assim, converto o julgamento em diligência, para que, reaberta a instrução processual, seja designada audiência para inquirição da testemunha ROBERTO CRUZ DA SILVA, cujo comparecimento deverá se dar independentemente de intimação judicial.

Fica o Juízo a quo autorizado a determinar a produção de eventuais outras provas que entender pertinentes.

Ante o exposto, determino a baixa dos autos à instância de origem, para que seja complementado o conjunto probatório.

Concluída a diligência, voltem os autos conclusos.

Publique-se.

Diligências legais.

 

Com as vênias ao respeitável entendimento exposto na decisão recorrida, entendo que assiste razão aos agravantes.

Compulsando os autos, observo que ROBERTO CRUZ DA SILVA, conhecido por “Balaca”, foi arrolado como testemunha pelos recorrentes, ora agravados, ILIANDRO CESAR WELTER e JOAO AUGUSTO PRETTO (ID 12438533), e também pelo recorrido, ora agravante, ADEMAR OLIVEIRA DE AGUIAR (ID 44835014). Este último, contudo, requereu, posteriormente, a desistência da testemunha em tela, dentre diversas outras, sendo o pedido homologado judicialmente (ID 44835118).

Como regra nos feitos eleitorais, a testemunha deve comparecer por iniciativa da parte que a arrolou (arts. 5º e 22, inc. V, da Lei Complementar n. 64/90), consoante bem esclarece a doutrina de Edson de Resende Castro:

Em audiência única, as testemunhas serão levadas pelas partes, independentemente de intimação. Nas investigações judiciais iniciadas por representação de candidatos ou partidos políticos, a previsão legal de que as testemunhas comparecerão à audiência independentemente de intimação não impõe qualquer dificuldade, já que o representante dá ciência às testemunhas por ele arroladas quanto à data da audiência e, nesta, acaba levando-as consigo até o Fórum (CASTRO, Edson de Resende. Direito Eleitoral. Ed. Del Rey. 9a Ed. 2018. Belo Horizonte. Pg. 456)

Nesse quadro, a notificação e a condução judiciais são providências de exceção, sendo cabíveis apenas quando a parte não tiver acesso à testemunha ou quando houver a recusa em comparecer espontaneamente à audiência e a prova for considerada indispensável à elucidação dos fatos.

Assim, na linha do decisum agravado, entendo que o indeferimento pelo juízo a quo da intimação judicial ou condução de ROBERTO CRUZ DA SILVA para comparecer à audiência de oitiva de testemunhas aprazada para 10.6.2021 não guarda em si nulidade a ser declarada, porquanto não restou cumprido pelos investigantes o procedimento prescrito no art. 455, § 1º, do CPC, que estabelece que cabe a parte intimar a testemunha, devendo ser juntada aos autos, com antecedência de pelo menos 3 dias da data da solenidade, cópia da correspondência de intimação e do comprovante de recebimento, o que somente veio a ocorrer após a realização da cerimônia, em 14.6.2021 (ID 44835155).

Ademais, a parte investigada, que, inicialmente, também havia arrolado “Balaca” como testemunha, manifestou-se contrariamente a novo adiamento da audiência, considerando ser aquela a segunda oportunidade em que deixava de comparecer, em prejuízo às demais testemunhas. Da mesma forma, o Ministério Público Eleitoral asseverou não ter interesse em sua oitiva (ID 44835142).

Com efeito, o fato de ROBERTO CRUZ DA SILVA não ter atendido às audiências em função de supostas ameaças recebidas, acaso comprovadas, poderia, em tese, constituir motivo suficiente a que a inquirição ocorresse, excepcionalmente, na fase atual do processo.

Entretanto, entendo que, a par da ausência de prova de tais circunstâncias, a moldura fática indica que o testemunho de “Balaca” não se revela imprescindível, tendo em vista que suas declarações foram vertidas aos autos por meio de ata notarial, com data de 31.3.2021 (ID 44835114), e por termo de declaração produzido perante o Ministério Público, posteriormente à apelação (ID 44840117).

Vale dizer, houve efetivamente a possibilidade de os agravados juntarem ao feito as declarações de ROBERTO CRUZ DA SILVA, as quais se sujeitaram ao contraditório, uma vez que foi dada oportunidade para que PEDRO DOS SANTOS, MARCIÉLI DOS REIS e ADEMAR OLIVEIRA DE AGUIAR sobre elas se manifestassem.

Quanto ao ponto, verifico que, após ser carreada a ata notarial, ainda na fase de instrução, os ora agravantes contestaram as declarações, alegando falsidade ideológica, e coligiram documento visando a infirmar as afirmações ali declinadas (IDs 44835116, 44835117 e 44835132).

Do mesmo modo, após ser anexado o termo de declaração prestado à Promotoria de Justiça Eleitoral, os então recorridos foram intimados a se manifestarem (IDs 44943660 e 44945384), e assim o fizeram (ID 44946515).

Portanto, encontram-se nos autos as afirmações de “Balaca”, que, embora não tenham sido produzidas em juízo, foram submetidas ao crivo do contraditório, não havendo motivo hábil a justificar o excepcional retrocesso na marcha processual, consistente no retorno dos autos ao primeiro grau de jurisdição, para produção de prova que, preteritamente, foi, fundamentadamente, considerada desnecessária pelo Magistrado a quo.

Impende registrar que as alegadas ameaças sofridas por ROBERTO CRUZ DA SILVA hão de ser apuradas na seara penal, e não no presente feito, que já se situa em fase de recurso e que demanda uma solução célere pelo Poder Judiciário, sobretudo em razão da aptidão de sua matéria para, eventualmente, afetar o resultado do pleito municipal.

Ressalto, por derradeiro, que, a admissão, em grau recursal, da remessa de autos à instância de piso para realização de atos complexos de instrução, deve ser excepcional e alicerçada na demonstração inequívoca de vícios na produção de prova e da imprescindibilidade da medida, sob pena de criar-se desnecessário tumulto processual e retardar sobremaneira o andamento do feito.

Assim, tenho que merece provimento o agravo, de modo a que, afastando-se a determinação de baixa do processo à origem, para a inquirição de ROBERTO CRUZ DA SILVA, prossiga-se com o regular trâmite processual, encaminhando-se os autos ao Parquet Eleitoral, para manifestação atinente ao mérito do recurso eleitoral.

Ante o exposto, VOTO pelo provimento do agravo interno, para que, afastada a reabertura da instrução processual, seja o feito remetido à Procuradoria Regional Eleitoral, para emissão de parecer.