REl - 0600283-44.2020.6.21.0142 - Voto Relator(a) - Sessão: 21/06/2022 às 14:00

VOTO

O recurso é tempestivo e adequado, portanto, dele conheço.

No mérito, a prestação de contas foi desaprovada pela magistrada a quo, em razão da utilização de receitas de origem não identificada, decorrentes da omissão de gastos eleitorais com advogado bem como, pela ausência de comprovação da regularidade das despesas referentes a pagamento realizado por “atividades de militância política e mobilização de rua”, com recursos oriundos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), nos termos do art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19.

A sentença (ID 44940113) colacionada parcialmente abaixo, vai ao encontro do que constou no Parecer Conclusivo:

[…]

II.1. OMISSÃO DE RECEITAS E GASTOS ELEITORAIS (ART. 53 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19)

 

A Resolução TSE n. 23.607/19, aplicável às eleições de 2020, o legislador inovou ao não fazer mais diferenciação entre consultoria jurídica e serviços judiciais, incluindo toda e qualquer despesa com advogado nos gastos eleitorais, mas excluindo-os do limite de gastos, garantindo, assim, a ampla defesa:

 

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei n. 9.504/97, art. 26):

§ 3º As despesas com consultoria, assessoria e pagamento de honorários realizadas em decorrência da prestação de serviços advocatícios e de contabilidade no curso das campanhas eleitorais serão consideradas gastos eleitorais, mas serão excluídas do limite de gastos de campanha (Lei n. 9.504/97, art. 26, § 4º).

4º Para fins de pagamento das despesas de que trata o parágrafo anterior, poderão ser utilizados recursos da campanha, do candidato, do Fundo Partidário ou do FEFC (Lei n. 9.504/97, art. 26, § 5º).

§ 9º O pagamento efetuado por candidatos e partidos políticos de honorários de serviços advocatícios e de contabilidade, relacionados à prestação de serviços em campanhas eleitorais e em favor destas, bem como em processo judicial decorrente de defesa de interesses de candidato ou partido político não constitui doação de bens e serviços estimáveis em dinheiro (Lei n. 9.504/97, art. 23, § 10).

Pois bem, o serviço jurídico foi efetivamente prestado à candidata, uma vez que é obrigatória a representação por procurador nos autos nos processos de Prestação de Contas Eleitorais, conforme acima citado.

Intimada a se manifestar sobre a omissão dos gastos com advogado, a candidata informou que houve substituição de advogado e que "achava que já havia sido juntado contrato de prestação de serviços da profissional anterior".

Registre-se, também, que tampouco houve comprovação de assunção de dívida de campanha, nos termos do art. 33, § 3º, da Resolução TSE n. 23.604/19, caso a despesa com advogado não fosse paga.

Ainda, o valor do gasto omitido configura recurso de origem não identificada, pois não se sabe a origem do recurso financeiro que arcou com a despesa dos serviços advocatícios que foram prestados, devendo ser recolhido ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Nesse sentido, como não é possível identificar a quantia despendida pela candidata e tampouco a sua origem, entendo que andou bem a analista técnica ao estipular a média dos valores que foram cobrados pelos advogados do município ao qual concorreu o candidato, restando o valor fixado em R$ 300,00.

 

II.2 DO EXAME DA REGULARIDADE DE DESPESAS REALIZADAS COM RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (ART. 56, INC. II, AL. "C", DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19)

Em análise realizada acerca da regularidade dos com gastos com fundo público, constatou o órgão técnico, em seu parecer conclusivo [ID 102415873], que fora realizado o gasto de R$ 1.300,00 em "Atividades de militância política e mobilização de rua" com apenas 1 (uma) apoiadora, Roberta Barte Foster.

Observou-se, também, que as atividades não foram satisfatoriamente descritas e o cronograma apresentado não se mostrou verossímil, não tendo sido cumpridos os requisitos do art. 35, § 12º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Ademais, o gasto não se desvelou compatível com contratações realizadas por outros candidatos, que giraram por volta de R$ 200,00, por apoiador contratado.

Assim, por se tratar de irregularidade na comprovação de gastos de recurso de natureza pública, deverá a prestadora ressarcir ao Tesouro Nacional o montante de R$ 1.300,00, conforme disposto no art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

II.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando que a omissão de gastos e consequente arrecadação de recursos de origem não identificada e utilização irregular de recursos do FEFC são inconsistências graves, que comprometem a regularidade das contas, cumpre desaprová-las, nos termos do art. 30, inc. III, da Lei n. 9.504/97, combinado com o art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19.

III – DISPOSITIVO

Isto posto, DESAPROVO as contas da candidata a vereadora MARIA CRISTINA PORLEY COUTO, relativas às Eleições Municipais de 2020, nos termos do art. 74, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19, ante os fundamentos declinados.

Determino o recolhimento do valor de R$ 1.600,00 ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação dos itens II.1 e II.2 acima.

 

Quanto à primeira irregularidade, trata-se de omissão de receitas e gastos eleitorais, configurando arrecadação de recursos de origem não identificada, com relação aos serviços de advocacia.

Em suas razões, a recorrente afirma que houve a prestação de serviço jurídico, mas que a profissional renunciou ao processo antes do término da prestação de contas. Acrescenta que o advogado que assumiu o processo é dirigente partidário e não recebeu nenhum pagamento (ID 44940118).

A legislação eleitoral trata a prestação de serviços de consultoria e assessoria advocatícia e de contabilidade, no decorrer da campanha, como gastos eleitorais e, sendo assim, devem ser declarados pelo prestador, conforme dicção expressa no § 3º do art. 35 da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei n. 9.504/97, art. 26):

[...]

§ 3º As despesas com consultoria, assessoria e pagamento de honorários realizadas em decorrência da prestação de serviços advocatícios e de contabilidade no curso das campanhas eleitorais serão consideradas gastos eleitorais, mas serão excluídas do limite de gastos de campanha (Lei n. 9.504/97, art. 26, § 4º).

 

Ressalte-se que, embora não façam parte dos limites de gastos eleitorais, conforme apontado no art. 4º, § 5º, da mencionada Resolução, os gastos com consultoria, assessoria e pagamento de honorários realizadas em decorrência da prestação de serviços advocatícios e de contabilidade no curso das campanhas eleitorais, devem ser declarados na prestação de contas.

Nesse sentido, os julgados desta Corte:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. PRELIMINAR. JUNTADA DE PRESTAÇÃO DE CONTAS RETIFICADORA NA VIA RECURSAL. PRECLUSÃO. ANÁLISE TÉCNICA PORMENORIZADA. ATIVIDADE A SER REALIZADA EM PRIMEIRA INSTÂNCIA. OMISSÃO DE GASTOS. SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. QUANTUM ARBITRADO PELO JUÍZO COM BASE NA MÉDIA VERIFICADA NO MUNICÍPIO. VALOR ABSOLUTO DIMINUTO. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Recurso contra sentença que desaprovou as contas de candidato a vereador, referentes às eleições municipais de 2020, em virtude de omissão de gasto eleitoral atinente a serviços advocatícios, configurando recebimento de recursos de origem não identificada. Determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional.

2. Preliminar. Não conhecida a prestação de contas retificadora oferecida com as razões recursais, porquanto demandaria a realização de exame pormenorizado dos lançamentos contábeis, em cotejo com os extratos bancários e demais batimentos integrantes dos procedimentos técnicos de exame, atividade a ser realizada, nas eleições municipais, em primeira instância. Transcorrido o momento processual adequado, preclusa a possibilidade da apresentação de contas retificadoras, na esteira da jurisprudência deste Tribunal.

3. Segundo estabelece o art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19, a prestação de contas deve ser integrada por todas as receitas e despesas, especificadamente. In casu, não foi escriturada nas contas de campanha a despesa com serviços advocatícios, os quais efetivamente foram prestados ao candidato. Logo, a receita utilizada para satisfação deste débito, financeira ou estimável em dinheiro, caracteriza-se como recurso de origem não identificada, consoante o disposto no art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19. Não merece reparo a decisão monocrática que, com base na média dos valores cobrados por outros advogados nas contas apresentadas por candidatos do município arbitrou o quantum da despesa omitida e determinou ao candidato o recolhimento da importância ao Tesouro Nacional.

4. A falha identificada nas contas, conquanto represente 69,77% das receitas declaradas, mostra-se, em termos absolutos, reduzida. Nessa linha, a jurisprudência deste Tribunal admite a aplicação do critério do valor nominal diminuto, que prepondera sobre eventual aferição do alcance percentual das falhas, de modo a afastar o juízo de desaprovação das contas quando o somatório das irregularidades se mostra irrelevante.

5. Parcial provimento do recurso, para aprovar com ressalvas as contas de campanha relativas às eleições de 2020, mantendo a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional.

(Rel 0600328-48.2020.6.21.0142, julgado em 30.11.2021, Relator Des. Eleitoral Miguel Antonio Silveira Ramos) (grifo nosso)

 

O parecer (ID 44943638) da Procuradoria Regional Eleitoral destaca que:

A regra que exclui dos limites de gastos as despesas com advogado e contador é uma exceção e, como tal, deve ser interpretada restritivamente. Assim, mostra-se aplicável apenas para permitir que o candidato, no tocante ao total de suas despesas, extrapole o limite legal no que diz com os referidos gastos.

 

Dessarte, o serviço jurídico foi efetivamente prestado à candidata, uma vez que é obrigatória a representação por procurador nos autos nos processos de Prestação de Contas Eleitorais.

As justificativas apresentadas pela recorrente, trazendo à baila a troca de procuradores havida e o equívoco do novo procurador ao não juntar aos autos o contrato de prestação de serviços da profissional anterior, não são suficientes para afastar a omissão, pois, além de não constar na prestação de contas a informação de despesa com serviços advocatícios em valor estimável, remanesce a ausência de comprovação dos gastos.

Note-se que, como bem destacado na sentença (ID 44940113), o serviço advocatício foi efetivamente prestado, porém, não há comprovação de seu pagamento “(...) tampouco houve comprovação de assunção de dívida de campanha, nos termos do art. 33, § 3º, da Resolução TSE n. 23.604/19, caso a despesa com advogado não fosse paga”.

De fato, os recursos financeiros utilizados com consultoria jurídica e serviços judiciais não transitaram pela contabilidade de campanha, configurando, assim, recursos de origem não identificada, estando sujeitos a recolhimento ao Tesouro, na forma do art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19, verbis:

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

I - a falta ou a identificação incorreta do doador;

II - a falta de identificação do doador originário nas doações financeiras recebidas de outros candidatos ou partidos políticos;

III - a informação de número de inscrição inválida no CPF do doador pessoa física ou no CNPJ quando o doador for candidato ou partido político;

IV - as doações recebidas em desacordo com o disposto no art. 21, § 1º, desta Resolução quando impossibilitada a devolução ao doador;

V - as doações recebidas sem a identificação do número de inscrição no CPF/CNPJ no extrato eletrônico ou em documento bancário;

VI - os recursos financeiros que não provenham das contas específicas de que tratam os arts. 8º e 9º desta Resolução;

VII - doações recebidas de pessoas físicas com situação cadastral na Secretaria da Receita Federal do Brasil que impossibilitem a identificação da origem real do doador; e/ou

VIII - recursos utilizados para quitação de empréstimos cuja origem não seja comprovada.

 

Ademais, em consulta ao site Divulgacandcontas, https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/86487/210000725743/extratos, acesso em 17.3.2022, não consta o trânsito do gasto eleitoral nas contas de campanha, devendo ser mantida a sentença.

Por fim, considero razoável a medida empreendida na sentença com relação ao valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional, ao estabelecer que:

(...) como não é possível identificar a quantia despendida pela candidata e tampouco a  sua origem, entendo que andou bem a analista técnica ao estipular a média dos valores que foram cobrados pelos advogados do município ao qual concorreu o candidato, restando o valor fixado em R$ 300,00.

 

Com relação à segunda irregularidade, isto é, precariedade da comprovação das despesas realizadas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC com relação aos serviços de militância, o cronograma das atividades trazido aos autos não está conforme as determinações do art. 35, § 12, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 35. São gastos eleitorais, sujeitos ao registro e aos limites fixados nesta Resolução (Lei n. 9.504/97, art. 26):

[...]

§ 12. As despesas com pessoal devem ser detalhadas com a identificação integral das pessoas prestadoras de serviço, dos locais de trabalho, das horas trabalhadas, da especificação das atividades executadas e da justificativa do preço contratado.

 

No caso, o cronograma das atividades além de carecer de detalhamento das atividades que deveriam ser exercidas pela prestadora, tal documento não detém a verossimilhança necessária para a comprovação da prestação de serviços declarada na prestação de contas, ou seja, o documento não contém nenhum elemento que ligue o serviço prestado ao cronograma apresentado.

No que diz respeito à justificativa do preço contratado, verifica-se que o montante pago à prestadora de serviços (R$ 1.300,00) é superior àqueles praticados pelos candidatos na região, quando os valores permearam o valor de R$ 200,00, por prestador contratado.

Ademais, quanto ao período de duração do contrato, nos termos da sua Cláusula III, foi de 21.10.2020 até 14.11.2020 (ID 44940065), ocorre que os recursos foram recebidos em 11.11.2020, ou seja, três dias antes de acabar a vigência do contrato e quatro dias antes da eleição.

A falha apontada a qual a recorrente não se desincumbiu de demonstrar a regularidade, versa sobre recursos do FEFC e por se tratar de inconsistência grave afeta a confiabilidade das contas.

Assim, é de se aplicar o estabelecido no art. 79, § 1º, da já mencionada Resolução:

Art. 79.

(…)

§ 1º Verificada a ausência de comprovação da utilização dos recursos do Fundo Partidário e/ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) ou a sua utilização indevida, a decisão que julgar as contas determinará a devolução do valor correspondente ao Tesouro Nacional no prazo de 5 (cinco) dias após o trânsito em julgado, sob pena de remessa de cópia digitalizada dos autos à representação estadual ou municipal da Advocacia-Geral da União, para fins de cobrança.

 

Portanto, acertada a sentença que desaprovou as contas, pois as irregularidades somam o total de R$ 1.600,00 (R$ 300,00 + 1.300,00), sendo superior ao parâmetro considerado como módico pela Corte (R$ 1.064,10) bem como, representa 51,34% do valor declarado como receita recebida, ou seja, percentual superior ao limite utilizado pela Justiça Eleitoral (10%) como critério para aprovação das contas com ressalvas.

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso e manutenção da sentença que determinou o recolhimento do valor de R$ 1.600,00 ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.