PC-PP - 0600141-78.2020.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 20/06/2022 às 14:00

VOTO

Passo ao exame das irregularidades apontadas pela Secretaria de Auditoria Interna deste Tribunal, bem como das alegações defensivas apresentadas pelos prestadores.

Inicialmente a unidade técnica, em seu exame preliminar, identificou gastos efetuados na conta-corrente n. 400343, agência 2794 do Banco do Brasil, no total de R$ 75.216,64, referente a pagamentos realizados com o Fundo Partidário.

Entretanto, após manifestação da agremiação, tanto do exame preliminar quanto do parecer conclusivo, a SAI entendeu como parcialmente sanadas as falhas, permanecendo não sanadas as dos itens 1.1 a 1.3, 2 e 3 do parecer técnico, reduzindo a irregularidade para a quantia de R$ 69.189,53 (ID 44869701).

Dessa forma, passo a análise das irregularidades, seguindo a classificação constante no parecer conclusivo.

1. Irregularidade na aplicação de recursos do Fundo Partidário

Como observado, após análise técnica e manifestação do partido, sanada as falhas do item 1.4, permaneceram as seguintes irregularidades dos itens 1.1 a 1.3, no montante de R$ 37.252,13, conforme tabela constante no parecer conclusivo (ID 44120633), colacionado a seguir:

1.1 Pagamentos efetuados a pessoa distinta da indicada na nota fiscal no total de R$ 997,13

O PSD afirma que os pagamentos se referem a ressarcimento de despesas do seu diretório e almoço de trabalho da Executiva Estadual à Presidente do partido Letícia Boll Vargas.

A unidade técnica indicou que o pagamento efetuado em 31.5.2020, no valor de R$ 242,52, com despesa de combustível, a agremiação alegou tratar-se de deslocamento partidário (ID 41303583), no entanto não trouxe aos autos qualquer documento que vinculasse a despesa com um serviço realizado pela presidente da agremiação ao partido, para justificar o ressarcimento.

O adimplemento feito em 27.5.2019, no valor de R$ 296,27, à presidente do partido, a agremiação refere ser ressarcimento de despesa com compras para o Diretório Estadual, tratando-se de almoço de trabalho da Executiva Estadual naquela data, a área técnica expõe que a despesa “poderia ter sido paga diretamente pelo próprio partido, pois foi feita em supermercado localizado na cidade de Porto Alegre, onde se localiza a sede do diretório estadual do PSD/RS”.

Em relação ao pagamento de R$ 458,34, este foi dividido no relatório em duas despesas, uma tratando-se de 10 almoços no valor de R$ 222,00 e com combustível na quantia de R$ 236,34, referente ao deslocamento para reunião partidária no Município de São Leopoldo.

A tese da agremiação de que houve alteração legislativa, ao ser incluído o art. 44-A pela Lei n. 13.877/19 à Lei n. 9.096/95, o qual autoriza a grei ressarcir despesas, não a socorre, porque a lei autorizativa é de 27.9.2019, portanto posterior à data de adimplemento do gasto. Transcrevo:

Art. 44-A. As atividades de direção exercidas nos órgãos partidários e em suas fundações e institutos, bem como as de assessoramento e as de apoio político-partidário, assim definidas em normas internas de organização, não geram vínculo de emprego, não sendo aplicável o regime jurídico previsto na Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, quando remuneradas com valor mensal igual ou superior a 2 (duas) vezes o limite máximo do benefício do Regime Geral de Previdência Social. (Incluído pela Lei nº 13.877, de 2019)

Parágrafo único. O partido político poderá ressarcir despesas comprovadamente realizadas no desempenho de atividades partidárias e deverá manter registro contábil de todos os dispêndios efetuados, sem computar esses valores para os fins do inciso I do caput do art. 44 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 13.877, de 2019) (Grifei.)

Além disso, não houve detalhamento suficiente da despesa para conectar o gasto com alguma atividade efetuada pela presidente do partido para justificá-la, tão somente refere ser gasto com combustível.

1.2. Pagamentos efetuados por cheque nominal não cruzado e pessoa distinta da indicada na nota fiscal na quantia de R$ 255,00

A inconsistência relaciona-se ao pagamento de despesa com o cheque de n. 850.844 nominal não cruzado, infringindo o disposto no art. 18, § 4º, da Resolução TSE n. 23.546/17.

Entretanto, uma vez que consta no extrato bancário (ID 44120833 – p. 12), no dia 28.5.2019, que a cártula foi compensada e não sacada entendo que essa falha está sanada, isso porque o objetivo do cruzamento do cheque é justamente a compensação do cheque e não o seu desconto em caixa, objetivo alcançado de forma diversa.

Todavia, permanece a irregularidade quanto ao pagamento da despesa para pessoa distinta da constante na nota fiscal, assim, quanto ao ressarcimento defendido pela grei partidária, como exposto na análise do item 1.1, a operação foi realizada antes da alteração da lei vigorar, portanto não se aplica ao caso em tela.

1.3. Despesa paga com cheques não cruzados na soma de R$ 36.000,00

Inicialmente a área técnica entendeu haver duas irregularidades, cheques nominais não cruzados e ausência de prova material da realização dos serviços prestados, porém, quanto a esse último, após manifestação do partido (ID 44687233 a 44687683) a unidade retificou seu parecer (44869701), entendendo como sanada, contudo apontou a permanência da falha devido ao não cruzamento dos cheques.

O partido apresentou cópia dos cheques (ID 41303783) nominais à Adriana Beatriz Nunes Boniatti, advogada, os quais não estão cruzados, porém, em consulta aos extratos bancários (ID 44120833), todos foram compensados em nome de Andrea dos Santos Cardoso, CPF n. 747.301.690-34.

A conduta não prejudicou a análise técnica, pois a tabela acima colacionada do laudo técnico demonstra o nome da beneficiária dos valores.

Desse modo, como o cruzamento do cheque não impede o endosso, portanto que seja depositado em conta diversa da nominada na cártula, servindo apenas para não autorizar o desconto do valor em caixa, devendo ser compensado, dou por sanada a falha, haja vista que o intuito da norma foi obedecida.

2. Despesas pagas a pessoa distinta daquela que emitiu o documento fiscal no montante de R$ 25.323,40

A falha refere-se a transferências bancárias e cheques pagos pela agremiação como reembolso de despesas a dirigentes e assessores. A SAI apontou a irregularidade por não constar na Resolução TSE n. 23.546/17 a possibilidade de pagamento a pessoa diferente da informada no documento fiscal.

Como houve alteração legislativa com a inclusão do art. 44-A na Lei n. 9.096/95 pela Lei n. 13.877, de 27 de setembro de 2019, que passou a autorizar o ressarcimento de despesas desde que comprovadamente efetuadas para o desempenho da atividade partidária, a área técnica em seu Parecer Conclusivo (ID 44120633 – pp. 17 e 18) apontou como irregular apenas os ressarcimentos ocorridos antes da data de 27 de setembro de 2019, ou seja, da data da alteração da norma, permanecendo como irregular o total de R$ 25.323,40.

3. Recebimento de contribuições de detentores de cargo, emprego ou função pública de livre nomeação e exoneração (fontes vedadas), no total de R$ 6.614,00

A última irregularidade refere-se ao recebimento de contribuições de pessoas físicas, conforme tabela abaixo, que exerceram função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, no total de R$ 6.614,00, que não estavam filiados à agremiação, considerados fontes vedadas de arrecadação por ficarem de fora da ressalva contida no inc. V do art. 31 da Lei n. 9.096/95:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

II - entes públicos e pessoas jurídicas de qualquer natureza, ressalvadas as dotações referidas no art. 38 desta Lei e as proveniente do Fundo Especial de Financiamento de Campanha; (Redação dada pela Lei nº 13.488, de 2017)

III - (revogado); (Redação dada pela Lei nº 13.488, de 2017)

IV - entidade de classe ou sindical.

V - pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político.
(Incluído pela Lei nº 13.488, de 2017) (Grifei.)

O partido não contesta esse apontamento.

As irregularidades – (1.1) R$ 997,13 + (1.2) R$ 255,00  + (2) R$ 25.323,40 + (3) R$ 6.614,00 – alcançam o montante de R$ 33.189,53, que representa 5,24% de toda a receita arrecadada no exercício de 2019, na ordem de R$ 633.385,59, mostrando-se razoável e proporcional o juízo de aprovação das contas com ressalvas.

Entende-se possível o juízo de aprovação com ressalvas quando a baixa representação percentual das irregularidades não comprometa o balanço contábil como um todo, circunstância que afasta a sanção de multa de até 20% e a suspensão do Fundo Partidário:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2017. DESAPROVAÇÃO. RECEBIMENTO DE RECURSOS ORIUNDOS DE FONTES VEDADAS. AUTORIDADES PÚBLICAS. IRRETROATIVIDADE DAS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELA LEI N. 13.488/17. MANTIDO O RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. AFASTADAS A SANÇÃO DE MULTA E A PENALIDADE DE SUSPENSÃO DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.
1. Desaprovação das contas da agremiação em razão do recebimento de recursos de fonte vedada, oriundos de contribuições de ocupantes de cargos de chefia demissíveis ad nutum. Escorreita a aplicação, pelo juízo a quo, da legislação vigente à época do exercício financeiro a que se refere a prestação de contas, alinhando-se ao entendimento consolidado por esta Corte e na esteira da jurisprudência do TSE.
2. Irrelevante o argumento de o cargo ocupado por autoridade ser em governo administrado por integrante de partido adversário. Recebida a doação de servidor que se enquadre na categoria de autoridade pública, nos termos da Resolução TSE n. 23.464/2015, aplicável ao exercício em análise, incide o caráter objetivo da norma, sem espaço para eventual análise subjetiva.
3. Valores irregularmente recebidos que representam 2,83% do total de recursos arrecadados pela agremiação no exercício financeiro. Aplicados princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Mantido o recolhimento ao Tesouro Nacional. Afastadas a sanção de multa sobre a quantia a ser recolhida ao Tesouro Nacional e a penalidade de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário. (grifado)
4. Parcial provimento.
(Recurso Eleitoral n 5482, ACÓRDÃO de 11.4.2019, Relator(aqwe) MARILENE BONZANINI, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Data: 22.4.2019.)  

Nessa hipótese, o recolhimento ao Tesouro Nacional do valor indevidamente recebido é mera consequência jurídica relacionada à vedação do enriquecimento ilícito e não possui natureza de penalidade. Segundo o TSE: “A aprovação das contas com ressalvas em função das irregularidades apuradas impõe sempre a devolução dos respectivos valores ao erário” (PC n. 978-22/DF, redator para o acórdão Min. Dias Toffoli, DJe de 14.11.2014).

Quanto às sanções, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pela determinação de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário pelo prazo de um mês.

Nesse ponto, é de ser considerado que o art. 36, incs. I e II, da Lei n. 9.096/95 efetivamente dispõem que o recebimento de recursos de origem não mencionada ou esclarecida sujeita o partido à sanção de suspensão da participação no Fundo Partidário até que o esclarecimento seja aceito pela Justiça Eleitoral, e que o recebimento de recursos de fontes vedadas acarreta a suspensão do Fundo Partidário por um ano:

Art. 36. Constatada a violação de normas legais ou estatutárias, ficará o partido sujeito às seguintes sanções:

I - no caso de recursos de origem não mencionada ou esclarecida, fica suspenso o recebimento das quotas do fundo partidário até que o esclarecimento seja aceito pela Justiça Eleitoral;

II - no caso de recebimento de recursos mencionados no art. 31, fica suspensa a participação no fundo partidário por um ano;

III - no caso de recebimento de doações cujo valor ultrapasse os limites previstos no art. 39, § 4º, fica suspensa por dois anos a participação no fundo partidário e será aplicada ao partido multa correspondente ao valor que exceder aos limites fixados.

Esse dispositivo vige até os dias atuais com a mesma redação da data da promulgação e nunca sofreu alterações, nada obstante o caput do art. 37 da Lei n. 9.096/95 tenha sido sucessivamente modificado pelo Congresso Nacional pelas Leis n. 9.693/98 e n. 13.165/15:

Art. 37. A falta de prestação de contas ou sua desaprovação total ou parcial, implica a suspensão de novas quotas do fundo partidário e sujeita os responsáveis às penas da lei, cabíveis na espécie, aplicado também o disposto no art. 28.

Art. 37. A falta de prestação de contas ou sua desaprovação total ou parcial implica a suspensão de novas cotas do Fundo Partidário e sujeita os responsáveis ás penas da lei.  (Redação dada pela Lei nº 9.693, de 1998)

Art. 37.  A desaprovação das contas do partido implicará exclusivamente a sanção de devolução da importância apontada como irregular, acrescida de multa de até 20% (vinte por cento).                         (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015)

O art. 37 da Lei dos Partidos estabeleceu, inicialmente, que a falta de contas ou sua desaprovação implicaria a suspensão de novas quotas do Fundo Partidário, mas, após duas modificações legislativas, atualmente, prevê que em caso de desaprovação a penalidade a ser aplicada pela Justiça Eleitoral restringe-se à devolução da importância apontada como irregular acrescida de multa de até 20%.

Como se vê, os arts. 36 e 37 da Lei n. 9.096/95 são normas distintas, independentes entre si, e que não se confundem.

Ocorre que desde a edição da Lei dos Partidos Políticos, ao interpretar o seu art. 36 o TRE-RS assentou que, em se tratando de aprovação com ressalvas, não há fixação da pena de suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário aos partidos políticos, nada obstante a previsão legal disponha sobre a cominação dessa sanção.

A penalidade é afastada por aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, uma vez que o apontamento de ressalva não descaracteriza o fato de que a contabilidade foi aprovada, ainda que não integralmente.

Apesar do conteúdo dos incisos do art. 36 da Lei dos Partidos Políticos, o raciocínio é o de que a suspensão do recebimento de quotas não atende ao princípio da proporcionalidade em relação aos seus subprincípios: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, este último tomado como máxima da necessidade, exigibilidade e adequação (vide Exames inerentes à proporcionalidade, em: ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 11 ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2010, p. 167-169).

Cito, a propósito, o seguinte precedente, da minha relatoria:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO ESTADUAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2017. APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTAÇÃO INCOMPLETA. UTILIZAÇÃO INCORRETA DO SISTEMA DE PRESTAÇÃO DE CONTAS ANUAL. RECEBIMENTO DE RECURSOS ADVINDOS DE FONTES VEDADAS. PERCEPÇÃO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. FALHA EQUIVALENTE A 9,08% DO TOTAL DE RECURSOS AUFERIDOS NO PERÍODO EM EXAME. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. INVIABILIDADE DA APLICAÇÃO DE MULTA E DE SUSPENSÃO DO FUNDO PARTIDÁRIO.

1. A falta da apresentação do comprovante de remessa da escrituração contábil à Receita Federal impossibilita a aferição segura da validade das informações lançadas no Balanço Patrimonial e no Demonstrativo de Resultados.

2. A utilização incorreta do Sistema de Prestação de Contas Anual (SPCA) pela agremiação inviabiliza ao órgão técnico atestar se as informações prestadas foram mantidas, uma vez que o sistema foi encerrado e posteriormente reaberto, tornando-o passível de alterações e inclusões.

3. O art. 12, inc. II, da Resolução TSE n. 23.464/15 veda expressamente a possibilidade de doação de pessoa jurídica a partidos políticos. Quantia que deve ser considerada como procedente de fonte vedada, impondo-se o seu recolhimento ao Tesouro Nacional, conforme o disposto no art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.464/15.

4. Créditos de recursos pelo diretório municipal sem a indicação do doador originário e doação efetuada sem a identificação do CPF ou CNPJ dos doadores, em inobservância às disposições contidas nos arts. 5º, inc. IV, 7º e 11, inc. III, todos da Resolução TSE n. 23.464/15. Montante que deve ser considerado como de origem não identificada, impondo-se o seu recolhimento ao Tesouro Nacional, conforme o disposto no art. 14 da Resolução TSE n. 23.464/15.

5. O recolhimento do valor indevidamente recebido ao Tesouro Nacional é mera consequência jurídica relacionada à vedação do enriquecimento ilícito e não possui natureza de penalidade.

6. Falhas que representam 9,08% dos recursos auferidos no exercício financeiro. Hipótese que, na esteira da jurisprudência firmada no Tribunal Superior Eleitoral, viabiliza a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para afastar a severa penalidade de desaprovação das contas, admitindo o juízo de aprovação com ressalvas quando a baixa representação percentual das irregularidades não comprometa o balanço contábil como um todo, circunstância que afasta a sanção de multa de até 20% e a suspensão do Fundo Partidário.

7. O art. 36 da Lei n. 9.096/95 trata das sanções aplicadas aos partidos quando constatada  a violação de normas legais ou estatutárias, enquanto o art. 37 da mesma lei estabelece o regramento para o caso de desaprovação das contas. Trata-se de normas distintas, independentes entre si e que não se confundem.  O primeiro artigo vige até os dias atuais com a mesma redação da data da promulgação e nunca sofreu alterações, ao contrário do segundo, que  foi sucessivamente modificado pelo Congresso Nacional por meio das Leis n. 9.693/98 e n. 13.165/15. A nova redação do art. 37 da Lei n. 9.096/95 dispõe que a desaprovação das contas enseja, como única penalidade, a devolução da quantia apontada como irregular acrescida de multa, circunstância que prejudica eventual interpretação de que, no caso de aprovação das contas, mesmo com ressalvas, poder-se-ia aplicar pena mais severa. Desde a edição da Lei dos Partidos Políticos, ao interpretar o art. 36, o TRE-RS assentou que, em se tratando de aprovação com ressalvas, não há fixação da pena de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário aos partidos políticos, nada obstante a previsão legal disponha a cominação dessa sanção. Diretriz alinhada ao entendimento do TSE no mesmo sentido. A sanção é desconsiderada por aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, uma vez que o apontamento de ressalva não descaracteriza o fato de que a contabilidade foi aprovada, ainda que não integralmente, situação incompatível com a fixação de penalidade.

8. Aprovação com ressalvas.
(TRE-RS, PC n. 0600288-75, da minha relatoria, julgado em 15.6.2020, DJE de 23.6.2020.) (Grifei.)

Nos casos de aprovação com ressalvas não se aplica a sanção de suspensão das quotas, e essa conclusão não foi afetada pelas alterações legislativas implementadas no caput do art. 37 da Lei dos Partidos Políticos, pois conforme já referido, o afastamento da  suspensão de quotas decorre da conclusão de que a aprovação das contas com ressalvas é incompatível com a fixação de penalidade aos partidos políticos.

Cumpre anotar que, embora não se trate propriamente de um critério interno, a aferição da proporcionalidade de uma medida sancionatória há de partir também de um juízo de ponderação realizado com fundamento no dever de proporcionalidade.

De igual modo, o Tribunal Superior Eleitoral, em sucessivas decisões, afastou a penalidade de suspensão de quotas Fundo Partidário nos casos em que houve recebimento de recursos de fontes vedadas de pequena monta, seguindo a diretriz jurisprudencial de que a aprovação com ressalvas não se coaduna com tal apenamento. 

Por essa razão, quando do provimento de recursos e consequente reforma de acórdãos regionais de desaprovação de contas para aprová-las com ressalvas, a Corte Superior Eleitoral afasta a suspensão do Fundo Partidário.

Cito, a propósito, a decisão proferida pelo Min. Sérgio Silveira Banhos no RESPE n. 7314220156260000, em 28.10.2019, na qual, após ser provido o recurso para aprovação das contas com ressalvas, foi afastada a suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário:

Mais recentemente, assentou-se: “Esta Corte Superior admite aplicar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar contas com ressalvas quando a falha não inviabiliza o controle por parte da Justiça Eleitoral e representa percentual ínfimo” (AgR-REspe 63-39, rel. Min. Jorge Mussi, DJE de 30.8.2019).

Assim, considerado o percentual irregular de 1,87% e a inexistência de indícios de má-fé, é viável a aprovação com ressalvas, nos termos da jurisprudência acima apontada.

Por outro lado, inviável afastar a determinação de recolhimento dos recursos de fonte vedada, a qual, além de não se tratar propriamente de sanção, “atende aos princípios e às regras constitucionais que regem a prestação de contas, a transparência do financiamento eleitoral e a normalidade e legitimidade das eleições” (REspe 1224-43, rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJE de 5.11.2015).

Por essas razões e nos termos do art. 36, § 7º, do Regimento Interno do Tribunal Superior Eleitoral, dou provimento ao agravo interposto pelo Diretório Estadual do Partido Popular Socialista, a fim de prover parcialmente o recurso especial por ele interposto, para aprovar com ressalvas as suas contas do exercício financeiro de 2014, mantida a determinação de recolhimento do valor oriundo de fonte vedada.

(TSE – RESPE n. 7314220156260000 São Paulo/SP 44612019, Relator: Min. Sérgio Silveira Banhos, Data de Julgamento: 28.10.2019, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico – 07.11.2019 – n. 215 – p. 5-8.) (Grifei.)

Ao reformar o acórdão do TRE-RS nos autos do RESPE n. 724220136210000, para aprovar as contas com ressalvas, o Min. Antonio Herman De Vasconcellos e Benjamin, de igual modo, suprimiu a penalidade:

Conforme relatado, o TRE/RS desaprovou contas do exercício financeiro de 2012 do recorrente, nos seguintes termos (fls. 565 e 568):

Em resumo: verificados recursos de origem não identificada, no valor de R$ 206,35 (duzentos e seis reais e trinta e cinco centavos), bem como identificados valores recebidos de fontes vedadas - especificamente pessoas detentoras de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta que tenham a condição de autoridades no total de R$ 47.071,00 (quarenta e sete mil e setenta e um reais).

(…)

De outra parte, ressalto ser possível aprovar com ressalvas as contas, em atenção ao princípio da proporcionalidade e razoabilidade, pois a soma de valores das falhas constatadas - R$ 47.277,35 - corresponde a aproximadamente 6,5% dos recursos movimentados na campanha, não sendo bastante para comprometer controle financeiro pela Justiça Eleitoral. 
(...)

Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso especial do Partido Progressita (PP), nos termos do art.366,§ 7ºº, do RI-TSE, para aprovar com ressalvas as contas do exercício financeiro de 2012. Prejudicado o recurso do Parquet.

(TSE – RESPE n. 724220136210000 Porto Alegre/RS 67842016, Relator: Min. Antonio Herman De Vasconcellos E Benjamin, Data de Julgamento: 10.4.2017, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico – 02.5.2017 – p. 99-102.) (Grifei.)

Também é no mesmo sentido o seguinte acórdão da relatoria do Min. Luiz Fux:

RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2010. DESAPROVAÇÃO. CONTRIBUIÇÃO DE TITULAR DE CARGO DEMISSÍVEL AD NUTUM QUE OSTENTA A CONDIÇÃO DE AUTORIDADE. RECURSOS DE FONTE VEDADA. VALOR DIMINUTO. BOA-FÉ. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APLICABILIDADE. APROVAÇÃO DAS CONTAS COM RESSALVA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

Na origem, o Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas desaprovou as contas apresentadas pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) - Estadual, alusivas ao exercício financeiro de 2010, determinando a suspensão do repasse das quotas do Fundo Partidário pelo período de um ano, a teor do art. 36, II, da Lei nº 9.096/95, tendo em vista que a agremiação recebeu o montante de R$ 3.600,00 de onze agentes públicos ocupantes de cargo de chefia e direção na Administração Pública, que constituem recursos fonte vedada, nos termos do art. 31, II, da Lei dos Partidos Políticos. Eis a ementa do acórdão (fls. 1.258):

(…)

No caso sub examine, considerando que os recursos recebidos de fonte vedada totalizam a quantia de R$ 3.600,00, reputo serem aplicáveis os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade na espécie, a fim de que as contas sejam aprovadas com ressalvas.
Isso porque o valor da irregularidade se revela diminuto em relação aos recursos movimentados pelo partido no exercício financeiro e não restou evidenciado no acórdão regional que a aludida irregularidade tenha comprometido a confiabilidade e a transparência das contas

(...)

Esse entendimento encontra eco na jurisprudência sedimentada por esta Corte Superior nos seguintes termos:

"PRESTAÇÃO DE CONTAS. PSC. DIRETÓRIO NACIONAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2009. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO.
1. [...]
4. Conforme a jurisprudência deste Tribunal, em se tratando de irregularidades que representam percentual ínfimo em relação aos recursos movimentados na campanha, é possível a aplicação do princípio da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas.
5. Contas aprovadas com ressalvas e determinação de restituição dos valores relativos às irregularidades na aplicação de recursos do Fundo Partidário" .
(PC nº 948-84/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 28/5/2015);

"PARTIDO POLÍTICO. PARTIDO DEMOCRATAS (DEM). PRESTAÇÃO DE CONTAS. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2009. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. RECOLHIMENTO AO ERÁRIO. NECESSIDADE. PRECEDENTES.
[...]
7. Na hipótese, além das irregularidades meramente formais, as demais são relativas a não comprovação de despesas ou aplicações inadequadas do Fundo Partidário, alcançando apenas 1,69% daqueles recursos - no montante de R$ 339.457,71 -, o que possibilita a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
8. A jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é no sentido de que, mesmo quando as irregularidades encontradas redundam na aprovação com ressalvas das contas apresentadas, é cabível a determinação de devolução dos respectivos valores ao Erário.
9. Contas aprovadas com ressalvas" .
(PC nº 978-22/DF, Redator designado Min. Dias Toffoli, DJe de 14/11/2014);

"Prestação de contas. Doação por fonte vedada.
1. É de manter-se a decisão do Tribunal Regional Eleitoral que, em observância aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, entendeu, diante das particularidades do caso, aprovar com ressalva as contas do candidato, considerando que a irregularidade alusiva à doação por fonte vedada - proveniente de sindicato - correspondeu a percentual ínfimo em relação ao total de recursos arrecadados para a campanha.
(...)

Ex positis, dou provimento ao recurso especial, com base no art. 36, § 7º, do RITSE, para aprovar com ressalvas a prestação de contas do PSDB referente ao exercício financeiro de 2010.

(TSE – RESPE n. 2508720116020000 Maceió/AL 31552014, Relator: Min. Luiz Fux, Data de Julgamento: 28.9.2015, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico – 04.02.2016 – p. 28-31.) (Grifei.)

 

Portanto, a diretriz traçada por este Tribunal está alinhada ao entendimento do TSE segundo o qual a aprovação das contas com ressalvas não acarreta a sanção de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário.

Com essas razões, rejeito a promoção ministerial nesse ponto.

Diante de todo o exposto, VOTO pela aprovação com ressalvas das contas do Diretório Estadual do PARTIDO SOCIAL DEMOCRÁTICO – PSD DO RIO GRANDE DO SUL relativas ao exercício financeiro de 2019, e determino o recolhimento, ao Tesouro Nacional, da quantia de R$ 33.189,53, nos termos da fundamentação.