AJDesCargEle - 0600102-13.2022.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 17/06/2022 às 14:00

VOTO

Na inicial, o Vereador Joacir de Godoy Ribeiro, de Muitos Capões/RS, eleito pelo partido Democratas (DEM), sustenta que a fusão entre o Democratas (DEM) e o Partido Social Liberal (PSL), que deu origem ao partido UNIÃO BRASIL (UNIÃO), caracteriza a hipótese de justa causa relativa à mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário (art. 22-A, inc. I, da Lei n. 9.096/95), por alterar sua agenda política e a representatividade do seu cargo eletivo.

Relativamente à fusão partidária como hipótese de justa causa para a desfiliação sem perda do cargo eletivo, cumpre inicialmente observar que na ADI n. 4.583, o Supremo Tribunal Federal (Rel. Min. Rosa Weber, DJe 03.12.2020.) consignou que o art. 22-A na Lei n. 9.096/95 dispõe de forma taxativa e exaustiva sobre as hipóteses de justa causa para a desfiliação partidária, revogando, tacitamente, o § 1º do art. 1º da Resolução TSE n. 22.610/07, que previa:

Art. 1º O partido político interessado pode pedir, perante a Justiça Eleitoral, a decretação da perda de cargo eletivo em decorrência de desfiliação partidária sem justa causa.

 

§ 1º Considera-se justa causa:

 

I – incorporação ou fusão do partido;

 

II – criação de novo partido;

 

III – mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário;

 

IV – grave discriminação pessoal.

 

Pela nova norma, a incorporação ou fusão do partido não mais caracterizam, por si sós, hipóteses legais de justa causa, restando, contudo, mantida a previsão de cabimento da ação com fundamento na mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário:

Art. 22-A. Perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa causa, do partido pelo qual foi eleito. (Incluído pela Lei n. 13.165/15)

 

Parágrafo único. Consideram-se justa causa para a desfiliação partidária somente as seguintes hipóteses: (Incluído pela Lei n. 13.165/15)

 

I - mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário; (Incluído pela Lei n. 13.165/15)

 

II - grave discriminação política pessoal; e (Incluído pela Lei n. 13.165/15)

 

III - mudança de partido efetuada durante o período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término do mandato vigente. (Incluído pela Lei n. 13.165/15)

 

Nesse ponto, não se desconhece que o Tribunal Superior Eleitoral recentemente considerou, por maioria, que a incorporação partidária se enquadra como justa causa para a desfiliação sem perda do mandato por caracterizar mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário quanto aos filiados da agremiação incorporada, a qual deixa de existir:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. CONVERSÃO EM AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE PERDA DE MANDATO ELETIVO. PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE. INCORPORAÇÃO DO PARTIDO REPUBLICANO PROGRESSISTA PELO PATRIOTA. JUSTA CAUSA. MUDANÇA SUBSTANCIAL DO PROGRAMA PARTIDÁRIO. DESPROVIMENTO.

1. Embargos opostos contra decisão monocrática e com pretensão infringente são recebidos como agravo regimental. Precedentes.

2. Na linha da jurisprudência desta CORTE, inexiste óbice ao julgamento monocrático da ação de decretação de perda de cargo eletivo, tendo em vista o disposto no artigo 36, § 6º, do RITSE, o qual autoriza o Relator a negar seguimento, monocraticamente, a pedido “improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Tribunal, do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior.” (AgR–Pet. 575–77, Rel. Min. ROSA WEBER, DJe de 08.8.2017.).

3. Os embargantes, em suas alegações, não apontam qualquer prejuízo decorrente da ausência de manifestação sobre documentos juntados aos autos, o que inviabiliza o reconhecimento de vício processual, pois, “no sistema de nulidade, vigora o princípio pas de nullité sans grief, de acordo com o qual somente se proclama a nulidade de um ato processual quando houver efetivo prejuízo à parte devidamente demonstrada” (AgR–REspe nº 252–16, Rel. Min. ROSA WEBER,, DJe de 22.11.2017.).

4. Ao contrário do que alegado pelos recorrentes, não se verifica a existência, na decisão agravada, de fundamento "surpresa", sobre o qual as partes anteriormente não se manifestaram. Além disso, é certo que, uma vez descritos os fatos e especificados os pedidos na petição inicial, o juiz não está vinculado aos dispositivos legais nela mencionados.

5. Os argumentos apresentados pelos Embargantes/Agravantes não são capazes de conduzir à reforma da decisão agravada.

6. Conforme destacado, consta que o Partido Republicano Progressista (PRP) foi incorporado pelo Patriota nos autos da Petição 0601953–14/DF, julgada em 28.3.2019.

7. A hipótese efetivamente alegada encontra amparo no art. 22–A, parágrafo único, I, da Lei n. 9.096/95, que considera justa causa para a desfiliação partidária a mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário. No caso, inegável que a incorporação de um partido em outro fulmina toda ou, quando menos, substancialmente, a ideologia da agremiação incorporada que, afinal, deixa de existir.

8. Agravos Regimentais desprovidos.

(PETIÇÃO CÍVEL nº 0600027-90.2021.6.00.0000, Acórdão, Relator(a) Min. Alexandre de Moraes, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 24, Data 17.2.2022.)

 

No acórdão, o Ministro Luís Roberto Barroso, ao acompanhar o Relator, manifestou entendimento de que “a incorporação de um partido por outro, ou a fusão entre partidos, constitui um fato político relevante que deve permitir ao parlamentar que esteja filiado a qualquer um deles opte por não integrar a nova agremiação que se forma, ou diluir-se em uma agremiação anteriormente existente”.

Seguindo essa diretriz, o Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina, no julgamento de processos que trataram especificamente sobre a fusão entre o Democratas (DEM) e o Partido Social Liberal (PSL), que deu origem ao União Brasil (UNIÃO), entendeu que o fato caracterizou mudança substancial no programa partidário (TRE-SC, Processo AJDesCargEle n. 0600047-78.2022.6.24.0000, Rel. Dr. Willian Medeiros de Quadros, DJE 20.4.2022.).

Contudo, considero que, para a caracterização da hipótese como justa causa, é necessário que se demonstre, especificamente, qual o reflexo da mudança apontada no Estatuto do novo partido no mandato eletivo em exercício por aquele que tem interesse em migrar de legenda sem perda do cargo.

O simples fato da fusão não é justa causa. As hipóteses são taxativas e isso decorreu de ato soberano do Congresso Nacional, chancelado pelo próprio STF como visto acima, em que não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade ou qualquer vício a invalidar tal ato, de modo que a interferência do Judiciário, com o maior respeito às posições divergentes e ao entendimento majoritário do TSE, me parece, no caso, indevida. Como se trata de um fato político, é na política que se resolve assim como as decisões judiciais se resolvem no Judiciário.

Ademais, lembro que nosso sistema político é partidário, de sorte que as interpretações devem ser de caráter restritivo. Aqui ter-se-ia que fazer uma exegese ampliativa para inserir uma justa causa não prevista expressamente em lei, indo de encontro ao sistema de que o mandato é do partido.

De outra banda, a interpretação ampliativa conduz à negação da vigência da lei (art. 22-A) no que tange à exigência dos requisitos ali explicitados.

Não se trata aqui de adotar o brocardo “in claris cessat interpretatio”, ou a literalidade da lei, embora em tese até cabível, mas de considerar como regra de hermenêutica o sentido teleológico da norma jurídica; se as hipóteses de desfiliação por justa causa são somente aquelas expressamente previstas na Lei dos Partidos Políticos, e lá não está contemplada a fusão e ou incorporação, não vejo como, sem abalar o sistema partidário, simplesmente considerar justa causa o que não está na norma, por ser a fusão um “fato político”.

Ainda na questão da exegese, se fosse vontade do legislador considerar a fusão justa causa, tê-lo-ia dito. E mais, vejam que não se trata somente de mudança, ou desvio, ou discriminação política pessoal (incisos I, II do art. 22-A da Lei 9.096/95). As hipóteses vem, todas elas, acrescidas pelos adjetivos qualificativos de serem substancial e grave. É dizer: o legislador, no exercício soberano do mandato, elegeu e dispôs que as justas causas devem ser “graves”, um grau de severidade que efetivamente torne impossível o exercício do mandato pelo parlamentar na esfera da agremiação a qual ele se filiou.

Entendo, portanto, que a fusão necessariamente, e em todos os casos, e para todos os filiados das agremiações objeto de fusão e ou incorporação não seja, de per si, elemento que traga uma mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário ou ainda uma grave discriminação política pessoal. Assim fosse, a fusão poderia ensejar de tal modo a debandada dos parlamentares, por razões de interesses políticos eleitorais, que o mecanismo admitido em lei, de viabilizar a concentração de dois ou mais partidos em um, no sentido de fortalecimento do sistema partidário, acarretaria o efeito inverso.

Se os órgãos diretivos do partido criado pela fusão adotam linha de atuação que vai de encontro as ideologias e exercício do mandato de determinado parlamentar, tal fato deve ser alegado e demonstrado. O mero desconforto com posição política do momento – e sabemos como são voláteis os apoios políticos partidários no País – não gera uma situação com a dimensão de gravidade exigida em lei.

Não me parece que, na nova conjectura legislativa, em que a fusão foi expressamente afastada das hipóteses de justa causa por ato do Congresso Nacional, seja possível resgatar esse fato como fundamento genérico e indistinto para a desfiliação sem perda do mandato. Ainda que de forma enviesada, a questão deve receber o tratamento de mudança substancial do programa partidário.

Por essa razão, é necessário que os parlamentares demonstrem, de forma concreta e casuística, quais ações políticas eram desenvolvidas com base no programa até então seguido pelo partido pelo qual se elegeram, e que se refletiam em atos afetos à sua atuação parlamentar, de modo que, com a fusão, serão obstadas ou prejudicadas em virtude de uma nova orientação partidária.

Ou seja, a mudança substancial fundada na fusão de siglas deve ser acompanhada da demonstração palpável e consistente de que o fato afetou o desempenho da agenda política e das atividades até então desenvolvidas pelo mandatário, tornando incompatível a sua permanência como filiado em face da divergência do antigo com o novo programa partidário.

Nessa perspectiva, no pontual deste caso concreto, tem-se que o fundamento do pedido é a existência de contrariedade entre o art. 3° do Estatuto do União Brasil e os itens 4, 5 e 6 do Ideário do Democratas, por mudança da ideologia partidária, de partido de direita e liberal, para um partido de centro-direita e social liberal. Transcrevo as disposições invocadas:

Art. 3° do Estatuto do União Brasil

 

Art. 3º. O União Brasil se declara social liberalista, considerado forte defensor dos direitos humanos e das liberdades civis, acreditando que o Estado possa exercer na economia o papel de regulador, a fim de garantir à população acesso de qualidade aos serviços públicos essenciais e fundamentais, como saúde, educação, segurança, liberdade, habitação e saneamento. Sua estrutura interna, organização e fundamento, se baseiam no respeito à soberania nacional, ao regime democrático, ao pluripartidarismo e aos direitos fundamentais da pessoa humana, observando as normas constitucionais e legais.

 

 

Itens 4, 5 e 6 do Ideário do Democratas

 

4. Impõe-se, sobretudo, libertar as imensas energias criadoras do homem brasileiro, repetidas vezes sufocadas pelo centralismo e pela estatização. A grande revolução a realizar-se neste País é a da liberdade da iniciativa em todos os planos - no político, no social e no econômico. É preciso estimular, por todos os modos, a participação comunitária, abrindo-se oportunidade à fecunda manifestação de nossas diversidades.

 

5. Preocupa-nos o crescimento descontrolado da atividade empresarial do Estado, que, em muitas áreas, transborda dos limites aceitos num regime econômico, social e político, de livre competição. E entendemos que as empresas estatais deverão sempre estar sob adequada fiscalização da sociedade.

6. O processo de libertação das amarras da concentração de poder inclui a proteção do cidadão contra a asfixia burocrática, o controle da voracidade fiscal e a contenção da interferência excessiva do Estado na atividade econômica. Consideramos, entretanto, quehá problemas e desigualdades que não podem ser satisfatoriamente resolvidos pelo livre jogo das forças de mercado. Existe um espaço legítimo, sobretudo na área social, para a atuação do Estado, o que não prejudica, antes preserva, o mais puro sentido de liberdade.6. O processo de libertação das amarras da concentração de poder inclui a proteção do cidadão contra a asfixia burocrática, o controle da voracidade fiscal e a contenção da interferência excessiva do Estado na atividade econômica. Consideramos, entretanto, quehá problemas e desigualdades que não podem ser satisfatoriamente resolvidos pelo livre jogo das forças de mercado. Existe um espaço legítimo, sobretudo na área social, para a atuação do Estado, o que não prejudica, antes preserva, o mais puro sentido de liberdade.   

 

Alega-se que a alteração de posicionamento político de direita e de centro-direita nos costumes, para um partido de centro, com ênfase no Estado como regulador e marcadamente conservador nos costumes, corroboram a tese de mudança substancial.

Assevera-se, também, que a mudança também consiste na alteração do antagonismo existente entre o histórico apoio do DEM ao atual Presidente da República e a oposição atualmente manifestada pelo União Brasil contra Jair Bolsonaro.

Para respaldar o argumento, colaciona notícias da imprensa com as manchetes: a) “Saída de bolsonaristas é ‘livramento’, afirma diretor do União Brasil”; b) Qual deve ser a cara do novo União Brasil, partido resultado da fusão de DEM e PSL?; c) União Brasil não apoiará Bolsonaro ou Lula, diz Mandetta sobre 2022; d) Negociação entre Podemos e União Brasil pode levar Moro a troca de partido para a campanha à Presidência.

O autor explica que na eleição do ano de 2018, o Democratas Nacional liberou que alguns Estados apoiassem os candidatos à presidência que eles desejassem, e não exclusivamente a candidatura do Geraldo Alckmin. Aponta que, no Rio Grande do Sul, o atual Presidente foi apoiado pelo atual Governador do Estado sem que houvesse qualquer ato de retaliação. Refere que, com a fusão partidária com o PSL, essa decisão institucional de se formar como oposição a impossibilita de manter-se como apoio da base aliada a Bolsonaro, prerrogativa fornecida pelo próprio partido antes da fusão.

Ocorre que há simples menção sobre a mudança na filosofia política partidária e no posicionamento político do novo partido quanto aos espectros ideológicos centrista e de direita, sem referência particularizada sobre o reflexo dessa postura nas ações que o DEM havia desempenhado antes da fusão e que, agora, não mais poderão ser executadas.

É razoável a defesa apresentada pelo União Brasil de que em nenhum momento o partido se posicionou contra o liberalismo econômico ou consignou que não iria aproveitar os vieses ideológicos do extinto Democratas, apontando não ter sido cabalmente comprovada uma afetação do programa partidário no seu mandato eletivo.

O requerido também pondera que os princípios basilares contidos no art. 2º, parágrafo único, do Estatuto do DEM foram preservados, inclusive no tocante ao liberalismo econômico e ao espectro político de centro-direita a direita, ausente o antagonismo substancial alegado:

Art. 2º, parágrafo único, do Estatuto do DEM

 

Art. 2º - O partido exercerá as suas atividades de conformidade com a Constituição Federal, a legislação eleitoral e partidária, e com base no seu programa, na declaração universal dos direitos do homem, na legislação eleitoral e partidária e na Constituição Federal.

 

Parágrafo único - O Programa do Democratas se fundamenta nos princípios do regime democrático, do Estado de Direito, da livre iniciativa e da justiça social.

 

Realmente, não foi descrita qual a interferência da fusão na agenda política e eleitoral que o autor estava exercendo antes da fusão, ou quais fatos políticos teriam sido realizados com fundamento no programa partidário anterior e que explicitam divergência em face da fusão.

Da leitura da inicial, vê-se que a tese de divergência entre as ideologias partidárias é genérica, fundada em conjecturas de possíveis, incertos e futuros atos que talvez sejam adotados pela agremiação, os quais não configuram, a meu sentir, a justa causa invocada.

Penso que é preciso distinguir entre exercício do mandato eletivo com interesses pessoais de apoio a este ou aquele candidato. O parlamentar não é eleito pelo povo para “fazer campanha eleitoral” e sim para exercer o mandato de forma a atender os interesses e pretensões daqueles que o elegeram na elaboração das normas jurídicas.

Em síntese, o que vejo aqui são alegações não de um conteúdo programático que tenha sofrido substancial modificação, e sim declarações próprias de momentâneos interesses políticos, consabido que o apoio ou oposição partidárias historicamente são terrenos altamente movediços, próprios da atividade política.

Não há demonstração fática alguma de que o partido adotou posição que afetará o exercício do mandato eletivo do autor de modo fundamental, substancioso, essencial, a justificar a migração de legenda com a manutenção do mandato.

Foram apresentadas, tão somente, suposições amparadas em doutrina e fundamentos teóricos entre os conceitos políticos de direita, de centro, liberal, social liberal, moderado e conservador.

Aliás, por força da notória e nefasta polarização político partidária, falar-se no Brasil de hoje em direita, centro-direita, liberalismo moderado, conservadorismo já nem se consegue definir exatamente as distinções. Cai tudo na vala comum de ser de “direita” (até o conceito de “extrema direita” tornou-se difuso) em contraposição aos que assim não se identificam, se tornam de “esquerda”.

Os argumentos foram refutados pelo União Brasil de forma consistente, pois não há como se prever que o partido passará a adotar posicionamento extremamente conservador nos costumes na linha do extinto PSL, sequer tendo sido feita prova do alegado mapeamento de posicionamento ideológico político alegadamente seguido pelo DEM.

Demais disso, a peça defensiva refere “que foi justamente após o pleito de 2018 que o extinto PSL, ao eleger a maior bancada de sua história, passou a compor um bloco denominado ‘centro-direita’, também integrado pelo Democratas”, não sendo possível antever, de plano, que adotará nova posição de forma “moderado-conservadora” ou estritamente conservadora, conforme aduz o requerente.

Quanto ao apoio ou oposição do novo partido a legendas e candidatos da situação, entendo que o alinhamento político entre partidos com posicionamentos distintos não constitui mudança substancial de diretriz partidária.

Colho, como exemplo, e a título obter dictum, o fato público e notório de que o partido pelo qual o requerente se elegeu, DEM, formou coligações com partidos de ideologias diferentes em eleições passadas.

Ademais, as siglas partidárias guardam autonomia para apoiar ou opor-se a governos e políticos, não sendo possível exigir que o Estatuto partidário represente a inflexibilidade de postura a ponto de se afirmar que a orientação e os rumos do partido não possam ser reexaminados de acordo com cada conjuntura social e política.

O fato de o partido mudar seu posicionamento em relação ao Governo Federal de aliado, neutro ou de oposição, não configura, por si só, mudança drástica e substancial do programa político partidário, pois o documento não determina que o partido deva atuar como situação ou oposição.

O União Brasil juntou à defesa diversas matérias jornalísticas sobre a clara inexistência de mudança programática entre o DEM porque o partido extinto jamais integrou a base governista, tendo “mantido postura de absoluta independência em relação ao Governo Federal”, e notabilizando-se “inclusive, por diversas críticas à gestão do Presidente Jair Bolsonaro”.

Corroborando o argumento, junta notícias jornalísticas com as manchetes: a) Em jantar com Doria, ACM Neto nega alinhamento com Bolsonaro; b) Presidente do DEM diz lamentar que aliado tenha aceitado convite para ministério e afirma que se manterá distante do governo; c) ACM Neto diz a aliados que Bolsonaro ganhou inimigo após nomeação de deputado na Cidadania; d) Cúpula do DEM já dialoga com presidenciáveis contra Bolsonaro – ACM Neto dialoga com Ciro Gomes sobre terceira via e líderes rompidos com o presidente articulam alianças com presidenciáveis, por frente ampla contra o presidente; e) ACM Neto: “Não serei vice de Bolsonaro nem de ninguém.

Também colaciona as seguintes mensagens divulgada no perfil do Democratas no Instagram: “ACM Nega acordo com o Governo – Em entrevista à @sadiandreia, o presidente do Democratas @acmnetooficial explica de forma categórica que o Democratas NÃO negocia cargos com o governo e NÃO será base do governo”; assim como no perfil de ACM Neto: a) “(…) O governo federal não pode mais se furtar às suas responsabilidades diante dessa tragédia sanitária e econômica. Precisamos vacinar o máximo de pessoas – e o quanto antes”; b) “A falta de empenho do governo federal para comprar vacinas criou um efeito bola de neve no Brasil (…)”; c) “É essencial para a Democracia que as Forças Armadas atuem sempre com independência, e estejam a serviço do Estado Brasileiro, jamais a serviço de quem quer que seja” e “As recentes mudanças no Ministério da Defesa e nos comandos das três primeiras Forças inquietam o país (…)”; d) “Há pouco + de um mês, eram 300 mil mortos. Hj já são 400 mil (…)”.

Ainda, foram trazidas na contestação postagens efetuada no Twitter, no perfil do Democratas: “(…) Desde o início da pandemia, o compromisso do Democratas com a ciência e a preservação da vida se faz evidente em nossas gestões pelo Brasil”, e no perfil de ACM Neto: “Pena que o STF tenha que decidir pelo óbvio: o governo federal tem a obrigação de ajudar estados e municípios a financiarem os leitos para cuidar das pessoas com covid (…)”.

Com base nessas provas, vê-se que não havia um manifesto posicionamento político de crítica do DEM ao atual Presidente da República.

De qualquer sorte, não se pode depreender que há mudança substancial de programa partidário exclusivamente por eventual transmutação de oposição, independência ou situação, pois a formação de alianças faz parte essencial da governabilidade e da atuação política.

Destarte, a afirmação de incompatibilidade ideológica entre partidos não se afigura suficiente para caracterizar a mudança substancial ou o desvio reiterado de programa partidário sem a indicação dos fatos presentes e pretéritos atingidos pela fusão.

Entendo que as alegações trazidas na inicial não se mostram polêmicas a ponto de caracterizarem justa causa.

Sobre a questão, o demandado acertadamente referiu não terem sido apresentadas divergências sobre posicionamentos em relação a temas específicos de modo que se possa avaliar a presença de verdadeira mudança substancial, sensível e considerável nos rumos até então seguidos pelo partido de filiação.

Assim, a mudança pontualmente indicada no Estatuto do UNIÃO, sem amparo em fatos concretos, não se apresenta vultosa, significativa ou substancial o suficiente, pois não foi demonstrado em que a fusão afetou a relação eleitor-representante até então existente.

Nestes autos, apesar de o parlamentar ter apresentado longo arrazoado sobre os conceitos teóricos das doutrinas políticas do liberalismo e do social liberalismo, não logrou comprovar de modo personalizado quais prejuízos concretos à sua representatividade seriam advindos em razão do posicionamento ideológico do União Brasil.

Concluo, portanto, sem firmar posição estanque sobre o tema, pela ausência de provas de que as alterações da linha ideológica da nova agremiação colidem com os valores até então sustentados pelo representante político perante o seu eleitorado, e que serviram de base para a sua eleição ao cargo eletivo.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela improcedência do pedido.