REl - 0600593-22.2020.6.21.0119 - Voto Relator(a) - Sessão: 13/06/2022 às 14:00

VOTO

1. Admissibilidade Recursal

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

 

2. Preliminar de cerceamento de produção de prova

Em preliminar, os recorrentes pleiteiam a nulidade do processo por cerceamento de direito à produção da prova.

Sem razão.

A matéria foi abordada de forma percuciente na manifestação do doutor Procurador Regional Eleitoral:

 

Os recorrentes alegam que ajuizaram a ação com base em uma série de pontos, quais sejam: fraude em licitação para a compra direta de votos, falsidade de declaração de bens dos candidatos réus; ameaças a eleitores como forma de obtenção de votos, filiações com promessas de emprego público em troca de votos, aglomerações durante a pandemia; compra indireta de votos mediante pagamentos de horas extraordinárias durante o período de campanha eleitoral, uso de servidores públicos na campanha eleitoral, campanha eleitoral após as 22 horas do dia 14.11.2020, uso de veículo e verba pública do município por vereador na campanha eleitoral, compra de votos mediante pagamento de materiais de construção, compra de votos mediante pagamento de combustível, compra indireta de votos mediante uso incomum de máquinas e compra de votos mediante vantagens previdenciárias.

 

Apontam que o juízo fixou o objeto da demanda em apenas quatro pontos, concernentes à compra de votos mediante a entrega de materiais de construção aos eleitores, às ameaças a eleitores para obtenção de votos, à compra indireta de votos mediante pagamento de horas extraordinárias a servidores públicos e à compra de votos mediante promessa de ingresso no IPE-Saúde. Especificamente, ressaltam que a fraude à licitação ocorreu para irrigar a compra de votos, e que as aglomerações durante a pandemia não podem ser considerados um indiferente eleitoral, visto que existia, no âmbito do TRE-RS, a Resolução n. 349/20, que previa a possibilidade da violação às normas sanitárias configurar abuso de poder.

 

Segue o trecho pertinente da decisão saneadora do ID 42185983:

 

Fixadas as premissas, a ação não se presta para investigar eventual fraude à licitação, em especial quando a licitação alegadamente fraudada remonta quase 11 (onze) meses antes da realização do pleito; da mesma forma é um indiferente eleitoral a ocorrência de aglomerações durante a pandemia e não se presta aos fins da AIME eventual falsidade da declaração de IRPF de candidato - sem prejuízo de ambos os fatos serem sindicados pela Justiça Comum - razão pela qual não conheço dos argumentos. Do mesmo modo, não há menor início de prova pré-constituída, portanto condição de procedibilidade, em relação aos argumentos de (i) compra de votos mediante pagamento de vale combustível; (ii) compra indireta de votos mediante o uso incomum de máquinas da Prefeitura Municipal; (iii) utilização de servidores públicos na campanha eleitoral. De outra banda, não há qualquer pertinência subjetiva com os impugnados as teses de (1) uso de veículo e verba do município por vereador em campanha eleitoral; e (2) a tese de filiações com promessas de emprego público em troca de votos, por ausência de descrição de conduta de quaisquer dos impugnados. Todavia, não é o caso de extinção do feito, mas tão somente de limitação da causa de pedir, em especial quando há o argumento de compra de voto, cerne da controvérsia eleitoral. Assim, dispensada a necessidade de audiência para saneamento do feito, fixo os seguintes pontos controvertidos: (a) houve compra de votos mediante a entrega de materiais de construção? (b) houve ameaça a eleitores para obtenção de votos? (c) houve compra indireta de votos pelo pagamento de horas extraordinárias a servidores públicos? (d) houve compra de votos mediante promessa de ingresso no IPE-SAÚDE?

 

De início, percebe-se que o recurso sequer enfrenta os fundamentos da decisão utilizados para afastar os pontos da compra de votos mediante pagamento de vale-combustível, da compra indireta de votos mediante o uso incomum de máquinas da Prefeitura e da utilização de servidores públicos na campanha eleitoral, que seria a ausência de prova pré-constituída nos autos. Assim, não há referência alguma, por exemplo, a onde estariam tais provas caso existissem, nem a elaboração de argumentação jurídica acerca da eventual necessidade do processo prosseguir sem tais provas. Da mesma forma, também não foi enfrentado o fundamento de ausência de pertinência subjetiva com os impugnados, decorrente da inexistência de descrição de qualquer conduta a eles atinente, no tocante aos pontos do uso de veículo e verba do município por vereador para campanha e de promessas de empregos em troca de votos. Por último, também não foi contrariado, minimamente, o fundamento de que “não se presta aos fins da AIME eventual falsidade da declaração de IRPF de candidato”.

 

Assim, subsistiria apenas a irresignação quanto à supressão da análise acerca da fraude em licitação e das aglomerações de campanha durante a pandemia.

 

Ocorre, contudo, que, nem quanto a tais pontos, nem quanto aos anteriormente aludidos, há qualquer menção sobre um efetivo prejuízo concreto à produção de prova ocorrida no processo. Com efeito, não há sequer alusão a algum momento em que o juiz teria obstado a produção de provas ou determinado a retirada de provas documentais já acostadas aos autos, considerando-se, aliás, que o processo já se encaminhava para a realização de audiência de instrução.

 

No que se refere à necessidade da efetiva demonstração de prejuízo concreto para que seja declarada a nulidade, é pacífica a jurisprudência do TSE, conforme julgados que seguem (grifos acrescidos):

 

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL. CUSTOS LEGIS. CIÊNCIA DE TODAS AS DECISÕES. AUSENTE DEMONSTRAÇÃO DE EFETIVO PREJUÍZO EM RAZÃO DA FALTA DE PARECER PRÉVIO. ART. 219 DO CÓDIGO ELEITORAL E 279, § 2º, DO CPC. NUIDADE INEXISTENTE. SUBSTITUIÇÃO DE CANDIDATURA. INOBSERVÂNCIA DO PRAZO. EFEITOS INEXISTENTES. REGISTRO DE CANDIDATURA. PREFEITO. INELEGIBILIDADE PREVISTA NO ART. 14, § 5º, DA CF/1988. ASSUNÇÃO DE CARGO POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL POSTERIORMENTE REVOGADA. ASSUNÇÃO EFÊMERA. DEFERIMENTO DO REGISTRO DE CANDIDATURA. DESPROVIMENTO.

1. A ausência de parecer prévio do Ministério Público não acarreta, por si só, nulidade, pois nos termos do art. 279, § 2º, do CPC, a aferição sobre eventual prejuízo é prerrogativa do Ministério Público. No caso, intimado de todas as decisões, não indicou qualquer irregularidade, prejuízo, ou exerceu sua legitimidade recursal para contra qualquer delas apresentar irresignação. Ausente demonstração de prejuízo, não se reconhece nulidade, nos termos do art. 219 do Código Eleitoral e da jurisprudência deste Tribunal Superior.

2. O pedido de substituição formulado nos autos pela Coligação ¿Fechados com o Trabalho' ocorreu somente em 14.11.2020, véspera da eleição e muito após o prazo limite para sua formulação, que era 26.10.2020. Requerimento intempestivo, pois, que efeito jurídico nenhum emana. Art. 72 da Resolução TSE n. 23.609/19.

3. Inexiste preclusão lógica para interposição de recurso a substituição da candidatura foi intempestiva e o candidato jamais deixou de buscar a reversão do indeferimento do registro de sua candidatura. Inteligência do art. 1000, parágrafo único, do Código de Processo Civil, ao especificar ¿considera–se aceitação tácita a prática, sem nenhuma reserva, de ato incompatível com a vontade de recorrer.' (g.n).

4. A capacidade eleitoral passiva constitui regra geral no ordenamento e deve ser prestigiada, restando a restrição excepcional. A razão de ser de eventuais normas restritivas é impedir que o exercente do cargo dele se valha para se perpetuar no poder, obtendo vantagem e desigualando a sadia disputa segundo os ideais democráticos e republicanos.

5. O candidato derrotado que, assumindo o mandato por força de decisão judicial posteriormente revogada, exerce mandato de forma efêmera – jamais efetiva e permanentemente –, jamais tendo sido eleito para o cargo de Prefeito, sendo descabido impor–lhe a limitação ao direito constitucionalmente assegurado à reeleição, pois o que a norma constitucional veda é o exercício efetivo e definitivo do cargo de Chefe do Poder Executivo por mais de dois mandatos sucessivos.

6. Agravo Regimental desprovido.

(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 060083883, Acórdão, Relator(a) Min. Alexandre de Moraes, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 169, Data 14.9.2021.)

 

ELEIÇÕES 2016. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTAÇÃO. CONDUTA VEDADA. ART. 73, VII, DA LEI N. 9.504/97. PREFEITO. CANDIDATO A REELEIÇÃO. IMPROCEDÊNCIA. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. PEDIDO DE DESTAQUE. JULGAMENTO DO AGRAVO REGIMENTAL MEDIANTE VOTAÇÃO EM LISTA. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO. REJEIÇÃO.

1. Consoante dispõe o art. 275 do Código Eleitoral, cuja atual redação foi conferida pelo art. 1.067 da Lei n. 13.105/15, são admissíveis embargos de declaração nas hipóteses taxativamente previstas no art. 1.022 do Código de Processo Civil, quais sejam: esclarecer obscuridade ou eliminar contradição; suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento; e corrigir erro material.

2. A embargante alega omissão no julgado, porquanto não apreciada a petição de ID nº 38560638, apresentada antes da publicação da decisão atacada, na qual se requereu a correção do julgamento, pois, a despeito de deferido pedido de destaque, o processo foi julgado em lista.

3. Embora a embargante alegue se tratar de omissão, a providência requerida – manifestação sobre o petitório protocolizado após o julgamento do agravo regimental –, além de não figurar entre as hipóteses de cabimento dos embargos de declaração, mostra–se preclusa, pois eventual inobservância do pedido de destaque deve ser suscitada na própria sessão de julgamento.

4. Este Tribunal Superior assentou a "inocorrência de cerceamento de defesa quanto ao julgamento do agravo regimental por meio de votação em lista, cristalizada a jurisprudência desta Corte Superior no sentido de que incabível sustentação oral nesta classe recursal" (ED–AgR–REspe n° 195–76/RS, ReI. Min. Rosa Weber, DJe de 18.6.2018.).

5. Vigora nos feitos eleitorais o princípio pas de nullité sans grief, consagrado no art. 219 do Código Eleitoral, segundo o qual o reconhecimento de eventual nulidade de ato processual é condicionado à demonstração de real e efetivo prejuízo, o que não ocorre nestes autos.

6. Embargos de declaração rejeitados.

(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 060005730, Acórdão, Relator(a) Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 221, Data 03.11.2020.)

 

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. REPRESENTAÇÃO POR CONDUTA VEDADA. PREFEITO. INTERESSE DE AGIR. RESPONSABILIZAÇÃO QUE NÃO REQUER A CONDIÇÃO DE CANDIDATO. DECADÊNCIA. AUSÊNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA. ART. 73, § 10, DA LEI N. 9.504/97. INEXIGÊNCIA DE POTENCIALIDADE LESIVA. AGRAVO DESPROVIDO.

1. A responsabilização pela prática das condutas descritas no art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97 prescinde da condição de candidato, bastando que o autor do ato seja agente público.

2. Diante do ajuizamento da representação em face de agente público, antes da formalização de registro de candidatura, não há decadência pela ausência de intimação do posterior candidato a Vice-Prefeito. Aplicação da teoria da asserção.

3. Não há cerceamento de defesa quando se assegura à parte acesso aos documentos carreados aos autos em sede de alegações finais, sendo necessária a demonstração de prejuízo para que seja decretada a nulidade processual. Precedentes.

4. As condutas vedadas são causas de responsabilidade objetiva, dispensando a análise de sua potencialidade lesiva.

5. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Agravo de Instrumento nº 5747, Acórdão, Relator(a) Min. Edson Fachin, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 27, Data 07.02.2020, Página 55)

 

Portanto, deve ser afastada a alegação de nulidade.

 

Assim, entendo por ausentes as nulidades apontadas na prefacial suscitada pelos recorrentes, razão pela qual rejeito a matéria preliminar.

 

3. Não conhecimento das petições e documentos protocolados durante a análise da Procuradoria Regional Eleitoral

O Recorrente juntou petição e documentos em momento processual inoportuno, inclusive quando o feito já se encontrava na Procuradoria Regional Eleitoral para análise e parecer.

Da análise de tais documentos é possível inferir que em nada contribuem para o deslinde do feito, razão pela qual deixo de conhecê-los, mantendo-os no processo apenas para o fim de eventual irresignação quanto a esta decisão eventualmente dirigida à instância superior.

Portanto, deixo de conhecer das petições e documentos de IDs 44806096, 44806097 e 44806098.

 

4. Mérito

Os fatos versam sobre supostas práticas de abuso de poder econômico e captação ilícita de votos.

O abuso de poder encontra-se normatizado no art. 22, caput e incs. XIV e XVI, da Lei Complementar n. 64/90:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:

(...)

XIV – julgada procedente a representação, ainda que após a proclamação dos eleitos, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou, além da cassação do registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico ou pelo desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação, determinando a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar, se for o caso, e de ação penal, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar; (Redação dada pela Lei Complementar n. 135/10)

(...)

XVI – para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam. (Incluído pela Lei Complementar n. 135/10)

 

Na lição de José Jairo Gomes (Direito Eleitoral Essencial, São Paulo: Editora Método, 2018, pp. 228-229):

Haverá abuso sempre que, em um contexto amplo, o poder – não importa sua origem ou natureza – for manejado com vistas à concretização de ações irrazoáveis, anormais, inusitadas ou mesmo injustificáveis diante das circunstâncias que se apresentarem e, sobretudo, ante os princípios e valores agasalhados no ordenamento jurídico. Por conta do abuso, ultrapassa-se o padrão normal de comportamento, realizando-se condutas que não guardam relação lógica com o que normalmente ocorreria ou se esperaria que ocorresse. A análise da razoabilidade da conduta e a ponderação de seus motivos e finalidades oferecem importantes vetores para a apreciação e o julgamento do evento; razoável, com efeito, é o que está em consonância com a razão.

(...)

No Direito Eleitoral, o abuso de poder consiste no mau uso de direito, situação ou posição jurídicas com vistas a exercer indevida e ilegítima influência em dada eleição. Para caracterizá-lo, fundamental é a presença de uma conduta em desconformidade com o Direito (que não se limita à lei), podendo ou não haver desnaturamento dos institutos jurídicos envolvidos. No mais das vezes, há a realização de ações ilícitas ou anormais, denotando mau uso de uma situação ou posição jurídicas ou mau uso de bens e recursos detidos pelo agente ou beneficiário ou a eles disponibilizados, isso sempre com o objetivo de influir indevidamente em determinado pleito eleitoral.

 

As práticas abusivas, nas suas diferentes modalidades, não demandam prova da sua interferência no resultado da votação, mas, tão somente, da gravidade das condutas para afetar o equilíbrio entre os candidatos e, com isso, causar mácula à normalidade e à legitimidade da disputa eleitoral (TSE, AIJE n. 060177905, Acórdão, Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, DJE de 11.3.2021.), valores tutelados pelo art. 14, § 9º, da Constituição Federal:

Art. 14. (...)

(...)

§9º. Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

(Grifei.)

 

No que respeita especificamente ao abuso de poder econômico, é necessário que a conduta abusiva tenha em vista processo eleitoral futuro ou em curso, concretizando ações ilícitas ou anormais, das quais se denote o uso de recursos patrimoniais detidos, controlados ou disponibilizados ao agente, que extrapolem ou exorbitem, no contexto em que se verificam, a razoabilidade e a normalidade no exercício de direitos e o emprego de recursos, com o propósito de beneficiar determinada candidatura, provocando a quebra da igualdade de forças que deve preponderar no âmbito da disputa eleitoral.

Trata-se de instituto aberto, não sendo definido por condutas taxativas, mas pela sua finalidade de impedir práticas e comportamentos que extrapolem o exercício regular e legítimo da capacidade econômica e de posições públicas dos candidatos, capazes de causar indevido desequilíbrio ao pleito.

A quebra da normalidade do pleito está vinculada à gravidade da conduta capaz de alterar a simples normalidade das campanhas, sem a necessidade da demonstração de que sem a prática abusiva o resultado das urnas seria diferente.

Por sua vez, a captação ilícita de sufrágio (compra de voto) tem previsão legal no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, cuja redação a seguir transcrevo:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinquenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar n. 64, de 18.5.1990. (Incluído pela Lei n. 9.840/99)

§ 1º Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir. (Incluído pela Lei n. 12.034/09)

§ 2º As sanções previstas no caput aplicam-se contra quem praticar atos de violência ou grave ameaça a pessoa, com o fim de obter-lhe o voto. (Incluído pela Lei n. 12.034/09)

 

Por conseguinte, é necessária a demonstração de que o candidato realizou uma das condutas da supracitada norma, mesmo que não seja possível determinar exatamente qual foi o eleitor eventualmente corrompido.

Postas essas considerações teóricas, passo à análise do caso concreto.

Inicialmente, cabe ressaltar que o feito restringe-se a analisar as seguintes irresignações:

a) Suposta compra de votos mediante a entrega de materiais de construção e pagamento de R$ 200,00 (duzentos reais);

b) supostas ameaças a eleitores para obtenção de votos;

c) suposta compra indireta de votos mediante pagamento de horas extraordinárias a servidores públicos; e

d) suposta compra de votos mediante promessa de ingresso no IPE-SAÚDE.

 

A) Da suposta compra de votos mediante a entrega de materiais de construção e pagamento de R$ 200,00 (duzentos reais)

O conjunto probatório traz como prova indiciária imagem de caminhão Mercedes 608 vermelho (ID 42182883), que seria de JAIRO SCAPIN, também conhecido como “Bureco”, arrolado como testemunha pelos impugnados, o qual, a mando do candidato a Prefeito ANDRÉ ROSSATO, teria entregue materiais de construção para os eleitores VILCEMAR GOMES, MARIA MARGARIDA GOMES, SANDRA DE SOUZA e FABIANO CAMILO, entre outros, em troca do voto do pretendente ao cargo maior do Poder Executivo municipal de Nova Palma:

 

 

Os recorrentes também sustentam que o candidato a Prefeito ANDRÉ LUIZ ROSSATO teria visitado a eleitora VALÉRIA PRADO DOS SANTOS e lhe oferecido R$ 200,00 (duzentos reais) e ajuda aos filhos caso esta nele votasse.

Buscando corroborar a prova indiciária, os recorrentes trouxeram aos autos declarações de SUELE KITTEL, MARIA MARGARIDA GOMES, VILCEMAR GOMES, NATAN GOMES, CLERI FEREIRA DOS SANTOS, DAGOBERTO DE MORAES e VALÉRIA PRADO DOS SANTOS, colhidas no escritório do advogado e vereador eleito pelo Partido Progressistas (PP) ADALBERTO PIOVEZAN (IDs 42182783, 42182833, 42182933, 42182983 e 42183033).

Trouxeram também áudios de ADAMIR VESTENA ROGER, LEONARDO FERRAZ e CLEUSON CAVALHEIRO DOS SANTOS (IDs 42183083, 42183133, 42183183, 42183233, 42183283, 42183333 e 42186483).

Cabe esclarecer que os declarantes MARIA MARGARIDA GOMES, VILCEMAR GOMES e NATAN GOMES são, respectivamente, mãe e filhos. De igual modo, cabe informar que são parentes de FABIANO GOMES CAVALHEIRO (“FABINHO”), sendo MARIA irmã deste, e VILCEMAR e NATAN, sobrinhos.

Por fim, o advogado que colheu as declarações é vereador eleito pelo mesmo partido integrante do polo ativo da presente ação, e um dos ora recorrentes.

Durante a instrução foram colhidos os testemunhos de VALÉRIA PRADO DOS SANTOS, VILCEMAR GOMES, MARIA MARGARIDA GOMES, NATAN GOMES, CLEUSON CAVALHEIRO DOS SANTOS e SUELEN KITTEL, pelos recorrentes, e VINICIUS TOMAZZI e JAIRO SCAPIN (“BURECO”), pelos recorridos (todos constantes na Ata de Audiência ID 42186733).

Pois bem.

Adianto que não vejo razões para reformar a bem lançada sentença, a qual analisou a prova de forma minuciosa, atenta e precisa, concluindo pela inexistência de prova robusta da suposta compra de voto mediante a entrega de materiais de construção ou dinheiro, nem gravidade suficiente para comprometer a normalidade e legitimidade do pleito, visto a subsistência de apenas um testemunho hígido a corroborar a tese dos representantes.

Transcrevo excerto da decisão (ID 42188233):

I - Da alegada compra de votos mediante a entrega de materiais

 

O argumento começa com a afirmação de que a pessoa jurídica TOMAZI STEFANELLO MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO Ltda. tinha lista enviada pelos réus com nome de pessoas que poderiam retirar materiais de construção. O juízo consultou o documento juntado pelos autores (Id. 68867016) no sítio eletrônico da SRFB, na consulta pública de certidões, de modo a perquirir se "Bureco", ou Jairo Scapin, a quem os autores apontam como o executor da entrega de materiais, tem qualquer relação com pessoa jurídica mencionada.

 

O resultado é negativo; aliás, sequer arrolaram quaisquer dos sócios da pessoa jurídica, relegando aos impugnados a indicação de Vinícius Tomazi como testemunha. Tampouco conseguiram os impugnantes a alegada lista, na medida em que o acervo documental juntado por ocasião da petição inicial não traz dita lista nem mencionam quem teria lhes passado tal informação.

 

Essa testemunha quando inquirida se teria recebido pedido para entregar materiais em função da campanha respondeu que não, sem que a parte autora tivesse conseguido extrair de algum modo informação que o comprometesse com quem quer que seja (Id. 82241870). Ainda, a enfraquecer a tese colaciona-se o depoimento de JAIRO SCAPIN, vulgo "Bureco", o qual - em depoimento confuso - disse que vendeu materiais de construção para Vilcemar Gomes e que não tem a nota fiscal do material vendido porque ora não lhe pagou ora não tinha os dados do comprador para fazer a NFe (Id. 82241862).

 

Em sequência, seguindo a leitura da petição inicial, o argumento se volta para SUELEN KITTEL. Esta teria firmado declaração no sentido de que houve o fornecimento de tábuas para Sandra de Souza e Fabiano Camillo pela troca de votos (Id. 68867018). A lógica implicaria que os impugnantes arrolassem Sandra de Souza e Fabiano Camillo - o que inclusive fora observado pelos impugnados nas alegações finais -, não SUELEN KITTEL, que na sequência da declaração afirma que o impugnado André, em que pese tenha lhe prometido ditas tábuas afirmou que não possuía compromisso nenhum consigo.

 

Seu depoimento, em parte, favorece o impugnado porquanto começa afirmando que teria obtido a promessa de tábuas bem antes das eleições quando procurou o Prefeito para contar-lhe algo que não esclareceu em seu depoimento (Id. 82252297). Na sequência, se contradiz dizendo que "Piduca" em dias antes das eleições teria ido até sua pessoa e pedido votos para o impugnado e, quando indagada se foram essas as palavras, afirmou que "pelo que deu para entender, sim".

 

Por fim, não se pode perder de vista que seu depoimento é manifestamente ressentido. Primeiro porque teve o pedido de auxílio negado e, segundo, porque "amiga" sua teria recebido casa inteira, mesmo já tendo outro imóvel no dito loteamento Santa Luzia. Indica, todavia, duas pessoas que teriam vendido seus votos em troca de material.

 

Continuando na leitura da petição inicial, sucedem as declarações de VILCEMAR GOMES e MARIA MARGARIDA GOMES (Id. 68867019), filho e genitora, o primeiro declarando ter recebido materiais em troca de votos e a segunda tendo testemunhado a entrega, inclusive ilustrando-a com fotografia (Id. 68867020). De se observar que em seu depoimento disse que teria recebido o material mesmo sem ter prometido votar nos candidatos (Id. 82235932). Ainda, aquele que acusa como sendo o intermediário dos impugnados tanto no pedido de voto quanto na entrega de material, Fabiano (Fabinho) Gomes Cavalheiro, é seu parente e não possuem boa relação entre si. Ao final de seu depoimento, acresceu que não se utilizou do material porque não teria votado nos candidatos.

 

MARIA MARGARIDA GOMES confirma que seu irmão Fabinho teria entregue o material para que direcionassem os votos para os impugnados e para o vereador "Piduca" (Rodrigo Severo). A testemunha fora indagada pelo procurador dos autores se sabia de outro cidadão de Nova Palma ter recebido proposta, material ou dinheiro para direcionar seu voto e sua resposta fora negativa (Id. 82241860).

 

Cleri Ferreira dos Santos e Dagoberto de Moraes não foram arrolados como testemunhas e as declarações juntadas por si não fazem indicação de quem seria o morador do loteamento acima da gruta Nossa Senhora de Lourdes que teria recebido material durante a campanha eleitoral (Id. 68867022).

 

Continuando na leitura da exordial, sucede o depoimento de VALÉRIA PRADO DOS SANTOS, a qual confirmou sua declaração no ponto em que o primeiro impugnado, André Rossato, teria oferecido R$ 200,00 para que votasse nele (Id. 68867023 e Id. 82235947). Questionada se conhecia quaisquer das outras testemunhas disse não conhecê-las, bem como não saber de outras pessoas que obtiveram a mesma proposta. Muito embora, o procurador do impugnado, por ocasião da inquirição tenha feito a ligação entre eventual trabalho de advocacia entre a testemunha e aquele que colheu a declaração, o seu depoimento fora compromissado e ao ser questionada pelo Ministério Público Eleitoral não titubeou em afirmar que se tratava de declaração veraz.

 

CLEUSON CAVALHEIRO DOS SANTOS em extenso depoimento direciona toda sua argumentação a Fabiano Gomes Cavalheiro, tendo inclusive demonstrado a existência de ameaça via telefone de seu tio contra sua pessoa (Id. 78178172); isso porque teria gravado o tio confessando crimes eleitorais praticados por sua pessoa a mando dos impugnados (Ids. 68067033 a 68067039). Da análise dos áudios extrai-se o seguinte:

 

- o primeiro dos áudios (Id. 68067033) é manifestamente bravateiro, no qual o interlocutor afirma que faz o que faz por dinheiro ("[...] o meu negócio era pila [...]");

 

- o segundo (Id. 68067034) contém uma ameaça de que vai matar, mas não se sabe a quem e se depreende que o ameaçado sequer se encontra presente;

 

- o áudio seguinte seria o supostamente revelador (Id. 68067035); afirma que os impugnados teriam gasto cerca de R$ 300 mil, para depois emendar e dizer que seria todo o grupo político ("[...] o André gastou R$ 300 mil... o André que eu digo o geral sabe? [...]"). Teria essa informação porque, em tese, ele fora buscar o material de campanha em Porto Alegre; ainda afirmou que Beto Fantinel e Rui Dalla Fávera (ao menos fora o que o juízo compreendeu) teriam aportado R$ 100 mil cada, além de contribuições outras, inclusive do ex-governador José Ivo Sartori, a quem se refere como o "gringo";

 

- no quarto áudio afirma que teria pego R$ 12 mil para si (Id. 68067036), mesmo tendo dado muita coisa ("[...] cerveja eu ia tocando... [...]") e que estaria cheio de gasolina com medo que risquem fogo no quartinho;

 

- os dois áudios seguintes (Id. 68067038 e Id. 68067039) narram desentendimento de Fabiano Gomes Cavalheiro com Natan Gomes, sem relação com os impugnados, embora pareça ter motivação política;

 

- o último áudio fora juntado após a realização da primeira audiência de instrução (Id. 78178172), no qual Fabiano Gomes Cavalheiro ameaça e lança injúria racial contra Cleuson Cavalheiro dos Santos, sem que seja consignado o motivo embora a vítima afirme que sejam as gravações dos ditos crimes eleitorais praticados.

 

Percebe-se que dois seriam os áudios comprometedores, os de Id. 68067035 e Id. 68067036. O primeiro deles retrata arrecadação excessiva de valores para gastos em campanha. O limite de gastos em campanha fora testado em 2016 e, atualmente, está disciplinado na Resolução TSE n. 23.607/19.

 

No ponto é de se consignar que a arrecadação excessiva, por si só, não perfaz qualquer ilícito eleitoral, impondo a seu beneficiário que se sujeite ao limite de gastos e transfira as sobras financeiras de campanha eleitoral ao órgão partidário, com a respectiva prestação de contas. A não observância dos limites implica em multa no equivalente de 100% da quantia que exceder o limite e possível investigação por abuso do poder econômico - inteligência dos art. 6º e art. 96 da Resolução.

 

Tomado o primeiro áudio como veraz - por hipótese - a única informação que se extrai é que a arrecadação ultrapassou o limite de gastos determinados por resolução, em R$ 123.077,42 e não condiz com a receita informada pelos impugnados, em R$ 13.412,00, no sistema DivulgaCandContas do TSE (Conferir em: https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/87653/210000752567/integra/receitas). Por si só, a informação não se traduz em crime eleitoral; para tanto seria preciso fazer a prova de que os valores foram arrecadados e destinados para campanha eleitoral de modo escuso.

 

Quiçá o segundo áudio, outra vez tomado por hipótese como veraz, poderia informar o destino: compra de cerveja para distribuição, aquisição de gasolina para repasse, daí o receio do suposto confessor de que pusessem "fogo no quartinho" entre outros. Ocorre que a prova do abuso do poder econômico não pode ser isolada - confissão espontânea de um indivíduo - tanto que a legislação eleitoral demanda Ação de Investigação Judicial Eleitoral - AIJE (art. 30-A da Lei n. 9.504/97), a qual ostenta e permite instrução e dilação probatória mais ampliada que a AIME, ora processada.

 

É bem verdade que a AIJE tem prazo decadencial para ser exercida - 15 (quinze) dias a contar da diplomação. Ocorre que os impugnantes já eram sabedores dos áudios desde 16 de dezembro de 2020, ao menos é a data em que reconhecida a assinatura de CLEUSON CAVALHEIRO DOS SANTOS na declaração juntada aos autos (Id. 68867041). Dado que a diplomação dos eleitos em Nova Palma se deu em 15 de dezembro de 2020, havia prazo bastante e suficiente, ao menos para atacar os impugnados por outra via que não a de cognição estreita.

 

Isso para quem toma os dois áudios como verazes e não meras bravatas de quem ia matar, fazer e acontecer, porquanto este Juiz Eleitoral, que exerce a titularidade da Vara Judicial da Comarca, não teve notícia de qualquer fato típico envolvendo Cleuson e Fabiano. Aliás, se eventualmente os áudios forem considerados como retratos verdadeiros do que ocorrera em campanha, é de se aperceber que há áudio no qual se escuta que havia pressão e intimidação de ambos os lados (a se conferir Id. 68867026).

 

Ademais, essa prova é controvertida pelos depoimentos de JOÃO ALBERTO GHISLENI que, em seu depoimento, disse ser boato a remessa de dinheiro por parte de deputado e ex-governador, acrescendo que Vilcemar exerce atividade laboral a um dos impugnantes e, ainda, teria puxado facão para Fabiano no dia das eleições (Id. 82235949). No mesmo sentido o depoimento de ALAN PIPPI, contador da campanha dos impugnados, o qual negou a remessa de dinheiro de Beto Fantinel (no áudio como "deputado") ou de José Ivo Sartori (no áudio como "gringo") para a campanha dos impugnados e confirmou a briga entre Vilcemar e Fabiano nas proximidades do Clube Guarani no dia das eleições (Id. 82241861).

 

As outras testemunhas não foram relevantes para o ponto controvertido.

 

Pois bem, no que concerne a tese de compra de voto mediante a entrega de materiais e/ou dinheiro, quer parecer frágil a prova produzida pelos autores. Isso porque, se correta a premissa assentada no início da fundamentação, a conduta deve ostentar gravidade bastante e suficiente para comprometer a normalidade e a legitimidade do pleito.

 

É digno de nota que, das cinco testemunhas arroladas pelos impugnantes, três deles da mesma família e com suspeita de desentendimento com o suposto cabo eleitoral Fabiano Gomes Cavalheiro, nenhum alienou seu voto, tanto que afirmam que não votaram nos impugnados, tampouco sabem indicar outras pessoas que teriam recebido material de construção ou qualquer outro benefício dos impugnados. Ainda, apenas SUELEN KITTEL indica duas pessoas que teriam trocado seu voto por material, as quais não foram arroladas pelos impugnantes, que tinham o ônus de provar eventual compra de voto. A única conduta, em princípio comprovada, são os R$ 200,00 oferecidos e não aceitos por VALÉRIA PRADO DOS SANTOS que teria afirmado ao próprio impugnado que não votaria nele pois queria mudança.

 

Logo, não se pode concluir que a conduta dos impugnados, ao menos em relação a VALÉRIA PRADO DOS SANTOS, única que demonstra maior higidez, tenha sido bastante e suficiente para comprometer a normalidade e a legitimidade do pleito porque sequer atingiu seu fim. Seguindo a jurisprudência é de se afastar eventual impugnação de mandato por esse fundamento:

 

RECURSOS. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. CONDUTA VEDADA A AGENTE PÚBLICO.PREFEITO E VICE. ELEIÇÕES 2016. LICITUDE DA GRAVAÇÃO AMBIENTAL. OFERTA DE VANTAGENS EM TROCA DO VOTO.PUBLICIDADE INSTITUCIONAL. VEICULAÇÃO DE PROPAGANDA ELEITORAL EM PÁGINAS PESSOAIS DO FACEBOOK. SERVIDORES PÚBLICOS. REALIZAÇÃO DE ATOSDE CAMPANHA ELEITORAL DURANTE O HORÁRIO DE EXPEDIENTE. DESPROVIMENTO DO RECURSO DOS REPRESENTANTES. PROVIMENTO PARCIAL AO APELO DOS REPRESENTADOS. REDUÇÃO DA MULTA.

1. [...].

2. Captação ilícita de sufrágio. Art. 41-A da Lei n. 9.504/97. Alegada entrega de ranchos, dinheiro e vales-rancho a diversos eleitores em troca do voto. Promessa de benesse a eleitora. Conjunto probatório – gravação ambiental e prova testemunhal – insuficiente para comprovar a prática do ilícito. Imprecisão da prova produzida, inapta a demonstrar que os votos foram conquistados irregularmente. Tampouco evidenciada a participação ou anuência dos representados nos fatos descritos.

3. [...].

4. [...].

(TRE/RS: Recurso Eleitoral n. 55335, Acórdão de 27.9.2018, Rel. GERSON FISCHMANN, DEJERS, Tomo 178. Data 01.10.2018, p. 04).

 

RECURSO. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41-A DA LEI N. 9.504/97. ELEIÇÕES 2016. PREFEITO E VICE. CANDIDATOS ELEITOS. PRELIMINAR DE CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO ACOLHIDA. MÉRITO. COMPRA DE VOTOS. ART. 368-A DO CÓDIGO ELEITORAL. PARTICIPAÇÃO, NA FORMA DE CIÊNCIA OU ANUÊNCIA, NA COMPRA DE VOTOS POR TERCEIROS. AUSENTE PROVA ROBUSTA E INCONTROVERSA. REFORMA DA SENTENÇA. AFASTADA CONDENAÇÃO. PROVIMENTO.

1. [...].

2. Mérito. Captação ilícita de sufrágio. A teor do art. 368-A do Código Eleitoral, a prova testemunhal singular, quando exclusiva, não será aceita nos processos que possam levar à perda do mandato. No caso, o juízo sentenciante fundamentou a condenação com base unicamente no depoimento de dois eleitores supostamente aliciados. Improcedência da ação. 2.1. Participação, na forma de ciência ou anuência, em compra de votos realizada por terceiros, não candidatos. Ausente prova robusta e incontroversa da prática de captação ilícita de sufrágio. Para a configuração da conduta ilícita não se admitem meras presunções quanto ao encadeamento dos fatos e o proveito eleitoreiro, devendo ser afastadas as condenações impostas. Provimento do recurso. Reforma da sentença.

(TRE/RS: Recurso Eleitoral n. 55420, Acórdão de 17.7.2018, Rel. SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES).

 

RECURSO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. VEREADOR. ELEIÇÃO 2016. PRELIMINAR DE INÉPCIA RECURSAL AFASTADA. MÉRITO. PROVA CARREADA AOS AUTOS SUFICIENTE PARA DEMONSTRAR A PRÁTICA DE COMPRA DE VOTOS. FORNECIMENTO DE VALES-COMBUSTÍVEL EM TROCA DO VOTO. ABUSO DO PODER ECONÔMICO NÃO CARACTERIZADO. PROVIMENTO PARCIAL. MULTA. CASSAÇÃO DO DIPLOMA.

1. [...].

2. Mérito. Os elementos necessários a comprovar a captação ilícita de sufrágio são os seguintes: a) a conduta de doar, oferecer, prometer ou entregar bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza ao eleitor, ocorrida durante o período entre o registro de candidaturas e a data da eleição, com participação direta ou indireta do candidato; b) a especial finalidade de obter o voto; c) o direcionamento da conduta a eleitor(es) determinado(s) ou determinável(eis). Na espécie, a prova carreada (documental e testemunhal) demonstrou a ocorrência da captação ilícita de sufrágio mediante a distribuição de vales combustível a eleitores em troca do voto.

3. Não verificada, entretanto, a gravidade das circunstâncias apta a caracterizar o abuso do poder econômico e desequilibrar a isonomia entre os candidatos.

4. [...].

5. Provimento parcial. Aplicação de multa. Cassação do diploma.

(TRE/RS: Recurso Eleitoral n. 47934, Acórdão de 16.7.2018, Rel. LUCIANO ANDRÉ LOSEKANN).

 

No que diz respeito ao argumento dos recorrentes de que a pessoa jurídica TOMAZI STEFANELLO MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO Ltda. tinha lista enviada pelos réus com nome de pessoas que poderiam retirar materiais de construção, o Magistrado foi percuciente ao consultar o documento juntado pelos autores (ID. 42182683) no sítio eletrônico da SRFB, na consulta pública de certidões, a fim de verificar se "Bureco", ou Jairo Scapin, a quem os autores apontam como o executor da entrega de materiais, teria qualquer relação com a aludida pessoa jurídica. E, como bem ressaltou o Magistrado, o resultado foi negativo.

Chama também a atenção o fato de os representantes não arrolarem os sócios da referida empresa, o que foi feito apenas pelos impugnados, os quais arrolaram VINICIUS TOMAZZI na condição de testemunha.

Quanto à suposta lista indicando os eleitores beneficiados que poderiam retirar materiais de construção junto à empresa, inexiste qualquer prova nos autos que corrobore tal assertiva.

Em sua inquirição em Juízo (ID 42187483, transcrito no parecer da PRE ID 44834044), VINICIUS TOMAZZI afirmou que:

“trabalha em loja de materiais de construção como gerente. Que conhece Natan Gomes, Maria Margarida Gomes, Vilcemar Gomes e Cleuson Cavalheiro Santos. Que vendeu materiais de construção a eles. Que compraram cimento, materiais elétricos, materiais de construção em geral. Que não sabe quando exatamente compraram, pois a obra não foi muito rápida e os pagamentos não eram consistentes. Que fez diversas entregas a eles. Perguntado se expediu nota fiscal, afirmou que o cliente tem a opção de colocar a nota no seu CPF ou não, mas é gerado cupom fiscal, sim. Que conhece vagamente Suelen Kittel, a qual veio ao depoente pedir dinheiro para comprar comida. Que não tem partido. Perguntado pelo advogado dos impugnantes, afirmou que participa de licitações para o fornecimento de materiais de construção. Que a última vez que participou foi em 2020. Que não pode fornecer as notas fiscais das compras afirmadas em nome de Vilcemar Gomes, Natan Gomes, Maria Margarida Gomes e Cleuson Santos, pois não pode precisar a data nem a condição da pessoa que realizou a compra. Que, assim, somente consegue o relatório mensal das notas fiscais.”

 

Ou seja, do testemunho não há nada que corrobore de forma robusta as alegações dos autores, razão pela qual bem concluiu o Magistrado ao esclarecer que VINICIUS, quando inquirido em Juízo “se teria recebido pedido para entregar materiais em função da campanha respondeu que não, sem que a parte autora tivesse conseguido extrair de algum modo informação que o comprometesse com quem quer que seja”.

E no mesmo sentido é o testemunho de JAIRO SCAPIN (“BURECO”), não compromissado pois declarou-se inimigo de um dos autores da ação, ADROALDO SANTI.

Transcrevo o testemunho de JAIRO (ID 42187333, consignado no parecer da PRE ID 44834044):

“ao ser perguntado pelo Procurador dos impugnados, respondeu que entregou madeira na casa de Vilcemar Gomes, pois, “um mês antes da eleição, ele pediu madeira para fazer cobertura da casa dele, e eu disse eu entrego mediante pagamento, quando estiver lá eu descarrego o caminhão, o senhor tem que me pagar a madeira, e depois o senhor me dá todos os dados que eu faço a nota fiscal eletrônica, se passou todo esse tempo, simplesmente ele não me pagou, ele tem mais dívida comigo de tábua, uns sete oito meses atrás ele ficou de me pagar e não me pagou, e eu disse tu me paga que eu te dou a nota fiscal eletrônica”. Que passou todo esse tempo e simplesmente não foi pago. Perguntado se sabia da ligação de Vilcemar com Adroaldo Santi, respondeu que Vilcemar trabalhou como cabo eleitoral. Que cobrou a dívida de Vilcemar, mas que essa gente vai empurrando para a frente, e que disse para ele ‘se tu quiser pagar, tu paga, senão quiser pagar, fica da tua consciência, não tem problema nenhum’. Que ajuda todo mundo em Nova Palma, hospital, igreja. Perguntado se havia uma briga política generalizada em Nova Palma, respondeu que vem sofrendo ameaças. Perguntado pelo Procurador dos impugnantes, respondeu que o seu apelido é Bureco, e que não pôde ser cabo eleitoral de Andre Rossato apesar de este ser como seu irmão, pois dez dias antes da eleição ficou trancado dentro de casa por conta das ameaças de morte sofridas. Que compra madeira com nota fiscal e, quando vende, tira nota eletrônica. Que entregou a mercadoria para Vilcemar, mas que não tirou nota, pois Vilcemar não passou seus dados, dizendo que precisava da madeira urgentemente para tapar a casa. Que reconhece a fotografia como sendo seu caminhão e ele sobre o caminhão, descarregando mercadoria para Vilcemar. Que conhece Fabinho, mas que não tem conhecimento do papel de Fabinho na campanha de André Rossato. Que a origem da madeira que foi para Vilcemar é da sua propriedade. Que entregou madeira para outros parentes do Vilcemar, e que todos pagaram, havendo emissão de nota fiscal. Que Maria Margarida não recebeu madeira, tendo apenas ajudado a descarregar. Que não entregou madeira a Natan Gomes.

 

Infere-se do testemunho que JAIRO reconheceu seu caminhão na foto trazida pelos impugnantes, bem como afirmou ser ele a pessoa a descarregar madeira na casa de VILCEMAR GOMES. Contudo, alega que vendeu materiais de construção para VILCEMAR GOMES, mas que não emitiu a nota fiscal do material vendido porque este não lhe pagou e também não tinha os dados para fazer o consequente documento fiscal eletrônico. Assim dizendo, a questão se avizinha mais com um ilícito fiscal do que como prova robusta de compra de votos.

Quanto à declarações e testemunho de SUELEN KITTEL (IDs 42182783, 42187822 e 42182733), tenho que aqui se encontre a conduta mais reprovável verificada neste feito. Isso porque a referida eleitora reconhece explicitamente que buscava uma vantagem em troca do seu voto. E mais. Não qualquer vantagem, mas uma que fosse de igual monta a que supostamente teria sido angariada por Sandra de Souza e Fabiano Camillo, casal que teria recebido madeiras para a construção de “uma casa inteira”.

Colaciono o testemunho de SUELEN (ID 42187822, transcrito no parecer da PRE ID 44834044):

Perguntada pelos impugnantes, disse que procurou o Ministério Público porque foi ao Prefeito André Rossato para ver se conseguia uma casa, visto que morava em situação precária, em um galpão com seus filhos, e que, bem antes das eleições, ele havia prometido a ela três dúzias de tábuas. Disse que esperou e depois voltou lá e ele disse que no momento não poderia ajudar. Que esperou mais, e, depois de um tempo, foi lá de novo, ocasião em que o Prefeito negou, dizendo que não podia ajudá-la. Disse que para uma amiga sua foi dada uma casa inteira em plena campanha eleitoral. Que, quem foi falar com a depoente na época foi o vereador Piduca, que disse que o André se comprometeu de ajudá-la com três dúzias de tábuas a ela, fato que teria ocorrido “umas três semanas antes da política”. Perguntada sobre se a promessa de entrega foi condicionada ao voto no vereador e em André, a testemunha respondeu que, “pelo que deu a entender, sim”, que ele não teria querido ajudá-la por isso. Perguntada sobre outras pessoas que teriam recebido algum bem ou valor em troca de voto, informou que conhece, nominando-os como Sandra de Souza e Fabiano Camelo. Que, com relação a Sandra, Bureco, cabo eleitoral de André, deu a ela uma casa inteira, e que ela e seu marido falaram à depoente que foi André quem deu a casa, e que ela só construiu. Que a depoente foi até o local e viu a casa e as tábuas, e que Sandra e o marido falaram que foi o André que deu para ela, a fim de que votasse nele. Perguntada pela defesa, disse que compareceu ao cartório para registrar um documento, e que foi ela quem o redigiu. Disse que se indignou com André pois ele não podia ajudar a depoente e Sandra de Souza recebeu uma casa inteira só para votar nele. Afirmou que a assistência social não estava abrindo inscrição para a entrega de casas. Que acha que André negou porque achou que a depoente não votou nele, e que por isso que denunciou ele. Indagada, disse que a promessa ocorreu bem antes das eleições, e que, logo antes das eleições, procurou André, e que ele respondeu que não poderia ajudá-la, que não possuía compromisso nenhum com a depoente. Que não entende porque André ajudou os outros e não a depoente.

 

Como bem consignou o Magistrado sentenciante, como SUELEN afirmou que houve o fornecimento de tábuas para Sandra de Souza e Fabiano Camillo pela troca de votos (ID 42182783) – o que já havia declarado de forma anônima junto ao Ministério Público Eleitoral (ID 42182733) –, “a lógica implicaria que os impugnantes arrolassem – o que inclusive fora observado pelos impugnados nas alegações finais –, não SUELEN KITTEL, que na sequência da declaração afirma que o impugnado André, em que pese tenha lhe prometido ditas tábuas afirmou que não possuía compromisso nenhum consigo”.

Com razão o Magistrado. Por qual motivo os impugnantes não arrolaram Sandra de Souza e Fabiano Camillo como testemunhas, se estes receberam “uma casa inteira” em madeiras?

Com certeza o testemunho de SUELEN acaba por corroborar a tese de defesa. Seja pela sua conduta eticamente condenável, seja pelo reconhecimento de uma conduta eleitoral reprovável – troca de voto por benesses. E nesse sentido foi bem o Magistrado ao referir que SUELEN “começa afirmando que teria obtido a promessa de tábuas bem antes das eleições quando procurou o Prefeito para contar-lhe algo que não esclareceu em seu depoimento. Na sequência, se contradiz dizendo que ‘Piduca’ em dias antes das eleições teria ido até sua pessoa e pedido votos para o impugnado e, quando indagada se foram essas as palavras, afirmou que ‘pelo que deu para entender, sim’”.

E em seu testemunho, SUELEN ainda afirma que “se indignou com André pois ele não podia ajudar a depoente e Sandra de Souza recebeu uma casa inteira só para votar nele”. Disse ainda, “que a promessa ocorreu bem antes das eleições, e que, logo antes das eleições, procurou André, e que ele respondeu que não poderia ajudá-la, que não possuía compromisso nenhum com a depoente. Que não entende porque André ajudou os outros e não a depoente”. Ou seja, a única conclusão que se pode extrair dos fatos, é que SUELEN tentou vender seu voto, mas ANDRÉ disse que nada podia fazer quanto a isto.

Ademais, cabe referir o patente ressentimento de SUELEN por ter tido seu pedido negado e por sua “amiga” ter supostamente recebido “uma casa inteira” em troca dos votos dela e de seu marido.

Assim, concluo que as declarações de SUELEN não conduzem a um juízo coerente a corroborar a prática de captação ilícita de sufrágio. Suas declarações, a meu ver, não passam da seara do boato, disse me disse, não podendo ser levadas em conta para a decretação de um juízo condenatório, quanto mais para a eventual cassação de candidato eleito em pleito transcorrido dentro da normalidade.

Por fim, cabe ainda referir que, embora SUELEN tenha procurado o Ministério Público Eleitoral de Faxinal do Soturno - cuja competência abrange Nova Palma - e denunciado os mesmos fatos de forma anônima, não há nos autos notícia de que aquele órgão ministerial tenha tomado alguma providência a respeito.

Em relação às declarações de VILCEMAR GOMES, MARIA MARGARIDA GOMES e NATAN GOMES, de igual modo compreendo que não se prestam a comprovar a prática de conduta eleitoral ilícita pelos representados.

Inicialmente, cabe ressaltar o grau de parentesco entre VILCEMAR, NATAN, MARIA MARGARIDA e o acusado de intermediar a compra e venda de votos e entrega de materiais, FABIANO GOMES CAVALHEIRO (“FABINHO”). Como já anteriormente referido, VILCEMAR e NATAN são filhos de MARIA MARGARIDA. E esta é irmã de FABIANO. Ou seja, MARIA MARGARIDA é irmã de FABIANO e VILCEMAR e NATAN são sobrinhos deste. Dos depoimentos que a seguir transcreverei, é possível perceber nuances de desavenças de MARIA MARGARIDA, VILCEMAR e NATAN em relação à FABIANO.

Tal circunstância é inferida por situações ocorridas no passado que não são bem explicadas pelas testemunhas, mas que trazem a convicção de uma relação em desarmonia. VILCEMAR, por exemplo, apesar de declarar que não brigou recentemente com FABIANO, narra que “uns anos atrás, Fabinho morava junto com o depoente, que ainda era menor, e, por conta de uma ‘sujeira’ que Fabinho fez na cidade, teriam sido (parados) (inaudível) por causa dele (…) que, um tempo atrás, quando o depoente era menor, Fabinho ‘fez umas coisas erradas na cidade e, como nós éramos parentes, acabou sobrando para todo mundo, então, ficamos mal falados na cidade’”. Já MARIA MARGARIDA afirmou que “Vilcemar e Natan não se dão muito bem com Fabinho”. Por sua vez, NATAN referiu que “com relação a Fabinho Gomes, até um tempo atrás se davam bem, até era padrinho da filha do depoente, porém acabaram se afastando por causa da política, uma vez que ele teria feito umas coisas desagradáveis no seu modo de ver”.

Transcrevo, a seguir, os testemunhos de VILCEMAR, MARIA MARGARIDA e NATAN (IDs 42186783, 42186833, 42186883, 42186933, 42186983, 42187033, 42187083, todos consignados no parecer da PRE ID 44834044).

Testemunho de VILCEMAR GOMES:

“confirmando terem a ele sido diretamente ofertados materiais de construção em troca de votos, o que se deu por meio do seu tio Fabiano Gomes Cavalheiro (Fabinho), cabo eleitoral do vereador Piduca e do candidato a prefeito André Rossato. Nesse sentido, questionado pelo procurador dos impugnantes, confirmou que assinou, de livre e espontânea vontade, a declaração de que teria recebido, em troca de voto para o candidato André Rossato, materiais de construção para a sua casa. Vilcemar, aliás, afirmou por diversas vezes que não brigou com Fabinho, em certo momento até interrompendo o advogado dos impugnados enquanto este ainda construía pergunta sobre se seu irmão Natan teria brigado com Fabinho como o depoente, ocasião em que este disse “não, eu não briguei com o Fabinho”, bem como que, até onde sabe, Natan não brigou com o Fabinho. Indagado sobre o que Fabinho teria feito contra o depoente para este não gostar dele, asseverou que, uns anos atrás, Fabinho morava junto com o depoente, que ainda era menor, e, por conta de uma “sujeira” que Fabinho fez na cidade, teriam sido (parados) (inaudível) por causa dele. Reindagado pelo procurador dos impugnantes, respondeu que Fabinho é seu tio e que possui uma relação muito forte com Piduca, sendo cabo eleitoral deste e de André Rossato. Reindagado pela defesa, respondeu que trabalha na Agropecuária (inaudível) Cechin, cujo dono é (inaudível) Cechin. Perguntado sobre se, no dia das eleições, teria havido uma briga com o seu Tio Fabinho, a testemunha reafirmou que não, e que o seu irmão também não teria brigado com Fabinho. Perguntado por que teria dito, no depoimento cortado, que Fabinho “infelizmente” é seu tio, respondeu que, um tempo atrás, quando o depoente era menor, Fabinho “fez umas coisas erradas na cidade e, como nós éramos parentes, acabou sobrando para todo mundo, então, ficamos mal falados na cidade”. Indagado, confirmou que não tem uma relação com Fabinho, mas que conversam. Após ilações do advogado acerca de eventuais contradições entre o depoimento e a declaração assinada acerca das madeiras para construção de garagens, respondeu que as madeiras estavam todas juntas no caminhão, que não houve construção de garagem na sua casa e que o emprego de madeiras para construção de garagem ocorreu na casa da sua mãe. Respondeu que leu a declaração quando assinou, e que foi o Doutor Adalberto Piovesan quem fez a declaração. Afirmou que nunca trabalhou para Adroaldo Santi. Perguntado pelo Ministério Público, afirmou que realmente recebeu os materiais de construção, e que a entrega foi quinze dias antes das eleições. Que foram Fabinho Gomes Cavalheiro e Jairo Scapin que entregaram. Que o material ainda não foi usado, que se encontra depositado em frente à sua casa. Que, quando da entrega dos materiais, foi pedido ao depoente que votasse nos candidatos André Rossato e Rodrigo Severo, mais conhecido como Piduca. Disse que os materiais de construção foram entregues pela Materiais de Construção Tomazi, e que as madeiras foram entregues por Bureco, Sr. Jairo Scapin. Disse que não é filiado a partido, e que, mesmo respondendo a depoimento no escritório de advocacia, em nenhum momento foi pressionado a dizer algo ou lhe foi fornecida dica do que dizer. Que não viu nenhuma das demais testemunhas. Que não viu Suelen Kittel e não a conhece. Que não usou o material porque “não é meu, não votei neles, então porque eu vou usar”. Que aceitou o material mas não votou neles.”

 

Testemunho de MARIA MARGARIDA GOMES:

Perguntada pelo procurador dos impugnantes, respondeu que é mãe de Vilcemar Gomes e que Fabinho, irmão da depoente e cabo eleitoral do André e do vereador Piduca, ofereceu material de construção para Vilcemar. Que o oferecimento de material era para votar no André e no vereador Piduca. Que quem entregou os materiais de construção para Vilcemar foram, a madeira, o Bureco, e os materiais de construção o Vinícius. Que recebeu de Fabinho fios para fazer a instalação em sua casa. Que Fabinho disse que os fios eram para votar em André e no vereador Piduca. Que os materiais ainda estão na frente da casa da depoente. Que a depoente não usou o material porque não pediu nada. Que não ficou sabendo nada a respeito de telefonemas ameaçadores. Que não recebeu nota fiscal dos fios porque sairia no nome de Fabiano e para que, se ocorresse alguma denúncia, não complicasse André nem o Rodrigo. Que Fabinho dizia que eram o André e o Rodrigo que davam os materiais. Que Fabinho frequentava e ainda frequenta a casa da depoente. Que Fabinho e Piduca têm uma relação de amizade muito antiga. Perguntada pelo procurador dos impugnados, respondeu que Fabinho, faz não muito tempo, estava preso, por isso não vota. Que os filhos da depoente Vilcemar e Natan não se dão muito bem com Fabinho. Que não houve briga entre eles na época da campanha. Que assinou declaração reconhecendo firma no tabelionato. Que, para redigir o documento, foi ao escritório de Adalberto Piovesan. Que não sabe se ele é vereador, só sabendo que é um advogado antigo na cidade. Que Vilcemar trabalha em uma granja pertencente a (inaudível) Cechin. Que Vilcemar nunca trabalhou com Adroaldo Santi. Que não tem vinculação política, mas que decidiu postar no Facebook o apoio ao candidato contrário porque André a pressionou a votar nele, porque ele estava dando as coisas, a fim de que soubessem que ela não está vendendo o voto. Que André não entregou a ela os materiais, mas mandou entregar, por meio do irmão da depoente, Fabinho. Que na cidade todos comentavam que a família da depoente votaria em André. Que resolveu fazer a denúncia após as eleições porque não achou correto o que fizeram. Que foi a depoente quem procurou o advogado Adalberto Piovesan para contar os fatos. Que foi sozinha ao escritório e ao tabelionato. Que não sabe quando Natan e Vilcemar foram ao tabelionato. Que conhece Elenir Ferreira dos Santos de vista. Que Cleuson Ferreira dos Santos é sobrinho da depoente. Ao Ministério Público, respondeu que Fabinho não exerce cargo no município. Que o material de construção ficou na rua, na frente da casa de Vilcemar. Que ninguém está pressionando ou pressionou a depoente a falar algo. Que não possui nada contra o Prefeito André Rossato e nem contra o vice-prefeito. Perguntada pelo juiz, disse que não conhece Suelen Kittel. Que não sabe de mais ninguém que teria recebido dinheiro ou material para os mesmos fins. Que só pode afirmar o que viu.”

 

Testemunho de NATAN GOMES:

“disse que é irmão de Vilcemar Gomes, e que, com relação a Fabinho Gomes, até um tempo atrás se davam bem, até era padrinho da filha do depoente, porém acabaram se afastando por causa da política, uma vez que ele teria feito umas coisas desagradáveis no seu modo de ver. Indagado sobre o que Fabinho teria feito, disse que estava fora da cidade na época de campanha e que ainda não havia escolhido candidato, e que, na última semana, Fabinho foi à sua casa a mando de André Rossato e do vereador Piduca, oferecendo ao depoente quatro mil reais e um revólver 38, e que era para o depoente aceitar aquilo para fazer campanha para o André e para o vereador. Que, na ocasião, achou aquilo pesado, pois o revólver seria utilizado para ameaçar o pessoal na volta a votarem para o André Rossato, e então não aceitou aquilo. Que Fabinho saiu dizendo que ia ter bala para o 40. Que, após tal fato, o depoente decidiu se declarar a favor do 40. Que sabe que Fabiano andou ameaçando o pessoal da cidade. Que vazou áudio em que Fabiano declara que deu dinheiro, gasolina para compra de votos em favor de André, que recebeu dinheiro de deputado junto com santinhos em Porto Alegre, que Zeca Tomazzi dava material de construção para ele distribuir para o pessoal. Que eles entregavam o material e diziam “firme com nós”, falavam o número do candidato André ou Piduca, e diziam “vamo firme que a vitória é garantida”. Perguntado pelo procurador dos impugnados, disse que Fabinho ofereceu o dinheiro a pedido do partido e para que o depoente fosse trabalhar com eles. Que esse encontro com Fabinho ocorreu na semana das eleições, não sabendo dizer exatamente em qual dia, se três ou quatro dias antes. Que, no domingo anterior, havia encontrado André Rossato na rua, o qual disse que iria calçar a sua rua, ao que o depoente respondeu que seria bom e pena que demoraram demais, para ser feito só então na época da política, ocasião em que o candidato deu uma risada e disse que “não, mas vamos fazer no momento que vocês apoiar nós, a gente vai fazer essa obra pra vocês, mas tem que a família inteira apoiar”, não tendo o depoente respondido, na ocasião, se iria ou não apoiar. Que não brigou com Fabinho. Que no encontro com Fabinho este disse que daria o dinheiro para o depoente caso o depoente fosse na reunião do partido e dissesse que estava apoiando André e Piduca. Que André Rossato e Piduca sabem quem é o Fabinho, que largaram o leão para cima das ovelhas. Perguntado sobre se Fabinho chegou a ameaçar pessoas com arma, o depoente disse que sim, que mostrou o revólver para bastante gente, e que todo mundo praticamente na cidade sabe desse fato. Que sua família não aceitou os materiais, mas que foram entregues, ficaram lá, e quem entregou disse que isso era independente de política, que iam ficar lá e se usassem não iria mudar nada, deixando claro que foi o partido que o mandou fazer, que “vim aqui, bem no português, tentar comprar vocês”, pois juntando a sua família há uma boa quantidade de votos. Que presenciou Bureco entregando, bem como presenciou Fabinho falando sobre os esquemas de entrega de dinheiro. Que já presenciou André Rossato na casa de uma pessoa no sábado à noite às vésperas da eleição, afirmando que iria garantir o emprego do marido caso se reelegesse. Que o nome dessa pessoa é Liliane Camilo e que o marido não recorda o nome. Que o depoente não fez campanha para o 40, somente tendo postado que votaria. Que, após isso, recebeu a visita de Fabinho e o oferecimento dos quatro mil reais. Que mandou mensagem a Piduca, que disse que “eles largaram tudo na mão do Fabinho, Fabinho é nosso cabo eleitoral, se tu precisar de alguma coisa tu fala com ele que ele vai chegar até nós”. Que Fabinho estava no dia da entrega de materiais. Que não possui ligação nenhuma com partido político. Que o seu apoio ao outro partido foi decidido porque ficou com “nojo” do partido, que aceitou que Fabinho vendesse o voto do depoente sem o seu consentimento. Perguntado pelo MP, respondeu que André Rossato e Piduca sabiam da oferta de quatro mil reais, e que tanto sabiam que condicionaram a entrega ao comparecimento do depoente na reunião. Que quando o dinheiro foi oferecido ficou bem claro que era para comprar seu voto, pois Fabinho disse “vota no André Rossato e no Piduca”, o que envolvia também apoiar, fazer campanha, correr, tudo o que pudesse fazer. Que não tem nada contra André Rossato e o candidato a vice-prefeito. Que houve muita compra de votos em Nova Palma, citando, como exemplo, seus irmãos e outros parentes. Que não conhece Suelen Kittel nem Sandra de Souza.”

 

Do testemunho de VILCEMAR é possível extrair-se que teria aceitado e recebido o material, embora não o tivesse solicitado, e sem prometer votar no suposto candidato praticante da corrupção eleitoral. Contudo, há contradição ao ora afirmar que não utilizou os materiais, ora dizer que foram empregados na construção da garagem da casa de sua mãe (MARIA MARGARIDA).

Entretanto, a narrativa não se mostra crível. Primeiro porque parece inconsistente o fato de um candidato, ainda que corrupto, entregar benesses para eleitores que estão garantindo que nele não votarão. Segundo, porque alguém que não quer receber algo, não deixa que descarreguem um caminhão em frente a sua casa. E terceiro, se VILCEMAR já tinha reticências com condutas de FABIANO no passado, por qual motivo receberia materiais que obviamente estão envolvidos em práticas ilícitas? Não vejo credibilidade na narrativa.

E também não vejo higidez no testemunho de MARIA MARGARIDA GOMES. Embora haja contradições em seu testemunho, pois em um momento ela alega que não recebeu materiais de construção, apenas fios, e posteriormente diz que recebeu madeiras, da mesma forma que seu filho VILCEMAR, ela alega que também recebeu materiais (fios e madeira) sem querer e sem prometer votar nos candidatos que estariam fornecendo as benesses (ANDRÉ e o vereador “PIDUCA”). Também sustenta que fez a denúncia após a eleição pois não concordou com as práticas ilícitas dos candidatos.

E isso leva a outro ponto que causa certa desconfiança sobre os fatos na forma como narrados pelos denunciantes. Questiona-se: Por que as denúncias vieram somente após a eleição? Por que somente após os impugnados sagrarem-se vencedores do pleito? Por que realizadas todas em datas próximas, entre os dias 14 e 23 de dezembro de 2020? E outra: por que os denunciantes resolveram procurar o advogado e vereador eleito pelo Partido Progressistas (PP) ADALBERTO PIOVEZAN, da agremiação opositora aos impugnados?

Ora, a conduta rotineira de um cidadão que se vê sendo envolvido em uma prática ilícita é a de procurar os órgãos competentes. No caso das eleições, o mais comum é se buscar a polícia, a Justiça ou o Ministério Público Eleitoral. E procurar em momento contemporâneo aos acontecimentos. Foge bastante da normalidade o eleitor que recebeu uma proposta de compra de votos esperar passar a eleição e ir, somente após, a um escritório de advocacia para fazer uma denúncia. A meu ver, essa circunstância retira, sobremaneira, a credibilidade das denúncias trazidas nestes autos.

Em resumo: os vínculos familiares e desavenças entre os envolvidos, a forma e o tempo em que feitas as denúncias, por si só já retiram em muito a credibilidade do conteúdo da presente ação.

Se os familiares não queriam os materiais e não concordavam com a suposta prática ilícita, bastava não recebê-los. E, se de fato havia motivação para denunciar a conduta delituosa, que fossem direto às autoridades competentes, na época contemporânea aos acontecimentos.

Em relação aos denunciantes CLERI FERREIRA DOS SANTOS e DAGOBERTO DE MORAES, deixaram de ser arrolados como testemunhas, e suas declarações (ID 4218293), também colhidas sob o mesmo formato das anteriores, apenas narram que um morador do loteamento acima da gruta Nossa Senhora de Lourdes teria recebido tábuas de JAIRO SCAPIN (“BURECO”) durante a campanha eleitoral, sem indicar quem seria esse indivíduo. Na referida declaração ainda consta a informação de que “BURECO” era o principal cabo eleitoral do candidato a Prefeito ANDRÉ. De igual modo, tais declarações, destituídas de qualquer outra prova a corroborá-las, em nada contribuem para um juízo condenatório.

Quanto à declaração de VALÉRIA PRADO DOS SANTOS (ID 42183033), depreende-se que seu teor restou reprisado em seu respectivo testemunho em Juízo. Na declaração VALÉRIA narrou que no sábado anterior ao pleito, dia 14.11.2020, por volta das 17h, o candidato a Prefeito ANDRÉ ROSSATO a teria visitado e lhe oferecido R$ 200,00 (duzentos reais) e ajuda para seus filhos para que nele votasse. Ela teria respondido que já tinha candidato e queria mudança. Afirmou, ainda, que não aceitou e que tem trabalho e quem lhe ajuda. A declaração foi firmada no dia 23.12.2020, após a eleição, no mesmo formato das demais, e colhida no escritório do advogado e vereador do PP ADALBERTO PIOVEZAN.

Reproduzo o testemunho de VALÉRIA (ID 42187183, transcrito no parecer da PRE ID 44834044):

“perguntada se assinou declaração no sentido de que, em 14 de novembro, o candidato a Prefeito André Rossato ofereceu duzentos reais e ajuda aos filhos para que votasse nele, respondeu que sim. Afirmou que não foi forçada a assinar nem recebeu dinheiro para que fizesse essa declaração, bem como que estava prestando depoimento de livre e espontânea vontade. Perguntada se negou-se a receber os duzentos reais oferecidos pelo candidato para votar nele, a depoente confirmou. Referiu, ainda, que o candidato chegou na casa da depoente, ofereceu o dinheiro e colocou embaixo da cômoda no quarto da sua filha. Que a depoente falou que não precisava dos duzentos reais, que queria mudança e que seu voto não estava à venda, bem como que não tinha candidato, caso em que André sugeriu que votasse nele e em Rodrigo Severo. Que não conhece Natan Gomes nem possui qualquer relação com ele. Que não sabe de mais ninguém que tenha recebido dinheiro para votar nem ouviu comentar. Perguntada pelo procurador dos impugnados, respondeu que procurou o advogado Adalberto Piovesan e decidiu fazer a declaração porque tem dois filhos pequenos e porque pensava no futuro deles, pois “o negócio estava meio complicado”. Que conhecia Adalberto como advogado da sua mãe. Que procurou Adalberto mais de um mês depois porque entrou com processo de pensão para seus filhos. Que não conhece nem tem amizade com Natan Gomes, Maria Margarida Gomes e Vilcemar Gomes. Perguntada pelo Ministério Público, confirmou que o conteúdo da sua declaração foi verdadeiro. Que assinou porque achou um erro ele vir um dia antes das eleições, às cinco horas da tarde, na sua casa, e oferecer dinheiro para os seus filhos.”

 

No testemunho em Juízo VALÉRIA afirmou que não conhecia nem tinha parentesco com as demais testemunhas. Reafirmou que ANDRÉ ROSSATO esteve na sua casa, no dia e data já relatados, e lhe ofereceu dinheiro (R$ 200,00), quantia que ANDRÉ teria colocado em cima da cômoda de sua filha. Contradisse sua declaração escrita (ID 42183033), pois naquele documento afirmou que no dia da suposta corrupção teria respondido a ANDRÉ que “já tinha candidato e queria mudança”, mas no testemunho, indagada pelo procurador dos impugnados, respondeu que não tinha candidato na véspera da eleição. Perguntada por qual razão procurou o advogado ADALBERTO PIOVEZAN para fazer a denúncia e por que apenas mais de um mês depois do fato, disse que o conhecia como advogado de sua mãe e que foi lhe consultar em virtude da pensão de seus filhos, daí teria aproveitado para fazer a declaração denunciando o ocorrido. Com a palavra, o representante do Ministério Público atuante no primeiro grau fez apenas uma pergunta: Se a declaração era verdadeira e por quê? VALÉRIA respondeu que era, porque dada de livre e espontânea vontade e ela achou um erro ANDRÉ ira um dia antes da eleição oferecer dinheiro para ela e para seus filhos.

Aqui, de igual modo, vejo com extrema reticência a declaração e o testemunho prestados. Em primeiro, pelas mesmas razões já expostas quanto aos demais denunciantes: forma e tempo. Em segundo, agrego a justificativa trazida por VALÉRIA, de que procurou o advogado ADALBERTO PIOVEZAN mais de um mês após as eleições para tratar da pensão de seus filhos e, coincidentemente, acabou por declarar a este a suposta corrupção eleitoral.

Ora, não me parece crível um indivíduo procurar um advogado para tratar de pensão e acabar fazendo uma denúncia de prática de captação ilícita de sufrágio. E em tempo e forma semelhante a de outros denunciantes que, também coincidentemente, procuraram o mesmo causídico. Por quê a denunciante não procurou as autoridades competentes na época dos fatos? O que aconteceu com os R$ 200,00 (duzentos reais) supostamente colocados em cima da cômoda. Ficaram com VALÉRIA? Foram por ANDRÉ levados? São questões que me levam a desacreditar do testemunho e, por todas essas razões, não vejo como compreendê-lo a conduzir a um juízo condenatório.

No que diz respeito a CLEUSON CAVALHEIRO DOS SANTOS, cabe inicialmente afirmar que aqui também há um vínculo de parentesco com FABIANO GOMES CAVALHEIRO, visto que CLEUSON é sobrinho deste. O depoimento de CLEUSON seja tem como foco ameaças, via telefone, imputadas ao seu tio contra a sua pessoa e outras denúncias de caixa dois de campanha, as quais, adianto que compreendo como meras fanfarronices de FABIANO, tais como a informação de que teria ido pegar dinheiro direto com o “Gringo”, que viria a ser o ex-Governador Sartori.

Em seu testemunho CLEUSON diz que tinha amizade com seu tio até uma semana antes da audiência de coleta de testemunhos, quando passou a sofrer ameaças dele pois CLEUSON iria testemunhar em Juízo pelos impugnantes. Assim, acabou gravando tais ameaças.

Transcrevo o testemunho de CLEUSON (ID 42187133, referido no parecer da PRE ID 44834044):

“perguntado pelo procurador dos impugnantes, disse que Fabiano Gomes Cavalheiro é seu tio, e que, até o momento em que receberam a intimação para a audiência, tinha uma amizade boa com o depoente, ocasião em que Fabinho gravou um áudio o ameaçando. Disse que um dia após as eleições, Fabinho foi à casa do depoente e falou que tinha pegado doze mil reais e material de campanha de Beto Fantinel, bem como do “gringo”, governador, para ser colocado na campanha eleitoral. Que o uso desses valores foi para a compra de gasolina e de madeira. Que tudo isso foi dito nos áudios. Que ele fala que deu areia, tijolo. Que o depoente não tinha a intenção de gravar, mas tem câmeras em sua casa. Perguntado pelo procurador dos impugnados, disse que Fabinho mostrou a ele três mil reais. Que ainda não fez ocorrência da ameaça porque gosta bastante de Fabinho, mas está pensando em fazer. Perguntado sobre os crimes eleitorais que Fabinho tinha confessado, disse que ele deu gasolina, inclusive estocava em sua casa, que carregava cervejas na distribuidora de André Rossato. Que estava distribuindo tickets de gasolina, bem como de cerveja. Perguntado, respondeu que com certeza era para a compra de votos. Perguntado porque isso não constou na declaração assinada, respondeu que se fosse colocar tudo que sabe “daria umas trinta páginas”. Que procurou o advogado Adalberto Piovesan porque este foi advogado de seu pai. Que não sabe se foi coincidência a família inteira ter se dirigido a Adalberto para redigir as declarações, pois ele é advogado antigo da família, e que eles não possuem lado político, tanto que se davam bem com André. Que o seu pai concorreu a vereador pelo PP, fato que já havia ocorrido há mais de quatro anos. Perguntado pelo Promotor, reafirmou que os valores recebidos do deputado Beto Fantinel e do ex-governador Sartori foram direcionados para compra de votos em benefício do candidato André Rossato. Que o candidato André Rossato com certeza sabia dessas compras de voto, pois no domingo veio falar com o depoente que “nós ia sofrer muito se ele ganhasse”. Que Fabinho pegou os doze mil reais para ele, e que iria ganhar um emprego na Prefeitura. Que é verdadeiro o conteúdo da declaração por ele assinada. Que não tem nada contra André, que até conversavam, mas se desentenderam no domingo das eleições.”

 

Em sua declaração inicial, também colhida na mesma forma e tempo das anteriores, no escritório do advogado e vereador do PP ADALBERTO PIOVESAN, CLEUSON apenas fez constar que na sua casa gravou FABIANO confessando crimes eleitorais supostamente praticados pela campanha do candidato a Prefeito ANDRÉ ROSSATO e que este teria confessado a entrega de materiais pela loja TOMAZZI e por “BURECO”. Apenas isso, não diz como, a quem, onde e em que data os materiais teriam sido doados.

Quanto aos referidos áudios, extrai-se o seguinte conteúdo, consignado na sentença pelo Magistrado:

 

- o primeiro dos áudios (Id. 42183383) é manifestamente bravateiro, no qual o interlocutor afirma que faz o que faz por dinheiro ("[...] o meu negócio era pila [...]");

 

- o segundo (Id. 42183433) contém uma ameaça de que vai matar, mas não se sabe a quem e se depreende que o ameaçado sequer se encontra presente;

 

- o áudio seguinte seria o supostamente revelador (Id. 42183483); afirma que os impugnados teriam gasto cerca de R$ 300 mil, para depois emendar e dizer que seria todo o grupo político ("[...] o André gastou R$ 300 mil... o André que eu digo o geral sabe? [...]"). Teria essa informação porque, em tese, ele fora buscar o material de campanha em Porto Alegre; ainda afirmou que Beto Fantinel e Rui Dalla Fávera (ao menos fora o que o juízo compreendeu) teriam aportado R$ 100 mil cada, além de contribuições outras, inclusive do ex-governador José Ivo Sartori, a quem se refere como o "gringo";

 

- no quarto áudio afirma que teria pego R$ 12 mil para si (Id. 42183533), mesmo tendo dado muita coisa ("[...] cerveja eu ia tocando... [...]") e que estaria cheio de gasolina com medo que risquem fogo no quartinho;

 

- os dois áudios seguintes (Id. 42183583 e Id. 42183633) narram desentendimento de Fabiano Gomes Cavalheiro com Natan Gomes, sem relação com os impugnados, embora pareça ter motivação política;

 

- o último áudio fora juntado após a realização da primeira audiência de instrução (Id. 42186483), no qual Fabiano Gomes Cavalheiro ameaça e lança injúria racial contra Cleuson Cavalheiro dos Santos, sem que seja consignado o motivo embora a vítima afirme que sejam as gravações dos ditos crimes eleitorais praticados.

 

O que se verifica é que apenas dois seriam os áudios que supostamente comprometeriam os impugnados, os de IDs 42183483 e 42183533.

O primeiro ilustra pseudo arrecadação excessiva de valores para gastos em campanha, excedendo o limite de gastos disciplinado pela legislação eleitoral. Contudo, a questão foi analisada e afastada de forma percuciente pelo Magistrado sentenciante, não havendo reparos a fazer na sua decisão, cujo excerto a seguir transcrevo, acolhendo-o como minhas razões de decidir:

O limite de gastos em campanha fora testado em 2016 e, atualmente, está disciplinado na Resolução TSE n. 23.607/19.

 

No ponto é de se consignar que a arrecadação excessiva, por si só, não perfaz qualquer ilícito eleitoral, impondo a seu beneficiário que se sujeite ao limite de gastos e transfira as sobras financeiras de campanha eleitoral ao órgão partidário, com a respectiva prestação de contas. A não observância dos limites implica em multa no equivalente de 100% da quantia que exceder o limite e possível investigação por abuso do poder econômico - inteligência dos art. 6º e art. 96 da Resolução.

 

Tomado o primeiro áudio como veraz - por hipótese - a única informação que se extrai é que a arrecadação ultrapassou o limite de gastos determinados por resolução, em R$ 123.077,42 e não condiz com a receita informada pelos impugnados, em R$ 13.412,00, no sistema DivulgaCandContas do TSE (Conferir em: https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/87653/210000752567/integra/receitas). Por si só, a informação não se traduz em crime eleitoral; para tanto seria preciso fazer a prova de que os valores foram arrecadados e destinados para campanha eleitoral de modo escuso.

 

Quanto ao segundo áudio poderia, em tese, trazer conduta caracterizada como abuso de poder econômico, mas também foi, de forma acurada, afastada a hipótese pelo ilustre Magistrado de primeiro grau, o qual acabou por entendê-los como meras bravatas. Transcrevo excerto da sentença, o qual acolho também como razões de decidir:

 

Quiçá o segundo áudio, outra vez tomado por hipótese como veraz, poderia informar o destino: compra de cerveja para distribuição, aquisição de gasolina para repasse, daí o receio do suposto confessor de que pusessem "fogo no quartinho" entre outros. Ocorre que a prova do abuso do poder econômico não pode ser isolada - confissão espontânea de um indivíduo - tanto que a legislação eleitoral demanda Ação de Investigação Judicial Eleitoral - AIJE (art. 30-A da Lei n. 9.504/97), a qual ostenta e permite instrução e dilação probatória mais ampliada que a AIME, ora processada.

 

É bem verdade que a AIJE tem prazo decadencial para ser exercida - 15 (quinze) dias a contar da diplomação. Ocorre que os impugnantes já eram sabedores dos áudios desde 16.12.2020, ao menos é a data em que reconhecida a assinatura de CLEUSON CAVALHEIRO DOS SANTOS na declaração juntada aos autos (Id. 68867041). Dado que a diplomação dos eleitos em Nova Palma se deu em 15.12.2020, havia prazo bastante e suficiente, ao menos para atacar os impugnados por outra via que não a de cognição estreita.

 

Isso para quem toma os dois áudios como verazes e não meras bravatas de quem ia matar, fazer e acontecer, porquanto este Juiz Eleitoral, que exerce a titularidade da Vara Judicial da Comarca, não teve notícia de qualquer fato típico envolvendo Cleuson e Fabiano. Aliás, se eventualmente os áudios forem considerados como retratos verdadeiros do que ocorrera em campanha, é de se aperceber que há áudio no qual se escuta que havia pressão e intimidação de ambos os lados (a se conferir Id. 68867026). (Grifei.)

 

Ademais, essa prova é controvertida pelos depoimentos de JOÃO ALBERTO GHISLENI que, em seu depoimento, disse ser boato a remessa de dinheiro por parte de deputado e ex-governador, acrescendo que Vilcemar exerce atividade laboral a um dos impugnantes e, ainda, teria puxado facão para Fabiano no dia das eleições (Id. 82235949). No mesmo sentido o depoimento de ALAN PIPPI, contador da campanha dos impugnados, o qual negou a remessa de dinheiro de Beto Fantinel (no áudio como "deputado") ou de José Ivo Sartori (no áudio como "gringo") para a campanha dos impugnados e confirmou a briga entre Vilcemar e Fabiano nas proximidades do Clube Guarani no dia das eleições (Id. 82241861).

 

Portanto, no que diz respeito à denúncia de compra de voto mediante a entrega de materiais e/ou dinheiro e eventual abuso de poder econômico, entendo demasiada frágil e pouco crível a prova trazida aos autos pelos impugnantes. Ademais, cabe ressaltar que para eventual procedência da Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME) é necessário que as condutas impugnadas ostentem gravidade bastante e suficiente para comprometer a normalidade e a legitimidade do pleito, o que não se vislumbra no caso sob análise.

 

B) Da suposta ameaça a eleitores para obtenção de votos

A irresignação tem como base fato trazido no testemunho de NATAN GOMES (já anteriormente transcrito) e que não foi narrado na exordial.

Em seu depoimento, NATAN diz que lhe teria sido ofertado cerca de R$ 4 mil e um revólver para amedrontar eleitores, e que o candidato a Prefeito ANDRÉ, em momento anterior às eleições, teria oferecido o calçamento da sua rua em troca de apoio a candidatura.

De igual modo não vejo razões para alterar a sentença de primeiro grau que entendeu pela fragilidade da prova por ausência de liame subjetivo entre a conduta (ameaçar) e os impugnados. Transcrevo excerto da sentença (ID 42188233):

II - Da alegada ameaça a eleitores para obtenção de votos

 

O argumento parece não ter sido trabalhado por ocasião da instrução. Entretanto, infere-se que a tese escora-se nas palavras de NATAN GOMES, que não foi explorado na petição inicial. A testemunha prestou depoimento dizendo que lhe teria sido ofertado cerca de R$ 4 mil e um revólver para amedrontar eleitores, além de dizer que André, antes das eleições, ofereceu calçarem sua rua acaso apoiasse sua candidatura (Id. 82235942). No começo de seu depoimento disse que Fabiano Gomes Cavalheiro esteve em sua residência em nome do vereador "Piduca" (Rodrigo Severo) e, por via reflexa, o candidato da majoritária, André Rossato. Após, direciona sua declaração exclusivamente contra o primeiro impugnado, no sentido de que o viu no dia anterior às eleições, por volta, das 23 horas na residência de terceiros, inferindo que estava em campanha eleitoral.

 

Para quem faz a oitiva da testemunha, tudo o que fora transcrito nas alegações finais dos impugnantes fora efetivamente declarado; no entanto, a escuta integral de seu depoimento levanta suspeitas a seu ouvinte. Não é claro, em que momento passou a apoiar a candidatura dos impugnantes em detrimento dos impugnados - não sabe dizer se declarou adversário antes ou depois de ter firmado a declaração - mesmo tendo dito por diversas vezes que não tenha inclinação política; deixou transparecer pretensa superioridade moral porque teria dito que aceitaria o impugnado em sua residência fazendo campanha, mas não seu cabo eleitoral; e culmina com uma frase que - no mínimo - curiosa, porquanto se diz indignado por terem vendido seu voto sem seu consentimento.

 

Aqui, a prova é ainda mais frágil por ausência de liame subjetivo entre a conduta (ameaçar) e os impugnados. Afinal, quem esteve em sua residência fora Fabiano Gomes Cavalheiro, em nome de candidato a vereador, o qual apoiava a candidatura dos impugnados.

 

Ademais, não há a indicação de nenhum eleitor que efetivamente fora ameaçado para votar nos impugnados. Assim, muito embora os impugnantes por ocasião de suas alegações finais reproduzam a declaração da testemunha de que "[...] André conhece bem Fabinho e confiar nele é como largar 'leão no meio das ovelhas'", razão assiste aos impugnados no sentido de que não está clara a relação entre o primeiro impugnado André Rossato e Fabiano Gomes Cavalheiro, tampouco aportou qualquer prova de assentimento com ameaça a quem quer que seja. A ausência de dolo direto, impõe a improcedência da AIME no ponto.

 

Esse é o entendimento da jurisprudência:

 

RECURSOS CRIMINAIS. AÇÃO PENAL. PARCIAL PROCEDÊNCIA DA DENÚNCIA. ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL. CORRUPÇÃO ELEITORAL. MODALIDADE ATIVA E PASSIVA. ELEIÇÕES 2012. CANDIDATOS. CABOS ELEITORAIS. APOIADORES. ELEITORES. QUESTÃO DE ORDEM INDEFERIDA. PRECLUSÃO. PRELIMINARES REJEITADAS. INÉPCIA DA INICIAL. NULIDADE DAS PROVAS. CERCEAMENTO DE DEFESA. MÉRITO. DEMONSTRADA A INTENSA MERCANCIA DE VOTOS. DOLO ESPECÍFICO. IDENTIFICAÇÃO DO ELEITOR. INDIVIDUALIZAÇÃO E IDENTIFICAÇÃO DAS CONDUTAS PARA CADA RÉU. PROVIMENTO, PARCIAL PROVIMENTO E DESPROVIMENTO DOS RECURSOS, CONFORME O JUÍZO DE ABSOLVIÇÃO OU CONDENAÇÃO. APLICAÇÃO DAS PENAS. DESCABIDA A EXECUÇÃO IMEDIATA. PREQUESTIONAMENTO DOS DISPOSITIVOS INVOCADOS.

1. [...].

2. [...].

3. A conduta delituosa prevista no art. 299 do Código Eleitoral é de ação múltipla ou conteúdo variável, isto é, pode ser consumada de diferentes formas ou maneiras. Trata-se de crime formal, pois não necessita da ocorrência do chamado resultado naturalístico, ou seja, não exige o pedido explícito de votos ou abstenção para a configuração do crime. Contudo, necessária a presença do dolo específico, no caso, a intenção de obter ou dar voto ou prometer ou conseguir abstenção. Para a caracterização do crime, exige-se ainda a identificação do sujeito supostamente corrompido, a fim de aferir sua condição de eleitor. Isso porque a incerteza quanto a essa identificação conduziria à atipicidade material da conduta em face da ocorrência de crime impossível, pois o agente não poderia consumar o crime por absoluta impropriedade do objeto. Circunstância decisiva para, no caso concreto, levar ao resultado de absolvição ou condenação dos investigados.

4. [...].

5. [...].

6. [...].

7. [...].

(TRE/RS: Recurso Criminal n. 309-92, Acórdão de 06.7.2020, Rel. ROBERTO CARVALHO FRAGA).

 

De fato, inexiste liame subjetivo entre a conduta (ameaçar) e os impugnados.

Foi FABIANO GOMES CAVALHEIRO quem esteve na residência de NATAN, em nome de candidato a vereador, o qual apoiava a candidatura dos recorridos.

Além disso, como bem colocou o Magistrado, não há a indicação de nenhum eleitor que tenha sido efetivamente ameaçado para votar nos impugnados.

Desse modo, em que pese os autores tenham reproduzido as declarações de NATAN por ocasião de suas alegações finais “André conhece bem Fabinho e confiar nele é como largar ‘leão no meio das ovelhas’”, não se mostra clara a relação entre ANDRÉ ROSSATO e FABIANO, e os autos não trazem prova de assentimento com ameaça a quem quer que seja por parte de ANDRÉ.

Em vista disso, como bem concluiu o Magistrado, a ausência de dolo direto impõe a improcedência da AIME no ponto.

 

C) Da suposta compra indireta de votos pelo pagamento de horas extraordinárias a servidores públicos

Em relação a este ponto a questão é bem simples e a improcedência das alegações dos impugnantes, tal como o fez o Magistrado de primeiro grau, é o caminho a se trilhar.

Os autores afirmam que servidores municipais tiveram seus vencimentos aumentados no período da campanha eleitoral como forma indireta de compra de votos.

A fim de comprovar suas alegações, mencionaram SAMARA FACCO, MARISTELA SANTI DALLA NORA e JOSÉ TAVARES DA SILVA – lamentavelmente não arrolados como testemunhas a depor em Juízo.

Por sua vez, prova documental juntada com a exordial (ID 42183883) é uma tabela que não traz comparativo com meses anteriores, motivo pelo qual o Magistrado precisou se embasar na escassa prova testemunhal produzida.

Transcrevo excerto da decisão (ID 42188233):

Aqui é o testigo de VITOR ROSSATO BERTOLDO quem lança maiores luzes sobre a controvérsia (Id. 82241867). Em relação a Maristela Santi Dalla Nora disse ser professora concursada e ainda receber FG por ser diretora escolar; acresceu que os diretores perdem a FG por ocasião das férias escolares e negou que o uso do FG seja empregado para troca de votos. No que tange a Samara Facco, disse que seu acréscimo salarial decorre de convocação para substituição de professora em licença maternidade. Por fim, quanto a José Tavares da Silva não deu maiores esclarecimentos porquanto se trata de servidor aposentado.

 

De se observar que os impugnantes parecem ter se conformado com as alegações do chefe do setor de Recursos Humanos da Prefeitura, porquanto por ocasião de suas alegações finais não deduziram nenhuma linha acerca de eventual captação ilícita de sufrágio por eventual pagamento a maior a servidores concursados, razão pela qual improcede a ação, também nesta tese.

 

Verifica-se, portanto, que os acréscimos restaram perfeitamente esclarecidos pelo testemunho de VITOR ROSSATO BERTOLDO, Chefe do Setor de Recursos Humanos da Prefeitura de Nova Palma, o qual explicitou que MARISTELA é professora concursada e ainda recebe função gratificada por ser diretora escolar, mas esta função é retirada dos diretores por ocasião das férias escolares. Indagado, VITOR ainda negou que haja qualquer troca de atribuições de funções gratificadas por votos.

Quanto a SAMARA, VITOR informou que o acréscimo salarial decorreu de convocação para substituição de professora em licença-maternidade.

Como bem consignado pelo ilustre Magistrado, “os impugnantes parecem ter se conformado com as alegações do chefe do setor de Recursos Humanos da Prefeitura, porquanto por ocasião de suas alegações finais não deduziram nenhuma linha acerca de eventual captação ilícita de sufrágio por eventual pagamento a maior a servidores concursados”.

Por conseguinte, improcede a ação também quanto a este ponto.

 

D) Da suposta compra de votos mediante promessa de ingresso no IPE-SAÚDE

Por fim, outra questão facilmente esclarecida e rechaçada pelo Magistrado sentenciante – inclusive o referindo como o argumento mais frágil da ação, foi a alegação dos impugnantes de que haveria promessa de inclusão de Conselheiras Tutelares como beneficiárias com o ingresso no IPE-SAÚDE em troca de votos nos impugnados.

Reproduzo excerto da decisão (ID 42188233):

IV - Da alegada compra de votos mediante promessa de ingresso no IPE-SAÚDE

 

Talvez, esse tenha sido o argumento que, de antemão, era o mais frágil de toda a exordial. Isso porque seria acreditar em uma influência dos impugnados na Administração Indireta do Estado do Rio Grande do Sul, sem que houvesse maior benefício daqueles que, em tese, alienaram o voto pelo ingresso no IPE-SAÚDE, haja vista - como qualquer plano de saúde - o beneficiário, no caso as Conselheiras Tutelares, aderem a um contrato bilateral e sinalagmático, i. é, aderem ao plano mediante desconto salarial.

 

Não obstante, a prova oral rechaça qualquer intervenção por parte dos impugnados e enfraquece ainda mais a tese de favorecimento dos impugnados a quem quer que seja. Isso porque GEANI APARECIDA FREITAS MILANI CANCIAN, conselheira tutelar de 2012, tendo iniciado - portanto - seu mandato no mesmo período em que Adroaldo José Santi, ora impugnante, fora eleito Prefeito Municipal, ao responder pergunta genérica do Ministério Público Eleitoral, afirmou desconhecer qualquer esquema de compra de votos em Nova Palma (Id. 82241868).

 

Indagada sobre eventual benefício disso que a pessoa que esteve no Conselho Tutelar fora pré-candidata a vereadora e a provocação com relação ao plano de saúde fora das próprias conselheiras e não da pretensa candidata. É digno de nota que as datas fecham: indagada acerca da data em que Neusa Rossato teria se apresentado ao Conselho Tutelar, disse que seria setembro; pois bem, o calendário eleitoral de 2020, facultava a realização de prévias até o dia 16 de setembro. Logo, a visita deve ter ocorrido entre 1º e 15 de setembro.

 

Na sequência, é de se complementar a fala com o depoimento de VITOR ROSSATO BERTOLDO (Id. 82241867), o qual afirmou ter questionado o IPE, acerca da possibilidade do ingresso de Conselheiros Tutelares no plano de saúde estatal. Com a resposta positiva, fizeram a inclusão, daí porque a data de ingresso seja 01.10.2020, como explicitado na certidão juntada pela autarquia (Id. 77522380).

 

Além disso, questionada pelos autores, GEANI CANCIAN afirmou que a visita não fora direcionada às duas conselheiras beneficiárias com o ingresso no IPE-SAÚDE, porquanto afirmou que as cinco titulares do Conselho Tutelar estavam presentes. E, no ponto, outra vez o juízo socorre-se da informação prestada por VITOR ROSSATO BERTOLDO, no sentido de que das cinco conselheiras tutelares, três já haviam aderido ao IPÊ-SAÚDE, duas delas por serem servidoras municipais e, GEANI CANCIAN, a depoente, por ser dependente de seu marido, também servidor municipal.

 

Ademais, outra vez, ADRIANA BELLE FACCO e NÍDIA IARA SALLES HEINSCH não foram arroladas por quem tinha de fazer a prova do escambo do voto. Ausente, portanto, qualquer prova da alienação do exercício da cidadania pelo ingresso no sistema do IPE-SAÚDE, improcede - também - a ação no ponto.

 

Foi muito bem o Magistrado neste ponto, pois, de fato, dar amparo à tese dos impugnantes seria acreditar em interferência dos impugnados na Administração Indireta do Estado do Rio Grande do Sul, no caso, o IPE-SAÚDE. Mas ainda que isso pudesse ter ocorrido, a prova testemunhal foi inarredável ao rechaçar as acusações.

Em seu testemunho, a Conselheira Tutelar GEANI CANCIAN informou que a pessoa que esteve no Conselho Tutelar fora pré-candidata a vereadora e a provocação com relação ao plano de saúde fora das próprias conselheiras e não da pretensa candidata.

Por sua vez, o chefe de pessoal da Prefeitura de Nova Palma, VITOR ROSSATO BERTOLDO testemunhou esclarecendo ter questionado o IPE acerca da possibilidade do ingresso de Conselheiros Tutelares no plano de saúde estatal. E com a resposta positiva, fizeram a inclusão, daí porque a data de ingresso foi em 01.10.2020, como referido na certidão juntada pela autarquia.

Somado a isso, GEANI CANCIAN referiu que a visita não fora direcionada apenas às duas conselheiras beneficiárias com o ingresso no IPE-SAÚDE, pois as cinco titulares do Conselho Tutelar estavam presentes.

E VITOR BERTOLDO, corroborou a informação no sentido de que das cinco conselheiras tutelares, três já haviam aderido ao IPÊ-SAÚDE, duas delas por serem servidoras municipais e, GEANI CANCIAN, por ser dependente de seu marido, também servidor municipal.

Em desfecho, o Magistrado ressalta que ADRIANA BELLE FACCO e NÍDIA IARA SALLES HEINSCH não foram arroladas pelos impugnantes, a quem cabia fazer a prova da troca de influência por votos.

Assim, não há reparo a ser feito à minudente decisão do Magistrado que com propriedade julgou improcedente este ponto da ação por entender ausente qualquer prova da alienação do exercício da cidadania pelo ingresso de Conselheiras Titulares no sistema estadual do IPE-SAÚDE.

 

Desse modo, do exame dos autos, constatada a demasiada fragilidade e precariedade dos elementos probantes coligidos, e em virtude da inexistência de prova inequívoca da gravidade dos fatos e das circunstâncias que os circundam, infere-se pela inexistência de conjunto probatório que possa caracterizar a prática de abuso de poder ou corrupção, como forma de ensejar desequilíbrio grave a afetar a normalidade e legitimidade das eleições, em benefício da campanha eleitoral dos impugnados, de modo que se impõe a manutenção da sentença que julgou improcedente a ação.

Encerro com os ensinamentos de Marcus Vinicius Furtado Coelho (A gravidade das circunstâncias no abuso de poder eleitoral. Revista Eleições & Cidadania, Teresina, ano 3, n. 3, p. 146):

“A democracia pressupõe a prevalência da vontade da maioria, com respeito aos direitos da minoria. A banalização das cassações de mandato, com a reiterada interferência do Judiciário no resultado das eleições, pode gerar uma espécie de autocracia, o governo dos escolhidos pelos Juízes e não pelo povo. O juízo de cassação de mandato por abuso de poder deve ser efetuado tão apenas quando existentes provas robustas de graves condutas atentatórias à normalidade e legitimidade do processo eleitoral e às regras eleitorais.”

 

5. Da litigância temerária e de má-fé

Por fim, em contrarrazões os impugnados postulam a aplicação das consequências legais previstas para a litigância temerária e de má-fé em face dos impugnantes.

Todavia, adianto que não vislumbro má-fé dos impugnantes, razão pela qual não considero razoável a aplicação de multa, tampouco indenização à parte contrária.

Ressalto que não restou demonstrada qualquer das hipóteses legais de má-fé processual, dentre as previstas no art. 80 do Código de Processo Civil, verbis:

Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que:

I — deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;

II — alterar a verdade dos fatos;

III — usar do processo para conseguir objetivo ilegal;

IV — opuser resistência injustificada ao andamento do processo;

V — proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;

VI — provocar incidente manifestamente infundado;

VII — interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.

 

Conforme explicam Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery (Código de Processo Civil Comentado e legislação extravagante. 18. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2019. E-book não paginado):

Proceder de modo temerário é agir afoitamente, de forma açodada e anormal, tendo consciência do injusto, de que não tem razão (Chiovenda. La condanna nelle spese giudiziali, 1.ª ed., 1901, n. 319, p. 321). O procedimento temerário pode provir de dolo ou culpa grave, mas não de culpa leve (Castro Filho. Abuso2 n. 43, pp. 91/92; Carnelutti. Sistema, v. I, n. 175, p. 454). A mera imprudência ou simples imperícia não caracteriza a lide temerária, mas sim a imprudência grave e a imperícia fruto de erro inescusável, que não permitem hesitação do magistrado em considerar ter havido má-fé (Mortara. Commentario CPC4 , v. IV, n. 79, p. 143). O litigante temerário age com má-fé, perseguindo uma vitória que sabe ser indevida.

 

Portanto, para a aplicação da penalidade, exige-se a comprovação, de forma inequívoca, da má-fé ou do dolo processual, o que não vislumbro no comportamento dos impugnantes, visto que inexistem elementos indicativos de eventual alteração da verdade dos fatos ou dedução maliciosa de pretensões que sabiam destituídas de fundamento, a justificarem a imposição do sancionamento.

A exordial trouxe fatos e fundamentos de forma encadeada, lógica e coerente, sendo o feito recebido pelo Magistrado de primeiro grau e devidamente instruído.

Em realidade, verifica-se o simples exercício do direito de ação, e de interposição recursal, os quais foram devidamente submetidos à instrução e ao contraditório, não consubstanciando, no contexto dos presentes autos, condutas de má-fé ou de temeridade processual.

Assim, com esses fundamentos, rejeito a pretensão dos recorridos.

 

Ante o exposto, VOTO pela rejeição da matéria preliminar e, no mérito, pelo desprovimento do recurso.

É como voto, senhor Presidente.