REl - 0600557-30.2020.6.21.0070 - Voto Relator(a) - Sessão: 13/06/2022 às 14:00

VOTO

O recurso é tempestivo e adequado, portanto, dele conheço.

No mérito, a prestação de contas foi desaprovada em razão de: a) recebimento de recurso de origem não identificada; b) precariedade de comprovação de despesas junto a fornecedores de campanha que possuem relação de parentesco com o prestador de contas; c) realização de despesas após a concessão do CNPJ de campanha e antes da abertura da conta bancária específica de campanha; d) realização de gastos eleitorais não informados na prestação de contas parcial; e, e) precariedade da comprovação das despesas realizadas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC.

A sentença (ID 44864490) foi prolatada sob os seguintes fundamentos:

A análise técnica das contas observou as normas estabelecidas pela Lei n. 9.504/97, que estabelece normas para as eleições, regulamentada pela Resolução TSE n. 23.607/19, que dispõe sobre a arrecadação e os gastos de recursos por partidos políticos e candidatos e sobre a prestação de contas nas eleições de 2020.

Verifica-se que a prestação de contas foi apresentada tempestivamente pelo candidato e instruída com os documentos arrolados na Resolução TSE n. 23.607/19, estando suas peças devidamente assinadas.

O Parecer Conclusivo foi expedido apontando falha nas contas apresentadas, que conforme se depreendem tornam as contas inconfiáveis e indicam indícios que comprometem a confiabilidade das informações prestadas e da regular aplicação dos recursos públicos, as quais seguem:

- Foram identificadas divergências entre as informações relativas às despesas, constantes da prestação de contas, e aquelas constantes da base de dados da Justiça Eleitoral, obtidas mediante circularização e/ou informações voluntárias de campanha e/ou confronto com notas fiscais eletrônicas de gastos eleitorais, revelando indícios de omissão de gastos eleitorais, infringindo o que dispõe o art. 53, I, g, da Resolução TSE n. 23.607/19, bem como, devendo ser considerado recurso de origem não identificada com consequente recolhimento ao Tesouro Nacional, no valor total de R$180,00, conforme exposto no item 01 do Parecer Conclusivo.

- Foi identificado, mediante a integração do módulo de análise do SPCE e da base de dados do CPF e CNPJ da RFB, realizado em 21.12.2020, despesas junto a fornecedores de campanha que possuem relação de parentesco com o prestador de contas em exame, o que indica desvio de finalidade, face ao documento precário para comprovação da realização do serviço, a data do pagamento efetuada (11.12.2020), somado ao fato do pagamento ter se dado por recursos públicos, bem como, em virtude da análise com os demais apontamentos em sequência (principalmente a ausência desta despesa na prestação de contas parcial), consequentemente restando fundadas dúvidas sobre a efetiva prestação do serviço realizado, no valor de R$ 3.500,00, conforme elencado no item 02 do Parecer Conclusivo.

- Houve realização de despesas após a concessão do CNPJ de campanha, ocorrida em 26.9.2020, mas antes da abertura da conta bancária específica de campanha, ocorrida em 30.9.2020, contrariando o disposto nos arts. 3°, I, alínea "c", e 36, da Resolução TSE n. 23.607/19, no valor total de R$ 13.000,00, conforme item 03 do Parecer Conclusivo.

- Foram detectados gastos eleitorais realizados em data anterior à data inicial de entrega da prestação de contas parcial, mas não informados à época (art. 47, § 6°, da Resolução TSE n. 23.607/19), no valor total de R$ 13.000,000, conforme item 04 do Parecer Conclusivo.

- Do exame dos documentos vinculados no Sistema de Prestação de Contas Eleitoral (SPCE-Cadastro) foi identificada a inconformidade dos documentos comprobatórios relativos às despesas realizadas com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC (arts. 35, 53, II, alínea "c" e 60, da Resolução TSE n. 23.607/19), em face de fundada dúvida da efetiva prestação serviço descrito, considerando a data dos pagamentos realizados (todos já no mês de dezembro as vésperas da entrega da prestação de contas), ausência de informação das contratações quando da entrega da prestação de contas parciais (mas lançados após o recebimento de recursos públicos) e precariedade do tipo de documento (contrato particular simples de prestação de serviço por particular), o que faz com que não se tenha segurança regularidade dos gastos efetuados com recursos públicos, totalizando o valor de R$ 13.000,00, conforme item 05 do parecer conclusivo.

Ademais, percebe-se, que as irregularidades dos itens 02 a 05 do Parecer Conclusivo referem-se aos mesmos gastos eleitorais, evidenciando a falta de confiabilidade destes gastos realizados com recursos públicos, que, quando da análise em conjunto faz com que se tenha uma fundada suspeita de irregularidade na utilização destes recursos, principalmente, se considerarmos que o gasto eleitoral foi lançado como ocorrido antes do prazo legal para sua realização, bem como, mesmo tendo sido estes ditos gastos eleitorais realizados antes mesmo da abertura da conta bancária, ficaram ausentes da prestação de contas parcial, que tinha como prazo de envio de 21 a 25 de outubro de 2020, sendo então perfeitamente exigível que tais gastos estivessem na prestação do contas parcial. Bem como, considerando a documentação utilizada para a comprovação destes gastos, contrato precário de prestação de serviços entre particulares, sem prova de qualquer cumprimento de obrigação fiscal e trabalhista da referida prestação do serviço, faz com que se tenha fortes indícios de irregularidade dos gastos eleitorais com recursos públicos elencados nos itens acima. 

Ante o exposto, as falhas apontadas configuram irregularidades por não comprovação de gastos realizados com recursos públicos e ensejam o recolhimento ao Tesouro Nacional, no total de R$ 13.180,00, corrigidos monetariamente mais juros moratórios, calculados com base na taxa aplicável aos créditos da Fazenda Pública, desde a data da ocorrência do fato gerador até o efetivo recolhimento, tudo conforme art. 32, § 3º e art. 79, § 2º da Resolução TSE n. 23.607/19.

Outrossim, o Ministério Público Eleitoral, manifestou-se pela desaprovação das contas.

Ressalve-se que a análise técnica das contas está adstrita às informações declaradas pelo prestador de contas e à movimentação financeira apurada nos extratos bancários vinculados à campanha eleitoral, não se esgotando a possibilidade de surgirem informações, a qualquer momento, por conta da fiscalização ou investigação de outras esferas do poder público.

Ante o exposto, julgo DESAPROVADAS as contas dos candidatos Carlos Antonio Berneiri e Renata Capoani, no município de Sertão, referente às eleições municipais de 2020, nos termos do art. 30, inciso III, da Lei n. 9.504/97, e do art. 74, inciso III, da Resolução TSE n. 23.607/19, ante os fundamentos declinados. Por fim, condeno os prestadores de contas, solidariamente, ao recolhimento ao Tesouro Nacional, de R$ 13.180,00, corrigido monetariamente mais juros moratórios, calculados com base na taxa aplicável aos créditos da Fazenda Pública, contados desde a data da ocorrência do fato gerador até o efetivo recolhimento, tudo conforme art. 32, § 3º e art. 79, § 2º da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

Quanto à primeira irregularidade, trata-se a Nota Fiscal Eletrônica n. 18266, datada de 07.11.2020, no valor de R$ 180,00, emitida por JULIO BERNIERI (CNPJ 10.740.230/0001-40), que não foi declarada na prestação de contas e cujo adimplemento ocorreu com recursos que não transitaram na conta de campanha, revelando indícios de omissão de gastos eleitorais, infringindo o que dispõe o art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19. Assim, caracteriza-se como utilização de recursos de origem não identificada, consoante arts. 14 e 21, §§ 3º e 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Em suas razões, os recorrentes (ID 44864493) afirmam se tratar de mero erro material, não podendo servir como eventual embasamento de desabono das contas prestadas.

O parecer (ID 44937768) da Procuradoria Regional Eleitoral destaca que:

 

(...) a nota fiscal referida foi emitida para o CNPJ da campanha. No entanto, não foi lançada na prestação de contas e, tampouco, foi cancelada no prazo legal ou realizado seu estorno, como se observa em consulta ao portal de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais.

 

De fato, os recursos financeiros utilizados não transitaram pela contabilidade de campanha, configurando, assim, recursos de origem não identificada, estando sujeitos a recolhimento ao Tesouro, na forma do art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19, verbis:

 

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

I - a falta ou a identificação incorreta do doador;

II - a falta de identificação do doador originário nas doações financeiras recebidas de outros candidatos ou partidos políticos;

III - a informação de número de inscrição inválida no CPF do doador pessoa física ou no CNPJ quando o doador for candidato ou partido político;

IV - as doações recebidas em desacordo com o disposto no art. 21, § 1º, desta Resolução quando impossibilitada a devolução ao doador;

V - as doações recebidas sem a identificação do número de inscrição no CPF/CNPJ no extrato eletrônico ou em documento bancário;

VI - os recursos financeiros que não provenham das contas específicas de que tratam os arts. 8º e 9º desta Resolução;

VII - doações recebidas de pessoas físicas com situação cadastral na Secretaria da Receita Federal do Brasil que impossibilitem a identificação da origem real do doador; e/ou

VIII - recursos utilizados para quitação de empréstimos cuja origem não seja comprovada.

(...)

 

Ademais, em consulta ao site Divulgacandcontas https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/89117/210001190090/, acesso em 15.3.2022, não consta o trânsito do gasto eleitoral nas contas de campanha, devendo ser mantida a sentença.

Com relação à segunda irregularidade, isto é, despesa realizada pelo candidato junto ao fornecedor JULIO BERNIERI (CPF 030.273.080-09), filho do candidato, datada de 27.9.2020, no valor de R$ 3.500,00, sustentam que o fato de um dos contratados possuir relação de parentesco com o candidato Carlos A. Bernieri não pode, por si só, ser considerado elemento hábil a denotar a ilegalidade dos pagamentos, haja vista que não há qualquer impedimento legal para a contratação “desde que os serviços sejam efetivamente praticados”.

De fato, a legislação não veda o fornecimento de produtos ou serviços de campanha por pessoas com vínculo de parentesco com o candidato. Contudo, caso isso ocorra, é necessário que haja razoabilidade em tal prática e que sejam observados os preceitos éticos e morais que devem nortear a conduta dos candidatos e dos partidos políticos, notadamente quanto ao uso de recursos públicos, buscando obter o melhor resultado pelo menor custo possível, em atenção ao princípio da economicidade.

Nesses casos, cumpre à Justiça Eleitoral atuar com maior rigor e atenção dada a possibilidade de conflito de interesses e de desvio de finalidade na aplicação de recursos públicos, com vistas a favorecer financeiramente, eventualmente, a pessoa contratada. Assim, caso seja realizada a contratação, deve-se observar rigorosamente os princípios constitucionais da razoabilidade, da moralidade e da economicidade, assim como deve evidenciar elevado grau de transparência.

Ressalte-se que, no caso em exame, foi realizado o registro formal do pagamento referido na prestação de contas, porém, a prova demonstrou-se precária a sustentar seu adimplemento pelo fornecedor:

  1. o contrato particular (ID 44864453) foi acostado ao feito após a irregularidade ser apontada pelo parecer técnico;
  2. o fornecedor é filho do candidato a prefeito, ora recorrente, e firmou contrato com a candidata a vice-prefeita;
  3. o pagamento foi realizado após o pleito, no prazo para apresentação das contas eleitorais finais; e,
  4. a despesa representa percentual significativo do Fundo Especial de Financiamento de Campanha.

No que tange a terceira, quarta e quinta irregularidades, trata-se de 04 contratos de prestação de serviço, sendo 02 contratos entabulados no dia 26.9.2020 (ALISSON LUIS SINZEN NARDI, no valor de R$ 3.000,00, e PAULINHO PEDROZO JUNIOR, no valor de R$ 3.500,00) e 02 contratos no dia 27.9.2020 (MONICA SCHMITZ, no valor de R$ 3.000,00, e JULIO BERNIERI, no valor de R$ 3.500,00), totalizando R$ 13,000.00.

Explico cada uma das irregularidades.

A terceira irregularidade: realização de despesas após a concessão do CNPJ de campanha, em 26.9.2020 – os contratos foram realizados entre os dias 26 e 27.9.2020, porém, antes da abertura da conta bancária específica de campanha, efetivada em 30.9.2020, contrariando o disposto nos arts. 3°, inc. I, al. "c", e 36 da Resolução TSE n. 23.607/19.

 

Art. 3º A arrecadação de recursos para campanha eleitoral de qualquer natureza deverá observar os seguintes pré-requisitos:

I - para candidatas ou candidatos:

(...)

c) abertura de conta bancária específica destinada a registrar a movimentação financeira de campanha;

 

[...]

 

Art. 36. Os gastos de campanha por partido político ou por candidata ou candidato somente poderão ser efetivados a partir da data da realização da respectiva convenção partidária, observado o preenchimento dos pré-requisitos de que trata o art. 3º, inciso I, alíneas a até c e inciso II, alíneas a até c desta Resolução.

§ 1º Os gastos eleitorais efetivam-se na data da sua contratação, independentemente da realização do seu pagamento, e devem ser registrados na prestação de contas no ato da sua contratação.

§ 2º Os gastos destinados à preparação da campanha e à instalação física ou de página de internet de comitês de campanha de candidatas ou de candidatos e de partidos políticos poderão ser contratados a partir da data efetiva da realização da respectiva convenção partidária, desde que, cumulativamente:

I - sejam devidamente formalizados; e

II - o desembolso financeiro ocorra apenas após a obtenção do número de inscrição no CNPJ, a abertura de conta bancária específica para a movimentação financeira de campanha e a emissão de recibos eleitorais, na forma do art. 7º desta Resolução. (grifo nosso)

 

Dessarte, não se trata de mera formalidade, mas de requisito essencial para a lisura das contas eleitorais.

A quarta irregularidade refere-se a gastos eleitorais detectados, que foram realizados em momento anterior à data inicial de entrega da prestação de contas parcial, mas não informados à época, contrariando o que dispõe o art. 47, § 6°, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Os recorrentes admitem que, por erro, “por haver uma falha nas comunicações dos envolvidos”, os contratos somente foram entregues ao contador após o pleito, de modo que não constaram na prestação de contas parcial.

Ocorre que o ônus da apresentação dos contratos de serviços a tempo de registro na prestação de contas parcial recaía sobre os candidatos, devendo ser mantida a irregularidade, pois não cumprida a obrigação.

Por fim, a quinta irregularidade diz respeito à precariedade da comprovação das despesas realizadas com verbas do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC (arts. 35, 53, inc. II, al. "c", e 60, da Resolução TSE n. 23.607/19), em face de fundada dúvida da efetiva prestação de serviço descrito.

A unidade técnica assim se manifestou (ID 44864463):

 

(...) em razão da data dos pagamentos realizados (todos já no mês de dezembro, às vésperas da entrega da prestação de contas), ausência de informação das contratações quando da entrega da prestação de contas parciais (mas lançados após o recebimento de recursos públicos), precariedade do tipo de documento (contrato puro e simples de prestação de serviço por particular), o que faz com que não se tenha segurança regularidade dos gastos efetuados com recursos públicos.

 

Há, portanto, nestes autos, um contexto de falhas que comprometeram a lisura das contas prestadas, qual seja: a) precariedade dos contratos apresentados como comprobatórios dos gastos eleitorais realizados com recursos públicos; b) falta de registro na prestação parcial; c) a contratação de fornecedores com grau de parentesco por parente; e d) a realização de pagamentos pouco antes da juntada da prestação de contas final.

Desse modo, acertada a sentença que desaprovou as contas, pois as irregularidades somam o total de R$ 13.180,00, sendo superior ao parâmetro considerado como módico pela Corte (R$ 1.064,10), assim como supera em 38,96% o valor declarado como receita recebida, ou seja, percentual excedente ao limite utilizado pela Justiça Eleitoral (10%) como critério para aprovação das contas com ressalvas.

Por derradeiro, diante da apresentação dos comprovantes de recolhimentos pelos recorrentes (ID 44871750 e ID 44871751), devem os autos ser remetidos à SAI para exame do correto recolhimento das importâncias e recebimento dos valores pelo Tesouro Nacional.

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso e determino a remessa dos autos à Secretaria de Auditoria Interna, nos termos da fundamentação.