ED no(a) REl - 0601134-53.2020.6.21.0055 - Voto Relator(a) - Sessão: 09/06/2022 às 14:00

VOTO

Os embargos de declaração são regulares, tempestivos e comportam conhecimento.

Inicialmente, relembro que os embargos de declaração são recurso sui generis, uma vez que não têm por finalidade anular ou reformar, e sim integrar a decisão recorrida no sentido de torná-la precisa, completa.

Quanto ao cabimento do recurso, os aclaratórios servem para afastar obscuridade, omissão, contradição ou erro material, nos termos do art. 275 do Código Eleitoral e art. 1.022 do CPC.

O embargante, irresignado com o acórdão, interpôs embargos de declaração, pleiteando efeitos infringentes, sustentando que a decisão embargada foi contraditória, pois ao mesmo tempo que reconheceu a utilização de documento fiscal adulterado pela candidata, na tentativa de comprovar a aplicação de recursos públicos, aprovou as contas com ressalvas, ao fundamento de que o valor absoluto da irregularidade é inferior ao parâmetro de R$ 1.064,10 (ou mil UFIRs).

No caso dos autos, mostra-se evidente a ausência dos requisitos para a oposição dos presentes embargos. O que pretende, o embargante, é rever a justiça da decisão, entendendo possuir argumentos suficientes para alterar o resultado do julgamento.

Dessarte, a omissão/contradição apontada não está presente na decisão embargada, pois não expressa dissonância flagrante entre a vontade do julgador e a sua exteriorização.

Ao contrário, está bastante claro no voto condutor que a irregularidade apontada não supera o valor nominal de R$ 1.064,10, utilizado como parâmetro pela Justiça Eleitoral, sendo viável a aplicação dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade para a aprovação com ressalvas, in verbis:

A despeito da irregularidade apontada e não superada pela recorrente, somado ao fato de a irregularidade em questão envolver a aplicação de recursos públicos oriundos do FEFC e ainda a possível ocorrência de fraude, seria o caso de desaprovação das contas.

Contudo, a jurisprudência desta Corte e do TSE têm afastado o severo juízo de desaprovação das contas quando o valor nominal da irregularidade se mostra irrelevante, adotando-se como referência a quantia de R$ 1.064,10 (ou mil UFIRs) que a disciplina normativa das contas considera módico, de modo a permitir o gasto de qualquer eleitor pessoalmente e de dispensar o uso da transferência eletrônica interbancária nas doações eleitorais (arts. 43, caput, e 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19).

(...)

Destarte, tendo em vista que a irregularidade perfaz quantia inexpressiva, tenho ser possível a aprovação das contas com ressalvas em homenagem aos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade.

 

Ademais, conforme assinalado no voto, a decisão está conforme o entendimento externado pelo Tribunal Superior Eleitoral e por esta Corte.

Destaca-se, ainda, que as decisões que seguem apontam tão somente para o critério do valor entendido como diminuto, não fazendo qualquer distinção se esse valor é proveniente de recursos públicos ou não.

Nesse sentido, segue decisão monocrática proferida pelo Ministro Luiz Edson Fachin, nos autos do RESPE n. 37447, em 13.6.2019:

 

Entendo que o limite percentual de 10% (dez por cento) adotado por este Tribunal Superior revela-se adequado e suficiente para limitar as hipóteses de incidência dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

É de se harmonizar, contudo, a possibilidade de sobreposição dos critérios do valor diminuto e da aplicação dos princípios já citados. Em casos tais, deve prevalecer, até o limite aqui indicado, o critério de valor absoluto, aplicando-se o critério principiológico de forma subsidiária.

Assim, se o valor da irregularidade está dentro do máximo valor entendido como diminuto, é desnecessário aferir se é inferior a 10% (dez por cento) do total da arrecadação ou despesa, devendo se aplicar o critério do valor diminuto.

Apenas se superado o valor máximo absoluto considerado irrisório, aplicar-se-á o critério da proporcionalidade e da razoabilidade, devendo ser considerado o valor total da irregularidade analisada, ou seja, não deve ser desconsiderada a quantia de 1.000 UFIRs alcançada pelo critério do valor diminuto.

 

Transcrevo, ainda, ementa de decisão do Plenário do TSE:

 

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. APLICABILIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. "Com base na compreensão da reserva legal proporcional, nem toda irregularidade identificada no âmbito do processo de prestação de contas autoriza a automática desaprovação de contas de candidato ou de partido político, competindo à Justiça Eleitoral verificar se a irregularidade foi capaz de inviabilizar a fiscalização" (AgR-REspe 2159-67, rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de 11.3.2016.).

2. Com relação à falha de omissão de receitas e despesas, consistiu ela no valor de R$ 295,20, a qual a própria Corte de origem assinalou não ser "capaz de levar à desaprovação das contas, sendo o caso de anotação de ressalvas, conforme o art. 68, II, da Resolução TSE n. 23.463/16".

3. Não obstante, o Tribunal a quo entendeu apta a ensejar a desaprovação das contas a irregularidade alusiva a doação que consistiu em recurso de origem não identificada. Todavia, conforme consta da decisão regional, é certo que a falha apontada correspondeu a aproximadamente 12% do total de recursos arrecadados para campanha eleitoral, mas é de se ponderar que se trata de uma campanha para vereador e o valor absoluto corresponde a R$ 1.000,00, a revelar o seu caráter diminuto, o que permite a aprovação com ressalvas.

4. Para fins de aplicação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade no âmbito dos processos de prestação de contas, a gravidade da falha tem relevância para a aferição da questão, mas outras circunstâncias podem ser ponderadas pelo julgador no caso concreto, notadamente se o vício, em termos percentuais ou absolutos, se mostra efetivamente expressivo.

Precedente: AgR-AI 211-33, red. para o acórdão Min. Henrique Neves, DJe de 19.8.2014. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 27324, Acórdão, Relator(a) Min. ADMAR GONZAGA, Publicação: DJE-Diário de justiça eletrônico, Data 29.9.2017.) (grifo nosso)

 

O mesmo entendimento foi alcançado por esta Corte, conforme ementa de aresto que segue:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL DESFAVORÁVEIS. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. MONTANTE EXPRESSIVO. VALOR ABSOLUTO ÍNFIMO. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Dos recursos de origem não identificada. 1.1. Divergências entre a movimentação financeira declarada pelo candidato e aquela aferida no extrato eletrônico do TSE. 1.2. Constatadas despesas declaradas pelo prestador que não transitaram pela conta bancária. 1.3. Omissão de nota fiscal.

2. Ainda que as falhas representem 97,88% dos valores obtidos em campanha, o valor absoluto é mínimo e, conforme entendimento jurisprudencial, permite a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade para aprovar as contas com ressalvas. Determinado o recolhimento do montante irregular ao erário, nos termos do art. 82 da Resolução TSE n. 23.553/17.

3. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS; PC n. 0600698-02.2019.6.21.0000, Relator: Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores, julgado em 14.7.2020.) (grifo nosso).

 

Por fim, com relação ao julgamento do Recurso Eleitoral n. 0601122-39.2020.6.21.0055, de relatoria do Desembargador Gerson Fischmann, referido pelo embargante, em que pese a solução adotada tenha sido diversa da ora embargada, a pretensão de rejulgamento da causa para adoção do mesmo entendimento não encontra amparo nas hipóteses estritas dos aclaratórios.

Destaco que, conforme entendimento pacífico, a contradição que autoriza o manejo dos embargos de declaração é a contradição interna, verificada entre os elementos que compõem a estrutura da decisão judicial, e não entre a solução alcançada e a solução que almejava o jurisdicionado (REsp 1.250.367/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe de 22.8.2013.).

Ante o exposto, VOTO pela rejeição dos embargos de declaração.