REl - 0600518-81.2020.6.21.0151 - Voto Relator(a) - Sessão: 19/05/2022 às 15:00

VOTO

O recurso é adequado e tempestivo, comportando conhecimento.

Preliminar juntada de documentos

Inicialmente, consigno que, no âmbito dos processos de prestação de contas, expedientes que têm preponderante natureza declaratória e possuem como parte apenas o prestador, este Tribunal tem concluído, em casos excepcionais, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, acostados com a peça recursal e não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, ainda que o interessado tenha sido intimado para se manifestar, quando sua simples leitura pode sanar irregularidades e não há necessidade de nova análise técnica.

Potencializa-se o direito de defesa, especialmente quando a juntada da nova documentação mostra capacidade de influenciar positivamente no exame da contabilidade, de forma a prestigiar o julgamento pela retidão no gerenciamento dos recursos empregados no financiamento da campanha, como se denota da ementa abaixo colacionada:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DESAPROVAÇÃO. PRELIMINAR. JUNTADA DE NOVOS DOCUMENTOS COM A PEÇA RECURSAL. ACOLHIDA. MÉRITO. AUSENTE OMISSÃO. DIVERGÊNCIA ENTRE OS DÉBITOS CONSTANTES NOS EXTRATOS E OS INFORMADOS NA CONTABILIDADE. PAGAMENTO DESPESAS SEM TRÂNSITO NA CONTA DE CAMPANHA. IMPOSSIBILIDADE DE REABERTURA DA INSTRUÇÃO PROBATÓRIA MEDIANTE A JUNTADA DE NOVOS DOCUMENTOS. INVIÁVEL NOS ACLARATÓRIOS. REJEIÇÃO. 1. Preliminar. Admitida a apresentação de novos documentos com o recurso, quando capazes de esclarecer irregularidades apontadas, sem a necessidade de nova análise técnica ou diligências complementares. 2. Inviável o manejo dos aclaratórios para o reexame da causa. Remédio colocado à disposição da parte para sanar obscuridade, contradição, omissão ou dúvida diante de uma determinada decisão judicial, assim como para corrigir erro material do julgado. Presentes todos os fundamentos necessários no acórdão quanto às falhas envolvendo divergência entre a movimentação financeira escriturada e a verificada nos extratos bancários bem como do pagamento de despesas sem o trânsito dos recursos na conta de campanha. Não caracterizada omissão. Rejeição.

(TRE-RS, RE n. 50460, Relator Des. El. SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, Data de Julgamento: 25.01.2018, DEJERS: 29.01.2018, p. 4.) (Grifei.)

Por essas razões, mesmo tendo sido acostado após o parecer ministerial, por ser de simples análise, conheço dos documentos juntados.

Mérito

No mérito, trata-se de recurso interposto contra sentença que desaprovou as contas de LUCAS CAMPOS DA SILVA e JOSE CARLOS SALOMON DA SILVA, candidatos aos cargos de prefeito e vice-prefeito do Município de Barra do Ribeiro, e determinou-lhes o recolhimento de R$ 10.030,00 aos cofres públicos.

No decisum hostilizado, a ilustre magistrada a quo entendeu, na linha do parecer técnico conclusivo (ID 44932941), que a falta de identificação do beneficiário (contraparte) nos extratos bancários, sem que fossem carreados aos autos cópia dos cheques nominais e cruzados porventura emitidos, tornou irregulares os pagamentos efetuados com verbas do Fundo Partidário, no valor de R$ 1.500, e do FEFC, na quantia de R$ 8.530,00, caracterizando utilização indevida de recursos públicos, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Irresignados, os recorrentes sustentam que os dispêndios estão comprovados por documentos idôneos, como contratos, recibos, cronogramas de trabalho, cheques nominativos, e que os pagamentos foram realizados aos respectivos fornecedores de campanha, os quais, por meio de endosso, transferiram a cártula a terceiros.

Ab initio, assinalo que os gastos eleitorais devem ser evidenciados por documentos idôneos, nos termos do art. 60 da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 60. A comprovação dos gastos eleitorais deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

§ 1º Além do documento fiscal idôneo, a que se refere o caput, a Justiça Eleitoral poderá admitir, para fins de comprovação de gastos, qualquer meio idôneo de prova, inclusive outros documentos, tais como:

I - contrato;

II - comprovante de entrega de material ou da prestação efetiva do serviço;

III - comprovante bancário de pagamento; ou

IV - Guia de Recolhimento do FGTS e de Informações da Previdência Social (GFIP).

A par disso, quanto a seu pagamento, devem os dispêndios observar a forma prescrita no art. 38 do retromencionado diploma normativo, verbis:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

§ 1º O pagamento de boletos registrados pode ser realizado diretamente por meio da conta bancária, vedado o pagamento em espécie.

§ 2º É vedado o pagamento de gastos eleitorais com moedas virtuais.

No caso, a comprovação dos gastos com a prestação de serviços de militância deu-se por meio de contratos, recibos de pagamento e listas de presença dos prestadores em atos de campanha.

Os ora recorrentes acostaram ao feito a microfilmagem dos cheques utilizados para quitação dos débitos emitidos em benefício dos respectivos fornecedores de serviço, porém sem cruzamento.

Nesta instância, os recorrentes coligiram ao feito a imagem do cheque n. 30, ainda faltante, relacionado ao dispêndio de R$ 660,00, emitido para a contratada IZIANE DA SILVA KORPALSKI e compensado em favor de ELETROMAR CALCADOS C LTDA., CNPJ n. 91.202.598/0001-57.

Adianto que, malgrado configurada a falha, consistente na ausência de cruzamento das cártulas, na forma como prescrevem as normas de regência, o recurso merece parcial provimento.

Tal conclusão funda-se na comprovação, por documentos e informações complementares, da regularidade substancial das despesas eleitorais realizadas na campanha.

A seguir, passo a analisar sinteticamente cada um dos gastos com serviços de militância glosados no juízo de origem, em confronto com o extrato eletrônico disponível no sistema Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais:

a) despesa de R$ 960,00 paga mediante cheque n. 3, emitido em nome de JOSE ELOIR PIRES NOGUEIRA, com endosso do beneficiário em branco no verso, descontado na boca do caixa (ID 44932834);

b) despesa de R$ 540,00 paga pelo cheque n. 4 a MARILENA CUNHA DA SILVA, não sendo exibida a imagem do verso do cheque, descontado na boca do caixa (ID 44932874);

c) despesa de R$ 320,00 paga por meio do cheque n. 23 a KEROLIN GOMES DE OLIVEIRA, sem endosso da beneficiária, compensado em favor de JOSE CLOMAR DE CALDAS (ID 44932831);

d) gasto de R$ 720,00 quitado pelo cheque n. 20 a ANDERSON VINICIUS DA SIVA, com endosso do beneficiário em branco no verso da cártula, descontado na boca do caixa (ID 44932853);

e) despesa de R$ 360,00 contratada com DAIANE ALVES RODRIGUES, satisfeita por meio da emissão do cheque n. 19, que restou compensado em favor de FRANCISCO VALE FREITAS, tendo havido endosso da beneficiária em branco no verso (ID 44932848);

f) dispêndio de R$ 480,00 pago mediante cheque n. 32 a FABIANO PRADO SALGADO, com endosso do beneficiário em branco no verso, descontado na boca do caixa (ID 44932839);

g) gasto de R$ 440,00 quitado mediante cheque n. 31 a MARIA EDUARDA PRADO SILVA, com endosso da beneficiária em branco no verso, descontado na boca do caixa (ID 44932821);

h) dispêndio de R$ 680,00 pago pelo cheque n. 28 a DOUGLAS BARBOSA CORREA, com endosso do beneficiário em branco no verso, descontado na boca do caixa (ID 44932832);

i) despesa de R$ 680,00 paga por meio do cheque n. 27 a ADRIANE PACHECO BARBOSA, sem endosso da beneficiária no verso da cártula, e sacado o numerário na boca do caixa (ID 44932840);

j) gasto de R$ 670,00 quitado mediante o cheque n. 25 a LEONARDO BARCELOS BARBOSA, com endosso do beneficiário em branco no verso, descontado na boca do caixa (ID 44932862);

k) despesa de R$ 360,00 paga pelo cheque n. 21 a VIVIAN DAL PAI DE SOUZA, com endosso da beneficiária em branco no verso, descontado na boca do caixa (ID 44932847);

l) dispêndio de R$ 360,00 pago por meio do cheque n. 18 a TAMIRIS RODRIGUES OLIVEIRA, com endosso da beneficiária em branco no verso, descontado na boca do caixa (ID 44932869);

m) gasto de R$ 680,00 quitado pelo cheque n. 26 a BIANCA DA SILVA MACHADO, com endosso da beneficiária em branco no verso, descontado na boca do caixa (ID 44932864);

n) despesa de R$ 480,00 satisfeita por meio do cheque n. 24 a LEANDRO NUNES BARBOSA, com endosso do beneficiário em branco no verso, descontado na boca do caixa (ID 44932861);

o) dispêndio de R$ 680,00 pago pelo cheque n. 33 a JOSE HENDREO OLIVEIRA DIAS, com endosso do beneficiário em branco no verso, descontado na boca do caixa (ID 44932828);

p) gasto de R$ 960,00 quitado por meio do cheque n. 34 a FELIPE DA SILVA CAMPOS, com endosso do beneficiário em branco no verso, descontado na boca do caixa (ID 44932857);

q) despesa de R$ 660,00 paga pelo cheque n. 30 a IZIANE DA SILVA KORPALSKI, com endosso da beneficiária em branco no verso (IDs 44932825 e 44954555), cuja cártula foi compensada em favor de ELETROMAR CALCADOS C LTDA., CNPJ n. 91.202.598/0001-57, conforme se vê do extrato eletrônico.

Pois bem.

A inobservância pelos recorrentes da norma que impõe o dever de realizar o cruzamento dos cheques permitiu que esses fossem descontados na boca do caixa.

Contudo, embora os cheques não tenham sido cruzados, é possível aferir que, em sua maioria, os beneficiários do pagamento foram os próprios prestadores do serviço, situação que, na linha da jurisprudência desta Casa, afasta o dever de recolhimento da quantia ao Tesouro Nacional.

Para essa aferição, mostra-se necessário realizar a correlação entre a normativa que regulamenta o endosso e os procedimentos bancários.

Inicialmente, friso que é pacífico o entendimento tanto nesta Corte quanto no TSE sobre a possibilidade do endosso nos cheques emitidos para pagamento de fornecedores em campanha eleitoral, tendo em vista a ausência de vedação na Resolução TSE n. 23.607/19 e a autorização contida na Lei n. 7.357/85:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. DESAPROVAÇÃO. CHEQUE DESCONTADO POR TERCEIROS. DOCUMENTAÇÃO APTA A DEMONSTRAR A REGULARIDADE NO PAGAMENTO DE DESPESA. CÁRTULA NOMINAL E CRUZADA. ART. 38 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. AUTORIZADO O ENDOSSO POSTERIOR. ART. 17 DA LEI N. 7.357/85. POSSIBILIDADE DE DESCONTO EM BANCO POR TERCEIROS. VÍCIO SANADO. AFASTADA A NECESSIDADE DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. CONTAS INTEGRALMENTE APROVADAS. PROVIMENTO.

(...)

(Rel 0600285-77.2020.6.21.0024, Relator: Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, julgado em 06.07.2021.) Grifei.

Acerca de pagamento de cheque endossado por instituição bancária, dispõe o art. 28, caput, da Lei n. 7.357, de 02.9.1985, conhecida por Lei do Cheque:

Art. 28 O endosso no cheque nominativo, pago pelo banco contra o qual foi sacado, prova o recebimento da respectiva importância pela pessoa a favor da qual foi emitido, e pelos endossantes subsequentes.

Demais disso, embora o cheque endossado em branco possa ser transferido a terceiro independentemente de novo endosso, nos termos do art. 20, inc. III, do referido diploma legal, dispõe a Resolução n. 2.090, do Banco Central do Brasil (BCB), de 06.7.1994, que é defeso aos bancos o acolhimento, para saque ou depósito, de cheque ao portador de valor superior a R$ 100,00.

Transcrevo as normas citadas:

Art. 20 O endosso transmite todos os direitos resultantes do cheque. Se o endosso é em branco, pode o portador:

I – completá-lo com o seu nome ou com o de outra pessoa;

II – endossar novamente o cheque, em branco ou a outra pessoa;

III – transferir o cheque a um terceiro, sem completar o endosso e sem endossar. (Grifei.)

(...)

O BANCO CENTRAL DO BRASIL, na forma do art. 9º da Lei nº 4.595, de 31.12.64, torna público que o Presidente do CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL, por ato de 06.07.94, com base no art. 8º, parágrafo 1º, da Medida Provisória nº 542, de 30.06.94, "ad referendum" daquele Conselho, tendo em vista o disposto no parágrafo único do art. 46 da citada Medida Provisória, RESOLVEU:

Art. 1º Vedar aos bancos múltiplos com carteira comercial, bancos comerciais, caixas econômicas e cooperativas de crédito o acolhimento, para saque ou depósito, de cheque ao portador de valor superior a R$100,00 (cem reais). 

Nas hipóteses descritas nas alíneas a (R$ 960,00), d (R$ 720,00), e (R$ 360,00), f (R$ 480,00), g (R$ 440,00), h (R$ 680,00), i (R$ 680,00), j (R$ 670,00), k (R$ 360,00), l (R$ 360,00), m (R$ 680,00), n (R$ 480,00), o (R$ 680,00), p (R$ 960,00), as microfilmagens demonstraram que os cheques possuem quantia superior a R$ 100,00, estão nominais aos prestadores de serviço, foram endossados em branco e contêm apenas a assinatura dos fornecedores no verso.

Assim, conforme se depreende da normativa supracitada, cumpre concluir que foram os próprios prestadores de serviços que descontaram o valor na boca do caixa. Conclusão diversa exigiria a assinatura de um terceiro no verso do cheque, fato não ocorrido.

Nesse sentido, restando demonstrado que foram os próprios fornecedores os beneficiários dos valores, na linha da jurisprudência desta Corte, embora não tenha sido cumprida a exigência de cruzamento do cheque, os valores não devem ser devolvidos ao Tesouro Nacional (Rel 0600462-63.2020.6.21.0049, Relator: Des. Eleitoral Oyama Assis Brasil de Moraes, julgado em 05.05.2022).

No tocante à hipótese descrita na alínea q (R$ 660,00), o cheque foi emitido nominalmente a IZIANE DA SILVA KORPALSKI, e seguiu uma cadeia de endossos, sendo compensado em favor de ELETROMAR CALCADOS C LTDA., CNPJ n. 91.202.598/0001-57, conforme se vê do extrato eletrônico.

Dessa forma, embora o cheque não tenha sido cruzado, este foi compensado, cumprindo a finalidade da exigência do cruzamento, situação que possibilita a identificação do beneficiário e o rastreamento do valor. Por conseguinte, deve também ser afastado o dever de recolhimento da respectiva glosa. 

Cumpre destacar que a jurisprudência citada no parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, da relatoria do Desembargador Eleitoral Francisco José Moesch (TRE-RS - Recurso Eleitoral n 060043220, ACÓRDÃO de 07/04/2022, Relator FRANCISCO JOSÉ MOESCH - Data: 19/04/2022), embora trate de gastos irregulares do FEFC com cheques descontados na boca do caixa, difere da hipótese dos autos.

Isso porque, naquele processo, a irregularidade foi aferida por meio dos extratos bancários, não tendo sido juntadas as microfilmagens dos cheques, situação que impediu a verificação da nominalidade e do endosso, por exemplo, e a consequente aplicação das regras referentes a este instituto, aliada às regras de procedimentos bancários.

Por fim, quanto às hipóteses descritas nas alíneas b (R$ 540,00) e c (R$ 320,00), não ficou demonstrado a coincidência entre fornecedor e beneficiário do pagamento, ou que os cheques seguiram a cadeia de endosso e foram compensados, conforme ocorrido nas hipóteses suprarreferidas. 

Assim, entendo que deve ser mantido o dever de recolhimento do valor de R$ 860,00 (R$ 540,00 + R$ 320,00) ao Tesouro Nacional.

Contudo, embora afastado o dever de recolhimento de grande parte das irregularidades, essas permanecem diante do descumprimento da previsão contida no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Nesse sentido, as máculas constatadas consolidam-se no total de R$ 10.030,00, cifra que representa 17,02% das receitas de campanha (R$ 58.936,00), restando inviabilizada a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade como forma de atenuar sua gravidade sobre o conjunto das contas, impondo-se a manutenção do juízo de desaprovação, na linha da jurisprudência consolidada deste Tribunal.

Ante o exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso, para, mantendo a desaprovação das contas de campanha de LUCAS CAMPOS DA SILVA e JOSE CARLOS SALOMON DA SILVA, relativas às eleições de 2020, reduzir para R$ 860,00 o valor a ser devolvido ao Tesouro Nacional.