REl - 0600223-10.2020.6.21.0130 - Voto Vista - Sessão: 19/05/2022 às 15:00

Na espécie, a sentença desaprovou as contas dos candidatos não eleitos ao cargo de prefeito e vice-prefeito do Município de São José do Norte, Gilmar Carteri e de Elton Adão Pinheiro dos Santos, respectivamente, e determinou o recolhimento de R$ 10.640,00 ao Tesouro Nacional, em virtude da realização de pagamentos com cheques nominais não cruzados, no valor de R$ 2.460,00, e sem o comprovante de gastos no montante de R$ 8.180,00 (ID 43013133).

Em sede de recurso, o voto do e. relator foi no sentido de reformar a sentença para subtrair o valor de R$ 3.000,00 das irregularidades do montante a ser recolhido ao Tesouro Nacional, mantida a desaprovação das contas, vez que as irregularidades  remanescentes importam no valor total de R$ 7.640,00, que representa 22,37% das receitas declaradas pelos prestadores (R$ 34.138,00), percentual superior ao limite (10%) utilizado por esta egrégia Corte para aprovar as contas com ressalvas.

Peço vênia ao e. relator, para divergir da sua conclusão, acolhendo o recurso em maior extensão, a fim de afastar a integralidade da devolução dos valores ao Tesouro Nacional.

Antes de analisar o caso, trago alguns esclarecimentos sobre o tema que envolve a forma como foi disciplinada a demonstração dos gastos eleitorais relativos às eleições de 2020 (art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19):

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

 

Assim, os gastos de natureza financeira devem ser pagos por meio de cheque nominal e cruzado.

Segundo dispõe a Resolução TSE n. 23.607/19, em seu art. 60, caput, a comprovação dos dispêndios eleitorais ocorre pela apresentação de documento fiscal, exigência essa, inclusive, mitigada pelo § 1º, que admite qualquer meio idôneo de prova, litteris:

Art. 60. A comprovação dos gastos eleitorais deve ser feita por meio de documento fiscal idôneo emitido em nome dos candidatos e partidos políticos, sem emendas ou rasuras, devendo conter a data de emissão, a descrição detalhada, o valor da operação e a identificação do emitente e do destinatário ou dos contraentes pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ e endereço.

§ 1º Além do documento fiscal idôneo, a que se refere o caput, a Justiça Eleitoral poderá admitir, para fins de comprovação de gastos, qualquer meio idôneo de prova, inclusive outros documentos, tais como:

I - contrato;

II - comprovante de entrega de material ou da prestação efetiva do serviço;

III - comprovante bancário de pagamento; ou

IV - Guia de Recolhimento do FGTS e de Informações da Previdência Social (GFIP).

§ 2º Quando dispensada a emissão de documento fiscal, na forma da legislação aplicável, a comprovação da despesa pode ser realizada por meio de recibo que contenha a data de emissão, a descrição e o valor da operação ou prestação, a identificação da destinatária ou do destinatário e da(o) emitente pelo nome ou razão social, CPF ou CNPJ, endereço e assinatura da prestadora ou do prestador de serviços.

 

Travou-se na Corte a seguinte controvérsia: se o prestador apresentar os documentos previstos no art. 60, caput, e §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19 e desatendida a forma prevista para pagamento, por exemplo, com cheque nominal sem cruzamento, cabível a glosa da despesa, com a determinação de recolhimento da importância ao erário (art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19)?

Neste Tribunal Regional, por ocasião dos julgamentos das contas de campanha das eleições gerais de 2018, do qual foi paradigma a PC 0602974-40.2018.6.21.0000, sob a relatoria do eminente Des. Eleitoral Andre Luiz Planella Vilarinho, na sessão de 09.12.2019, a Corte firmou o entendimento de que, descumprida a obrigatoriedade de pagamentos por meio de cheque nominal, transferência bancária ou débito em conta, deveria ser efetuado o recolhimento da quantia impugnada ao Tesouro Nacional, em razão da malversação ou do uso indevido dos recursos públicos, com ementa assim redigida:

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATA. DEPUTADO ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS RELATIVOS ÀS ELEIÇÕES GERAIS DE 2018. PARECER TÉCNICO E MANIFESTAÇÃO MINISTERIAL DESFAVORÁVEIS. APONTADAS IRREGULARIDADES NA CONTABILIDADE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE PAGAMENTO REALIZADO COM RECURSOS PÚBLICOS. FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (FEFC). FUNDO PARTIDÁRIO. ART. 40 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.553/17. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO.

Formado o entendimento unânime deste Tribunal no sentido de que a comprovação da devida utilização dos recursos do Fundo Partidário ou do FEFC abrange a adequada e suficiente demonstração, pelo candidato, de cada uma das etapas de realização do gasto, quais sejam: a) a arrecadação, para a qual a normatização condiciona o uso de operações capazes de atestar a origem do recurso (art. 22 da Resolução TSE n. 23.553/17); b) a contratação, que demonstra a existência e o objeto do gasto, por meio de apresentação da nota fiscal ou de outros documentos subsidiários, conforme o caso (art. 63 da Resolução TSE n. 23.553/17); e c) o adimplemento, necessariamente efetuado por formas que atestem que o débito foi efetivamente quitado junto ao fornecedor declarado nas contas (art. 40 da Resolução TSE n. 23.553/17). A comprovação do gasto somente pode ser considerada a partir da demonstração segura de cada um desses elementos, indispensáveis ao aperfeiçoamento da própria despesa.

Na hipótese, ausência de comprovação de pagamentos efetuados com recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha. Descumprido o disposto no art. 40 da Resolução TSE n. 23.553/17, que determina a obrigatoriedade de que os pagamentos de gastos de natureza financeira sejam efetuados por meio de cheque nominal, transferência bancária – que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário, ou débito em conta. Falha que compromete a regularidade das contas, impondo o dever de recolhimento da quantia impugnada ao Tesouro Nacional.

Desaprovação.

(TRE-RS – PC 0602974-40.2018.6.21.0000, Relator: Des. Eleitoral André Luiz Planella Vilarinho, julgamento em 09.12.2019, unânime.)

 

Posteriormente, entretanto, o TSE encampou compreensão diversa, no sentido de que o pagamento de despesa eleitoral com cheque sem cruzamento e ao portador, malgrado caracterize irregularidade grave, vez que implica descumprimento às normas que regem a prestação de contas, como acima assentado, não enseja, per se, a devolução de valores do FEFC ao Tesouro Nacional, que somente é cabível na hipótese de malversação de recursos, por via de utilização indevida ou ausência de comprovação dos gastos eleitorais.

Nesse exato trilhar, trago à colação julgados do egrégio Tribunal Superior Eleitoral, os quais contemplam, inclusive, o pagamento em espécie de despesas eleitorais:

ELEIÇÕES 2018. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. DESAPROVAÇÃO. DEPUTADO ESTADUAL. GASTOS COM RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (FEFC). MEIO DIVERSO DO PREVISTO NA LEGISLAÇÃO DE REGÊNCIA. ART. 40 DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.553/17. APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS IDÔNEOS. DESNECESSIDADE DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO.

1. O Tribunal Regional, por unanimidade, desaprovou as contas de campanha relativas ao cargo de deputado estadual em virtude da utilização de recursos provenientes do FEFC por meio diverso do determinado no art. 40 da Resolução TSE n. 23.553/17.

2. O pagamento em espécie de despesas eleitorais, conquanto implique descumprimento ao comando do art. 40 da Resolução TSE n. 23.553/17, não tem o condão de, per se, gerar a devolução ao Erário dos valores utilizados, sendo imprescindível estar configurada sua malversação, nos termos previstos no art. 82, § 1º, da Resolução TSE n. 23.553/17.

3. Não obstante tenha se caracterizado, in casu, o desrespeito ao art. 40 da aludida resolução, que impõe o pagamento de despesas de campanha por meio de cheque nominal ao fornecedor, transferência bancária com identificação da contraparte ou débito bancário, somente a utilização indevida ou a não comprovação dos gastos eleitorais gera a consequência jurídica prevista no art. 82, § 1º, da Resolução TSE n. 23.553/17, isto é, a devolução dos valores ao Tesouro Nacional, medida acertadamente afastada pelo Tribunal a quo.

4. Ademais, ilidir os fundamentos e as conclusões do Tribunal a quo a respeito da suficiência e da idoneidade dos documentos fiscais acostados aos autos, a demonstrar regular utilização dos recursos públicos, demandaria revolvimento da matéria fático–probatória, providência inadmissível nesta instância extraordinária, nos termos da Súmula nº 24/TSE.

5. Agravo regimental desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 060226505, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira d Carvalho Neto, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 120, Data: 19.6.2020.) (Grifo nosso)

 

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DEPUTADA ESTADUAL. JULGAMENTO MONOCRÁTICO DO RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. POSSIBILIDADE. ART. 36, § 7º, DO RITSE. PRECEDENTES. DESAPROVAÇÃO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. EXTRAPOLAÇÃO DO LIMITE DO FUNDO DE CAIXA. PAGAMENTOS EM ESPÉCIE. EXISTÊNCIA DE DOCUMENTOS FISCAIS QUE COMPROVAM O PAGAMENTO DAS DESPESAS REALIZADAS. DESNECESSIDADE DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. AFASTAMENTO DA INCIDÊNCIA DO ART. 82, § 1º, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.553/17. DECISUM EM HARMONIA COM A HODIERNA JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. SÚMULA Nº 30/TSE. MANUTENÇÃO. DESPROVIMENTO DO AGRAVO INTERNO.

1. É facultado ao relator sopesar, monocraticamente, os recursos que lhe são distribuídos, nos termos do art. 36, §§ 6º e 7º, do RITSE. Desse modo, não há óbice formal ao provimento de recurso por meio de decisão monocrática respaldada em compreensão jurisprudencial dominante desta Corte, como no caso dos autos. Precedentes.

2. De acordo com a hodierna jurisprudência deste Tribunal, a realização de despesas sem a observância dos meios previstos no art. 40 da Resolução TSE n. 23.553/17 não implica, por si só, a obrigação de restituir ao Erário os valores correspondentes, revelando–se necessário o exame das circunstâncias do caso para aferir se houve a ausência de comprovação da utilização dos recursos do Fundo Partidário e/ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) ou a sua utilização indevida, nos termos do art. 82, § 1º, da mesma resolução.

3. No caso, consta do acórdão regional que o órgão técnico concluiu pela efetiva comprovação dos pagamentos aos fornecedores da campanha por meio da apresentação de documentos fiscais idôneos.

4. A modificação dessa premissa, que assentou a comprovação das despesas, demandaria análise do acervo fático–probatório dos autos, incidindo na espécie o enunciado da Súmula nº 24/TSE.

5. O processamento do recurso especial fica obstado quando o acórdão regional encontra–se em harmonia com a hodierna jurisprudência desta Corte, nos termos da Súmula nº 30/TSE.

6. Agravo interno a que se nega provimento.

(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL n, 060124289, Acórdão, Relator Min. Edson Fachin, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 200, Data: 06.10.2020.) (Grifo nosso)

 

Em pesquisa realizada na data de 13.5.2022, localizei inclusive acórdãos deste Tribunal, nos quais o TSE manteve a decisão de que a consequência jurídica de determinação de recolhimento ao erário apenas é cabível se não realizada a comprovação das despesas eleitorais mediante documentos idôneos, ainda que descumprido o comando do art. 40 da Resolução TSE n. 23.553/17, que impõe o pagamento de despesas de campanha por meio de cheque nominal ao fornecedor, transferência bancária com identificação da contraparte ou débito bancário, nos seguintes termos:

 

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DEPUTADA ESTADUAL. DESAPROVAÇÃO. GASTOS COM RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA (FEFC). COMPROVAÇÃO. APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS IDÔNEOS. INOBSERVÂNCIA DA FORMA DE PAGAMENTO PREVISTA NA LEGISLAÇÃO DE REGÊNCIA. DESNECESSIDADE DE RECOLHIMENTO AO ERÁRIO. PRECEDENTES. SÚMULA N° 30/TSE. REEXAME DE FATOS E PROVAS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N° 24/TSE. DESPROVIMENTO.

1. Na espécie, o TRE/RS, instância exauriente no exame do acervo fático–probatório dos autos, desaprovou as contas da candidata, relativas ao pleito de 2018, devido à não observância da forma de pagamento prevista no art. 40 da Resolução TSE n. 23.553/17 para o dispêndio de recursos do FEFC no valor de R$ 33.630,00 (trinta e três mil, seiscentos e trinta reais), equivalente a 14,7% do total de receitas declaradas, deixando, contudo, de determinar a sua restituição ao Erário, diante da comprovação das despesas eleitorais, por meio de documentos idôneos.

2. Conquanto descumprido o comando do art. 40 da Resolução TSE n. 23.553/17, que impõe o pagamento de despesas de campanha por meio de cheque nominal ao fornecedor, transferência bancária com identificação da contraparte ou débito bancário, somente a utilização indevida de recursos ou a não comprovação dos gastos eleitorais gera a consequência jurídica prevista no art. 82, § 1º, da Resolução TSE n. 23.553/17. Nesse sentido, dentre outros: AgR–REspEl n° 0602265–05/RS, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJe de 19.6.2020 e AgR–REspEl n° 0603022–96/RS, Rel. Min. Sergio Banhos, DJe de 16.6.2021, o que fez incidir na espécie o óbice da Súmula n° 30/TSE, igualmente aplicável aos recursos interpostos por afronta a lei (AgR–REspe nº 448–31/PI, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJe de 10.8.2018).

3. Mostram–se inviáveis a superação dos fundamentos e as conclusões do Tribunal de origem a respeito da suficiência e da idoneidade dos documentos acostados aos autos, a demonstrar regular utilização dos recursos, pois tal providência conduziria à vedada reincursão do caderno probatório, o que esbarra no óbice processual constante da Súmula nº 24/TSE.

4. Agravo regimental desprovido.

(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 060210492, Acórdão, Relator(a) Min. Carlos Horbach, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 192, Data: 19.10.2021.)

 

Direito Eleitoral. Eleições 2018. Recurso Especial Eleitoral. Prestação de Contas Eleitorais. Forma de Realização de Gastos. Comprovação da Regularidade dos Gastos Eleitorais. Não provimento.

1. Recurso Especial interposto contra decisão que desaprovou as contas eleitorais de candidato ao fundamento de inobservância das formas de realização de gastos previstas no art. 40 da Resolução TSE n. 23.553/17.

2. A realização de gastos eleitorais que não foram efetuados por meio de cheque nominal, transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário ou de débito em conta é vício formal que apresenta, por si só, natureza grave. O desatendimento das formas prescritas na resolução dificulta ou mesmo impede o controle técnico exercido pela Justiça Eleitoral.

3. No entanto, essa irregularidade formal não ocasiona, como consequência direta, a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional. A medida de recomposição do erário apenas deve ser determinada quando não for possível comprovar, por documentos e informações complementares, a regularidade substancial das despesas eleitorais realizadas.

4. No caso, a Corte Regional considerou que, a despeito da não observância da forma de realização dos gastos, foi possível verificar sua regularidade por outros meios. A unidade técnica indicou a ausência de cópias de cheques nominais de despesas realizadas com recursos do Fundo Partidário e FEFC. Apresentados contratos, microfilmagens de cheques, nota fiscal e notas explicativas, o TRE/RS considerou suficientes os documentos juntados. A alteração da conclusão do Regional pela estreita via do recurso especial encontra óbice na Súmula nº 24/TSE.

5. Hipótese que não se amolda aos precedentes AgR–REspe nº 0601167–88/MA e AgR–REspe nº 0600349–81/MA, nos quais esta Corte Superior Eleitoral determinou o recolhimento de despesas não comprovadas, consistentes em emissão de cheque a terceiros, com pagamento indireto à militância, modalidade que impede a rastreabilidade dos recursos e que caracteriza não comprovação substancial do gasto.

6. Nego seguimento ao recurso especial.

(RECURSO ESPECIAL ELEITORAL nº 060298569, Acórdão, Relator(a) Min. Og Fernandes, Relator(a) designado(a) Min. Luís Roberto Barroso, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 150, Data: 16.8.2021.)

 

Registro que, em relação às eleições de 2018, a Resolução TSE n. 23.553/17 exigia que o pagamento dos gastos eleitorais fosse realizado por cheque nominal (art. 40, inc. I) e, para o pleito de 2020, a norma foi alterada para exigir o cheque nominal cruzado (art. 38, inc. I). Ainda que o cheque seja meio de pagamento quase em desuso atualmente, tanto que nas eleições de 2022 será admitido até mesmo o pagamento por meio de PIX, a exigência do cruzamento do cheque teve por objetivo o controle do pagamento dos gastos públicos.

Não desconheço que, relativamente às eleições de 2020, a matéria foi novamente debatida na Corte, vindo a prevalecer o entendimento, por maioria, contido na ementa abaixo:

 

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. ELEIÇÕES 2020. PREFEITO E VICE. APROVADAS COM RESSALVAS. USO IRREGULAR DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA-FEFC. IRRESIGNAÇÃO UNICAMENTE QUANTO À DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DE VINCULAÇÃO ENTRE OS BENEFICIÁRIOS DAS CÁRTULAS E OS EMITENTES DAS NOTAS FISCAIS. INEXISTÊNCIA DE DOCUMENTOS IDÔNEOS A COMPROVAR A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO.

1. Recurso contra sentença que julgou aprovadas com ressalvas prestação de contas de candidatos à majoritária, referentes às eleições municipais de 2020, determinando o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, em face do uso irregular de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC.

2. Insurgência delimitada à determinação de restituição ao erário, não estando a sentença sujeita à modificação na parte em que aprovou as contas com ressalvas, uma vez que a matéria não restou devolvida à apreciação do Tribunal nas razões de apelo.

3. A norma que regulamenta a forma de pagamento das despesas eleitorais está prevista no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual determina que os gastos de natureza financeira devem ser pagos por meio de cheque cruzado e nominal ao fornecedor. Incontroverso, na hipótese, o descumprimento, cabe a análise se, por um lado, essa conduta por si só, conduz à determinação de recolhimento dos valores apurados ao Tesouro Nacional ou, por outro lado, se existem documentos idôneos capazes de comprovar os gastos efetuados por meio dos cheques objeto da glosa.

4. A atual jurisprudência do TSE supera o entendimento até hoje vigente neste colegiado, estabelecendo, em síntese, que a devolução de valores oriundos de recursos públicos ao Tesouro Nacional somente é cabível nas hipóteses de ausência de comprovação da utilização dos recursos ou utilização indevida, comandos estabelecidos no § 1º do art. 79 da já citada Resolução TSE n. 23.607/19.

5. A análise da microfilmagem dos cheques estabelece que os beneficiários das cártulas foram pessoas estranhas aos fornecedores identificados e que apresentaram as notas fiscais e as declarações tendentes a estabelecer vinculação com os já citados cheques. As regras contidas na Resolução TSE n. 23.607/19 dispõem que os gastos de campanha devem ser identificados com clareza e estabelecendo elos seguros entre os beneficiários dos pagamentos e os serviços prestados. É a chamada rastreabilidade, isto é, os pagamentos devem ser atestados por documentos hábeis a demonstrar o serviço prestado pelo beneficiário e sua vinculação com a despesa, o que não ocorreu no caso concreto.

6. O contexto probatório não revela nenhum documento fiscal idôneo emitido pelos beneficiários dos cheques e tampouco contrato ou prova de prestação de serviços a justificar os pagamentos feitos. Ausente a vinculação entre os beneficiários dos cheques e os emitentes das notas fiscais, bem como a inexistência de provas, por documentos idôneos, de prestação de serviços por parte dos beneficiários das cártulas, resta descumprida a regra posta no art. 60, e parágrafos, da Resolução TSE n. 23.607/19. Circunstância que atrai a incidência do disposto no § 1º do art. 79 da Resolução TSE n. 23.607/19, impondo a devolução dos valores ao Tesouro Nacional, como determinado na sentença.

7. Provimento negado.

(Rel 0600464-77.2020.6.21.0099, Relator designado: Des. Eleitoral Oyama Assis Brasil de Moraes, julgado na sessão de 06 de julho de 2021.)

(Grifo nosso)

 

Nesse julgamento, restaram vencidos o Eminente Relator, o Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes e o Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz.

Desde o julgado acima, a Corte tem utilizado os dados contidos no site https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/estados/2020/2030402020/RS/municipios para verificar se o beneficiário/contraparte constante no extrato bancário possui identidade com o fornecedor de serviço. Havendo correlação (fornecedor/beneficiário), tem sido afastada a determinação de recolhimento ao erário.

Na espécie, sem desvirtuamento da jurisprudência vigente na Corte, consigno que, apesar de não constar no site https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/estados/2020/2030402020/RS/municipios a contraparte das cártulas, todos os cheques juntados foram emitidos de forma nominal, e o beneficiário do pagamento assinou no verso do cheque, demonstrando que foi o destinatário do pagamento, como será analisado a seguir.

Inicialmente, destaco que o relator admitiu os documentos anexados com o recurso, consoante entendimento jurisprudencial desta Corte.

Examinando a documentação acostada, aferi que o prestador juntou os contratos de prestação de serviço e a microfilmagem dos respectivos cheques nominais (constando assinatura dos beneficiários no verso) de todos os fornecedores elencados nas 29 irregularidades apontadas no parecer conclusivo (ID 43012983):

FORNECEDOR

VALOR

ID

1 - SUZELE BEATRIZ SANTOS DA SILVA

1.500,00

43013333

2 – FERNANDA CASSEL ALVES

3.000,00

43013383

3 – FRANCIELLE LESSA COSTA

300,00

43013433

4 - ADRIELE ARAÚJO SILVEIRA

480,00*

43013483

5 - AGOSTINHO SILVA DA ROSA

360,00

43013533

6 - ISADORA CORREA COSTA

60,00

43013583

7 – SAMARA FELIPPE DE LEMOS

280,00

43013633

8 – VANESSA DE BITENCOURT FERNANDES

250,00**

43013683

9 – FELIPE DA ROSA DE CAMPOS

210,00

43013733

10 - JUCELE AMORIM MACKENSIE

210,00

43013783

11 – MARIA EVA LUCAS XAVIER

210,00

43013833

12 - JEFERSON DE SOUZA VALENTE

210,00

43013883

13 - RENATA ARAUJO DA SILVA

210,00

43013933

14 - MICHELE AMORIM MACKENSIE

210,00

43013983

15 - HORTÊNCIA RIBEIRO DUTRA

210,00

43014033

16 - CIBELI MACKENSIE DA FONSECA

210,00

43014083

17 - THEYLOR XAVIER FRANK

210,00

43014133

18 - YASMIM MELLO COSTA

210,00

43014183

19 - FABIELLE FRANCO DE CAMPOS

210,00

43014233

20 - JONATAS VIDAL SANTOS

210,00

43014283

21 - NATHALIA LUCAS PINHEIRO

210,00

43014333

22 - JAISON SILVA DA SILVEIRA

210,00

43014383

23 - CRISTIANO LEMOS SOLANO

210,00

43014433

24 - JESSICA DA SILVA XAVIER

210,00

43014483

25 - ANDRESSA AMARAL SILVEIRA

210,00

43014533

26 - VANESSA CORREA VAZ

210,00

43014583

27 - ANGELICA COSTA DO AMARAL

210,00

43014633

28 - WILLIAM DA SILVA FERREIRA

210,00

43014683

29 - VANESSA COELHO GAUTERIO

210,00

43014733

* O valor do cheque é R$ 380,00, e não R$ 480,00 como constou no parecer conclusivo;

** O valor do cheque é R$ 210,00, e não R$ 250,00 como constou no parecer conclusivo.

O e. relator examinou as irregularidades em dois blocos – A e B. Contudo, como houve a juntada dos contratos com o recurso, a irregularidade em relação aos 29 itens diz respeito ao descumprimento da forma de pagamento das despesas eleitorais, ou seja, cheque nominal cruzado.

Entretanto, como mencionado acima, verifica-se, pela microfilmagem das cártulas, que todos os cheques nominais foram sacados pelos seus beneficiários, conforme as assinaturas no verso nos IDs constantes na tabela supra, de modo que o valor só foi entregue/sacado pelo titular do documento, ou seja, há identidade entre o prestador e o sacador, comprovando, assim, a utilização dos recursos do FEFC.

No caso dos autos, ao não ter sido cruzado o cheque, restou prejudicada, efetivamente, a verificação no site https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/estados/2020/2030402020/RS/municipios, que não pôde ser “alimentado” com a informação sobre o beneficiário do cheque, circunstância, entretanto, sanada com a assinatura dos respectivos fornecedores nos cheques.

Assim, penso que o bem jurídico maior tutelado no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19 foi resguardado, quando comprovado pelas microfilmagens que os pagamentos foram destinados aos fornecedores dos serviços, de modo que essa falha formal, inobservância ao art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, não comprometeu a integridade, a consistência e a confiabilidade das contas apresentadas, sendo possível à Justiça Eleitoral verificar a correta aplicação do recurso público.

Cabe anotar, ainda, que a proteção final da normativa eleitoral incidente, em particular a exigência de cheque nominal cruzado, objetiva permitir o controle dos gastos eleitorais de forma a confirmar, tanto a existência efetiva da despesa, como a certeza de que o destinatário da prestação de serviço ou da venda de produto seja aquele que foi contratado.

Logo, sem desprezar a importância do cruzamento do cheque nominal, se demonstrado de outras formas a destinação real dos recursos aos prestadores contratados, tal exigência deve ser sopesada, sob pena de gerar injustiça diante da vida real e dos fatos. No caso, os cheques foram nominais e, mesmo que não cruzados, tal requisito foi superado pela aposição da assinatura no verso, em consonância com os contratos de prestação de serviços acostados aos autos. Ou seja, houve prova idônea que atestou a correta destinação dos gastos efetuados por meio dos cheques objeto da glosa.

É a chamada rastreabilidade dos pagamentos, que no caso foram atestados por documentos hábeis a demonstrar o serviço prestado pelo beneficiário e sua vinculação com a despesa. O regramento da Resolução do TSE incidente, ao exigir que os gastos de campanha devam ser identificados com clareza e estabelecendo elos seguros entre os beneficiários dos pagamentos e os serviços prestados, não desconsidera o pagamento por cheque nominal, mesmo que sem o cruzamento formal, quando comprovado por outros meios idôneos, capazes de inferir a veracidade e correlação da despesa com o serviço contratado.

Portanto, trata-se de mera irregularidade formal que deve ser superada pela efetiva e real demonstração de que os pagamentos tiveram os mesmos destinatários dos serviços contratados, não maculando o sistema eleitoral de fiscalização. Portanto, não há necessidade de devolução ao Tesouro Nacional, posto que esta somente deve ser exigida nas hipóteses de ausência de comprovação da utilização dos recursos ou uso indevido, conforme entendimento do Tribunal Superior Eleitoral, antes declinado.

Ademais, como reforço de argumento, consigno que os valores das despesas dos itens 03 a 29 são considerados de pequeno vulto pelo art. 40 da Resolução TSE n. 23.609/19, hipótese que, se por um lado, não dispensa a comprovação do gasto, por outro, desnatura a possibilidade de configuração de abuso do poder econômico, diante da inexpressividade financeira dos gastos.

Dessarte, tenho ser possível identificar o real beneficiário dos recursos públicos do FEFC utilizados para pagamento, considerando não apenas o que consta no site https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/estados/2020/2030402020/RS/municipios, mas o conjunto probatório trazido aos autos.

No caso dos autos, portanto, a falha não impediu a rastreabilidade dos recursos e o controle da movimentação financeira pela Justiça Eleitoral, além de não haver comprometido de modo impactante a confiabilidade e a transparência das contas, na esteira da reiterada jurisprudência da Corte Superior:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2013. DESAPROVAÇÃO. COMPROMETIMENTO DA CONFIABILIDADE DO AJUSTE CONTÁBIL. FALHAS GRAVES. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. INAPLICABILIDADE. NEGATIVA DE SEGUIMENTO.

1. O ajuste contábil objeto do recurso é referente ao exercício financeiro de 2013, motivo pelo qual se submete à regra do art. 37, § 3º, da Lei n. 9.096/95, com texto anterior ao da Lei n. 13.165/15. Precedentes.

2. A aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade em processo de contas condiciona-se a três requisitos: a) falhas que não comprometam a higidez do balanço; b) percentual irrelevante de valores irregulares em relação ao total da campanha; c) ausência de má-fé da parte. Precedentes.

(…)

6. Agravo regimental desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 6139, Acórdão, Relator Min. JORGE MUSSI, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 228, Data 27.11.2019, Página 26.) (Grifo nosso)

Por fim, reitero que a posição aqui trazida não infirma a jurisprudência desta Corte, que se utiliza dos dados do site https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/estados/2020/2030402020/RS/municipios para comprovação da contraparte do cheque, ao contrário, apenas traz elemento específico constante nos autos para considerar demonstrada a comprovação da utilização dos recursos públicos, de modo a afastar a incidência do art. 79, § 1º, da Resolução  TSE n. 23.607/19.

Ante o exposto, considero que houve apenas irregularidade formal no modo de pagamento previsto no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, e diante do contexto probatório e na aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, VOTO pelo provimento parcial do recurso para aprovar com ressalvas as contas de GILMAR CARTERI e ELTON ADÃO PINHEIRO DOS SANTOS e afastar a determinação de recolhimento do valor de R$ 10.640,00 ao Tesouro Nacional.