ED no(a) REl - 0600662-25.2020.6.21.0064 - Voto Relator(a) - Sessão: 19/05/2022 às 15:00

VOTO

Assiste razão aos embargantes quanto ao apontamento de erro material relativo à menção de procedência da ação na ementa do acórdão.

O relatório refere que a sentença “julgou parcialmente procedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral por prática de abuso de poder econômico e captação ilícita de sufrágio na modalidade coercitiva”.

O dispositivo do voto condutor afasta a matéria preliminar e nega provimento ao recurso, “mantendo a sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos”.

Portanto, sem alterar a fundamentação do voto, acolho os embargos de declaração tão somente para corrigir o cabeçalho da ementa do acórdão quanto à palavra “procedente” e ao “item 1” no ponto em que refere “julgou procedente Ação de Investigação Judicial Eleitoral”. A ementa passa a ter a seguinte redação:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. PREFEITO E VICE ELEITOS. PROCEDÊNCIA PARCIAL. AFASTADA A MATÉRIA PRELIMINAR. JUNTADA EXTEMPORÂNEA DE DOCUMENTOS. DECISÃO SURPRESA. VIOLAÇÃO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA. MÉRITO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO NA MODALIDADE COERCITIVA. CONJUNTO PROBATÓRIO ROBUSTO E INCONTESTE A COMPROVAR AS PRÁTICAS ILÍCITAS. MULTA INDIVIDUAL EM SEU PATAMAR MÁXIMO. CASSAÇÃO DOS DIPLOMAS. RENOVAÇÃO DA ELEIÇÃO MAJORITÁRIA. PREQUESTIONAMENTO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença, integrada por decisão de embargos de declaração, que julgou parcialmente procedente Ação de Investigação Judicial Eleitoral, por prática de abuso de poder econômico e captação ilícita de sufrágio na modalidade coercitiva. O juízo sentenciante concluiu que os elementos de prova colhidos durante a instrução processual são firmes ao demonstrar que os recorrentes, eleitos aos cargos de prefeito e vice, por intermédio de cabos eleitorais, apoiadores e correligionários, com sua plena ciência e anuência, praticaram diversos atos ilícitos durante o período eleitoral de 2020, atemorizando a população de pequeno município com a prática de atos que configuram captação ilícita de sufrágio na modalidade coercitiva prevista no 41-A, § 2°, da Lei n. 9.504/97.

2. Afastada a preliminar. Alegação recursal da ocorrência de juntada extemporânea de documentos pelo Parquet, decisão surpresa, violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa, dos arts. 9º e 10 do CPC e do art. 392, § 4º, da Consolidação Normativa Judicial Eleitoral (CNJE). No ponto, um dia antes da audiência de instrução, e na própria audiência, o Ministério Público Eleitoral juntou aos autos novas provas acerca dos fatos narrados. Contudo, consta do termo da audiência de instrução que a defesa foi intimada da juntada de novos documentos na solenidade e que apresentou alegações finais, manifestando-se sobre a prova dos autos, sem invocar qualquer nulidade ou postular a concessão de mais prazo para exame das novas provas. Oportunizado o contraditório aos investigados. Ademais, somente em sede de embargos de declaração foi impugnada pela defesa a juntada de novos documentos, tendo o magistrado a quo acertadamente apontado que a questão não foi suscitada durante a tramitação e tampouco quando da apresentação de suas alegações finais, deixando para fazê-lo somente em sede recursal. Ausente nulidade ou violação às normas invocadas.

3. Conjunto probatório suficiente para demonstrar a prática da captação ilícita de sufrágio na modalidade coercitiva prevista no 41-A, § 2°, da Lei n. 9.504/97. Na hipótese, a perda dos mandatos eletivos é consequência do conjunto probatório que comprovou, de forma robusta e inconteste, alicerçada em diversos elementos de prova, ao menos quatro eleitores coagidos pelas pessoas que apoiavam os recorrentes, com a ciência destes, inclusive no que concerne ao fornecimento de veículo utilizado durante as intimidações. A coação foi praticada contra aqueles que se posicionavam de forma desfavorável à eleição dos investigados, não podendo a prova testemunhal ser desvalorada quando está em sintonia e sem contradições. Fatos demasiadamente graves a atrair o severo juízo de cassação dos diplomas. Razoável e proporcional a fixação individual da penalidade de multa em seu patamar máximo. Prequestionada toda a matéria de defesa invocada nos autos, a fim de facilitar o acesso à instância recursal.

4. Determinada a realização de nova eleição para os cargos de Prefeito e Vice-Prefeito no município, nos termos do art. 224, § 3º, do Código Eleitoral, bem como a comunicação à respectiva Zona Eleitoral, após a assinatura do acórdão, para registro e cumprimento imediato quanto à adoção das providências pertinentes.

5. Provimento negado.

Os demais pontos de inconformismo não merecem acolhimento.

Não há que se falar em obscuridade no fundamento de rejeição da preliminar de cerceamento de defesa, pois o acórdão expõe clara a conclusão de que a defesa foi intimada sobre a juntada de novos documentos e apresentou alegações finais manifestando-se sobre a prova, sem invocar qualquer nulidade ou postular a concessão de mais prazo.

Com base nesse raciocínio, a decisão concluiu que “foi oportunizado o contraditório aos investigados” e que não há “nulidade alguma ou violação às normas invocadas”. Transcrevo:

Inicialmente, analiso a alegação recursal de que houve juntada extemporânea de documentos, decisão surpresa, violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa e dos arts. 9º e 10 do CPC e do art. 392, § 4º, da Consolidação Normativa Judicial Eleitoral (CNJE).

Realmente, um dia antes da audiência de instrução, e na própria audiência, o Ministério Público Eleitoral juntou aos autos novas provas acerca dos fatos narrados (relatórios de diligências de extração de dados de telefones celulares, entre outros).

Ocorre que consta do termo da audiência de instrução que a defesa foi intimada da juntada de novos documentos na solenidade (ID 44863410) e que apresentou alegações finais se manifestando sobre a prova dos autos sem invocar qualquer nulidade ou postular a concessão de mais prazo para exame das novas provas.

Portanto, foi oportunizado o contraditório aos investigados, merecendo ser ressaltado que, segundo o TSE, “o cerceamento de defesa resta afastado sempre que oportunizado à parte manifestar-se acerca das provas carreadas aos autos em alegações finais” (RESPE n. 45867, Rel. Min Luiz Fux, DJE 30/08/2016).

Apenas em sede de embargos de declaração foi impugnada pela defesa a juntada de novos documentos, tendo o magistrado a quo acertadamente apontado que a questão não foi suscitada durante a tramitação e tampouco quando da apresentação de suas alegações finais, deixando para fazê-lo somente em sede recursal.

Além disso, apontou que “os embargantes tiveram amplo acesso aos autos antes da sentença, inclusive durante a abertura de prazo para a apresentação de alegações finais, razão por que não cabe falar em violação à ampla defesa e ao contraditório” (ID 44863569).

Nesses termos, não verifico nulidade alguma ou violação às normas invocadas, razão pela qual afasto a preliminar.

Portanto, nada obstante os aclaratórios sustentarem que o aresto não está devidamente fundamentado, incorrendo em obscuridade, verifica-se que todos os argumentos recursais foram expostos com clareza e inteligibilidade.

Também não se verifica qualquer contradição quanto aos fundamentos do acórdão no tocante à manutenção da sentença.

Os embargos de declaração afirmam ser preciso “sanar a contradição relativa à necessidade de prova robusta e cristalina para a configuração da anuência dos mandatários eleitos para a configuração do ilícito de captação ilícita de sufrágio, ou se basta meras presunções para firmar tal vínculo, tais como ‘domínio do fato’, simpatia pela candidatura, contexto e local, ou inércia”.

A dúvida mostra-se injustificada porque a decisão embargada expressa o raciocínio sobre as questões não compreendidas pelos ora embargantes no tocante à caracterização da anuência, de vínculo e “domínio do fato”, merecendo ser reproduzido o excerto que enfrenta de forma direta o objeto de apontamento:

O vínculo dos recorrentes com a Garagem do Vati foi sobejamente demonstrado, especialmente pela presença de Valmor Capeletti no local em que foi cumprido Mandado de Busca e Apreensão expedido pela Justiça Eleitoral, não se sustentando a tese recursal de que não há nos autos qualquer origem concreta para a informação de que tal garagem servisse como ponto de encontro de alguma das agremiações.

Daí porque é acertada a seguinte tese contida na petição inicial, relativa à anuência dos recorrentes com os atos ilícitos: “de tudo, resta claro o ‘poder de mando’ e o ‘domínio do fato’ por parte dos candidatos requeridos VALMOR CAPELETTI e GLAUCIA, uma vez que eles poderiam simplesmente ordenar que seus ‘cabos eleitorais’ se abstivessem de seguir nos atos de violência e grave ameaça”.

E também é manifestamente certeiro o raciocínio sentencial de que os agentes haviam “acordado previamente com os candidatos que, em troca dos ‘atos de campanha’ realizados, acaso eles fossem eleitos, disponibilizariam cargos públicos a familiares destes ou pessoas por eles indicadas, comprovando a plena ciência e anuência dos candidatos com os atos ilícitos praticados”.

A ciência inequívoca e anuência com as ações praticadas também foi considerada em função do contexto e local em que praticados os atos de violência.

O julgador aponta que “o Município de Cerro Grande/RS possui pouco mais de dois mil eleitores, com área territorial diminuta, razão pela qual mostra-se descabida a alegação de que Valmor e Gláucia não tinham conhecimento dos fatos praticados por seus apoiadores, inclusive em razão da grande quantidade de ocorrências policiais registradas”.

Desse conjunto de provas, tem-se por correta a narrativa contida nas alegações finais do Ministério Público Eleitoral de piso no sentido de que os candidatos “aderiram às ações criminosas praticadas por seus apoiadores, inclusive porque se mantiveram inertes, não coibindo os atos ilícitos”.

De igual modo, não há obscuridade alguma quanto ao entendimento do decisum sobre ser “insustentável o requerimento de aplicação do art. 368-A do Código Eleitoral quanto à coação praticada contra Nelson Machado”.

O fundamento para essa conclusão foi devidamente exposto e está alicerçado no raciocínio de que “a cassação dos diplomas eleitorais concedidos aos recorrentes não decorre somente do depoimento judicial de Nelson Machado, e nem da prática exclusiva de coação perpetrada contra Nelson, sendo evidente que a perda do mandato é consequência do conjunto probatório que comprovou, de forma robusta e inconteste e alicerçada em diversos elementos de prova, ao menos quatro eleitores coagidos pelas pessoas que apoiavam os recorrentes, com a ciência destes, inclusive no que pertine ao fornecimento do veículo utilizado durante as coações”.

Por fim, a interpretação que os embargantes apresentam quanto à prova oral suscita, na verdade, a alteração do julgamento, o que é incabível pela via dos declaratórios

Não é viável, em sede de embargos de declaração, uma nova análise acerca do mérito do recurso e das provas colhidas, pois as hipóteses de cabimento prestam-se, apenas, para sanar eventual omissão, contradição, obscuridade ou erro material no julgado embargado.

Ressalto que o prequestionamento requerido segue alcançado pelo art. 1.025 do CPC.

Com esses fundamentos, VOTO pelo provimento parcial dos embargos de declaração tão somente para a correção de erro material na ementa do acórdão, nos termos da fundamentação.