REl - 0600501-91.2020.6.21.0168 - Voto Relator(a) - Sessão: 19/05/2022 às 15:00

VOTO

I. Da Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo e estão presentes os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

 

II. Das Preliminares

II.1. Da Preliminar de Cerceamento de Defesa por Indeferimento da Prova Testemunhal

O recorrente, em preliminar, suscita cerceamento de defesa ante o indeferimento da oitiva das testemunhas envolvidas na suposta “compra” da desistência de candidatura de concorrente ao cargo de vereadora pelo Partido dos Trabalhadores.

Conforme narrado no recurso, “na exordial postulou-se a oitiva de SIRLEI DA ROCHA PORTELA, a candidata que recebeu proposta financeira para que desistisse de sua candidatura, LINDOMAR LUIS SIRTULI, pessoa que recebeu o áudio em que Sirlei conta detalhes sobre a proposta, e IRSON MILANI, pessoa que é mencionada referido no áudio”.

Por sua vez, o magistrado a quo somente considerou necessária a prova testemunhal em relação aos fatos relacionados à distribuição de recursos públicos do Fundo Habitacional e à rescisão contratual por motivação política, proferindo a seguinte decisão (ID 41566183):

Vistos.

Diante da recente flexibilização das diretrizes de contenção determinadas pelo Estado em relação ao Coronavírus, com autorização para aplicação do sistema de congestão, entendo que o presente feito cabe prosseguir, observadas, evidentemente, todas as cautelas de resguardo.

Nessa senda, ressalto que com razão está o Ministério Público Eleitoral em seu último pronunciamento - cujas razões são endossadas por este juízo, sem reprodução para evitar-se tautologia - no que tange ao descabimento de dilação probatória oral em relação à maioria dos fatos delineados na peça inaugural, dada sua evidente desnecessidade e inutilidade, notadamente porque incontroversa exsurge a maior parte dos acontecimentos relatados, pendendo embate apenas sobre caracterização de eventual ilegalidade, tema exclusivamente de direito.

Apenas transparece cabível acolher os pleitos para oitivas de testemunhas no que pertine a aspectos pontuais do primeiro e do último fatos coloridos na inicial, atrelados às alegações de distribuição de recursos públicos de cunho habitacional em ano eleitoral e de desvio de finalidade em contratação por motivação política, os quais, por conseguinte, restam deferidos. Anota-se que a intimação o e comparecimento dos depoentes, considerando o disposto no art. 5º, caput, da Lei Complementar 64 de 1990, dar-se-ão por iniciativa da parte que as tiver arrolado.

No tocante ao pedido ministerial de juntada aos autos do feito número 0600488-92.2020.6.21.0168, entendo produtivo para apreciação da demanda, porque retrata julgamento havido em relação a fato mencionado no bojo do presente.

Diligencie o cartório, por conseguinte, para pronta juntada ao presente da documentação referida.

 

Como se percebe, não houve pronunciamento de que os fatos envolvendo a suposta oferta de dinheiro para a desistência de candidatura seriam incontroversos.

Diversamente disso, acolhendo promoção do Ministério Público Eleitoral, o julgador entendeu pertinente e suficiente a juntada aos autos do processo n. 0600488-92.2020.6.21.0168, que envolveu a imputação de fraude à cota de gênero na suposta candidatura fictícia de Sirlei, no qual ela foi ouvida sobre os mesmos acontecimentos.

Portanto, o Juízo de primeiro grau fundamentou sua decisão de indeferimento da oitiva das testemunhas específicas na desnecessidade de tal espécie probatória no caso concreto, ante as provas já produzidas em outro processo que se revelariam suficientes para a formação do seu convencimento.

No referido processo n. 0600488-92, instruído e julgado pelo mesmo juiz eleitoral na origem, a sentença concluiu que não houve simulação de candidatura, bem como que Sirlei realizou campanha e participou ativamente do pleito pelo Partido dos Trabalhadores.

Tal circunstância, conforme apontou a decisão de mérito do presente feito, seria suficiente para afastar a alegação de comprometimento das eleições em função de abuso de poder praticado com a proposta de compra de desistência eleitoral da candidata Sirlei.

Cabe referir que a prova se destina à formação do convencimento do magistrado, que é quem determina quais são necessárias ao julgamento do feito, como preconiza o art. 370, caput e parágrafo único, do CPC:

Art. 370. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito.

Parágrafo único. O juiz indeferirá, em decisão fundamentada, as diligências inúteis ou meramente protelatórias.

 

Assim, conforme consolidada jurisprudência do TSE, “não há cerceamento de defesa quando a produção de prova oral é indeferida por não ter sido demonstrada a sua relevância para o caso” (TSE - AI: 2863 BELO HORIZONTE - MG, Relator: MIN. LUCIANA LÓSSIO, Data de Julgamento: 02/05/2017, DJE de 19/05/2017).

Portanto, não há que se falar em cerceamento de defesa diante da justificativa apresentada pelo juízo a quo para indeferir a prova testemunhal, que não se mostrou necessária e essencial para a formação do seu convencimento para o deslinde do caso em apreço, razão pela qual rejeito a preliminar de cerceamento de defesa.

 

II.2. Dos Fatos Ocorridos Após a Interposição do Recurso

Estando os autos com vista para a emissão de parecer pela Procuradoria Regional Eleitoral, o recorrente ofereceu nova petição em que alega a ocorrência de fato novo e relevante para o deslinde do processo, ocorrido após interposição do recurso, qual seja, eventual fraude processual pela adulteração das atas de reuniões do Conselho Municipal de Habitação de Entre Rios do Sul apresentadas ao Ministério Público Estadual, nos autos do procedimento n. 01886.000.195/2021, em 11.06.2021 (ID 44834628).

O recorrente aponta que os documentos acostados naquele procedimento de apuração divergem dos que foram apresentados nos presentes autos, por ocasião da contestação, havendo a inclusão da assinatura de Paulo Bergamaschi, que não constava originalmente, evidenciando a defendida manipulação da política pública e a gravidade das condutas perpetradas, nos seguintes termos:

Se não bastassem os evidentes traços de manipulação das Atas já apontados nestes autos, ao analisar as mesmas Atas nº 01 e 02/2020 apresentadas ao Ministério Público naquele procedimento investigatório no dia 11/06/20211, por meio do ofício n. 078/2021/GP, o peticionário constatou a inclusão de uma assinatura ao final de ambas as Atas, que não constava nos documentos juntados pelo Prefeito com a Contestação (ID 41564633).

[...].

Este fato, aliado às evidentes manipulações que foram anunciadas no recurso eleitoral, fulminam qualquer credibilidade que se possa dar aos documentos. Percebe-se que os recorridos agem de forma oportunística, alterando “documento oficial” a todo momento.

 

As supostas práticas de fraude processual e de adulterações de documentos oficiais, porém, não teriam ocorrido neste processo e nem perante a Justiça Eleitoral, pois as possíveis inovações nas atas somente foram apresentadas ao Ministério Público Estadual, nos autos de procedimento administrativo de natureza não eleitoral, em nada afetando a prova original juntada ao ID 41564633.

Dessa forma, não se trata de fato novo ou superveniente em relação aos objetos e às provas produzidas no presente processo, razão pela qual deixo de conhecer a alegação e de levá-la em consideração no julgamento do recurso.

 

III. Do Mérito

Trata-se da análise de recurso interposto em face de sentença proferida em Ação de Investigação Judicial Eleitoral proposta por Volmir Francescon contra Jairo Paulo Leyter (prefeito eleito de Entre Rios do Sul), Auri Luiz Vassoler (vice-prefeito eleito de Entre Rios do Sul), da Coligação "Nossa Força Vem da Nossa Gente", Antônio Altair Brito (suplente de vereador), Eliel Araújo de Alencar (pastor da Igreja Assembleia de Deus) e Tiago de Almeida Lara (servidor público municipal), em que são narradas as seguintes condutas pelos ora recorridos:

a) utilização ilegal e distribuição desproporcional de recursos do Fundo Municipal de Habitação a eleitores, configurando abuso de poder político e econômico, nos termos do art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97;

b) abuso de poder econômico, político e religioso no fornecimento de pedras de calçamento ao pastor Eliel Araújo, da Igreja Assembleia de Deus, em troca de apoio político;

c) oferecimento de vantagem econômica à candidata Sirlei da Rocha Portela, a fim de que desistisse da candidatura à vereança pelo Partido dos Trabalhadores, caracterizando abuso de poder econômico e político;

d) promessa e realização de churrasco a servidores públicos após a vitória nas eleições, enquadrando-se a conduta como captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei n. 9.504/97);

e) exploração de publicidade institucional em período vedado, por meio do compartilhamento de postagens no Facebook da Secretária Municipal de Cidadania e Promoção Social e da esposa do então prefeito, violando o art. 73, inc. VI, al. “b”, da Lei n. 9.504/97;

f) doação de prêmio para rifa da Paróquia Nossa Senhora de Fátima, com grande mobilização comunitária, realizada pelo candidato a vice-prefeito, representando abuso de poder; e

g) rompimento de contrato administrativo com clínica de fisioterapia e estética por motivos eleitorais e políticos, uma vez que a proprietária da empresa contratada era sobrinha do então candidato concorrente, configurando abuso de poder de autoridade.

Passo à análise individualizada dos fatos e das questões controvertidas, conforme relacionadas nas razões recursais.

 

III.1. Da Utilização Ilegal e da Distribuição Desproporcional de Recursos do Fundo Municipal de Habitação a Eleitores

Narra a inicial que o Prefeito reeleito do Município de Entre Rios do Sul, Jairo Paulo Leyter, utilizou-se dos recursos do Fundo Municipal de Habitação de forma ilegal, beneficiando pessoas que não faziam jus ao auxílio, repassando valores diretamente à conta bancária dos favorecidos e majorando o total de verbas aplicadas no programa no ano eleitoral, com o intuito de favorecer sua candidatura e desequilibrar o pleito, por meio de abuso do poder político e econômico, com violação ao art. 73, § 10, da Lei das Eleições.

As teses acusatórias quanto ao ponto estão assim sintetizadas no recurso:

(1) Houve expressiva majoração dos valores gastos em 2020 se comparados com todos os exercícios anteriores. Tomando-se por base o ano de 2017 – primeiro ano de mandato do Prefeito – o Agente Público passou a destinar montante superior a 400%. Em relação ao ano imediatamente anterior (2019) a aplicação também praticamente quadriplicou. Ainda, o valor pago apenas no ano de 2020 é superior à totalidade dos valores gastos desde a criação do programa em 2010. Ou seja, no ano eleitoral, gastou-se o equivalente ao valor pago nos 10 anos anteriores. Portanto, mais de 10 vezes a média anual desde a existência do programa.

(2) No ano de 2017 nenhuma pessoa foi beneficiada. Em 2018 e 2019, foram beneficiadas 32 pessoas em cada. E no ano eleitoral, foram beneficiadas 85 pessoas, sem que tenham sido atendidos os pressupostos legais de distribuição de benefícios. E isso ocorreu num município em que o candidato eleito obteve apenas 13 votos a mais que o candidato derrotado. Embora a gravidade da conduta não seja uma regra matemática, esses números não podem ser desconsiderados.

(3) Não foram atendidos os requisitos da Lei Municipal n. 1.478/2010, que trata sobre o Fundo Municipal de Habitação, e fixa o critério de vulnerabilidade para os beneficiários: 2 salários-mínimos vigentes na época da implementação do programa. Há casos de pessoas contratadas pela própria Prefeitura para prestação de serviços que possuem renda 100% acima do limite fixado pela legislação.

(4) Se admitida a tese dos Recorridos de que parte dos gastos ocorreu, de fato, em 2019, então não foram atendidos os requisitos da Lei Federal 4.320/64, que trata sobre as regras orçamentárias, e que no art. 60 declara ser “vedada a realização de despesa sem prévio empenho”.

(5) O Conselho Municipal de Habitação, em 2020, não teve atuação fática verdadeira, pois as Atas juntadas aos autos possuem claros indícios de falsidade, uma vez que foram aprovados benefícios cujos requerimentos somente foram protocolados 6 meses depois, por exemplo.

(6) Não só isso, dois conselheiros titulares sequer ficaram sabendo das únicas duas reuniões ocorridas no ano de 2020, demonstrando que tudo não passou de um faz de conta.

(7) E, para coroar o agir ilícito, houve desvio de finalidade da concessão dos benefícios, pois foram privilegiadas aquelas pessoas que manifestavam preferência política pelos Representados, conforme amplamente demonstrado na petição inicial pelas manifestações em redes sociais.

 

Pois bem.

A Lei Municipal n. 1.478/10 dispõe sobre a constituição do Conselho Municipal de Habitação como órgão gestor do Fundo Municipal de Habitação, cujo objetivo é proporcionar apoio e suporte à implementação de medidas e políticas habitacionais à população de baixa renda, inclusive em relação a melhorias de unidades de habitação e à aquisição de material de construção e reforma, tal como previsto no referido diploma normativo, in verbis:

Art. 1º Fica constituído o Conselho Municipal de Habitação, de caráter deliberativo e com a finalidade de assegurar a participação da comunidade na elaboração e implementação de programas na área social no tocante à habitação, para reger especificamente os recursos ou convênios provindos ou estabelecidos com Governo do estado do Rio Grande do Sul ou da União além de direcionar o Fundo Municipal de Habitação.

Art. 2º Fica criado o Fundo Municipal de Habitação destinado a propiciar apoio e suporte a implementação de programas de Habitação, voltados à população de baixa renda, constituídos pelos recursos provindos do Governo do Estado ou da União.

Art. 3º Os recursos do Fundo, em consonância com as diretrizes e normas do Conselho Municipal de Habitação serão aplicados em:

I - construção de moradias pelo Poder Público em regime de administração (contratação de mão-de-obra, autoconstrução, ajuda mútua ou mutirão) e empreitada global;

II - produção de lotes urbanizados;

III - urbanização de favelas;

IV - melhoria de unidades habitacionais;

V - aquisição material de construção;

[...].

 

O primeiro ponto destacado pelo recorrente relativo à execução do aludido programa social no ano das eleições consiste na “expressiva majoração dos valores gastos em 2020 se comparados com todos os exercícios anteriores”.

Os relatórios de consultas de despesas do Município de Entre Rios do Sul, juntados com a inicial, extraídos do sistema de consultas do TCE/RS, demonstram os valores das dotações orçamentárias e correspondentes execuções financeiras do aludido Fundo de Habitação (ID 41561233), sendo relevante destacar as quantias manejadas nos últimos cinco anos anteriores ao pleito:

- 2015: dotação autorizada de R$ 13.500,00, não tendo havido pagamentos;

- 2016: dotação autorizada de R$ 2.500,00, não tendo havido pagamentos;

- 2017: dotação autorizada de R$ 10.000,00, não tendo havido pagamentos;

- 2018: dotação autorizada de R$ 202.000,00, sendo pagos R$ 195.226,60;

- 2019: dotação autorizada de R$ 155.000,00, sendo pagos R$ 120.664,28; e

- 2020: dotação autorizada de R$ 525.000,00, sendo pagos R$ 437.513,94.

 

É evidente que houve um incremento substancial nas dotações orçamentárias e nos empenhos efetivamente realizados pelo aludido Fundo Habitacional, cujo ápice ocorreu, justamente, no último ano de governo, consoante bem apontou o Procurador Regional Eleitoral, ilustre Dr. Fábio Nesi Venzon, em seu parecer:

Os recursos repassados ao FMH em 2019, no valor de R$ 155 mil reais, saltaram para R$ 525 mil reais em 2020, correspondendo a um aumento de 238,71% no ano eleitoral.

As despesas gastas com recursos do FMH em 2019, no valor de R$ 120.664,28, saltaram para R$ 437.513,94 em 2020, correspondendo a um aumento também expressivo de 262,59%.

Em relação à média dos últimos três anos, R$ 122,33 mil, o repasse dos recursos pela Prefeitura ao FMH em 2020 (R$ 525 mil reais) corresponde a um aumento de 329,17%.

Já as despesas pagas com recursos do FMH em 2020, no valor de R$ 437.513,94, superam sobremaneira a média dos últimos três anos, R$ 105.296,96, correspondendo a um aumento de 315,50%.

 

Em relação à suposta perpetração de conduta vedada, a norma contida no art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97, assim dispõe:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

[...].

§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa.

 

Verifica-se que é permitida a distribuição gratuita de bens pela administração pública no período vedado desde que atenda aos casos de calamidade pública/estado de emergência ou que seja oriundo de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária em exercícios anteriores.

No caso concreto, não há discussão sobre a existência de lei autorizadora e já em execução orçamentária em exercícios anteriores, pois a controvérsia reside exatamente no implemento do programa social à margem da lei e com ampliação significativa de recursos no ano do pleito, resultando na obtenção de dividendos eleitorais mediante o uso indevido da máquina administrativa.

Assim, inicialmente, é necessário estabelecer se o incremento dos gastos em ano eleitoral está contemplado no tipo legal previsto para conduta vedada imputada.

Da redação do § 10 do art. 73 da Lei n. 9.504/97, extrai-se que o aumento da dotação orçamentária e das execuções financeiras em relação à prestação assistencial não implica, por si só, a caracterização de conduta vedada quando se demonstra a continuidade da política em anos anteriores e a existência de autorização legislativa para tanto.

Igualmente, apesar da ponderação trazida pela Procuradoria Regional Eleitoral, no sentido de que, “caso o gestor municipal candidato à reeleição tenha maioria na Câmara Municipal, o que é muito comum em municípios pequenos, poderá garantir um aporte substancial de recursos orçamentários à Prefeitura no último ano do seu mandato”, é a lei que traça as possibilidades e os limites para a continuidade do programa social que já esteja em execução orçamentária no exercício anterior.

Nessa linha, haverá a configuração da conduta vedada em tela quando, ao lado da ampliação de valores e de beneficiários, ficar demonstrado que a execução do programa social se apartou da lei que o legitima e do fim público que lhe é necessário, proporcionando vantagem eleitoral indevida.

Quanto ao tema, Edson de Resende Castro (Curso de Direito Eleitoral. 9. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2018, p. 402) leciona que, apesar da aparente legalidade:

Com desvio de finalidade administrativa, o ato vai caracterizar a conduta vedada, passível de suspensão imediata e de apuração em Representação Especial (com o procedimento do art. 22, da LC n. 64/90, para aplicação da multa e cassação) ou em AIJE (para decreto de inelegibilidade, quando a sua gravidade indicar afetação da normalidade e legitimidade das eleições).

 

No aspecto, a exigência de uma norma legal e de orçamento próprio, condicionando a forma de implementação do programa social, visa, justamente, a garantir a continuidade da prestação de serviços essenciais de assistência social, de modo a evitar o uso da máquina pública em prol de uma candidatura.

Em outras palavras, a norma deve estabelecer quem será assistido, o porquê será assistido, de que forma será assistido e por quanto tempo será assistido, cumprindo ao administrador agir nos estritos termos da permissiva legal.

Da mesma forma, ainda que afastada eventual hipótese de conduta vedada, o acréscimo significativo na concessão de benefícios, em ano eleitoral, pode caracterizar a prática de abuso de poder, nos termos do art. 22 da LC n. 64/90, notadamente quando se percebe o uso anormal ou a desvirtuação das finalidades da política pública, conferindo vantagem na disputa do pleito.

Como refere a doutrina de Rodrigo Lopes Zilio (Direito Eleitoral. 7. ed. Salvador: JusPodivm, 2020, p. 724):

(...) tem-se como reprovável a ação que intencionalmente privilegia o aumento excessivo na distribuição de bens, valores e benefícios em ano eleitoral, ainda que albergados pela exceção legal. Se, no primeiro ano do mandato, o administrador inicia a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios (fundamentada em programa social autorizado em lei e em prévia execução orçamentária) com determinado valor, havendo aumento progressivo das benesses nos anos subsequentes, até que a distribuição atinja valores excessivamente acima da média dos exercícios anteriores no ano do pleito, a conduta pode se configurar como um ilícito eleitoral. Se, por força de legalidade estrita, não se entender o ato como conduta vedada do §10 do art. 73 da LE, pode o ato ser enquadrado como abuso de poder político e econômico, a ser apurado na esfera apropriada.

 

Para demonstrar a utilização eleitoral do programa social, o recorrente arrola os nomes de favorecidos determinados que, segundo defende, não se enquadrariam no critério de baixa renda exigido para a concessão do auxílio, inclusive acostando fotografias dos respectivos imóveis beneficiados. Concomitantemente, identifica manifestações de apoio político na internet por parte de certos eleitores, as quais, segundo relata, corroborariam a tese de que o recebimento da prestação assistencial se deu somente em virtude da afinidade com o candidato à reeleição.

Em relação a tais colocações, os elementos trazidos aos autos são meramente especulativos, insuficientes para que se conclua pela ausência do direito à prestação assistencial, em especial pela falta do critério de “baixa renda”, e, igualmente, não permitem relacionar as manifestações de preferência eleitoral à concessão prévia do auxílio, consoante bem deduzido na sentença:

Quanto ao tema da baixa renda, a Lei nº 1.478/2010 define que considera-se de baixa renda a população moradora em precárias condições de habitabilidade, favelas, cortiços, palafitas, áreas de risco ou trabalhadores com faixa de renda individual ou conjugada com esposa e filhos não superior a dois salários mínimos vigentes à época da implementação de cada projeto (grifei).

 

Há, diante desse comando normativo, notadamente em face do emprego da conjunção grifada acima, alternatividade para se configurar população merecedora da assistência do Fundo Municipal de Habitação. Em que pese a menção à expressão baixa renda transmita, em leitura perfunctória, a ideia de vinculação aos rendimentos do beneficiário, o texto legal informa que poderá ser configurada não apenas em face dessa característica, mas também das condições de habitabilidade da residência do beneficiário. E essa previsão legislativa não deixa de se mostrar plausível e justificada, porque nada impede que família com renda mensal superior a dois salários mínimos precise de auxílio público para alcançar condições condignas de habitação. A título exemplificativo, pode-se pensar na hipótese de o rendimento mencionado não ser o ordinário daquele núcleo familiar, mas exceção havida na ocasião da apuração determinada pela lei (instante da implementação do projeto), assim com não podem ser ignoradas múltiplas situações que impõem gastos elevados e contínuos a famílias de qualquer faixa de renda, tais como os havidos em face de doenças ou deficiências físicas ou mentais. Apenas a particularidade de cada conjuntura familiar, de cada caso concreto, poderia revelar a adequação ou não do deferimento do benefício.

 

Na casuística, nomeou o autor quinze pessoas que teriam recebido valores sem que fosse possível qualificá-las como de baixa renda. Destas, em relação a apenas três (Joel Dias dos Santos, Maximino Soares de Paula e Sara Dias dos Santos) indicou percepção de rendimentos que superariam dois salários mínimos mensais. Ou seja, no tocante à ampla maioria dos beneficiários nomeados na peça inaugural não há esclarecimento sobre a renda, figurando inviável asseverar não preencham o requisito financeiro para percepção de auxílio do Fundo de Habitação. Já com relação a Joel, Maximino e Sara, assim como também em relação aos demais indicados, não veio aos autos prova bastante de que suas condições de habitabilidade, tomadas diante do padrão de moradias havido no município, não podem ser tidas como precárias. Meras fotografias de residências cuja propriedade nem mesmo é possível certificar, inclusive à míngua de matrículas imobiliárias correlatas, não podem ser consideradas provas bastantes de que tais edificações, primeiro, pertençam efetivamente às pessoas referidas, favorecidas por reformas custeadas com dinheiro público, e, segundo, não mereçam ser tidas como carentes de reformas para superar precariedade.

 

De forma semelhante, no tocante aos repasses realizados em espécie aos beneficiários, por meio de ressarcimento de gastos, trata-se de faculdade prevista no art. 10 da Lei Municipal n. 509/95, que não denota, por si só, a prática de conduta vedada ou abuso de poder.

Colho, novamente, sobre o ponto, a análise procedida na sentença:

Ademais, no artigo 10, consta que os pagamentos, sempre que possível, serão feitos diretamente ao prestador do serviço, fornecedor ou profissional, mediante procedimento regular de comprovação da despesa (grifei). Ao preceituar o repasse a beneficiários residentes e domiciliados no município e, ainda, ao asseverar indiretamente possibilidade de pagamento em modo diverso do repasse a fornecedores ou prestadores de serviço, na medida em que afirma caiba ser feito dessa forma sempre que possível, o texto legal transmite a noção inquestionável de possibilidade de entrega de valores diretamente a pessoas físicas beneficiárias, às quais, evidentemente, caberá prestar contas do auferido.

 

Por outro lado, a partir dos procedimentos administrativos de concessão do benefício, juntados pelos próprios demandados, é possível constatar que, em algumas hipóteses, a ata da reunião do Conselho Municipal de Habitação, que deliberou e deferiu os pagamentos aos munícipes, foi lavrada anteriormente à formalização dos pedidos ou dos laudos técnicos de vulnerabilidade social.

A questão está bem sintetizada no parecer da diligente Procuradoria Regional Eleitoral, conforme excerto que adoto:

Verifica-se que a irregularidade ocorreu, no mínimo, em 5 (cinco) processos administrativos, todos assinados pelo Prefeito JAIRO LEYTER em 2020, conforme se extrai dos documentos trazidos com a contestação:

1) no processo administrativo relativo à Requisição em nome de Paulo César Batista Ribeiro, na ficha de Levantamento Socioeconômico há registro de solicitação do auxílio com data de 07.08.2020, sendo que a autorização em Ata pelo Conselho se deu em 16.03.2020 (ID 41563833);

2) e 3) nos processos administrativos relativos às duas Requisições em nome de Maria Roseli Gosch Ferreira, a ficha de Levantamento Socioeconômico é datada de 06.04.2020, enquanto a autorização de ambas em Ata se deu em 16.03.2020 (ID 41564133 e ID 41564183);

4) no processo administrativo relativo à Requisição em nome de Adriano Gomes, consta na ficha de Levantamento Socioeconômico a data 01.06.2020 como sendo da solicitação, enquanto a autorização em Ata se deu em 16.03.2020 (ID 41564233);

5) no processo administrativo relativo à Requisição em nome de Leomar Franco, consta na ficha de Levantamento Socioeconômico a data de 20.03.2020, enquanto a aprovação em Ata se deu em 17.02.2020 (ID 41564333).

 

As incongruências nas datas lançadas revelam indícios de que as concessões tenham sido deferidas anteriormente à confecção dos laudos socioeconômicos, ou mesmo que os documentos tenham sido pós-datados, o que evidencia a existência de vícios, sejam materiais ou formais, nos procedimentos em questão.

Sobre o ponto, o juízo a quo concluiu que as inconsistências nos documentos, apesar de não suficientemente esclarecidas, não desbordam das falhas de tramitação ou irregularidades administrativas comuns na máquina pública, surgidas por desídia no registro de atos e na aceitação informal de requerimentos.

São os termos da sentença:

O tema relativo à incongruência entre as datas de alguns dos requerimentos de auxílios e a ocasião dos deferimentos correlatos pelo conselho, antecedendo a última aos primeiros, certamente chama atenção. Não se apurou razão pela qual o conselho de habitação poderia deferir pedidos de auxílios que somente vieram a ser formalizados após a reunião deliberativa. Não se sabe, todavia, se existiram pedidos informais que motivaram deliberação na reunião. Não se apurou se ocorreram pleitos registrados modo diverso do estampado nos autos ou até, eventualmente, se algum foi formalizado em mais de uma oportunidade, alguma delas antes da reunião do conselho, com reiteração de registro pela assistência social após essa deliberação, mas antes, evidentemente, do repasse da quantia para satisfação da pretensão do beneficiário.

 

Em sequência, a decisão recorrida apontou que o tema não foi contemplado expressamente na petição inicial, tendo surgido, tão somente, nas alegações finais oferecidas pela parte autora, impossibilitando o exercício do contraditório e da ampla defesa. Vejamos:

Como essa argumentação de fato não fez parte da narrativa inaugural (foi deduzida exclusivamente por ocasião dos memoriais autorais), não se verificou possibilidade de exercício de contraditório pelos réus e não cabe, portanto, qualificar como ilícito o cenário apresentado, pena de configuração de nulidade. Importante ressaltar, nessa toada, que, embora tenha este julgador sugerido definição de lapsos sucessivos para apresentação de memoriais quando da formulação do calendário para pronunciamentos finais por ocasião da audiência de instrução, tal alternativa foi refutada pelo autor, que a admitiu apenas em relação ao Ministério Público, modo pelo qual se impôs prazo comum às partes, atentando à literalidade do artigo 22, X, da Lei Complementar 64/90.

 

Em relação ao aventado cerceamento de defesa, julgo que as circunstâncias observadas nos expedientes administrativos não representam fatos ou argumentos novos. Ao contrário, são elementos de convicção que se coadunam com os fatos originalmente descritos na petição inicial, na qual os demandantes narraram que “o Fundo Municipal de Habitação do Município de Entre Rios do Sul passou a ser utilizado de maneira deturpada de sua finalidade legal”, que “o beneficiário contatava o Prefeito pedindo auxílio, que por sua vez mandava ele comprar o material de construção e levar a nota fiscal para ser empenhada”, bem como que “os critérios estabelecidos pela Lei Municipal 1.478/2010 não foram atendidos” (ID 41561083).

Nessa medida, na exordial constou, oportunamente, o requerimento de intimação da municipalidade “para que entregue ao Juízo, no prazo de 12h, todos os processos administrativos de benefícios concedidos via Fundo de Municipal de Habitação durante o ano de 2020”.

O pedido de produção probatório, porém, restou indeferido pelo juízo a quo sob o fundamento de que “os documentos colimados podem acabar vindo aos autos com a resposta” (ID 41563033), o que, efetivamente, ocorreu, uma vez que a prova em debate foi juntada pelos próprios demandados em sede de contestação (ID 41563333).

Portanto, as inconsistências havidas nos processos de concessão dos benefícios são extraídas das provas juntadas pela própria parte demandada, não havendo de se cogitar em ausência de oportunidade para manifestação quanto ao conteúdo dos documentos.

O recorrente alega, também, irregularidades na participação dos membros do Conselho nas reuniões ordinárias.

Os membros titulares e suplentes do Conselho Municipal de Habitação foram nomeados pela Portaria ADM n. 05/20, de 14 de fevereiro de 2020, assinada pelo então Vice-Prefeito em exercício, André Ricardo Dallagnol (ID 41564733).

Dentre os nomeados, na condição de titulares, figuram Valdir Wiater, representante da Secretaria Municipal de Habitação e Urbanismo, e Sérgio Capitanio, representante do Círculo de Pais e Mestres da Escola Estadual de Educação Básica Barragem do Rio Passo Fundo.

Ao final da instrução, restou incontroverso que, de fato, os referidos conselheiros não foram convocados e não participaram das únicas duas reuniões ocorridas no ano de 2020, em 17 de fevereiro e em 16 março, situação que, de acordo com as razões recursais, denotaria o uso eleitoral do Conselho e colocaria dúvida na própria realização das deliberações.

Por sua vez, o magistrado singular, reconhecendo o “inadequado funcionamento do conselho municipal de habitação”, atribuiu as falhas à “má gestão”, com “ausência de ânimo fraudulento”, havendo “mera falta de habilidade no trato gerencial da administração pública”, especialmente em virtude de os próprios conselheiros preteridos terem declinado razões para o não chamamento: Valdir afirmou que estava em férias em fevereiro e Sérgio declarou que não mais fazia parte do CPM da Escola Barragem do Rio Passo Fundo, em função de sua aposentadoria.

São os expressos termos da sentença quanto ao aspecto:

De mais a mais, quanto à alegação de inadequado funcionamento do conselho municipal de habitação, notadamente diante de não convocação de todos os membros para as deliberações, convém referir que, no ano de 2020, ocorreram duas reuniões, uma em 17 de fevereiro e outra em 16 de março, conjuntura não controvertida e comprovada pelas atas correspondentes acostadas no ID76644686. Todavia, não estão individualmente identificados os conselheiros que participaram desses atos e, salvo o depoimento dos dois conselheiros ouvidos na fase instrutória, Valdir Wiater e Sérgio Capitânio, não vieram aos autos dados que permitam apreender se e como efetivamente teriam ocorrido as convocações.

 

Há, neste ponto, evidência de má gestão, inadequação de procedimento, porque, como dito, não foi suficientemente esclarecido se e como ocorreram as convocações dos conselheiros, sendo que dois deles aduziram não terem sido informados das reuniões havidas em 2020.

 

Não se pode ignorar, todavia, terem os requeridos dado conta de que Valdir não teria participado da reunião em fevereiro de 2020 porque estaria em férias (as quais foram confirmadas pela testemunha), sendo que, nesta solenidade, assim como na realizada em março, teria se feito presente seu suplente, Itamar Gaboardi. Já no tocante a Sérgio Capitânio, embora não expressamente, transparece admissão dos demandados no sentido de que efetivamente não teria sido chamado para as reuniões, porque não mais fazia parte da entidade que representava (Círculo de Pais e Mestres – CPM da Escola Estadual de Educação Básica Barragem do Rio Passo Fundo) desde 2018 por conta de aposentadoria, afastamento este confirmado pela testemunha.

 

Conquanto as justificativas apresentadas pelos réus não sirvam para infirmar a necessidade de convocação de Valdir e Sérgio para as reuniões, já que nomeados membros do conselho municipal de habitação pela portaria administrativa nº 05/2020 de 14 de fevereiro de 2020 (ID76644690), acabam se prestando para evidenciar possível ausência de ânimo fraudulento, mera falta de habilidade no trato gerencial da administração pública. Enfim, o afastamento de Sérgio da atividade junto ao CPM, de certo modo, subtrai sua legitimidade para atuar em nome desta entidade, motivo pelo qual, sob esse prisma, poderia se justificar sua ausência de convocação para as reuniões do conselho. Já no que pertine a Valdir, há afirmação de que teria participado do ato seu suplente, o que pode ter decorrido de inadequada concepção sobre a questão atinente às férias do conselheiro titular.

 

De qualquer modo, essa inadequada gerência do procedimento para atuação do conselho municipal de habitação não tem o condão de implicar conclusão de uso político-partidário dos recursos do fundo, de abuso de poder político ou econômico, de intenção de dirigir as decisões desse órgão, até mesmo porque, pelo que se percebe, todos os pedidos de auxílio foram deferidos à unanimidade, sem distinção em face do viés político-partidário dos beneficiários.

 

Ocorre que, em audiência judicial (ID 41567233), Valdir Wiater asseverou que sequer tinha ciência de sua nomeação por meio da Portaria n. 05/20, que lhe nomeou conselheiro, da qual nunca foi notificado. A testemunha enfatizou, ainda, que usufruiu férias em fevereiro de 2020 apenas.

De seu turno, Sérgio Capitanio, em juízo (ID 41567233), declarou que participou do Conselho nos anos de 2015 a 2017, mas que ignorava ter sido nomeado pela Portaria n. 05/20, bem como que não foi chamado para qualquer reunião no ano de 2020. O declarante pontou que, desde o ano de 2018, quando se aposentou, não fazia mais parte do CPM da Escola Estadual de Educação Básica Barragem do Rio Passo Fundo.

Como se percebe, os conselheiros em questão desconheciam a própria qualidade que lhes havia sido conferida pela Portaria n. 05/20.

Ainda, fosse o gozo de férias a verdadeira justificativa para a não convocação de Valdir Wiater, não haveria óbice à sua participação na reunião de 16 março, quando já encerrado o período de afastamento.

De forma semelhante, caso a aposentadoria de Sérgio Capitanio fosse o fator preponderante para a sua não convocação, ele sequer teria legitimidade para ser nomeado ao Conselho no ano de 2020, posto que não representaria mais o CPM escolar desde 2018.

Além disso, bem apontou a sentença que “não foi suficientemente esclarecido se e como ocorreram as convocações dos conselheiros”.

As atas de reuniões acostadas aos autos, referindo que “na sala da Secretaria de Administração, reuniram-se os novos membros do conselho municipal”, não permitem que se depreenda, de forma inequívoca, a qualificação dos participantes, identificados apenas por assinaturas ou rubricas ao final dos documentos, em número de sete (ID 41564633), apesar de a lei específica prever a sua constituição por nove membros e respectivos suplentes, de diferentes segmentos da sociedade (art. 11 da Lei n. 1.478/10).

Muito além de simples equívoco de gestão, os recorridos não lograram demonstrar a regularidade dos atos de nomeação, convocação e/ou substituição dos conselheiros em seu conjunto, a despeito da relevância do órgão, atribuída pela Lei Municipal n. 1.478/10, que, em seu art. 15, expressamente dispõe que “A convocação para as reuniões será feita por escrito, com antecedência mínima de 3 (três) dias para as reuniões ordinárias e 24h (vinte e quatro horas) para as extraordinárias”.

Nessa senda, com propriedade referiu o douto Procurador Regional Eleitoral:

Ora, o Conselho é um órgão deliberativo de suma importância para a execução dos programas sociais relacionados à habitação, razão pela qual sua atuação na aprovação de concessão de auxílios deve ocorrer de forma transparente e proba, especialmente em ano eleitoral, sob pena de beneficiar eventual candidatura. Não por acaso, seus membros representam segmentos distintos da sociedade civil e órgãos governamentais, cuja nomeação se dá por meio de ato administrativo.

 

Dentro desse contexto, forçoso reconhecer que a ausência de convocação de membros titulares nomeados pela Portaria nº 05/2020, que foi assinada em 14.02.2020, ou seja, três dias antes da primeira reunião do Conselho no ano de 2020, suscita fundada suspeita de direcionamento na atuação do aludido conselho pelo Prefeito, candidato à reeleição.

 

Cabe ressaltar que a importância do Conselho Municipal de Habitação também é revelada pela presença do Prefeito Jairo Paulo Leyter em ambas as reuniões, inclusive com o uso da palavra nas duas oportunidades, consoante registrado nas atas respectivas, sendo tal fato suficiente para que se conclua que o mandatário não ignorava as circunstâncias em que ocorreram as deliberações do órgão.

Assim, entendo que os vícios e as falhas de transparência verificados nas reuniões do Conselho não são meros lapsos administrativos inocentes, mas se somam às demais incongruências verificadas na formalização dos procedimentos administrativos, autorizando que se conclua que a execução do programa assistencial ocorreu à margem da lei municipal que conferia fundamento.

Em contrarrazões, os recorridos alegam que “a praxe da concessão dos benefícios é a mesma desde a existência da Lei Municipal nº 509/1995 que atende, na forma prevista, a política de atendimento a necessitados”, bem como que havia casos urgentes e excepcionais, “seja pela atuação do próprio Conselho Tutelar e/ou com requisição judicial e participação do Ministério Público, visando contemplar necessidades verificadas”.

Os argumentos trazidos, porém, não clarificam as situações específicas relacionadas aos cinco casos anteriormente destacados, nos quais, embora as prestações assistenciais tenham sido outorgadas mediante pedido dos interessados, com emissão de laudo socioeconômico e deferimento pelo Conselho Gestor do Fundo, houve manifesta subversão do encadeamento lógico dessas etapas, algumas com largo espaço de tempo.

Por outro lado, nas duas reuniões realizadas, as respectivas atas registram que os pleitos arrolados constam “conforme Lei Municipal número 509, de 30.08.1995” e “conforme levantamento sócio econômico feito pela Secretaria de Cidadania e Promoção Social do Município”, indicando a precedência do estudo de necessidade ou vulnerabilidade social.

Desse modo, tenho que os recorridos não produziram justificativa, fundamentação ou comprovação condizentes com as violações das normas procedimentais de concessão dos benefícios verificadas, o que, na hipótese, se mostra suficiente à demonstração do uso anormal e desvirtuado da política assistencial, concomitantemente ao incremento de valores públicos destinados, caracterizando a prática de conduta vedada por infringência ao art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97.

Por sua vez, o reconhecimento do abuso de poder político, que, conforme a jurisprudência, “decorre da utilização da estrutura da administração pública em benefício de determinada candidatura ou, ainda, como forma de prejudicar adversário” (TSE, RO n. 763425, redator designado: MIN. TARCÍSIO VIEIRA DE CARVALHO NETO, acórdão de 9.4.2019), prescinde, ainda, que se evidencie o liame eleitoral e a gravidade das condutas, “demonstrada a partir da verificação do alto grau de reprovabilidade da conduta (aspecto qualitativo) e de sua significativa repercussão a fim de influenciar o equilíbrio da disputa eleitoral (aspecto quantitativo)” (TSE, AIJE n. 060182324, Relator MIN. JORGE MUSSI, acórdão de 8.8.2019).

No aspecto, faz-se necessário apreciar a forma como o administrador público empregou os recursos disponíveis.

Os recorridos alegam que, “no ano de 2020, foi mantida a média dos dois anos anteriores de seu mandato representando utilização de 84,19% do orçamento previsto”.

O raciocínio não prospera, uma vez que, para aferir a média de gastos é necessário alcançar os valores absolutos despendidos em cada ano, e não apenas comparar as respectivas razões entre dotação e execução orçamentária, as quais nada indicam sobre os valores totais empregados.

Nessa medida, conforme dados do TCE-RS anteriormente citados, o montante pago em auxílios habitacionais no ano de 2020 (R$ 437.513,94) resultou no dobro dos valores empregados nos anos de 2018 (R$ 195.226,60) e 2019 (R$ 120.664,28), majoração que não se mostra gradual ou proporcional aos períodos anteriores.

Nesse ponto, tenho que é de conhecimento geral que as medidas de contenção à propagação do novo coronavírus, envolvendo restrições às atividades sociais e econômicas, agravaram o estado de vulnerabilidade de um grande número de famílias e que várias localidades do Estado foram atingidas por estiagens no ano de 2020.

Contudo, de rigor, a dotação orçamentária é aprovada no ano anterior à sua execução, o que suprime, no caso, a relação direta com os eventos referidos.

Além disso, não há nos autos documento oficial que refira a abertura de créditos de qualquer natureza, em qualquer tempo, em razão de estiagem ou da pandemia, as quais, cabe referir, justificariam medidas de assistência mais prementes, como as relacionadas à alimentação e à renda básica.

Em contrarrazões, os recorridos enfatizam, ainda, que os recursos aplicados contemplavam quatro categorias de despesas vinculadas, quais sejam, “Construção (geral)”; “Coop-MPE”, relacionada a um acordo entre o município e o Ministério Público, a fim de amparar cidadãos lesados por uma cooperativa que praticou fraude em determinada época; “Excepcionais (excepcionais e CT)”, referente a pessoas portadoras de necessidades especiais ou vulneráveis e solicitações do Conselho Tutelar; e “Agricultura (rural)”.

Afirmam, ainda, que “duas categorias, em especial (Excepcionais – CT e Coop – MPE) tiveram dispêndios realizados em 2020, porém sem critério de liberalidade por parte da administração, vez que decorriam de ordem superior à do então prefeito, seja por parte do MPE ou das necessidades advindas através do Conselho Tutelar, ambas embasadas em seus respectivos processos”, apresentando a seguinte tabela (ID 41563333, fl. 8):

 

Entretanto, as cifras apresentadas divergem em seus totais das informações extraídas do sítio eletrônico do TCE-RS, não havendo esclarecimento sobre as razões das divergências. Além disso, a alegação não se faz acompanhada da explicitação do nível de controle do gestor público nas diversas categorias e nem sobre a identidade dos beneficiários contemplados em cada uma.

Ainda, segunda informação trazida pelos recorrentes, não impugnada pelos recorridos, nos anos de 2018 e 2019, o quantitativo de 32 cidadãos foram agraciadas com o benefício habitacional.

Por outro lado, a planilha acostada em contestação (ID 41563733 e seguintes) demonstra que esse número saltou para 88 pessoas em 2020 (ID 4187569133), dentre as quais apenas 4 munícipes receberam o auxílio após o pleito, entre 03.12.2020 e 23.12.2020.

As atas acostadas nos IDs 41564483, 41564533, 41564583 e 41564633 revelam, igualmente, o aumento dos valores individuais concedidos a partir da aproximação do ano eleitoral, variando de R$ 500,00 a R$ 6.000,00, nos anos de 2017, 2018 e 2019, e elevando-se para 12 benefícios com valores individuais entre R$ 10.000,00 e R$ 15.000,00, concedidos nas reuniões ocorridas em 2020.

Consta, também, na ata relativa à única reunião do Conselho realizada em 2019 (ID 41564583, fl. 2), em discussão a respeito de pedidos superiores ao valor de R$ 6.000,00, que:

(...) como essas pessoas são extremamente pobres, não tendo com aportar nenhum recurso, conversando com o prefeito que colocou a intenção de não mais fazer reformas, e sim fazer um novo programa onde serão só executadas casas novas em blocos de concreto, ficou decidido que estas serão executadas com o valor total da obra, comprovada por nota fiscal de materiais e mão de obra para que as mesmas sirvam de um projeto piloto para as futuras construções.

 

Depreende-se, portanto, que o prefeito interveio pessoal e diretamente para que as concessões de benesses em maior valor no ano eleitoral, expondo a sua ingerência direta sobre os encaminhamentos da política de auxílio habitacionais no município, inclusive em relação à opção de elevar os valores individuais a serem futuramente concedidos.

Necessário considerar, nesse ponto, o diminuto eleitorado do Município de Entre Rios do Sul, que, nas eleições de 2020, consistiu em apenas 2.688 eleitores aptos.

Esse contexto local permite que se dê contornos de gravidade aos fatos, uma vez que a repercussão desse tipo de ação, ainda que em números pouco consideráveis em uma primeira vista, é capaz de alcançar grande parcela da coletividade envolvida, cuja retribuição natural às benesses obtidas é o engajamento eleitoral, afetando, consequentemente, a isonomia entre os candidatos a cargos públicos, diferentemente do que se verificaria se tais fatos ocorressem em um município de grande extensão.

Assim, dadas a dimensão da localidade, é certo que a distribuição de R$ 437.513,94 a 88 famílias, no ano eleitoral, gerou relevante repercussão e benefício eleitoral ao mandatário candidato à reeleição.

Cabe destacar, ainda, que o candidato Jairo Paulo Leyter foi eleito com 1.189 votos, alcançando uma vantagem de apenas 13 votos em relação ao concorrente Volmir Francescon, que obteve 1.176 votos.

Dessa forma, sob a perspectiva da gravidade da conduta, entendo que a distribuição de benefícios assistenciais à margem do procedimento legal no período eleitoral, em valores exponencialmente superiores aos manejados em anos anteriores, a partir de programa social de grande e inequívoca repercussão, em atos praticados no seio da máquina estatal e com participação direta do candidato à reeleição, em um pleito definido por curta margem de 13 votos, configura fato grave que compromete o equilíbrio e a normalidade da escolha popular, a ensejar cassação de diploma e inelegibilidade por abuso do poder político (art. 22, inc. XIV, da LC n. 64/90).

Embora a diferença de votos obtidos entre os colocados constitua, por si só, critério de potencialidade dos fatos para afetar as eleições, que não se confunde com o conceito de gravidade previsto no art. 22, inc. XVI, da LC n. 64/90, o resultado do pleito não está aqui sendo utilizado de forma isolada, já tendo o TSE estabelecido que “seu descarte na vala comum dos dados inservíveis revelaria equívoco por constituir lídimo reforço na constatação da gravidade das circunstâncias verificadas no caso concreto” (TSE, REspe n. 57611, Relator: MIN.TARCÍSIO VIEIRA DE CARVALHO NETO, acórdão de 19.3.2019).

Portanto, o contexto probatório constante dos autos permite concluir que houve uma utilização distorcida dos institutos permissivos legais, a fim de dissimular a prática de conduta vedada prevista no art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97, quando da distribuição dos benefícios habitacionais aos munícipes de Entre Rios do Sul, ensejando a aplicação da sanção de multa, que, em razão da gravidade, da repercussão do fato sobre o pleito e da ausência de outros elementos sobre as circunstâncias pessoais da parte, arbitro no valor R$ 10.000,00 (dez mil reais) para o recorrido Jairo Paulo Leyter, conforme determina o art. 73, §§ 4º e 8º, da Lei n. 9.504/97.

Igualmente, tendo em vista a gravidade dos fatos sobre o pleito, impõe-se a cassação dos diplomas de Jairo Paulo Leyter e de Auri Luiz Vassoler, como prevê o art. 73, § 5º, da Lei n. 9.504/97.

As condutas ilícitas perpetradas pelo Prefeito Jairo Paulo Leyter configuraram, ainda, abuso de poder político e de autoridade e justificam a cassação dos diplomas de ambos os candidatos eleitos na chapa majoritária, nos termos do art. 22, inc. XIV, da LC n. 64/90, bem como a sanção de inelegibilidade ao recorrido Jairo Paulo Leyter, pelo período de oito anos subsequentes à eleição, com esteio no mesmo dispositivo.

Em relação ao candidato a vice-prefeito Auri Luiz Vassoler, a cassação de seu diploma decorre do benefício obtido pelas condutas ilícitas e do princípio da indivisibilidade e da unicidade da chapa majoritária, posto que a ele não se pode imputar conduta vedada ou ato de abuso de autoridade, haja vista não estar investido em cargo público no Poder Executivo do Município que tornasse tal circunstância perfectível, razão pela qual deixo de condená-lo à sanção de multa e de decretar a sua inelegibilidade.

 

III.2. Do Rompimento de Contrato Administrativo com Clínica de Fisioterapia e Estética por Motivos Eleitorais e Políticos

No tocante ao fato, a peça inicial narra que o Município de Entre Rios do Sul possuía um contrato de serviços de fisioterapia com a empresa Clínica de Fisioterapia e Estética KR Ltda. ME, de propriedade de Kacielle Paula Roque, sobrinha de Volmir Francescon, ora recorrente e adversário eleitoral do então prefeito, e que, em razão de tal parentesco, teve o contrato arbitrariamente rescindido por motivos de retaliação política, caracterizando o abuso de poder em razão do desvio de finalidade do ato.

Os acontecimentos são descritos nas razões de recurso da seguinte forma:

KACIELLE, ouvida em Juízo, narrou que, por ser sobrinha do Autor, que concorria contra os Recorridos, teve seu contrato rescindido após a realização das convenções municipais, ocorridas em 16/09/2020. Conforme seu relato, o Prefeito lhe confidenciou que manteria o contrato caso o PSDB lhe apoiasse em um consenso, o que não se verificou derradeiramente com a realização das Convenções. Assim, imediatamente após essa data, em 18/09/2020, houve a rescisão do contrato.

[...].

Ademais, não se pode deixar de registrar o fato novo trazido aos autos (ID 82703365), consistente no repentino cancelamento de um Pregão Presencial para contratação de empresa de fisioterapia, após a Administração Municipal tomar conhecimento de que KACIELLE participaria do certame.

[...].

Obviamente, o Prefeito agiu com abuso de poder e de autoridade, pois dois dias após ser sacramentada a candidatura do Autor, JAIRÃO rescindiu um contrato com a empresa da sobrinha do Demandante, contratação essa que tinha prazo certo para terminar (abril de 2021). E, como razão para isso ter ocorrido, estava o fato de que não houve um acerto sobre as candidaturas. Pura retaliação política. Evidente desvio de finalidade.

 

A prova dos autos, consistentes na oitiva de Kacielle e mensagem de áudio encaminhada pelo então Prefeito Jairo, aliadas às demais circunstâncias da própria rescisão antecipada do ajuste contratual sem qualquer outra justificativa razoável, conferem plausibilidade à descrição fática contida na inicial, consoante bem sintetizou o juízo de origem, em análise que transcrevo:

A ausência de impugnação específica por parte dos réus ao conteúdo e autoria do diálogo registrado no arquivo de áudio constante no ID 59528725 e da conversa via aplicativo de mensagens retratada na fl. 36 da inicial (ID 59599119) permite asseverar existência de indicativos veementes de desvio de finalidade no ato de encerramento do contrato havido entre o Município de Entre Rios do Sul e a empresa Clínica de Fisioterapia e Estérica KR Ltda de titularidade da fisioterapeuta Kacieli Paula Roque, sobrinha do ora autor, o qual disputou o cargo de chefe do executivo com o requerido Jairo.

 

No áudio em questão, o demandado Jairo diz: Kaci, ó, vou ser bem direito no negócio aí, não deu certo o que nós tinha planejado aí e não tem porque nós prorrogar aí, não vou fazer o contrato aí, vou rescindir aí (...) eu vou fazer um contrato emergencial aí com fisioterapeuta, ela vai assumir lá então (…) tentei até o último minuto Kaci, tentei até o último minuto, abri mão de ser prefeito de novo, abri mão de tudo, na realidade não nos quiseram, quiseram arrumar aí um pretexto pra todo mundo e todo mundo vai se ferrar, tudo mundo, quem ganhar vai perder e quem perder vai ganhar (…).

 

Já na conversa via aplicativo, após repassar a Kacieli mensagem de terceiro dando conta de que ela estaria a falar mal de sua gestão, Jairo exclama: Desse jeito não vai dar!!!. Em seguida, mesmo diante de negativa da sobrinha de seu concorrente, faz a constar: Olha Kaci! Acho que te dei todas as oportunidades.

 

Considerando que não trouxe o requerido Jairo explicação para esses pronunciamentos, dúvida não existe de que verossimilhança marcante ilumina a versão deduzida na inaugural.

 

A afirmação do réu de que abriu mão de tudo, seguida pela referência a ter até deixado de lado a pretensão de concorrer ao cargo de prefeito no âmbito de tratativas havidas com pessoas que, ao cabo, não os quiseram, transmite a clara noção de não ter negociação para definição de candidatura findado como ele esperava.

 

Esse panorama - reitera-se, à míngua de justificativa plausível por parte do requerido - informa possível desvio de finalidade como motivo da rescisão do contrato entre o município e a empresa de Kacieli, porquanto é sobrinha daquele que, em face do insucesso da negociação política, acabou vindo a ser concorrente de Jairo no pleito eleitoral, o ora autor da presente ação. Aliás, Jairo, denotando sentimento evidente de revanchismo, vingança, represália, prossegue dizendo que todo mundo vai se ferrar.

 

Não é sem razão que, embora o contrato entre o ente público e a empresa citada previsse término apenas em abril de 2021, houve distrato em 18 de setembro de 2020 (ID 59528734), logo após o encerramento do período para registro das candidaturas, fluído até o dia 16 daquele mesmo mês. Lembre-se, no ponto, que Jairo transmite a ideia de ter buscado composição política até o último minuto. Pois bem, no campo para definição de candidaturas, o último minuto é aquele que antecede o escoamento período para registro das candidaturas. Então, apreende-se que, como não houve sucesso na negociação política havida até o dia 16 de setembro de 2020, logo após, no dia 18 daquele mesmo mês, Jairo providenciou para rescisão do contrato com a sobrinha do concorrente ao cargo, defluindo desse desencadeamento temporal vinculação que robustece a convicção sobre a pertinência da alegação de desvio de finalidade.

 

Importante referir, em atenção à argumentação dos requeridos, que a existência de distrato não elide os indicativos de conduta espúria, porque, tal como explicitado por Kacieli em seu relato perante este juízo, em sua concepção de pessoa não afeita a contendas, não tinha outra opção, senão aceitar o que lhe foi imposto pelo chefe do executivo. E pensar que Kacieli não pretenderia, no futuro, alcançar outra contratação junto ao município seria ingenuidade, justificando-se, nessa perspectiva, sua aceitação pacífica do distrato e seu agradecimento ao prefeito.

 

Embora a prova dos autos revele indícios de desvio de finalidade no ato de rescisão do contrato administrativo, não há demonstração de que a ação projetou efeitos sobre a regularidade das eleições e a vontade do eleitorado.

Ocorre que, para a procedência de demandas que têm por objeto a cassação de mandatos eletivos, o aspecto fulcral consiste em verificar se os fatos ocorridos durante a campanha eleitoral configuram abuso de poder ou fraude dotados de uma gravidade qualificada pela aptidão de comprometer a normalidade e legitimidade do pleito, justificando as severas consequências insculpidas no art. 14, § 10, da CF e no art. 22, inc. XIV, da LC n. 64/90.

Assim, é imprescindível a associação entre a conduta considerada abusiva e o prejuízo ao tratamento isonômico dos candidatos, à vontade livre do eleitor e à legitimidade do resultado das urnas, na linha da jurisprudência do TSE:

ELEIÇÕES 2014. RECURSOS ORDINÁRIOS. CONTRATAÇÃO DE SERVIDORES TEMPORÁRIOS EM PROL DA CANDIDATURA DA IRMÃ DO PREFEITO. CONFIGURAÇÃO DO ABUSO DE PODER E CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. INSUFICIÊNCIA DO CONJUNTO PROBATÓRIO PARA A RESPONSABILIZAÇÃO DE CANDIDATO A DEPUTADO FEDERAL. RESCISÃO DE CONTRATOS TEMPORÁRIOS APÓS AS ELEIÇÕES E ANTES DA POSSE DOS ELEITOS. CONFIGURAÇÃO DE CONDUTA VEDADA NO CASO CONCRETO APESAR DE NÃO PRATICADA NA CIRCUNSCRIÇÃO DO PLEITO. IMPOSSIBILIDADE DE IMPOSIÇÃO DE MULTA AO NÃO CANDIDATO. (...). 15. Nas ações que tratam de abuso de poder, como a AIME e a AIJE, exige-se, além de que o candidato tenha se beneficiado dele, que as circunstâncias que o caracterizam tenham gravidade, nos termos do inciso XVI do art. 21 da Lei das Inelegibilidades. 16. "Com a alteração pela LC 135/2010, na nova redação do inciso XVI do art. 22 da LC 64/90, passou-se a exigir, para configurar o ato abusivo, que fosse avaliada a gravidade das circunstâncias que o caracterizam, devendo-se considerar se, ante as circunstâncias do caso concreto, os fatos narrados e apurados são suficientes para gerar desequilíbrio na disputa eleitoral ou evidente prejuízo potencial à lisura do pleito" (REspe 822-03/PR, Rel. Min. Henrique Neves da Silva, DJe de 4.2.2015). (...).

(TSE - RO: 00022303720146030000 MACAPÁ - AP, Relator: MIN. ROSA WEBER, Data de Julgamento: 06/03/2018, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data: 06.4.2018.) (Grifei.)

 

Na hipótese concreta, a rescisão contratual levada a efeito não acarretou qualquer vantagem competitiva ao então prefeito e tampouco prejudicou a campanha adversária.

Ao contrário, a própria proprietária da empresa prejudicada, Kacielle, afirmou em juízo que houve diminuição do serviço de fisioterapia oferecido pelo município, o que, em realidade, resultaria em um impacto eleitoral potencialmente negativo ao próprio prefeito concorrente à reeleição.

Assim, nada há de se reparar na sentença que entendeu que o fato não tem relevância no âmbito eleitoral, considerada a inexistência de potencial afetação à normalidade e à legitimidade das eleições.

 

III.3. Da Promessa de Compra de Apoio Político para que Candidata Desistisse do Pleito

Na peça inicial, os demandados relatam que os investigados teriam oferecido vantagem financeira para que a candidata Sirlei da Rocha Portela, filiada ao Partido dos Trabalhadores, desistisse de sua campanha para a Câmara Municipal.

No tocante especificamente ao abuso mediante compra de apoio político, o TSE pacificou entendimento no sentido de ser possível a sua configuração por meio da tentativa de obter o apoio de candidato concorrente com o oferecimento de vantagens, como se verifica pelos seguintes julgados:

ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AIJE. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. COMPRA DE APOIO POLÍTICO. CONFIGURAÇÃO. DESPROVIMENTO.

 1.  A negociação de apoio político, mediante o oferecimento de vantagens com conteúdo econômico, configura a prática de abuso do poder econômico, constituindo conduta grave, pois exorbita do comportamento esperado daquele que disputa um mandato eletivo e que deveria fazê-lo de forma equilibrada em relação aos demais concorrentes (REspe nº 198-47/RJ, de minha relatoria, DJe de 3.2.2015).

 2.  A aferição da gravidade, para fins da caracterização do abuso de poder, deve levar em conta as circunstâncias do fato em si, não se prendendo a eventuais implicações no pleito, muito embora tais implicações, quando existentes, reforcem a natureza grave do ato.

 3.  Agravo regimental desprovido.

(Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 25952, Acórdão de 30/06/2015, Relatora: MIN. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 14/08/2015)

 

ELEIÇÕES 2012. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. APOIO POLÍTICO. NEGOCIAÇÃO. CANDIDATOS. ABUSO DE PODER ECONÔMICO. CONFIGURAÇÃO. REGISTRO. CASSAÇÃO. INELEGIBILIDADE. DESPROVIMENTO. 1.  A oferta de valores a candidato, com intuito de comprar-lhe a candidatura, configura a prática de abuso do poder econômico. 2.  A aferição da gravidade, para fins da caracterização do abuso de poder, deve levar em conta as circunstâncias do fato em si, não se prendendo a eventuais implicações no pleito, muito embora tais implicações, quando existentes, reforcem a natureza grave do ato. 3. A negociação de candidaturas envolvendo pecúnia, sobretudo quando já deflagradas as campanhas, consubstancia conduta grave, pois exorbita do comportamento esperado daquele que disputa um mandato eletivo, e que deveria fazê-lo de forma equilibrada em relação aos demais concorrentes. 4. Recurso desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral nº 19847, Acórdão de 03/02/2015, Relatora: MIN. LUCIANA CHRISTINA GUIMARÃES LÓSSIO, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 42, Data: 04/03/2015, Página 219/220 RJTSE - Revista de jurisprudência do TSE, Volume 26, Tomo 1, Data: 03/02/2016, Página 385)

 

Para comprovar o fato relatado, os demandantes juntaram arquivo de áudio (ID 41562333) enviado pela própria candidata ao seu colega de chapa proporcional, o candidato Lindomar Luis Sirtuli, afirmando que Tiago Lara, Secretário-Geral do MDB de Entre Rios do Sul, teria lhe oferecido R$ 6.000,00 para a sua desistência da candidatura, consoante transcrevo:

[...] e depois também aí, né, se tu não vai ter quem querer ajudar, né, porque todo mundo amava muito a minha mãe, né, sabe o quanto a mãe é uma pessoa de honra, uma pessoa sabe justa, uma pessoa honesta, né. Eu, graças a Deus, também fui muito honesta com vocês, sabe. Até eu falei, pode pedir pro Soni, sabe, me ofereceram 6 mil pra mim desistir, eu não desisti, sabe. Eu disse que não e não, e pronto. 6 mil pra mim não era dinheiro, sabe, não me importava, sabe. Porque eles queriam que eu desistisse lá pra derrubar um de vocês, e eu disse que não. Quem me enviou até foi o Tiago Lara, sabe, eu disse que não e deu, e não e não, porque eu tenho caráter, né. Até falei pro Soni tudo, falei na cara do Tiago Lara que era pra mim ir ali em São Valentim num tal de advogado Portella, sabe, pra mim ir lá que tava os 6 mil lá em dinheiro, como é que é, não falou em dinheiro, falou em cash. Daí eu disse não, capaz que eu vou fazer isso, não vou mesmo. Eu só não fui votar mesmo, Sirtoli, porque eu não tava legal, sabe, eu não tava bem, mas já peguei o atestado, já dei pro Soni tudo, sabe. Sabe, então assim ó, a minha mãe era uma pessoa muito amada, a mãe é uma pessoa amada. Entre Rios tudo as pessoas teram oração tudo, tá. Eu agradeço muito se puder fazer, tá, brigado mesmo Sirtoli.

 

Posteriormente, foram juntados áudios dirigidos à advogada Patrícia Lorenzi Piccoli, no qual Sirlei reafirma o recebimento da proposta (ID 41568433 e seguintes), assim transcritos:

Áudio 1

 

Bom dia, Patrícia. Tudo bom contigo? Então, Patrícia, eu tava falando do Sirtoli, né, que o que o MDB fez comigo, né, foi algo assim, né, terrível, enfim. Então a gente tem que esperar, eu vou esperar vim o (...) esperar aí, por gentileza, né, que tramitar esse negócio do Juiz lá, eu quero que vocês entrem, cara, nós temo direito sim de entrar como danos morais, né cara. Como, olha o que eles fizeram comigo não se faz nem pra cachorro, né, e daí eu acho assim que nós vamos ter que entrar com danos morais, e aí, fazer processar essa gente aí, porque o que eles fizeram, né, de me oferecer aqueles seis mil reais lá, pra mim deixar do partido, pra me prejudicar, enfim, né cara.

 

Áudio 2

 

Obrigado, Patrícia. Eu acho que a gente tem que fazer isso sim, né. Depois que acabar tudo isso aí, nós também entrar, porque além de eles ganhar, né, as eleições, tudo, ainda querer me machucar. Tudo o que eu passei com a minha mãe, foram 31 dias de sofrimento e dor, né, e eu acabar perdendo ela, com tudo o sofrimento que eu passei aí eles não tiveram consideração, Patrícia. Eu quero sim que vocês entrem com danos morais porque tem, tem o certidão de óbito dela, eu tenho prova, né, tenho várias provas de várias pessoas que se precisar lá, entendeu? De que minha mãe tava no hospital, entendeu, Patrícia? E eu quero, sabe, por dignidade, eu quero processar eles, porque eu quero, por dignidade, porque eu tive dignidade quando me ofereceram dinheiro eu disse que não, que eu tinha dignidade. Então é isso aí, por dignidade, pela minha mãe, quero processar eles, você tá entendendo? Quero deixar eles no chão também, como eles me moeram, como eles me machucaram demais.

 

Constata-se que a imputação está amparada na afirmação da própria concorrente supostamente cooptada, em áudio enviado a terceiros, sempre ratificando que teria recusado a oferta realizada para sua desistência.

A primeira gravação em questão, remetida ao candidato Lindomar, já foi objeto de análise por este Tribunal Regional por ocasião do julgamento do REl 0600488-92.2020.6.21.0168, em 13.07.2021, no qual este Pleno afastou a alegação de fraude no lançamento da candidatura de Sirlei para manter a sentença que reconheceu que a descontinuidade da campanha ocorreu em razão de enfermidade havida pela genitora da candidata, em acórdão assim ementado:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL - AIJE. QUOTA DE GÊNERO. SUPOSTA CANDIDATURA FRAUDULENTA. IMPROCEDÊNCIA. CONHECIDA PROVA NOVA ACOSTADA EM SEGUNDA INSTÂNCIA. INACESSÍVEL NO TEMPO PRÓPRIO. POSSIBILIDADE. OPORTUNIZADO O CONTRADITÓRIO. FALTA DE DEDICAÇÃO À CAMPANHA. JUSTIFICATIVA. INTERNAÇÃO HOSPITALAR DA GENITORA. ATESTADO MÉDICO. PROVAS DA REALIZAÇÃO DE CAMPANHA ELEITORAL. MODESTO EMPREGO DE RECURSOS NÃO CONFIGURA CANDIDATURA FRAUDULENTA. APRESENTAÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que julgou improcedente Ação de Investigação Judicial Eleitoral - AIJE, consubstanciada em alegação de lançamento de candidatura fraudulenta, com única finalidade de preenchimento da reserva de gênero determinada pela legislação, em burla às finalidades do art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97.

2. Conhecida prova nova acostada em segunda instância. Em regra, não se admite a juntada de novos meios de prova na fase recursal, como forma de preservação do devido processo legal e dos institutos que o informam, incluindo a preclusão e a vedação à supressão de instância. Contudo, conforme ressalvam os arts. 435, parágrafo único, e 1.014 do CPC, é possível a produção de provas em segunda instância para demonstrar fatos supervenientes ou quando se tratar de documento novo, que, por não serem conhecidos, acessíveis ou disponíveis à parte, não puderam ser produzidos no tempo próprio. Na hipótese, a prova consiste em mensagem de áudio de candidata, enviada pelo aplicativo WhatsApp, à qual o recorrente só teve acesso intempestivamente. As circunstâncias apresentadas justificam a admissão excepcional da nova prova trazida em sede recursal e, uma vez exercido o contraditório específico sobre o conteúdo do áudio pela parte adversa, nada obsta o seu conhecimento por este Tribunal.

3. A quota de gênero, instrumento legal de incentivo à participação feminina na política, posta sob o fomento e proteção da Justiça Eleitoral, está prevista no art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97. O preenchimento fraudulento das reservas de gênero frustra o intuito da norma e, em lugar de promover a participação feminina, apenas reforça a exclusão da mulher da política, em prejuízo ao pluralismo da representatividade política, pressuposto para uma democracia plena.

4. Na hipótese, o comportamento adotado pela candidata em relação à sua campanha eleitoral é justificado de modo razoável e plausível pela necessidade de acompanhar a genitora, sob internação hospitalar em outro município, nos 23 dias imediatamente anteriores à eleição, consoante atestado médico trazido aos autos. Ademais, até o recolhimento hospitalar de sua genitora, há provas nos autos da realização de campanha eleitoral pela candidata, com a prática de atos de propaganda, conforme revelam os "santinhos" produzidos, a peça de áudio de campanha e vídeo de propaganda eleitoral com referência específica à candidata, bem como a apresentação de contas de campanha.

5. A Corte Superior consolidou a sua orientação no sentido de que, apesar do importante papel da Justiça Eleitoral na apuração de condutas que objetivam burlar o sistema previsto no art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/97, a prova da fraude à cota de gênero deve ser robusta e levar em conta a soma das circunstâncias do caso a denotar o inequívoco fim de mitigar a isonomia entre homens e mulheres que o legislador pretendeu garantir (AgR-REspe n. 799–14/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 27.6.2019; e RESPE 060203374/PI, Rel. Min. Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, DJE de 02.12.2020). No mesmo sentido, jurisprudência desta Corte.

6. O contexto e o conjunto de circunstâncias concretas verificados nos autos afastam a conclusão de ter havido verdadeira candidatura simulada, pois os entraves ao melhor desempenho da concorrente decorreram de razões posteriores ao registro de candidaturas e externas ao querer da candidata e de seu partido político. O modesto emprego de recursos financeiros na campanha eleitoral não constitui elemento que venha a reforçar a tese de candidatura fraudulenta, sobretudo, tomando-se em conta a interrupção da busca de votos nas cruciais duas semanas anteriores ao pleito. Já o áudio juntado nesta fase recursal corrobora a tese de que a candidata se lançou à disputa de forma séria e autêntica. Contudo, problemas pessoais e familiares obstaram-lhe a continuidade do engajamento à campanha. Ausência de quaisquer outros fatores aptos a corroborar as alegações dos recorrentes. Manutenção da sentença.

7. Desprovimento.

(TRE-RS; REl 0600488-92.2020.6.21.0168; Relator: DES. ELEITORAL SILVIO RONALDO SANTOS DE MORAES, julgado em 13.07.2021.) (Grifei.)

 

Desde a narrativa contida na peça inicial, é possível depreender que a eventual oferta indevida em nada interferiu na normalidade e legitimidade do pleito, requisito essencial para a caracterização do abuso de poder, consoante bem observou o douto Procurador Regional Eleitoral:

(...) forçoso reconhecer que a tentativa de compra de apoio político imputada aos ora recorridos não surtiu efeito, ou seja, ainda que o oferecimento de dinheiro possa configurar outros ilícitos, fato é que tal conduta não afetou a normalidade e legitimidade do pleito, tampouco acarretou desequilíbrio entre os candidatos.

 

Desse modo, afigura-se evidente a fragilidade do conjunto probatório quanto à alegação de que a suposta tentativa de cooptação da adversária à vereança, mediante oferta de vantagens econômicas em troca da desistência da candidatura, caracterizou abuso de poder político e econômico, devendo ser mantida a sentença de improcedência quanto ao aspecto.

 

III.4. Do Abuso de Poder Econômico, Político e Religioso no Fornecimento de Pedras de Calçamento ao Pastor Eliel Araújo em Troca de Apoio Político

De acordo com o descrito na petição inicial, o Prefeito Jairo Leyter teria fornecido pedras para o calçamento da rua em que localizada a Igreja Assembleia de Deus em troca do apoio político do pastor Eliel Silva de Araújo, configurando a prática de abuso de poder político e econômico por parte do candidato e abuso do poder religioso na conduta do religioso, que passou a pedir votos para os recorridos por meio de postagens de vídeos na página da Igreja no Facebook.

Em defesa, os recorridos confirmam que, em março de 2020, a prefeitura forneceu pedras para o calçamento da rua, “com vistas a ligar a casa pastoral a rua, em vistas de problemas recorrentes de umidade devido à proximidade com a sanga do Engenho que corta a cidade de Entre Rios do Sul”, conforme fotografia acostada aos autos (ID 41565333), e que a doação ocorreu de forma impessoal e visando ao interesse público.

Por sua vez, Eliel da Silva contestou a narrativa acusatória afirmando que a mão de obra para a instalação das pedras foi custeada pela igreja e que a doação se justificou em razão da casa pastoral ter sido construída próxima ao riacho que corta o município, havendo muitos problemas de umidade e infiltração do solo, a reclamarem frequentes reparos no calçamento da rua.

Igualmente, o pastor não negou que tenha manifestado apoio, inclusive por postagens no Facebook, ao candidato Jairo Leyter, porém asseverou que as publicações ocorreram de forma voluntária, desvinculadas de qualquer tipo de condição ou contraprestação.

Sobre o tema, o TSE já consolidou o entendimento de que “a prática do abuso de poder de autoridade religiosa, conquanto não disciplinada legalmente, pode ser sancionada quando as circunstâncias do caso concreto permitam o enquadramento da conduta em alguma das formas positivadas de abuso, seja do poder político, econômico ou dos meios de comunicação social” (TSE - REspEl: 00000828520166090139 LUZIÂNIA - GO, Relator: MIN. EDSON FACHIN, Data de Julgamento: 18/08/2020, DJE de 06/10/2020).

No caso vertente, consoante pontuou o ilustre Procurador Regional Eleitoral, “verifica-se que o vídeo trazido com a inicial, em que o pastor ELIEL DA SILA ARAÚJO manifesta apoio incondicional ao candidato JAIRO LEYTER (ID 41562133), foi gravado na véspera do pleito, sendo que o print do vídeo trazido reproduzido no recurso revela que foi publicado no endereço facebook.com/elieu.silva.92102/videos/188475306164526 (ID 41569583, fl. 38 do PDF), e não na página oficial do Facebook da Igreja Assembleia de Deus”.

Constato, porém, que o título do perfil da página em que publicado o material é justamente “AD Entre Rios do Sul”, conferindo plausibilidade à afirmação de que o sítio eletrônico era utilizado como veículo de divulgação de informações da própria congregação religiosa, concomitantemente ou não com divulgações de cunho pessoal do pastor.

Na gravação aludida, o pastor Eliel, posicionado na rua, sozinho diante da igreja, afirma, em síntese, que está gravando o vídeo para “tornar notário meu apoio incondicional ao candidato a prefeito”, qualificando-o como “homem de bem, de coração grande, que tem nos abençoado que tem nos proporcionado momentos bons” e agradecendo pela “Secretaria de Saúde que atendeu a minha esposa agora nesse momento que ela passou”. Por fim, declara que “amanhã será selada a nossa vitória” (ID 41562133).

Em um segundo vídeo, o pastor Eliel promove a candidatura de Antônio Altair Brito, concorrente ao cargo de vereador, com as seguintes palavras (ID 41562233):

Nesse pleito de 2020, nós estamos indicando o servo de Deus, comprometido com a família, comprometido com a Palavra de Deus, comprometido com você, meu amigo, a ser o nosso representante na Câmara de Vereadores. Então, amanhã, dia 15, dia das eleições, dia de você exercer sua cidadania, faça isso com inteligência, vote quinze um um um, quinze um um um. Vamos eleger esse nosso amigo, companheiro, tá bom, para que o Senhor Jesus seja glorificado na nossa vida. O pobre, o necessitado, tenha algo a mais na sua vida através da instrumentalidade desse servo de Deus. Deus te abençoe, conto com você, amém.

 

O segundo vídeo aparenta ter sido gravado no interior da igreja, ainda que apenas com o pastor e o candidato presentes, consistindo em possível propaganda eleitoral irregular nos termos do art. 37, caput e § 2º, da Lei n. 9.504/97, o que, porém, não é objeto da presente demanda.

De qualquer forma, independentemente do enquadramento das postagens como propaganda ilícita, a prova dos autos não autoriza a conclusão de que houve cooptação eleitoral indevida ou abuso de poder.

A instalação das pedras ocorreu meses antes do pleito e alcançou um benefício coletivo, não havendo elementos que comprovem que o apoio político manifestado tenha sido realizado como retribuição a alguma benesse ou favorecimento caracterizador de cooptação eleitoral indevida.

No aspecto, bem referiu o juízo sentenciante:

Importante observar, no entanto, que não se pode concluir que a entrega de pedras para calçamento, muito tempo antes da gênese da campanha eleitoral vale notar, teria fomentado o apoio político manifestado pelo religioso na iminência do pleito. O depósito do material teria ocorrido em março de 2020 - conforme informado pelo autor em contestação (fato não refutado) - ou seja, muito antes da gênese da campanha eleitoral em 27 de setembro de 2020, não figurando viável, pois, sob a ótica de desdobramento temporal, vincular uma ação à outra com imputação de nexo de causa e efeito.

 

[...].

 

Além disso, não veio ao feito prova alguma de relação direta entre o apoio político levado a efeito por Eliel e a obtenção do material referido. Apenas se prova concreta houvesse de que teria sido o repasse das pedras condicionado à concessão de apoio político ou de que tenha sido este apoio proposto em troca do recebimento do material é que configurada poderia exsurgir ilegalidade.

 

Além disso, as postagens em tela, ainda que em página da igreja, com exposição de apoio eleitoral por líder religioso, embora questionáveis, não demonstram a relevante exploração da fé dos seguidores ou da estrutura física da congregação para promoção dos candidatos.

Não há evidências de propaganda eleitoral nos horários de culto, bem como está ausente prova de massiva reiteração da mensagem e de sério apelo reverencial ou coativo no discurso empregado, dentre outros possíveis excessos, de modo que a prática não revela gravidade suficiente para caracterizar abuso de poder na forma do art. 22, caput, da LC n. 64/90.

Por tais razões, tenho que os vídeos coligidos aos autos não constituem elementos hábeis para o enquadramento jurídico da conduta como abuso de poder político, econômico ou religioso, devendo ser mantida a sentença de improcedência da ação quanto ao ponto.

 

III.5. Da Promessa de Realização de Churrasco da Vitória a Servidores Públicos

Os recorrentes sustentam que o Prefeito Jairo Leyter prometeu, em troca de votos, um churrasco para os servidores públicos municipais em comemoração à sua vitória nas urnas, o que efetivamente ocorreu no dia subsequente à realização das eleições, consoante fotos colacionadas aos autos (ID 41561083, págs. 26-29).

Asseveram, ainda, que a comemoração aconteceu durante o horário de expediente e que não foi benesse de pequena monta, “dada a quantidade de alimentos e bebidas ofertados, assim como diante da quantidade de participantes da comemoração”, bem como que foram excluídos os servidores que não votaram no candidato à reeleição, configurando a prática de captação ilícita de sufrágio, de acordo com a descrição contida no art. 41-A da Lei n. 9.504/97.

De seu turno, os recorridos aduzem que “o evento efetivamente aconteceu e tal ocorreu em horário de almoço e não em horário de expediente” e que “ocorreu após as eleições, não mais residindo competência para exame em sede de AIJE, notadamente quando os fatos não possuem a mínima correlação, senão e tão somente, decorrente de meras conjecturas por parte do Autor”, concluindo que “querer tipificar festa de comemoração de eleição como ilícito eleitoral é algo forçado e sem qualquer fundamento”.

A captação ilícita de sufrágio está prevista no art. 41-A da Lei n. 9.504/97, in verbis:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, a eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990.

 

Rodrigo López Zilio (Direito Eleitoral. 7ª ed. Salvador: Ed. Jus Podivm. 2020, p. 692), ao lecionar sobre o tema, afirma que:

(...) a captação ilícita de sufrágio se configura quando presentes os seguintes elementos: i) a prática de uma conduta (doar, prometer, etc); ii) a existência de uma pessoa física (o eleitor), iii) o resultado a que se propõe o agente (o fim de obter voto); iv) o período temporal específico (o ilícito ocorre desde o pedido de registro até o dia da eleição).

 

In casu, não há provas no sentido de que os candidatos recorridos prometeram e entregaram o churrasco em troca dos votos dos participantes.

O evento em questão, de acordo com o que consta nos autos, não supera o que se espera de ordinário em eventos de comemoração da vitória, oferecidos a eleitores e simpatizantes após o pleito.

A alegação de que a festividade teria ocorrido com a participação de servidores públicos em horário de expediente e com preterição daqueles que não apoiaram a recondução do então prefeito, após decorrido o período eleitoral, escapa à competência da Justiça Eleitoral, devendo ser apurado nas instâncias cíveis-administrativas próprias.

Como acima exposto, a captação ilícita de sufrágio necessita da demonstração da finalidade específica prevista na norma, ou seja, a mercancia do voto mediante vantagem indevida, ajustada anteriormente ao exercício do voto, o que não se comprova no caso em apreço.

A questão foi judiciosamente analisada pela sentença, conforme excerto que adoto por seus próprios fundamentos:

Enfim, natural do ser humano é comemorar após vitória. É assim que costumamos proceder em qualquer âmbito de relação. Ao completamos mais um ano de vida, tendemos a comemorar. Quando nosso time ou atleta preferido prevalece, também explicitamos nosso contentamento. A conquista de um objetivo importante nos motiva à celebração. Diferente não será, por conseguinte, no orbe eleitoral. Depois de disputa acirrada, como costuma acontecer sobremodo em âmbito municipal, o vencedor festejará, inclusive como forma de agradecimento àqueles que o apoiaram. Isso é natural, esperado, previsível e legítimo.

 

Almoço com churrasco representa forma típica de celebração, de agradecimento, especialmente no interior de nosso Estado, sem deixar de ser algo corriqueiro, comum na vida de grande parte da população gaúcha. Não possui natureza de vantagem voltada ou apta a corromper. Não se presta, em face de sua diminuta relevância sob o ponto de vista econômico de quem dele participa como convidado, assim como de sua ordinariedade comunitária - salvo prova em contrário, ausente nos autos - como moeda em troca de votos. Não é possível, pois, conceber a promessa de um almoço de celebração de vitória eleitoral como bem ou vantagem pessoal capaz de direcionar o voto, inclusive porque, por certo, quem comparece ao evento são as pessoas simpáticas politicamente ao candidato, aqueles que o apoiaram no curso da campanha e veem na vitória um objetivo alcançado.

 

Não é possível, em suma, apreender tenha eventual promessa/oferta de comemoração com almoço de eventual vitória eleitoral potencialidade, força para corromper, especialmente quando anunciada pelos pelo próprio autor presença marcante de servidores públicos, pessoas que, em face de perceberem rendimentos certos e suficientes, não superestimariam aquela refeição. Outrossim, não se pode presumir tenha sido eventual promessa/oferta de churrasco iluminada pelo escopo de aliciar o eleitor. Sua destinação presumível, no contexto ordinário, é celebrar eventual vitória, algo que, diga-se de passagem, qualquer dos concorrentes, por certo, inevitavelmente, de modo ou outro, faria.

 

Diante da inexistência de provas capazes de demonstrar qualquer ilícito eleitoral relacionado ao fato em análise, conclui-se pela manutenção da sentença de improcedência sobre o presente tópico.

 

III.6. Da Divulgação de Publicidade Institucional em Período Vedado

Em continuidade, os recorrentes sustentam que houve a divulgação de publicidade institucional em período proscrito, a partir de nove compartilhamentos de postagens realizadas em página pessoal do Facebook da esposa do então prefeito, também detentora do cargo de Secretária Municipal de Cidadania e Promoção Social à época, destacando, nas razões recursais o seguinte:

De antemão, esclareceu-se que tais publicidades, ainda que originalmente tenham sido postadas em período anterior aos três meses da vedação prevista no art. 73, inciso VI, “b”, da Lei 9.504/1997, foram mantidas no ar durante o período vedado, tendo sido compartilhadas pela esposa do Prefeito, então Secretária Municipal de Cidadania e Promoção Social. Tal prática intentou ludibriar o escopo da referida previsão legal, que veda a prática de propaganda eleitoral durante o período vedado.

 

No recurso, destaca-se, ainda, o argumento que “a realização de propaganda por meio da página institucional da Prefeitura foi realizada por agente público, ligado pessoalmente ao então candidato à reeleição para a Prefeitura Municipal (Primeira-dama do Município), durante vigência do período vedado pela legislação”.

A vedação à publicidade institucional, no período de três meses da data do pleito, ou seja, a partir de 15.08.2020, encontra previsão na al. “b” do inc. VI do art. 73 da Lei n. 9.504/97, cujo teor reproduzo:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

(…).

VI - nos três meses que antecedem o pleito:

(…).

b) com exceção da propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado, autorizar publicidade institucional dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral;

 

A jurisprudência reconhece como razão de ser da vedação em foco, o impedimento do uso de recursos públicos para fins de promoção de candidatos, uma vez que “o emprego da máquina pública, em qualquer de suas possibilidades, é a essência da vedação à publicidade institucional prevista no art. 73, VI, b, da Lei nº 9.504/1997, objetivando assegurar a igualdade de oportunidades entre os candidatos” (TSE, Recurso Especial Eleitoral n. 151992, Acórdão, Relator: MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO, DJE de 28.06.2019).

É incontroverso que as postagens sob análise consistiram em compartilhamentos de peças oficiais informativas sobre as ações da administração pública, divulgadas na página da Prefeitura de Entre Rios do Sul em período anterior ao vedado pela legislação eleitoral, ou seja, as publicações, como originalmente produzidas e divulgadas, eram lícitas e regulares.

Ainda que se considere que o conteúdo em questão foi produzido pela prefeitura, na hipótese, não é razoável se atribuir ao mero compartilhamento em perfil pessoal o caráter de publicidade institucional, a qual somente se configura quanto ao conteúdo autorizado, produzido e publicado pelo órgão estatal.

Nesse sentido, o seguinte precedente do TSE:

DIREITO ELEITORAL. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2016. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. USO INDEVIDO DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL. CONDUTA VEDADA. PUBLICIDADE INSTITUCIONAL. VEICULAÇÃO EM PERFIL PARTICULAR DE REDE SOCIAL. UTILIZAÇÃO DA MÁQUINA PÚBLICA NÃO DEMONSTRADA. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. DESPROVIMENTO.

[...].

2. O desequilíbrio gerado pelo emprego da máquina pública é a essência da vedação à publicidade institucional prevista no art. 73, VI, b, da Lei nº 9.504/1997, que objetiva assegurar a igualdade de oportunidades entre os candidatos.

3. A veiculação de postagens sobre atos, programas, obras, serviços e/ou campanhas de órgãos públicos federais, estaduais ou municipais em perfil privado de rede social não se confunde com publicidade institucional autorizada por agente público e custeada com recursos públicos, a qual é vedada nos três meses que antecedem as eleições (art. 73, VI, b, da Lei nº 9.504/1997).

4. É lícito aos cidadãos, inclusive os servidores públicos, utilizarem–se das redes sociais tanto para criticar quanto para elogiar as realizações da Administração Pública, sem que tal conduta caracterize, necessariamente, publicidade institucional.

5. Da moldura fática do acórdão regional se extrai que: (i) houve divulgação de realizações do governo municipal, por meio de fanpage gerenciada pelo primeiro agravado, servidor público, fora do seu horário de trabalho; (ii) não há notícia do emprego de recursos ou equipamentos públicos para a produção e divulgação das postagens, integralmente feitas sob responsabilidade do agravado, inclusive no que diz respeito à digitalização de encarte distribuído pela Prefeitura antes do período vedado; e (iii) inexiste prova de que tenha havido o uso de algum artifício nas postagens impugnadas que permitisse caracterizá–las como redirecionamento dissimulado de publicidade institucional autorizada ou mantida por agente público em período vedado.

6. Acertada, portanto, a conclusão de que tal conduta está protegida pela liberdade de expressão (arts. 5º, IV e IX, e 220 da Constituição Federal) e não configura publicidade institucional.

[...].

9. Agravo interno a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral nº 37615, Acórdão, Relator: MIN. LUÍS ROBERTO BARROSO, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 74, Data: 17.4.2020.) (Grifei.)

 

No aludido julgado, a Corte Superior estabeleceu que a mera reprodução de publicidade institucional em perfil privado na internet não configura, por si, divulgação de publicidade institucional, uma vez que o ilícito se caracteriza pela utilização do aparato estatal para tal finalidade, inclusive por meio de canais oficiais próprios.

Cabe destacar a seguinte passagem do voto condutor, de lavra do eminente MIN. LUIZ ROBERTO BARROSO, que bem se aplica ao caso em comento:

[...].

 

9. Decerto, não se pode confundir a produção e divulgação de encarte pela prefeitura municipal com o ato de digitalização e compartilhamento do material feito por qualquer cidadão. Qualificar como ilícita a reprodução de material publicitário elaborado por órgão público, simplesmente porque, na origem, foram confeccionados com recursos públicos, fere a lógica da liberdade de manifestação e de expressão. Mostra-se, até mesmo, anacrônico. Afinal, a essência das relações contemporâneas no ambiente virtual é o compartilhamento de conteúdos e a manifestação dos participantes sobre todos os temas.

 

10. Como destacado na decisão agravada, não há proibição a que um servidor público, também cidadão, crie uma página em rede social onde divulgue positivamente os atos da Administração e sinalize sua preferência eleitoral, de forma explícita ou implícita. Em verdade, na ausência de demonstração objetiva de que foi feita publicidade vedada em site oficial, a pretensão recursal é que a condenação se dê com base na relação pessoal dos agravados.
 

[...].

 

Destaco, nesse ponto, que não é objeto dos autos a eventual permanência de propaganda institucional no site oficial da prefeitura durante o período, mas somente o conteúdo reproduzido pela primeira-dama e secretária municipal.

Também é relevante a constatação, a partir dos prints acostados aos autos (ID 41562533), de que as publicações contêm a clara informação sobre as datas em que originalmente realizadas, sendo a mais recente de março de 2020, afastando qualquer falsa percepção aos leitores de que seriam ações ou matérias atuais.

Dessa forma, não se verifica prática da conduta vedada ou ato abusivo, de modo que se impõe o desprovimento do recurso em relação ao ponto.

 

III.7. Da Doação de Prêmio para Rifa da Paróquia Nossa Senhora de Fátima pelo Candidato a Vice-Prefeito

Em relação ao último fato, o recorrente narra que Auri Vassoler, então vereador e candidato a vice-prefeito, doou para a Paróquia Nossa Senhora de Fátima o primeiro prêmio de uma rifa, “que sabidamente teria grande circulação na cidade”, qual seja, um novilho de 200 kg, caracterizando a prática de distribuição ilícita de brinde.

Nas razões recursais, consta, ainda, que:

Conforme já referido, a prática deste ato deve ser analisada a partir de todo o contexto que cerca as condutas violadoras da legislação eleitoral e que foram praticadas pelos ora investigados. De início, se esse fato for analisado isoladamente, talvez pareça de pequeno efeito. Todavia, a partir da análise do conjunto dos acontecimentos que permearam a disputa eleitoral no Município de Entre Rios do Sul, percebe-se, claramente, o comportamento descomprometido dos investigados com a realização de uma eleição leal, justa e conforme os ditames legais.

A doação feita pelo candidato, compreendida dentro do já mencionado contexto de cooptação de igrejas, demonstra, de forma cristalina e acentuada, a reiterada prática de abuso de poder político, econômico, religioso e de autoridade.

 

Conforme se extrai do recibo juntado ao ID 41564983, a contribuição para a ação comunitária ocorreu em 10.8.2020, ou seja, antes das convenções partidárias para a escolha de candidato, iniciadas no dia 31 daquele mês.

De seu turno, o talonário da rifa (ID 41561083, fl. 33) identifica a promoção como “Ação Entre Amigos – Paróquia Nossa Senhora de Fátima – Entre Rios do Sul – RS” e lista um total de 29 prêmios e seus respectivos doadores, entre pessoas físicas e jurídicas.

Por outro lado, não há prova mínima de que a doação do prêmio a ser sorteado em rifa beneficente, efetuado antes mesmo do registro de candidatura, contenha qualquer alusão ao pleito.

Do mesmo modo, não consta demonstração clara e concreta da forma como a contribuição na ação comunitária da entidade religiosa teria o condão de favorecer indevidamente o doador em detrimento dos demais candidatos ao pleito.

Assim, entendo irretocável a sentença recorrida que, com propriedade, entendeu pela ausência de elementos reveladores de ilicitude eleitoral na doação:

Importante notar que a participação em Igrejas é prática comum no seio comunitário, especialmente em pequenas cidades interioranas, hipótese dos autos. Muitos pagam o dízimo, alguns auxiliam graciosamente nas atividades da instituição, outros doam bens ou valores para consecução das finalidades religiosas. Qualquer pessoa que tiver interesse de prestar apoio poderá fazê-lo.

 

Nesse diapasão, fica claro que a doação efetuada por Auri somente caberia ser censurada se conjuntura de fato revelasse motivação inidônea de ordem eleitoral. No entanto, sequer consta na inicial descrição de situação concreta que permita conclusão nesse rumo. Há mera presunção.

 

Além disso, a doação foi levada a efeito antes da gênese da campanha eleitoral, inclusive antes do registro da candidatura de Auri, não faz alusão à questão eleitoral, além de não se caracterizar como ação isolada em prol da Igreja (tanto que endossada por mais vinte e oito pessoas que contribuíram com doação de prêmios para a rifa), circunstâncias que infirmam a presunção colorida na inaugural.

 

Logo, deve ser confirmada a decisão que julgou improcedente a ação em relação ao tema.

 

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto pela rejeição das preliminares e pelo parcial provimento do recurso interposto, reconhecendo a prática de conduta vedada e abuso de poder político relativamente ao fato analisado no item “III.1” da fundamentação, para:

a) condenar JAIRO PAULO LEYTER ao pagamento de multa no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), conforme estabelece o art. 83, § 4º, da Resolução TSE n. 23.610/19 e art. 73, § 4º, da Lei n. 9.504/97, pela prática da conduta vedada prevista no art. 73, § 10, da Lei n. 9.504/97;

b) cassar os diplomas JAIRO PAULO LEYTER e AURI LUIZ VASSOLER, nos termos do art. 73, § 5º, da Lei n. 9.504/97 e do art. 22, inc. XIV, da LC n. 64/90;

c) declarar a inelegibilidade de JAIRO PAULO LEYTER, pelo período de oito anos subsequentes à eleição de 2020, na forma do art. 22, inc. XIV, da LC n. 64/90, pelo abuso de poder político e de autoridade; e

d) determinar a imediata comunicação ao Juízo Eleitoral de origem a fim de que adote as seguintes providências:

d.1) a cassação dos diplomas de JAIRO PAULO LEYTER (prefeito) e AURI LUIZ VASSOLER (vice-prefeito), com a consequente assunção ao cargo de prefeito pelo presidente da Câmara Municipal de Vereadores de Entre Rios do Sul; e

d.2) a realização de novas eleições municipais majoritárias no Município de Entre Rios do Sul, conforme dispõe o art. 224 do Código Eleitoral e a Resolução a ser editada por este Tribunal.