REl - 0600376-83.2020.6.21.0149 - Voto Relator(a) - Sessão: 17/05/2022 às 14:00

VOTO

A sentença desaprovou as contas em decorrência do recebimento de três depósitos bancários em dinheiro com o CNPJ de campanha indicado como doador, nos valores de R$ 465,00, em 19.10.2020, R$ 400, em 10.11.2020, e R$ 605,00, em 13.11.2020, e do recebimento de doação de R$ 800,00 efetuada por beneficiária do auxílio emergencial.

A decisão determinou o recolhimento de R$ 1.470,00 ao erário, entendendo que esse total é a soma dos depósitos de R$ 465,00, em 19.10.2020, R$ 400, em 10.11.2020, e R$ 605,00, apontados no parecer conclusivo como quantias localizadas no extrato bancário da conta de campanha.

Além disso, deixou de determinar o recolhimento da doação de R$ 800,00 recebida por beneficiária do Auxílio Emergencial fornecido pelo Governo Federal.

Inicialmente, deve ser considerado correto o apontamento realizado pela Procuradoria Regional Eleitoral de que houve equívoco do exame técnico quanto aos valores dos depósitos realizados com o CNPJ da campanha e a soma do montante equivocadamente constatado, o que resultou também em erro material da sentença ao considerar que a quantia não identificada a ser recolhida ao erário é de R$ 1.470,00.

De acordo com o extrato disponível no Divulga Cand Contas, observa-se que, na verdade, há 3 depósitos realizados com o CNPJ da campanha (38.466.992/0001-10), no total de R$ 1.805,00, e não de R$ 1.470,00: R$ 800,00, efetuado em 19.10.2020, R$ 400,00, em 10.11.2020, e R$ 605,00, em 13.11.2020, conforme tabela abaixo:

 

Como se vê da tabela acima, não há, no extrato, o depósito de R$ 465,00 referido na sentença, tendo sido desconsiderado um depósito de R$ 800,00, também realizado com o CNPJ da campanha.

A soma dos depósitos que realmente não estão demonstrados no extrato totaliza R$ 1.805,00.

Portanto, a quantia de R$ 1.470,00 apontada na decisão recorrida é inferior à irregularidade constada na arrecadação de recursos de campanha.

Feitas essa considerações, passo ao enfrentamento das razões de reforma, consignando que no recurso não há impugnação contra a conclusão da sentença de que é grave a falha relativa ao recebimento de doação de R$ 800,00 efetuada por beneficiária do auxílio emergencial.

Quanto aos depósitos realizados com indicação do CNPJ de campanha, o recorrente alega que efetuou pessoalmente os depósitos na boca do caixa e que os valores têm origem em recursos próprios.

A Procuradoria Regional Eleitoral entende que devem ser relevados os depósitos de R$ 800,00 e de R$ 400,00 porque: a) o prestador, desde o início, declarou como recursos financeiros próprios a quantia de R$ 1.200,00; b) o prestador não indicou o seu CPF; e c) a ocultação de recursos de terceiros da Justiça Eleitoral não é feita com a colocação do CNPJ da campanha, mas sim com o CPF do candidato ou de terceiro, sendo crível a alegação do prestador de que realizou os depósitos com recursos próprios.

Com a vênia do entendimento ministerial, pela quantidade de casos com idêntica falha relativos ao pleito de 2020 julgados por este Tribunal, a exemplo dos processos n. 0600192-46, 0600805-16, 0600155-08, 0600158-60, não há como se afirmar que a ocultação de recursos de terceiros da Justiça Eleitoral somente se dá com a indicação do CPF do candidato no recibo de depósito em dinheiro.

O CPF dos candidatos é dado pessoal que sequer é divulgado de forma ostensiva na candidatura, razão pela qual, quando indicado para ingresso de dinheiro em espécie na conta bancária, agrega fidedignidade e confiabilidade sobre a procedência do valor. Para doar aos candidatos, os eleitores precisam conhecer apenas o número de CNPJ da campanha e depositar o valor desejado como doação.

Se o mesmo número de CNPJ é indicado como sendo o do depositante e o do depositado, não é possível presumir se o recurso é ou não de terceiro, é ou não do candidato. Qualquer pessoa, ciente do CNPJ da candidatura, pode utilizar o número nos campos de doador e donatário, sendo inviável verificar a exata origem dos recursos. Nesse sentido, o seguinte precedente, julgado na sessão de 1.9.2021:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADOR. APROVADAS COM RESSALVAS. CONHECIDOS DOCUMENTOS NOVOS JUNTADOS AO RECURSO. ART. 266, CAPUT, DO CÓDIGO ELEITORAL. DOAÇÃO IRREGULAR. APORTE FINANCEIRO EM ESPÉCIE EM NOME DO CNPJ DA CANDIDATURA. USO IRREGULAR DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA – FEFC. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO.

(...)

3. Doação irregular. Evidenciado nos extratos bancários aporte financeiro, por meio de depósito bancário em espécie, em que consta como depositante o CNPJ de campanha e não o CPF do candidato, em afronta ao regramento estabelecido no art. 21 da Resolução TSE n. 23.607/19. Este Tribunal já afastou a tese de que devem ser considerados como recursos próprios os valores depositados na conta de campanha em nome do CNPJ da candidatura, devido à falta de confiabilidade da procedência dessa receita a partir de mera declaração do candidato, não confirmada por documentação idônea. Ademais, o recorrente não se desincumbiu de comprovar o fato que invoca em sua defesa, na forma do art. 373, inc. II, do CPC, sequer quanto à demonstração de que o depósito foi realizado no seu CNPJ por equívoco. Incabível a análise da boa ou má-fé do prestador. A regra sobre a identificação do CPF do doador deve ser aplicada de forma isonômica a todos os candidatos e partidos que disputaram o pleito, independentemente do valor depositado. Prova dos autos inapta para esclarecer a origem do depósito, impondo o recolhimento da quantia ao erário.

(...)

5. Provimento negado.

(TRE-RS, Recurso Eleitoral 0600158-60.2020.6.21.0018, em que fui Redator do acórdão)

 

Desse modo, ainda que o candidato tenha apresentado os comprovantes de depósitos realizados com o número do seu CNPJ como sendo o do depositante, permanece a falha porque essa circunstância impossibilita a Justiça Eleitoral de verificar a autenticidade da declaração de que o valor se trata de recurso pessoal aplicado na campanha.

A falta de confiabilidade e de transparência sobre a origem do recurso não fica afastada pela declaração de que o depósito foi feito pelo próprio prestador, pois o art. 21, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19 expressamente determina que as doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado.

Portanto, ainda que o candidato justifique a falha apontando equívoco de procedimento em razão do depósito estar identificado com o CNPJ da campanha e não com o CPF do doador, o certo é que a origem do recurso consiste em mera alegação que não se sustenta em prova fidedigna, permanecendo a irregularidade.

A exigência normativa de que as doações de campanha, mesmo que provenientes dos próprios candidatos, sejam feitas mediante transferência eletrônica visa a coibir a possibilidade de manipulações e de transações ilícitas, como a utilização de fontes vedadas de recursos e a desobediência aos limites de doação, o que não pode ser confirmado na espécie.

Na impossibilidade de se determinar a origem das doações financeiras, os valores auferidos enquadram-se em recursos de origem não identificada, os quais, se utilizados durante a campanha, devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, conforme preconiza o art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19.

A condenação não tem a natureza de multa, sendo mero reflexo da utilização de recursos com procedência não comprovada.

Outrossim, não se discute a boa-fé ou a má-fé do recorrente, mas a observância das normas sobre finanças de campanha, assim como a transparência e a lisura da prestação de contas.

Dessa forma, a confiabilidade e a transparência das contas de campanha do candidato restaram severamente comprometidas pelas irregularidades não esclarecidas, sendo acertado o juízo de desaprovação das contas, conforme já decidido por este Tribunal inclusive nas contas das campanhas de 2016:

Prestação de contas. Candidato. Arrecadação e dispêndio de recursos de campanha. Resolução TSE n. 23.406/14. Eleições 2014. Irregularidades, entre outras, prejudiciais ao exame da prestação de contas do candidato: ausência de recibos eleitorais; devolução de cheques sem apresentação do original ou da declaração de quitação do débito, caracterizando dívida de campanha não consignada e sem a devida assunção pelo partido; discrepância entre o total dos créditos e a identificação dos CPF/CNPJ observados nos extratos bancários eletrônicos constantes da base de dados da Justiça Eleitoral; depósito bancário identificado com o CNPJ da candidatura, o que caracteriza o recurso como de origem não identificada e impõe o recolhimento do valor arrecadado ao Tesouro Nacional. Desaprovação.

(TRE-RS - PC: 203114 PORTO ALEGRE - RS, Relator: DRA. GISELE ANNE VIEIRA DE AZAMBUJA, Data de Julgamento: 21.01.2016, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 12, Data 25.01.2016, Página 7)

 

Destarte, correta a sentença ao considerar os valores depositados com o CNPJ de campanha como recursos de origem não identificada.

Quanto à quantia a ser recolhida ao Tesouro Nacional, é preciso ter presente o apontamento inicial de que a decisão considerou que a soma das irregularidades era de R$ 1.470,00, e não de R$ 1.805,00, porque não atentou para a existência de um depósito de R$ 800,00. e ainda considerou um depósito de R$ 435,00 que não aparece no extrato bancário.

Nessa medida, à luz do princípio da vedação da reforma em prejuízo, deve ser mantida a determinação de recolhimento de apenas R$ 1.470,00, conforme consta da decisão recorrida.

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso, mantendo a sentença de desaprovação das contas e a determinação de recolhimento de R$ 1.470,00 ao Tesouro Nacional, nos termos da fundamentação.