REl - 0600435-27.2020.6.21.0099 - Voto Relator(a) - Sessão: 17/05/2022 às 14:00

VOTO

Eminentes Colegas.

O recurso é tempestivo e, presentes os demais pressupostos processuais, merece conhecimento.

A sentença desaprovou as contas de MANOEL ADILIO ALVES DA SILVA e JOSÉ ORESTE DO NASCIMENTO, relativas à campanha eleitoral aos cargos majoritários de Gramado dos Loureiros, em razão de (1) recebimento de doações em espécie acima de R$ 1.064,10 e (2) omissão de gasto eleitoral, determinando o recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia de R$ 5.655,00.

No que concerne à primeira irregularidade, o parecer conclusivo identificou, por meio dos extratos bancários, a realização de cinco depósitos na data de 20.10.2020 na conta da campanha n. 0604896903, agência 753, Banco Banrisul, sendo quatro deles no valor de R$ 1.064,00 e um no valor de R$ 709,00, em montante de R$ 4.965,00.

No ponto, a legislação eleitoral assim dispõe no art. 21, inc. I, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de: I - transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado; (...). § 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal. § 2º O disposto no § 1º aplica-se também à hipótese de doações sucessivas realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia. (Grifei.)

 

E a tese recursal, admitindo o depósito em espécie (na "boca do caixa"), ampara-se na afirmativa de que o valor depositado teria origem identificada, pois adveio de rendimentos do candidato a prefeito MANOEL ADILIO ALVES DA SILVA.

Sem razão.

Verifico que o procedimento desatendeu ao estabelecido no texto legal, visto que as doações realizadas em mesmo dia, inclusive as oriundas de recursos próprios, devem observar o trânsito eletrônico entre as contas bancárias do doador e do recebedor.

E não é à toa a determinação legal, pois realizados os depósitos em espécie não há comprovação da origem como pretendem os recorrentes.

Ademais, para fins eleitorais, os recursos da pessoa física não se confundem com aqueles pertencentes à campanha do candidato, e com base na regularidade da operação financeira entre "o cidadão e o candidato" é que se torna possível o cruzamento de informações entre dados da Receita Federal e outros órgãos, com o fim de viabilizar a fiscalização das contas.

A título de exemplo, um candidato poderia receber dinheiro em espécie de uma empresa interessada em sua eleição. Munido do maço de notas, esse hipotético candidato se dirigiria até a agência bancária e depositaria o valor em sua conta de campanha, declarando-se o doador.

É esse tipo de situação que a legislação intenta coibir primordialmente, muito embora acabe alcançando também candidatos desconhecedores dos regramentos básicos de contabilidade eleitoral, o que parece ser o caso dos autos, à míngua de circunstância que evidencie dolo.

No entanto, nem mesmo o desconhecimento ou a ausência de má-fé podem se prestar a um juízo absolutório, pois o interesse nas reais fontes financiadoras de campanha vai além desta Justiça Especializada, alcançando toda a sociedade. Nesse sentido, destaco julgado do Tribunal Superior Eleitoral:

AGRAVO REGIMENTAL. ELEIÇÕES 2016. PREFEITO. CONTAS DE CAMPANHA DESAPROVADAS. DOAÇÃO. PESSOA FÍSICA. DEPÓSITO. ART. 18, §§ 1º E 3º, DA RES.-TSE 23.463/2015. PERCENTUAL EXPRESSIVO. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. NÃO INCIDÊNCIA. DESPROVIMENTO. 1. A teor do art. 18, §§ 1º e 3º, da Res.-TSE 23.463/2015, doações de pessoas físicas para campanhas, em valor igual ou superior a R$ 1.064,10, devem ser obrigatoriamente realizadas por meio de transferência eletrônica, sob pena de restituição ao doador ou de recolhimento ao Tesouro Nacional na hipótese de impossibilidade de identificá-lo. 2. Na espécie, é incontroverso que os candidatos, a despeito da expressa vedação legal, utilizaram indevidamente recursos financeiros R$ 5.000,00, o que corresponde a 16% do total de campanha oriundos de depósito bancário, e não de transferência eletrônica, o que impediu que se identificasse de modo claro a origem desse montante. 3. A realização de depósito identificado por determinada pessoa é incapaz, por si só, de comprovar sua efetiva origem, haja vista a ausência de trânsito prévio dos recursos pelo sistema bancário. Precedentes, com destaque para o AgR-REspe 529-02/ES, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJe de 19.12.2018. 4. Concluir em sentido diverso especificamente quanto à alegação de que as irregularidades não comprometeram a lisura do ajuste ou de que houve um erro formal do doador demandaria reexame do conjunto probatório, providência inviável em sede extraordinária, a teor da Súmula 24/TSE. 5. Inaplicáveis os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, pois se trata de falha que comprometeu a transparência do ajuste contábil. Precedentes. 6. Descabe conhecer de matéria alusiva ao desrespeito aos princípios da isonomia e legalidade (art. 5º, caput e II, da CF/88), porquanto cuida-se de indevida inovação de tese em sede de agravo regimental. 7. Agravo regimental desprovido. (TSE – AgR-REspe n. 251-04, Relator Min. Jorge Mussi, julgado em 19.3.2019, publicado no DJE, tomo 66, de 05.4.2019, pp. 68-69) (Grifei.)

Ressalto que o candidato aponta sua declaração de bens como prova da origem dos recursos, no entanto a hipótese dos autos não versa sobre a condição financeira do candidato, e repousa sim na duvidosa origem da doação, a qual segue não identificada, de maneira que o valor de R$ 4.965,00 deve ser recolhido ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 21, § 3º, da Resolução TSE n. 23.607/19, conforme bem estabelecido na sentença.

No que se refere à omissão de gastos eleitorais, a auditoria contábil da origem identificou, mediante confronto de notas fiscais eletrônicas emitidas contra o CNPJ dos prestadores com aquelas declaradas na prestação de contas pelos candidatos, a ausência do valor de R$ 690,00, Nota Fiscal 675, de 26.10.2020, Fornecedor Piratas Confecções Ltda., CNPJ 24.476.124/0001-06, entendendo a sentença hostilizada pela inviabilidade da identificação da origem dos recursos utilizados para o respectivo pagamento.

A matéria é regulada nos arts. 14 e 32 da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 14. O uso de recursos financeiros para o pagamento de gastos eleitorais que não provenham das contas específicas de que tratam os arts. 8º e 9º implicará a desaprovação da prestação de contas do partido político ou do candidato (Lei nº 9.504/1997, art. 22, § 3º).

(...)

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU). § 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada: (…) VI - os recursos financeiros que não provenham das contas específicas de que tratam os arts. 8º e 9º desta Resolução;
 

O recurso silencia sobre o ponto.

De todo modo, identifico ter efetivamente havido a emissão da nota fiscal em tela e a omissão em declarar o gasto eleitoral, devendo aqui também ser mantida a ordem de recolhimento da quantia de R$ 690,00, valor considerado como de origem não identificada, pois a eventual quitação de dívida foi realizada com recursos que não transitaram pela conta de campanha.

Igualmente inviável é a construção de um juízo de aprovação com ressalvas.

Sublinho que a decisão do TSE, apontada nas razões recursais como pretenso paradigma, admitiu a aprovação com ressalvas em contas onde a irregularidade representa “percentual ínfimo e a falha não inviabilizou o controle das contas pela Justiça Eleitoral”, situação distinta do presente feito, pois aqui as falhas somadas alcançam o valor de R$ 5.655,00, o qual corresponde a 49,61% do total da receita de campanha, em proporção que inviabiliza a aplicação dos princípios da proporcionalidade ou da razoabilidade invocados pelo recorrente, e impõe a desaprovação das contas.

Diante do exposto, VOTO para negar provimento ao recurso.