REl - 0600431-19.2020.6.21.0057 - Voto Relator(a) - Sessão: 17/05/2022 às 14:00

VOTO

Da Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

 

Do Mérito

As contas da recorrente foram desaprovadas com a determinação do recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 1.000,00, em razão das seguintes irregularidades: a) existência de dívida de campanha não assumida pelo órgão partidário; e b) falta de documentos comprobatórios relativos às despesas eleitorais pagas com recursos do FEFC.

Passo ao exame particularizado de cada apontamento.

 

a) Existência de Dívida de Campanha Não Assumida pelo Órgão Partidário

A primeira irregularidade refere-se à existência de dívida de campanha, no valor de R$ 1.226,00, não assumida pelo órgão partidário respectivo, infringindo o art. 33, §§ 2° e 3°, da Resolução TSE n. 23.607/19.

A candidata afirma que a integralidade dos documentos que revelam a regularidade das contas foi juntada ao processo, bem como que a jurisprudência tem entendido que a falha em questão não é suficiente para o comprometimento e a reprovação das contas de campanha.

Sem razão a recorrente.

Em relação às dívidas de campanha eleitoral, dispõe o art. 33, §§ 2º e 3º, da Resolução TSE n. 23.607/19, in verbis:

Art. 33.

[…]

§ 2º Eventuais débitos de campanha não quitados até a data fixada para a apresentação da prestação de contas podem ser assumidos pelo partido político (Lei n. 9.504/97, art. 29, § 3º; e Código Civil, art. 299).

§ 3º A assunção da dívida de campanha somente é possível por decisão do órgão nacional de direção partidária, com apresentação, no ato da prestação de contas final, de:

I - acordo expressamente formalizado, no qual deverão constar a origem e o valor da obrigação assumida, os dados e a anuência da pessoa credora;

II - cronograma de pagamento e quitação que não ultrapasse o prazo fixado para a prestação de contas da eleição subsequente para o mesmo cargo;

III - indicação da fonte dos recursos que serão utilizados para a quitação do débito assumido.

[…]

 

Na hipótese, foi registrada a existência de dívidas de campanha sem que fossem acostados os documentos exigidos pelo art. 33, §§ 2º e 3º, da Resolução TSE n. 23.607/19, relativos à assunção do débito pelo partido político, circunstância suficiente à caracterização da irregularidade.

Nessa linha, destaco o seguinte julgado deste Tribunal Regional:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. CARGO DE VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. RECOLHIMENTO DE VALORES AO TESOURO NACIONAL. DESPESA COM SERVIÇOS NÃO COMPATÍVEIS COM ATIVIDADES DE CAMPANHA ELEITORAL. CONTRATO IRREGULAR. DESPESA PAGA COM CHEQUE NÃO CRUZADO. SAQUE EM “BOCA DO CAIXA”. DÍVIDAS DE CAMPANHA. NÃO APRESENTADOS DOCUMENTOS OBRIGATÓRIOS. INVIABILIDADE DA APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. PROVIMENTO NEGADO.

(…).

4. Ocorrência de dívidas de campanha oriundas do não pagamento de despesas contraídas. Uma vez não acostados os documentos exigidos pelo art. 33, §§ 2º e 3º, da Resolução TSE n. 23.607/19, relativos à assunção do débito pelo partido, a irregularidade deva ser mantida. Nesse sentido, jurisprudência do TSE. Alegação de que o procedimento é prejudicial aos candidatos, não afasta a incidência da norma.

5. As irregularidades representam 27,58% do total das receitas declaradas, circunstância que torna inviável a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para aprovar as contas com ressalvas. Manutenção da sentença.

6. Provimento negado.

(Recurso Eleitoral n. 600619-83, ACÓRDÃO de 09.11.2021, Relator: DES. FEDERAL LUIS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico-PJE ) Grifei.

 

No mesmo sentido, colho recente acórdão do TSE:

 

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. PREFEITO. DESAPROVAÇÃO NA ORIGEM. FALHAS GRAVES. COMPROMETIMENTO DA REGULARIDADE E CONFIABILIDADE DAS CONTAS. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 26/TSE. MANUTENÇÃO DA DECISÃO VERGASTADA. AGRAVO DESPROVIDO.

1. O princípio da dialeticidade impõe ao agravante o ônus de impugnar os fundamentos da decisão agravada, sob pena de vê–los mantidos. Incidência da Súmula nº 26/TSE.

2. Na espécie, o agravante deixou de rebater os fundamentos da decisão da Presidência do TRE/MG de que (i) a adoção de entendimento contrário aos interesses da parte não autoriza o reconhecimento de omissão na decisão; (ii) a desaprovação das contas decorreu também de outras irregularidades, e não somente da omissão de despesas; (iii) faltaram documentos para comprovar a regular assunção de dívida pelo partido e, (iv) ainda que assim não fosse, [...] a declaração das despesas no Termo de Assunção de Dívida não elide a exigência de que referidos gastos sejam declarados no momento próprio (ID 139883188, p. 14–15).

3. Agravo regimental a que se nega provimento.

(Agravo de Instrumento nº 47656, Acórdão, Relator: MIN. EDSON FACHIN, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 161, Data 31.8.2021.) Grifei.

 

Diversamente do sustentado no recurso, a adoção do procedimento simplificado de apresentação e análise das contas não dispensa o oferecimento dos documentos e comprovantes requeridos pelo Juízo Eleitoral, especialmente diante da constatação de débitos de campanha não quitados, de modo a permitir a fiscalização integral da movimentação financeira, consoante prevê o art. 64, § 3º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Além disso, a falha foi apontada em relatório preliminar (ID 44934760) e confirmada no parecer conclusivo (ID 44934767), sempre intimando-se a prestadora para manifestação (IDs 44934764 e 44934771), sem que aportasse aos autos esclarecimentos ou comprovação para o saneamento da irregularidade.

Assim, deve ser mantida a bem-lançada sentença em relação ao ponto.

 

b) Ausência de Documentos Comprobatórios Relativos às Despesas Eleitorais Pagas com Recursos do FEFC

Em prosseguimento, o órgão de análise técnica apurou, a partir dos extratos bancários, o débito de R$ 1.000,00, em recursos oriundos do FEFC, destinado à Gráfica Universitária Ltda., sem a apresentação de documento fiscal ou qualquer espécie de comprovação do gasto.

Solicitada a especificação e comprovação das despesas em primeira instância, a recorrente deixou transcorrer o prazo in albis (IDs 44934764 e 44934765).

Novamente, a adoção do procedimento simplificado de apresentação das contas não dispensa o registro de toda as receitas e despesas eleitorais, na forma prescrita pelos arts. 64, § 1º, e 65, inc. IV, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 64. A prestação de contas simplificada será composta exclusivamente pelas informações prestadas diretamente no SPCE e pelos documentos descritos nas alíneas "a", "b", "d" e "f" do inciso II do art. 53.

§ 1º A adoção da prestação de contas simplificada não dispensa sua apresentação por meio do SPCE, disponibilizado na página da Justiça Eleitoral na internet.

[…].

 

Art. 65. A análise técnica da prestação de contas simplificada será realizada de forma informatizada, com o objetivo de detectar:

I - recebimento direto ou indireto de fontes vedadas;

II - recebimento de recursos de origem não identificada;

III - extrapolação de limite de gastos;

IV - omissão de receitas e gastos eleitorais;

V - não identificação de doadores originários, nas doações recebidas de outros prestadores de contas.

(Grifei.)

 

Da mesma forma, os documentos contábeis devidos nas contas simplificadas não se restringem àqueles descritos nas als. "a", "b", "d" e "f" do inc. II do art. 53 da citada Resolução, pois havendo o recebimento de valores de origem pública, reclama-se, além da anotação contábil, a demonstração escorreita da destinação da verba mediante comprovação idônea, nos termos do art. 64, § 5º, da citada Resolução:

Art. 64.

[…].

§ 5º Na hipótese de utilização de recursos provenientes do Fundo Partidário e/ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), além das informações transmitidas pelo SPCE, na forma do caput, o prestador de contas deverá apresentar os respectivos comprovantes dos recursos utilizados, na forma do disposto no § 1º do art. 53 desta Resolução.

 

In casu, a sonegação de dados e documentos essenciais inviabilizou o sistema instituído pela Justiça Eleitoral para conferir controle, transparência e publicidade às receitas e aos gastos de campanha.

Portanto, estão caracterizadas as irregularidades na comprovação dos gastos realizados com recursos do FEFC, na quantia de R$ 1.000,00, a qual deve ser restituída ao Tesouro Nacional, por ausência de comprovação segura de sua utilização regular, nos termos do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Do Julgamento das Contas

No caso concreto, portanto, impõe-se a confirmação das irregularidades verificadas, no somatório de R$ 2.226,00, que representa mais de 100% das receitas declaradas pela candidata (R$ 1.960,55), inviabilizando a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para aprovar com ressalvas as contas, tendo em vista o comprometimento ao controle e à fiscalização dos recursos utilizados na campanha.

 

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo desprovimento do recurso, mantendo a sentença que desaprovou as contas de Lisandra Pinheiro da Rocha, relativas ao pleito de 2020, e determinou o recolhimento do valor de R$ 1.000,00 (mil reais) ao Tesouro Nacional.