REl - 0600658-54.2020.6.21.0042 - Voto Relator(a) - Sessão: 16/05/2022 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas.

 

1. Admissibilidade Recursal

O recurso interposto é regular, adequado e tempestivo, comportando conhecimento.

 

2. Não conhecimento das petições e dos documentos protocolados após o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral

Recorrente e recorridos juntaram petições e documentos em momento processual inoportuno, inclusive após a emissão de parecer pelo douto Procurador regional Eleitoral.

Da análise de tais documentos é possível inferir que em nada contribuem para o deslinde do feito, razão pela qual deixo de conhecê-los, mantendo-os no processo apenas para o fim de eventual irresignação quanto a esta decisão eventualmente dirigida à instância superior.

Portanto, deixo de conhecer das petições IDs 44900742, 44933118 e 44936715, bem como dos documentos que as acompanham.

 

3. Preliminar de incompetência da Justiça Eleitoral e inépcia da inicial suscitada em contrarrazões pelo demandado Osmar Terra

Em contrarrazões, o demandado Osmar Terra suscita preliminar de incompetência da Justiça Eleitoral em virtude de prerrogativa de foro, bem como inépcia da inicial em razão do pedido de cassação dos direitos políticos.

No que diz respeito à alegada prerrogativa de foro, é de conhecimento notório que o art. 102, inc. I, al. “b”, da Constituição Federal estabelece a competência do Supremo Tribunal Federal para processar e julgar, originariamente, nas infrações penais comuns, os membros do Congresso Nacional.

Por consequência, visto que o presente feito não abarca o julgamento de infrações de natureza penal, a este não se aplica o referido dispositivo constitucional, razão pela qual rejeito a preliminar de incompetência da Justiça Eleitoral.

No que diz respeito à inépcia da inicial, por ter requerido a cassação dos direitos políticos do demandado, de igual modo não lhe assiste razão. Isso porque, como bem consignado pelo douto Procurador Regional Eleitoral, "o aludido pedido deve ser interpretado com base nos fundamentos jurídicos da AIJE, portanto a cassação dos direitos políticos referida na inicial diz, em verdade, com a sanção de inelegibilidade prevista no art. 22, inc. XIV, da LC 64/90, com isso não incorrendo em violação ao art. 15 da Constituição Federal. Ademais, nos termos da Súmula 62 do TSE, os limites do pedido são demarcados pelos fatos imputados na inicial".

Desse modo, rejeito a matéria prefacial e passo ao exame do mérito.

 

4. Mérito

Os fatos versam sobre a suposta prática de abuso do poder econômico, abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação social pelos demandados, ora recorridos, que teriam orquestrado a ida, em 11.11.2020 (quatro dias antes do primeiro turno das eleições municipais de 2020), do empresário Luciano Hang, proprietário das Lojas Havan, a Santa Rosa, sob o pretexto de anunciar a futura instalação de uma unidade daquela rede varejista no município.

Segundo alega a recorrente, no referido evento, do qual participaram o Prefeito Alcides Vicini, o Deputado Federal Osmar Terra, os candidatos a prefeito e vice-prefeito, Anderson Mantei e Aldemir Ulrich, e o empresário Luciano Hang, teria ocorrido a prática de campanha eleitoral em favor do candidato da situação Anderson Mantei e contra o candidato adversário na disputa ao cargo de prefeito, pertencente ao Partido dos Trabalhadores.

Também de acordo com a recorrente, a programação de Hang naquele município teria sido transmitida ao vivo por meio do Portal Plural, importante grupo de comunicação daquela localidade.

Outrossim, os discursos de Hang teriam sido transmitidos por lives veiculadas nas redes sociais do candidato a prefeito Mantei e do então chefe do Executivo Municipal Alcides Vicini, sendo atribuída especial atenção ao fato de que o empresário condicionava a sua decisão de se instalar na cidade à opção que os eleitores fariam na eleição.

Em suas falas, Hang tecia claramente suas convicções contrárias ao Partido dos Trabalhadores (PT), sugerindo que os eleitores não votassem nos candidatos daquela agremiação.

Como exemplo, trago excertos dos discursos colacionados na inicial (ID 43568283) e replicados no parecer do Procurador Regional Eleitoral (ID 44896684):

Luciano uma pergunta aqui, qual a previsão de conclusão da loja?

Olha, nós vamos entregar aí o projeto para a Prefeitura né, depende aí do prefeito, nós temos obras em andamento nesse momento, hoje no Brasil, a Havan tem quinze lojas em andamento, ela deu prioridade para aqueles prefeitos, aqueles municípios, que eu, eu não tô pedindo nada de graça, nada, não peço nada que todo mundo ganha, nada, não quero terreno, não quero nada, nós viemos aqui é menos burocracia, aliás, o PT e a esquerda são campeões de burocracia né (…)” (ID 43568633, minuto 2:49 em diante e ID 43568483, fl. 4 em diante)

 

(…) a cueca deles é vermelha, pode puxar, são vagabundos, aliás, destruíram o nosso país né, destruíram, petralão, mensalão, é isso, quebraram a petrobrás, quebraram os correios, os fundos de pensões, maior crise financeira que o Brasil já viu, a crise econômica de 2015, povo de Santa Rosa, não tenham memória curta, não tenham memória curta, pensem na sua família, no futuro das gerações, o Mantei aqui está na frente da pesquisa, peço o voto útil, voto útil, o que é voto útil Luciano? Voto útil é votar em quem está em primeiro, que vai vencer a esquerda no seu município, pra essa, pra essa desgraça não voltar, você acha como eu empresário estaria aqui hoje, investindo no município se eu não acreditasse no prefeito, na prefeitura e no nosso país? O empresário, quando não investe, o empresário, o emprego precisa de uma empresa, e uma empresa precisa de um empresário, o pessoal da esquerda odeia o empresário, odeia quem trabalha, porque eles querem todo mundo na miséria, para eles estarem no poder, tomar o dinheiro da sociedade, e dar uma bolsa miséria para esse pessoal viver, e quando eles estão dando essa bolsa miséria, e eles tocam o terror na sociedade, eles mantêm o cidadão preso, eu quero liberdade do cidadão, por isso que eu estou aqui em Santa Rosa, pedindo para você, no dia quinze, vote no onze, vote no onze, vamos vencer essa esquerda, o povo daqui é trabalhador, o povo daqui é inteligente, sabe que a esquerda voltando para o município é um atraso para a cidade e para o Rio Grande do Sul (...) (ID 43568683, fls. 8-7, e vídeo contido na URL https://www.facebook.com/watch/live/? ref=watch_permalink&v=3627701067291312, 4:25 a 6:23)

 

[pessoas gritando após pose para foto com o empresário] É onze!

[Luciano] Senhores, está confirmado a nova Havan em Santa Rosa

[voz] Quinhentas pessoas te assistindo agora Anderson

[Luciano] Quanto?

[Mantei] Quinhentas pessoas nos assistindo ao vivo

[voz] Meio dia

[Luciano] Vamo lá, vamo lá falar com esse pessoal que tá ao vivo aí

[Mantei] Muito obrigado Luciano por acreditar em Santa Rosa, por estar em Santa Rosa, confirmando esta nova loja da Havan, este grande investimento, nesta área aqui que você considerou muito boa para a sua loja, teremos a região vindo aqui, teremos argentinos vindo pra cá em Santa Rosa, e isso é empregos, renda, desenvolvimento e dignidade para os trabalhadores. Então Luciano, vamos juntos, construir uma Santa Rosa ainda melhor.

[Luciano] Olha, muito obrigado, Mantei, né, temos que manter o Mantei na prefeitura, parabéns para o prefeito que por cinco gestões teve aqui, tem aqui o ex-prefeito, Osmar Terra, meu amigo, lutamos juntos nessa trincheira, contra esse negócio do fique em casa, fique em casa é pra malandro, é, nós temos vinte mil funcionário, as pessoas de risco estão em casa, as pessoas de risco estão em casa, agora, o resta tá trabalhando, então porque eu, os meus caixas, tá todo mundo trabalhando, e tem gente que é eu sou do fique em casa, imagina dez meses parado. A Argentina ficou em casa, tá morrendo, por mil habitantes, mais do que no Brasil

[Osmar Terra] País que mais aumenta a mortalidade no mundo, mais ou menos

[Luciano] Então seguinte, nós somos do trabalho, da ordem, da família e do progresso. Estou hoje aqui com muita satisfação, amanhã vou inaugurar a nossa loja lá em Guaíba, né, fiz questão de passar aqui, passei em Bagé, estou indo agora para Porto Alegre e vou pra Guaíba. Parabéns prefeito que esteve lá comigo, me chamando pra cá, Osmar Terra, então dia 15, domingo, pense na sua família, nas próximas gerações, voto útil, aquele que tem dois três por cento, cinco por cento, não vai ganhar, não vai ganhar, e você corre o risco, corre o risco de o PT voltar, né, não sei se você viu, eu soltei um vídeo no final agora no dia 11, agora lá na segunda-feira, fazem trinta anos que derrubou o muro de Berlim, trinta e um anos, né. Quando caiu o muro de Berlim, o pessoal foi pro lado comunista ou o lado capitalista? Olha o vídeo que eu soltei na segunda-feira. Então assim, ninguém quer voltar atrás, ninguém que teve uma gestão dos vermelhos, não tem uma má impressão, não tem pesadelos, pesadelos, então não esqueçam o que aconteceu no nosso país, dia quinze vote no Mantei, tá, e aí a Havan tá aqui nos próximos meses, tenho certeza disso, porque ainda corre o risco desses vermelhos voltar e desfazer tudo do que vocês fizeram, que vocês foram atrás das pessoas para investir, atrás dos empreendedores, eles não gostam, eles vão lá e arriscam tudo. Porto Alegre eu fiquei três anos e não consegui aprovar o projeto, fui embora, e nunca mais voltei.

[Vicini] Quem era o prefeito lá?

[Luciano] Era o governador bigodudo lá, Olívio Dutra, e Raul Pont.

(22:29 a 26:17 da URL https://www.facebook.com/mantei.anderson/videos/36277010672913 12)

 

Assim, no entender da recorrente, houve abuso quando, utilizando-se do poder econômico de Hang, os denunciados propagandearam benesses aos eleitores condicionadas ao resultado das eleições municipais.

Desse modo, o abuso estaria caracterizado pela junção do nome de Hang e da empresa Havan, bem como de seus recursos econômicos, com a figura do candidato a prefeito Anderson Mantei, durante um ato de campanha, condicionando a instalação de uma unidade daquela varejista no município à vitória da chapa majoritária deste.

Por fim, os recorrentes ainda entendem ter havido a realização de um showmício na data do fato, que teria sido promovido pelos investigados, quando da chegada de Luciano Hang em Santa Rosa, com apresentação musical do artista Carlos Magrão.

Pois bem.

O abuso de poder encontra-se normatizado no art. 22, caput e incs. XIV e XVI, da LC n. 64/90:

Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito:

(...)

XIV – julgada procedente a representação, ainda que após a proclamação dos eleitos, o Tribunal declarará a inelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído para a prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos 8 (oito) anos subsequentes à eleição em que se verificou, além da cassação do registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado pela interferência do poder econômico ou pelo desvio ou abuso do poder de autoridade ou dos meios de comunicação, determinando a remessa dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de processo disciplinar, se for o caso, e de ação penal, ordenando quaisquer outras providências que a espécie comportar; (Redação dada pela Lei Complementar n. 135, de 2010)

(...)

XVI – para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam. (Incluído pela Lei Complementar n. 135, de 2010)

 

Na lição de José Jairo Gomes (Direito Eleitoral Essencial, São Paulo: Editora Método, 2018, pp. 228-229):

Haverá abuso sempre que, em um contexto amplo, o poder – não importa sua origem ou natureza – for manejado com vistas à concretização de ações irrazoáveis, anormais, inusitadas ou mesmo injustificáveis diante das circunstâncias que se apresentarem e, sobretudo, ante os princípios e valores agasalhados no ordenamento jurídico. Por conta do abuso, ultrapassa-se o padrão normal de comportamento, realizando-se condutas que não guardam relação lógica com o que normalmente ocorreria ou se esperaria que ocorresse. A análise da razoabilidade da conduta e a ponderação de seus motivos e finalidades oferecem importantes vetores para a apreciação e o julgamento do evento; razoável, com efeito, é o que está em consonância com a razão.

(...)

No Direito Eleitoral, o abuso de poder consiste no mau uso de direito, situação ou posição jurídicas com vistas a exercer indevida e ilegítima influência em dada eleição. Para caracterizá-lo, fundamental é a presença de uma conduta em desconformidade com o Direito (que não se limita à lei), podendo ou não haver desnaturamento dos institutos jurídicos envolvidos. No mais das vezes, há a realização de ações ilícitas ou anormais, denotando mau uso de uma situação ou posição jurídicas ou mau uso de bens e recursos detidos pelo agente ou beneficiário ou a eles disponibilizados, isso sempre com o objetivo de influir indevidamente em determinado pleito eleitoral.

 

As práticas abusivas, nas suas diferentes modalidades, não demandam prova da sua interferência no resultado da votação, mas, tão somente, da gravidade das condutas para afetar o equilíbrio entre os candidatos e, com isso, causar mácula à normalidade e à legitimidade da disputa eleitoral (TSE, AIJE n. 060177905, Acórdão, Relator Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, DJE de 11.3.2021), valores tutelados pelo art. 14, § 9º, da Constituição Federal:

Art. 14. (...)

(...)

§9º. Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta.

 

O abuso de poder político ocorre nas situações em que o detentor do poder utiliza sua posição para agir de modo a influenciar o eleitor, em detrimento da liberdade de voto. Caracteriza-se dessa forma como ato de autoridade exercido em detrimento do voto.

Quanto ao tema, trago os ensinamentos de Rodrigo López Zilio (Direito Eleitoral – 5ª ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016. Páginas 558-559):

(…) Abuso de poder de autoridade é todo ato emanado de pessoa que exerce cargo, emprego ou função que excede aos limites da legalidade ou de competência. O ato de abuso de poder de autoridade pressupõe o exercício de parcela de poder, não podendo se cogitar da incidência desta espécie de abuso quando o ato é praticado por pessoa desvinculada da administração pública (lato sensu). O exemplo mais evidenciado de abuso de poder de autoridade se encontra nas condutas vedadas previstas nos artigos 73 a 77 da LE. Enquanto o abuso de poder de autoridade pressupõe a vinculação do agente do ilícito com a administração pública mediante investidura em cargo, emprego ou função pública, o abuso de poder político se caracteriza pela vinculação do agente do ilícito mediante mandato eletivo. (Grifei.)

 

No que respeita especificamente ao abuso de poder econômico, é necessário que a conduta abusiva tenha em vista processo eleitoral futuro ou em curso, concretizando ações ilícitas ou anormais, das quais se denote o uso de recursos patrimoniais detidos, controlados ou disponibilizados ao agente, que extrapolem ou exorbitem, no contexto em que se verificam, a razoabilidade e a normalidade no exercício de direitos e o emprego de recursos, com o propósito de beneficiar determinada candidatura, provocando a quebra da igualdade de forças que deve preponderar no âmbito da disputa eleitoral.

Segundo Zilio (Direito Eleitoral – 5ª ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016. Páginas 557-558):

Caracteriza-se o abuso de poder econômico, na esfera eleitoral, quando o uso de parcela do poder financeiro é utilizada indevidamente, com o intuito de obter vantagem, ainda que indireta ou reflexa, na disputa do pleito. Pode-se configurar o abuso de poder econômico, exemplificativamente, no caso de descumprimento das normas que disciplinam as regras de arrecadação e prestação de contas na campanha eleitoral (v.g., arts. 18 a 25 da LE).

 

São institutos abertos, não sendo definidos por condutas taxativas, mas pela sua finalidade de impedir práticas e comportamentos que extrapolem o exercício regular e legítimo da capacidade econômica e de posições públicas dos candidatos, capazes de causar indevido desequilíbrio ao pleito.

A quebra da normalidade do pleito está vinculada à gravidade da conduta capaz de alterar a simples normalidade das campanhas, sem a necessidade da demonstração de que sem a prática abusiva o resultado das urnas seria diferente.

Por sua vez, a utilização indevida dos meios de comunicação social ocorre quando um veículo de comunicação social deixa de observar a legislação e tal ato resulta em benefício eleitoral a candidato, partido ou coligação.

Trago novamente a doutrina de Rodrigo López Zilio a respeito do tema (Direito Eleitoral – 5ª ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2016. Página 559):

A utilização indevida dos meios de comunicação social ocorre sempre que um veículo de comunicação social (v.g., rádio, jornal, televisão) não observar a legislação de regência, causando benefício eleitoral a determinado candidato, partido ou coligação. É inegável, e cada vez maior, a influência dos meios comunicação de massa na sociedade atual, cuja característica principal é a imediatidade da circulação de informação. FÁVILA RIBEIRO, após aduzir que os meios de comunicação devem ser tratados como poder social, sendo passíveis de controle, assevera que “as comunicações não tem sido compativelmente tratadas pela condição de poder que adquiriram no contexto da sociedade de massas, com a concentração de uma potencialidade informativa a se propagar com inusitada velocidade a pontos mais remotos”, concluindo que “no momento em que se afirma como poder, [o meio de comunicação] fica afetado pela tendência congênita a abuso, não que programe desencadear o mal, mas em proteger desregradamente os seus afeiçoados, abalando a regra igualitarista no âmbito do processo eleitoral” (Abuso..., pp. 45/48). O uso indevido dos meios de comunicação social pode ocorrer através da participação ativa ou da anuência do veículo de comunicação social no ilícito praticado (v.g., o jornal é transformado em um sistemático agente de propaganda eleitoral de determinado candidato), bem como por meio da utilização desse meio de comunicação social sem o seu conhecimento ou anuência para o cometimento do ilícito (v.g., o jornal é ardilosamente utilizado, sem o seu conhecimento, como meio de propaganda eleitoral para determinada candidatura).

Com essa contextualização normativa e jurisprudencial, passo ao exame da moldura fático-probatória.

 

4.1. Do suposto abuso de poder econômico pretensamente exercido pelo demandado Luciano Hang, proprietário da empresa Havan

Inicialmente, tal como bem pontuado pelo douto Procurador regional Eleitoral (ID 44896684 – fl. 16), cabe afastar a alegada realização de showmício com cantor de música gauchesca, visto que:

“ainda que se pudesse presumir verdadeira a afirmação de realização de um evento musical na chegada do empresário, diante da ausência de impugnação específica nas contestações, desse fato não é possível se depreender a realização de um showmício, pois os elementos trazidos aos autos permitem evidenciar que o evento com a presença do empresário contou com pouquíssimos presentes (cerca de vinte ou trinta pessoas conforme reunião para retirada de fotografia no vídeo disponível na URL https://www.facebook.com/watch/live/?ref=watch_permalink&v=3627701067291312). O ato, se havido, mais se assemelha à animação musical para chegada do empresário, do que um showmício em prol de dado candidato.”

 

Desse modo, infere-se que o referido evento foi de diminuta expressão e frequência, não podendo ser caracterizado como showmício e, sobretudo, não ostentando gravidade apta a ensejar abuso do poder econômico.

Quanto às demais condutas, de igual modo não vejo razão para alterar a bem-lançada sentença de primeiro grau que, na esteira do parecer do Ministério Publico Eleitoral atuante em Santa Rosa, entendeu por julgar improcedente a presente ação.

Do cotejo da narrativa trazida na inicial diante do conjunto probatório reunido aos autos, não é possível concluir pela prática de qualquer conduta eleitoralmente abusiva ou ilegal com gravidade suficiente para macular a regularidade do pleito e o equilíbrio da disputa eleitoral.

Isso porque, ao analisar os vídeos trazidos na exordial, não verifiquei qualquer conduta que pudesse ser enquadrada como de elevada reprovabilidade e que demonstrasse o uso indevido de recursos financeiros a fim de alavancar a candidatura dos recorridos à chefia do Poder Executivo do Município de Santa Rosa.

Não desconheço que os vídeos contidos nos autos demonstram de forma inequívoca a posição política do recorrido Luciano Hang, inclusive com crítica mordaz e direta ao Partido dos Trabalhadores e às ideologias de esquerda.

Contudo, não se pode concluir que tal discurso ostente gravidade suficiente a configurar abuso de poder econômico a fim de ver desconstituído o mandato eletivo concedido aos demandados.

É de conhecimento público e notório que o empresário Luciano Hang, proprietário das Lojas Havan, uma rede varejista com mais de cem unidades de grande porte, tem posições políticas liberais vinculadas à extrema-direita. São diversas suas publicações nas redes sociais nesse sentido, sendo personagem conhecido e propagado nos noticiários nacionais, sempre criticando negativamente as ideologias e partidos de esquerda, dentre eles o Partido dos Trabalhadores.

Homem de marketing, conhecido como “véio da Havan” (apelido criado e popularizado nas redes sociais), suas aparições são sempre extremamente chamativas. Há algum tempo passou a utilizar um terno verde bandeira, acompanhado de camisa branca e gravata amarela, cores da bandeira nacional adotadas pela atual política de direita e que simbolizam o nacionalismo com o qual busca se identificar e, consequentemente, ser reconhecido pela população.

Em breve pesquisa no Google, acessível a qualquer pessoa, é possível verificar que o nome Luciano Hang está atrelado a figuras nacionais de direita como o Presidente Bolsonaro, do qual é leal apoiador. E com a mesma facilidade é possível extrair incontáveis manifestações críticas aos partidos de esquerda, ao comunismo, socialismo, cor vermelha e a tudo que possa se relacionar a ideologias de esquerda.

Na mesma pesquisa é possível notar que suas viagens pelo país, promovendo e inaugurando suas lojas e propagando novos investimentos, são sempre cercadas de manifestações políticas, não sendo uma novidade tais acontecimentos.

“Em 2018, vendo a necessidade de contribuir ainda mais com o Brasil, decidi me tornar um ativista político. Desde então, uso a minha imagem para levar mensagens sobre a realidade brasileira, empreendedorismo e motivação.” É assim que o empresário se descreve no seu perfil do Linkedin.

Pouco conhecido até 2018, a partir de então começou a tornar-se popular em face da polarização política enfrentada nas eleições presidenciais daquele ano. Sempre com críticas ácidas ao Partido dos Trabalhadores e a seus representantes, como a figura de maior destaque daquela agremiação, o ex-Presidente Lula.

Portanto, suas manifestações não consistem em novidade. Diria até que são previsíveis.

E, nesse cenário, não foi diferente em Santa Rosa, no dia 11.11.2020. Tratou-se de uma visita à cidade com vistas a divulgar as futuras instalações de uma unidade da Havan naquela localidade, cujas tratativas remontam ao ano de 2018. O discurso obviamente foi o mesmo. Exaltou os políticos de direita e criticou negativamente os de esquerda. Nada diferente do que faz todos os dias. E, principalmente, conduta não vedada pelo ordenamento jurídico, pois amparada inequivocamente pelo direito fundamental de liberdade de expressão, o qual possibilita ao indivíduo externar sua opinião de maneira ampla nos moldes da Constituição.

Desse modo, apesar de duras, ácidas, enérgicas, as críticas lançadas ao partido opositor do candidato e Prefeito eleito Anderson Mantei, assim como benévolas e generosas as palavras de apoio dirigidas a este, tais palavras não podem ser compreendidas como um ato de coação por meio do qual eleitores se veriam forçados a votar no candidato exaltado pelo empresário.

E nesse sentido, peço vênia para transcrever excerto do parecer do ilustre Promotor Eleitoral de Santa Rosa que, atuando junto aos fatos, opinou pela improcedência da ação (ID 43575133):

“(…) Ainda que se raciocinasse no sentido de concluir que a instalação da HAVAN, por HANG, teria sido supostamente condicionada a uma vitória do candidato MANTEI tal, por si só, não autoriza presumir a prática de coação ou abuso de poder econômico. Ninguém é obrigado a votar no candidato MANTEI, ou coagido, apenas porque assistiu a manifestações, por opção própria, via internet, de LUCIANO HANG. Ora, assim como o empresário é apreciado em certos meios, é odiado em outros, porquanto é polêmico, midiático ao extremo, exótico, gerando no povo sentimentos ambíguos. A visita do empresário Hang à Santa Rosa não se revestiu de peso suficiente para desequilibrar o pleito eleitoral, muito embora a logística que exista em torno dele (uso de avião particular, comitiva, transmissão ao vivo do evento etc.), pois se trata apenas de um empresário com um jeito peculiar, extravagante, de difundir suas ideias, mas isto não significa necessariamente que o povo de Santa Rosa vá se influenciar, facilmente, por essa forma de proceder, ou mesmo se sentir coagido a votar no candidato MANTEI.(...)”

 

E não foi diferente o entendimento da magistrada de primeiro grau, a qual de igual modo compreendeu pela inexistência de potencialidade para as declarações de Hang interferirem na normalidade do pleito.

Transcrevo trecho da bem lançada sentença (ID 43575233):

“Do conjunto probatório extrai-se que as manifestações de Luciano Hang não tiveram potencialidade para interferir na normalidade do pleito. Em que pese a sua vinda a Santa Rosa, com avião particular, de uma forma a impressionar, demonstrar poderio econômico, poucos dias antes do pleito, o empresário já era conhecido, de longa data, pelos discursos de retaliações a partidos e candidatos de esquerda, mormente o Partido dos Trabalhadores. Isso não era novidade pra ninguém no país inteiro, de modo que não é possível afirmar que tivesse influenciado decisivamente, de forma grave, no livre exercício de voto dos eleitores de Santa Rosa.

Não obstante isso, a fala do empresário não passou de mero exercício da garantia constitucional de livre manifestação de pensamento, a todos assegurada.

Por outro lado, não é possível extrair do contexto probatório que Luciano Hang estivesse coagindo os eleitores a votarem em Mantei e Aldemir, sob pena de não instalar a loja no município, como quis fazer crer a parte autora. O discurso do empresário, neste aspecto, não revela efetiva ocorrência da grave e abusiva prática de coação eleitoral que lhe foi imputada.

Ainda, a transmissão da manifestação de Luciano Hang pela internet, através do Portal Plural, apenas explorou o assunto divulgando a visita do empresário e a intenção de construir uma loja no município, bem como a manifestação de apoio político do empresário aos candidatos Mantei e Aldemir, o que não encontra óbice, como referido anteriormente.

Importante rememorar que a legislação eleitoral resguarda a qualquer eleitor a manifestação espontânea em benefício de seu candidato realizada na internet de forma gratuita, vedando apenas o anonimato e a divulgação de mensagens com ofensa à honra de terceiros ou de fatos sabidamente inverídicos.”

 

Para que se confirme o abuso de poder econômico, é imperioso que se tenha atos caracterizados com o uso portentoso, excessivo, vultoso de recursos a fim de exercer uma indevida influência a favor de determinado candidato, o que indubitavelmente não ocorreu no caso concreto.

Ademais, tal abuso deve ostentar patamar de gravidade elevada, expressão de conceito aberto que se aproxima dos postulados da proibição do excesso, proporcionalidade e razoabilidade, cabendo destacar que “a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral é firme no sentido de que, para afastar determinado mandato eletivo obtido nas urnas, compete à Justiça Eleitoral, com base na compreensão da reserva legal proporcional e com fundamento em provas robustas, verificar a existência de grave abuso de poder, suficiente para ensejar as rigorosas sanções de inelegibilidade e de cassação do registro, do diploma ou do mandato”. (TSE. Ação de Investigação Judicial Eleitoral n. 060196795, Relator Min. Jorge Mussi, DJE 26.9.2019.).

Na mesma linha, transcrevo julgados do Egrégio Tribunal Superior Eleitoral:

ELEIÇÕES 2018. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ORDINÁRIO. ABUSO DO PODER ECONÔMICO. AUSÊNCIA DE CARACTERIZAÇÃO. NEGADO PROVIMENTO.

1. Esta Corte assentou que o advento do art. 932, IV, do CPC/2015 não retirou a possibilidade de se negar seguimento monocraticamente ao apelo (AgR-RO nº 0600002- 04/PR, da relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão, julgado na sessão, ocorrida por meio eletrônico, de 25.9.2020 a 1º.10.2020.).

2. Hipótese em que é incontroverso, nos autos do processo eletrônico, que, em 17.9.2018, na Igreja do Evangelho Quadrangular Tabernáculo dos Milagres, localizada no bairro Marabaixo IV, em Macapá, durante evento em comemoração ao aniversário do referido templo religioso, o pastor Ronaldo de Azevedo Junior – no altar, diante da candidata Edna Auzier e de seu esposo – proferiu o seguinte pronunciamento (ID 7909888): [...] A nós, como cristãos, nós temos que votar com ideologia. Amém! Alguém que vai defender os nossos conceitos cristãos (...) e aqui está homens e mulheres de Deus pra isso, amém?! Então eu quero orar por eles agora, né?! Quero estar orando pela vida deles [sic] [...]. Igualmente, é incontroverso que a primeira agravada se manifestou nos seguintes termos (ID 7909888): Não tem nada mais importante do que a família! Não tem nada mais importante do que servir a Deus! E hoje e venho aqui com muita alegria desejar a paz do Senhor a todos [sic]!.

3. A aplicação das sanções previstas no art. 22 da LC n. 64/90 exige seja aferida a gravidade da conduta reputada ilegal, levando em consideração se, ante as circunstâncias do caso concreto, os fatos apurados são suficientes para gerar desequilíbrio na disputa eleitoral ou evidente prejuízo potencial à lisura do pleito. Precedente.

4. Os fatos apurados não são suficientes para desequilibrar a disputa eleitoral ou gerar evidente prejuízo potencial à lisura do pleito, de modo que meras presunções a respeito do proveito eleitoral não se prestam a caracterizar o abuso do poder econômico, conforme o entendimento desta Corte. Precedente.

5. Os argumentos deduzidos nas razões do agravo interno não se mostram suficientes para afastar a conclusão da decisão agravada, devendo, portanto, ser negado provimento àquele. 6. Agravo interno ao qual se nega provimento.

(AgR-RO nº 0601537-62/AP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 12.11.2020.) (Grifei.)

 

Por consequência, inocorrente, na espécie, prática de abuso de poder econômico a ensejar a responsabilização dos demandados, ora recorridos, Luciano Hang, Anderson Mantei e Alcides Vini.

Do mesmo modo, entendo inexistente a responsabilidade de Osmar Terra pela suposta prática de abuso de poder econômico. Outrossim, ressalto que inexiste qualquer prova nos autos de que o Deputado Terra tenha responsabilidade pela divulgação nas mídias sociais dos atos supostamente abusivos. Ademais, durante as “lives” Terra manteve conduta passiva, limitando-se a ouvir as falas de Luciano Hang, sem tecer qualquer comentário.

Somado a isso, cabe transcrever a percuciente análise do douto Procurador Regional Eleitoral (ID 44896684 – fl. 27) ao afastar a responsabilidade de Osmar Terra na suposta prática de abuso de poder econômico. Vejamos:

Outrossim, não há qualquer prova de que Osmar Terra tenha sido responsável por organizar a ida de Luciano Hang a Santa Rosa ou orientá-lo a respeito das afirmações que fez. Sendo que o vínculo de Osmar Terra com a instalação da Havan em Santa Rosa é esclarecido por Luciano Hang, em trecho trazido no próprio recurso, em que afirma que a escolha de Santa Rosa para a instalação da Havan decorreu de pedido de Osmar Terra.

 

Por fim, tal como também acertadamente pontuado pelo douto Procurador Regional Eleitoral, inexiste, igualmente, “responsabilidade por parte do candidato a Vice-Prefeito, Aldemir Eduardo Ulrich, vez que a própria petição inicial traz a informação de que o mesmo está sendo incluído no polo passivo diante do pedido de cassação de diploma e da indivisibilidade da chapa”.

Desse modo, não há razões para alterar a decisão de primeiro grau quanto à inocorrência da prática de abuso de poder econômico pelos demandados, devendo a sentença permanecer hígida quanto a este ponto.

 

4.2. Do suposto abuso de poder político envolvendo o investigado, então Prefeito, Alcides Vicini

Aqui, de igual modo não vejo razão para alterar o juízo de improcedência da ação quanto ao suposto abuso de poder político envolvendo o investigado, então Prefeito Alcides Vicini.

Isso porque, como consignado na sentença, Alcides Vicini estava de férias na época dos fatos.

Transcrevo o pertinente excerto da sentença (ID 43575233):

No que concerne à conduta imputada ao investigado Alcides Vicini, que era prefeito na época dos fatos, a prova colacionada aos autos, através das Atas 184/2020 e 185/2020, demonstram que estava em pleno gozo de férias do seu cargo no executivo municipal, quando acompanhou a visita e Luciano Hang e manifestou apoio político aos candidatos Mantei e Aldemir, transmitida por meio de comunicação social. Portanto, não há ilegalidade a ser aferida.

 

O caderno probatório, da mesma forma, não demonstrou que tivesse praticado ato utilizando-se da estrutura do Poder Executivo para beneficiar os candidatos que estava apoiando.

 

De toda sorte, o fato de ser autoridade por si só, não retira a liberdade de expressão, de modo que a autoridade pode externar publicamente a sua posição política, opiniões, inclusive indicando candidatos e partidos.

 

E no mesmo sentido é o parecer do douto Procurador Regional Eleitoral (ID 44896684):

Também merece julgamento de improcedência a ação em relação ao suposto abuso de poder político envolvendo o investigado, então Prefeito Alcides Vicini, vez que, como referido na sentença, se encontrava de férias na época dos fatos, devendo suas condutas serem analisadas sob o prisma da participação no abuso de poder econômico.

 

Entendo não configurada, portanto, a prática de abuso de poder político pelo demandado Alcides Vicini, Prefeito de Santa Rosa na época dos fatos.

 

4.3. Do suposto uso indevido dos meios de comunicação social

Por fim, quanto ao suposto uso indevido dos meios de comunicação social, de igual forma tenho como não configurado na hipótese dos autos.

A fim de evitar despicienda tautologia, peço vênia ao douto Procurador Regional Eleitoral para transcrever o trecho do parecer (ID 44896684), que de forma extremamente percuciente analisou o fato e as circunstâncias, acolhendo-o como minhas razões de decidir:

Nos vídeos alegadamente veiculados no Portal Brasil Plural, não há praticamente nenhuma manifestação político-eleitoral do empresário Luciano Hang. O primeiro vídeo, de 2min27seg (ID 43568733), consiste em uma mera introdução, mostrando a chegada do empresário no aeroporto e que o Prefeito de Santa Rosa, Alcides Vicini, estava lá para recebê-lo, aparecendo o candidato da situação, de costas, apenas de relance. No segundo vídeo, de 04min08seg (ID 43568683), já mais extenso, o empresário é entrevistado, falando sobre os atributos da cidade e da região, o valor que será investido na unidade de Santa Rosa, os empregos que serão gerados, bem como os benefícios trazidos pela empresa para a localidade. A única mensagem de teor eleitoral, de alguns breves segundos, consiste na frase “(…) como eu sempre falo, a Havan paga 14º salário, para não pagar o 13 (…)”, sendo de caráter meramente subliminar, isolada no contexto, e que, para ter sentido, precisa ser cotejada com os demais vídeos trazidos aos autos, os quais não foram transmitidos no referido veículo de imprensa.

 

Na ata notarial referente ao conteúdo encontrado na página do Facebook “Portal Plural News”, há, de fato, manifestações políticas do empresário, como as seguintes (ID 43568533, fl. 3): “bom dia, bom dia, prazer estar chegando aqui, saindo de bagé, eu até queria esse número onze aí, tem aí? Tem não? Vou botar o número onze aqui, pronto, na direita, numero onze, direita, direita, nós somos a direita, olha só, (risada), bota aqui número onze, ae, olha só (…) Nosso prefeito então dando boas vindas, luciano hang, osmar terra, também deputado estadual, nosso candidato a prefeito aí, Mantei, mantei, (vozes inaudíveis ao fundo) então é isso pessoal, avião da havan em Santa Rosa, Luciano Hang, está aqui, olha aí, o pessoal está falando de política, vou dar uma afastada porque a gente não pode mostrar, mas a havan está em Santa rosa, que demais (…)”.

 

Porém, como se percebe da parte final da transcrição supra, o narrador, pego de surpresa pelo caráter político das manifestações do empresário, uma vez que a cobertura se dava ao vivo, fez questão de se afastar, a fim de não mostrar tais falas, as quais, de qualquer modo, ocorreram por uns breves instantes. No mesmo sentido, ao que tudo indica, a aparição do candidato a prefeito e do seu emblema também acabaram sendo veiculados por alguns momentos.

 

Tanto é assim que, no segundo vídeo, o veículo de comunicação parece ter conversado previamente com o empresário, o qual então se abstém de mencionar falas de conteúdo político, focando-se apenas na instalação da empresa na cidade.

 

Portanto, notadamente em se tratando de um evento ao vivo, que, ao que tudo indica estava cobrindo a chegada do empresário, não se vislumbra do órgão de imprensa a intenção de utilizar indevidamente o meio de comunicação social para beneficiar determinada candidatura.

 

Isso porque, como referido, o foco da reportagem era o empresário Luciano Hang e a provável vinda da Loja Havan para o município de Santa Rosa, matéria de evidente conteúdo jornalístico e de interesse público para a comunidade como um todo. Portanto, o objetivo, claramente, não era fazer propaganda para o candidato, bem como tampouco o resultado foi a projeção massiva da sua imagem, havendo aparições de relance, ao que o narrador imediatamente se corrigiu, dizendo que não poderia mostrar por se tratar de manifestação política. O candidato e os demais políticos que recebem o empresário, por sua vez, claramente utilizam o evento para uma finalidade eleitoral (matéria que será tratada na sequência), porém não utilizam o mencionado veículo de comunicação.

 

Desse modo, a demanda deve ser julgada improcedente no tocante ao alegado uso indevido dos meios de comunicação social.

 

Registro que o cuidado com a captação das imagens corrobora essa conclusão. Isso porque no terreno visitado havia um outdoor com destaque à imagem do Presidente Jair Bolsonaro, mas na transmissão exibida no Portal Brasil Plural esse aparato publicitário praticamente não aparece. E, quando é possível visualizá-lo, a visão é parcial, de apenas um canto do painel, não sendo possível sequer ler o conteúdo no outdoor divulgado.

Portanto, também em relação a este ponto, na esteira do parecer ministerial, compreendo pela manutenção do juízo de improcedência do pretenso uso indevido dos meios de comunicação pelos demandados.

Por fim, encerro com os ensinamentos de Marcus Vinicius Furtado Coelho (A gravidade das circunstâncias no abuso de poder eleitoral. Revista Eleições & Cidadania, Teresina, ano 3, n. 3, p. 146):

“A democracia pressupõe a prevalência da vontade da maioria, com respeito aos direitos da minoria. A banalização das cassações de mandato, com a reiterada interferência do Judiciário no resultado das eleições, pode gerar uma espécie de autocracia, o governo dos escolhidos pelos Juízes e não pelo povo. O juízo de cassação de mandato por abuso de poder deve ser efetuado tão apenas quando existentes provas robustas de graves condutas atentatórias à normalidade e legitimidade do processo eleitoral e às regras eleitorais.”

Desse modo, em virtude da inexistência de prova inequívoca da gravidade dos fatos e das circunstâncias que os circundam, infere-se pela inexistência de conjunto probatório que possa conduzir à alteração da sentença de primeiro grau, devendo ser mantido o juízo de improcedência da demanda com relação às práticas de abuso de poder econômico e político, bem como de utilização indevida dos meios de comunicação social imputadas aos demandados.

 

Diante do exposto, VOTO por rejeitar a preliminar de incompetência da Justiça Eleitoral e inépcia da inicial, suscitada em contrarrazões pelo demandado Osmar Terra e, no mérito, por negar provimento ao recurso interposto pela COLIGAÇÃO UNIÃO DO POVO POR SANTA ROSA (PT / PCdoB / PDT / PL), mantendo a sentença prolatada pelo Juízo da 42ª Zona Eleitoral de Santa Rosa, que julgou improcedente a Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE) movida em face de ANDERSON MANTEI, ALDEMIR ULRICH, ALCIDES VICINI, OSMAR GASPARINI TERRA  e LUCIANO HANG, nos termos da fundamentação.

É como voto, senhor Presidente.