REl - 0600755-20.2020.6.21.0021 - Voto Relator(a) - Sessão: 16/05/2022 às 14:00

VOTO

Da Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal, e preenche os demais pressupostos de admissibilidade, razão pela qual dele conheço.

Da Preliminar de Juntada de Documentos em Grau Recursal

Após a publicação da sentença, a prestadora acostou mídia eletrônica, contas retificadoras e documentos complementares, pretendendo o conhecimento dos novos elementos comprobatórios em grau recursal.

No âmbito dos processos de prestação de contas, este Tribunal Regional tem concluído, com respaldo no art. 266, caput, do Código Eleitoral, pela aceitação de novos documentos, acostados com a peça recursal, ainda que não submetidos a exame do primeiro grau de jurisdição, quando, a partir de sua simples leitura, primo ictu oculi, seja possível esclarecer as irregularidades, sem a necessidade de nova análise técnica.

Entretanto, esse entendimento não tem aplicabilidade no presente caso, em que a candidata, ao ser intimada da sentença (IDs 44909567 e 44909568), apresenta a mídia eletrônica e junta, por ocasião da interposição de recurso, novos documentos, retificando a prestação de contas, o que demandaria exame pormenorizado dos lançamentos contábeis em cotejo com os extratos bancários e demais batimentos integrantes dos procedimentos técnicos de exame, atividade a ser realizada, nas eleições municipais, em primeira instância.

Nesse sentido, o art. 71 da Resolução TSE n. 23.607/19 denota que somente é admitida a retificação das contas perante o juízo originário para o processamento do feito, restrita a duas hipóteses, “sob pena de ser considerada inválida”: “I – na hipótese de cumprimento de diligência que implicar a alteração das peças inicialmente apresentadas;” e “II – voluntariamente, na ocorrência de erro material detectado antes do pronunciamento técnico”, circunstâncias não verificadas nos autos.

No caso concreto, a candidata foi regularmente intimada para a providência no momento próprio (ID 44909556), porém manteve-se silente, tornando preclusa a possibilidade de apresentação de contas retificadoras, de modo que tal inércia não pode ser suprida no âmbito deste Tribunal em sede recursal, conforme já sedimentado na jurisprudência deste Tribunal Regional:

RECURSO. RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADOR. DESAPROVAÇÃO. COMPROVAÇÃO PARCIAL DE DESPESAS E AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE RECEITAS. DOCUMENTAÇÃO APRESENTADA EM RECURSO NÃO CONHECIDA. MOMENTO PROCESSUAL INADEQUADO. INVIÁVEL ANÁLISE DO ACERVO CARREADO EM SEDE RECURSAL. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. RITO PREVISTO NA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19 NÃO ATENDIDO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas, em virtude de comprovação parcial das despesas realizadas e da ausência de comprovação das receitas informadas na prestação de contas.

2. Instrução do processo sem os comprovantes das receitas e despesas, o que inviabiliza a aprovação dos registros contábeis. Documentação coligida aos autos em sede recursal não conhecida. O momento apropriado para a juntada dos documentos restou precluso, sem que o prestador justificasse, minimamente, sua inércia. O rito previsto nos arts. 69, 70, 71 e 72 da Resolução TSE n. 23.607/19 foi desrespeitado pelo recorrente, o que inviabiliza o conhecimento dos documentos nesta esfera recursal.

3. Este Tribunal entende possível a análise de algum documento pontual, desde que a primo ictu oculi, com a simples leitura, possibilite a compreensão pelo saneamento de irregularidade. Na hipótese, o acervo juntado em segundo grau demandaria nova análise da contabilidade, situação que torna inviável seu conhecimento diante da supressão de instância, visto que não examinados pela unidade técnica, tampouco pelo juízo a quo. Manutenção da sentença.

4. Desprovimento.

(Recurso Eleitoral n 060042883, ACÓRDÃO de 15/12/2021, Relator: DES. ELEITORAL AMADEO HENRIQUE RAMELLA BUTTELLI, Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico-PJE.) (Grifei.)

 

Desse modo, não conheço dos documentos juntados posteriormente à sentença.

Prossigo, passando ao exame do mérito.

 

Do Mérito

No mérito, o recurso ataca a sentença que julgou não prestadas as contas de MARLI HASENKAMP STIEGEMEIER, uma vez que a prestadora de contas, embora intimada para tanto, não procedeu à entrega da mídia eletrônica com os documentos previstos no art. 53, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19.

A decisão restou assim fundamentada:

[...].

 

Já em 01 de março de 2021, Tribunal Superior Eleitoral Publicou ainda a Portaria n. 111/2021, que, em razão do agravamento da pandemia da Covid-19, suspendeu o prazo previsto no art. 2º, §1º, II, da Res. TSE n. 26.632/2020 acima citado, cujo termo final foi fixado em 17 de setembro de 2021, com a edição da Portaria TSE n. 506/2021.

A candidata foi notificada para cumprir seu dever de prestar contas. Ainda assim deixou de manifestar-se regularmente no prazo legal, restando caracterizada, portanto, sua revelia. De acordo com o rito simplificado previsto na resolução acima citada, após a colheita e certificação no processo das informações obtidas nos outros órgãos da Justiça Eleitoral sobre a repasse de recursos públicos, ou indícios de recebimento de recursos de origem vedada ou não especificada, cabe a manifestação do Ministério Público Eleitoral e prolação de sentença logo após.

 

[…].

 

Diante ainda do recebimento de recursos públicos sem a devida prestação de contas, a candidata sujeita-se a condenação a ressarcimento dos valores recebidos ao erário no total de R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais). Isto porque não houve a comprovação dos gastos realizados, com recursos públicos na campanha, contrariando frontalmente o disposto no art. 60 da Res. TSE n. 23607/2019.

 

Diante do exposto, JULGO NÃO PRESTADAS as contas da candidata a vereadora MARLI HASENKAMP STIEGEMEIER do MDB do município de Colinas relativas às eleições de 2020.

 

Determino, ainda, o recolhimento da importância de R$ 1.480,34 ao Tesouro Nacional, nos termos da Resolução TSE nº 23.607/2019, em até cinco dias após o trânsito em julgado desta decisão, sob pena de encaminhamento dos autos à Advocacia-Geral da União para fins de cobrança.

 

[…].

 

Relativamente às eleições de 2020, a Portaria TSE n. 506/21 fixou como termo final para entrega da mídia eletrônica o dia 17 de setembro de 2021, prazo que não foi observado pela candidata, ainda que regularmente intimada para a providência no momento próprio (ID 44909556).

Assim, é incontroverso que a prestadora não apresentou a mídia eletrônica gerada pelo Sistema SPCE relativa à sua prestação de contas final durante a instrução processual em primeira instância, descumprimento o estabelecido no art. 53, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, in verbis:

Art. 53. Ressalvado o disposto no art. 62 desta Resolução, a prestação de contas, ainda que não haja movimentação de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro, deve ser composta:

[…].

§ 1º Os documentos a que se refere o inciso II do caput deste artigo devem ser digitalizados e apresentados exclusivamente em mídia eletrônica gerada pelo SPCE, observando os seguintes parâmetros, sob pena de reapresentação:

I - formato PDF com reconhecimento ótico de caracteres (OCR), tecnologia que torna os dados pesquisáveis;

II - arquivos com tamanho não superior a 10 megabytes, organizados em pastas nominadas de forma a identificar as alíneas do inciso II do caput deste artigo a que se referem.

 

Em suas razões, a recorrente alega que não juntou a mídia no momento devido “em razão da falha do envio dos arquivos na mídia gerada, sendo que os arquivos não foram importados no lançamento no SPCE, ocorrendo uma falha técnica no envio”, sem qualquer culpa da prestadora, vindo a cumprir a obrigação após proferida a sentença que julgou as contas como não prestadas.

Contudo, a narrativa recursal encontra-se desacompanhada de qualquer meio probatório capaz de endossar a tese.

No aspecto, a Resolução TSE n. 23.607/19 contém previsão específica acerca da correta transmissão dos dados e apresentação da mídia eletrônica, sem o que não é possível emitir o recibo de entrega da prestação de contas. Vejamos:

Art. 55. Recebidas na base de dados da Justiça Eleitoral as informações de que trata o inciso I do caput do art. 53 desta Resolução, o SPCE emitirá o extrato da prestação de contas, certificando a entrega eletrônica.

§ 1º Os documentos a que se refere o inciso II do art. 53 desta Resolução devem ser apresentados aos tribunais eleitorais e a zonas eleitorais competentes exclusivamente em mídia eletrônica gerada pelo SPCE, observado o disposto no art. 101, até o prazo fixado no art. 49. (Vide, para as Eleições de 2020, art. 7º, inciso XI, da Resolução nº 23.624/2020)

§ 2º O recibo de entrega da prestação de contas somente será emitido após o recebimento da mídia eletrônica com os documentos a que se refere o art. 53, II, desta Resolução, observado o disposto no art. 100.

§ 3º Na hipótese de entrega de mídias geradas com erro, o sistema emitirá aviso com a informação de impossibilidade técnica de sua recepção.

§ 4º Na hipótese do § 3º, é necessária a correta reapresentação da mídia, sob pena de as contas serem julgadas não prestadas.

§ 5º Os documentos digitalizados e entregues exclusivamente em mídia eletrônica serão incluídos automaticamente no Processo Judicial Eletrônico (PJe), após o que os autos digitais serão encaminhados à unidade ou ao responsável por sua análise técnica para que seja desde logo iniciada.

(Grifei.)

 

Portanto, o erro na transmissão dos dados é identificado pelo SPCE, que alerta o usuário acerca da situação, ao emitir um aviso, e impede a emissão do recibo de entrega, atraindo a possibilidade de declaração de omissão na apresentação da prestação de contas, caso não se promova a correta reapresentação dos dados.

Da mesma forma, é inviável a reabertura do prazo para apresentação dos documentos pleiteada pelo recorrente, uma vez que as “diligências devem ser cumpridas pelos candidatos e partidos políticos no prazo de 3 (três) dias contados da intimação, sob pena de preclusão”, conforme dispõe o art. 69, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Assim, admitir a entrega da mídia após a sentença e reabrir a instrução implicaria procedimento que carece de base legal, além de representar quebra da isonomia em relação aos deveres a que estão igualmente submetidos todos os candidatos.

No mesmo sentido, colaciono julgado deste Tribunal Regional:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. CONTAS DE CAMPANHA. JULGADAS NÃO PRESTADAS. CANDIDATO. VEREADOR. RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. MÍDIA ELETRÔNICA. NÃO APRESENTAÇÃO. INTIMAÇÃO PARA SANEAMENTO. TRANSCURSO DO PRAZO IN ALBIS. ENTREGA EXTEMPORÂNEA DAS MÍDIAS. SENTENÇA JÁ PROLATADA. PRECLUSÃO. CONTAS NÃO PRESTADAS. QUITAÇÃO ELEITORAL. IMPEDIMENTO ATÉ O FINAL DA LEGISLATURA. DESPROVIMENTO.

1. Recurso contra sentença que julgou não prestadas as contas de campanha, nos termos do art. 74, inc. IV, da Resolução TSE n. 23.607/19.

2. Contas julgadas não prestadas. Desatendimento à intimação que determinou a apresentação de documentos obrigatórios, tendo transcorrido in albis o prazo para sanar a omissão, incidindo o disposto no art. 49, § 5º, inc. VII, da Resolução TSE n. 23.607/19.

3. Entrega extemporânea das mídias – obrigatórias para a análise das contas pelo juízo competente –, realizada após a prolação da sentença. Inviável a reabertura da instrução, o que representaria quebra da isonomia, pois se trata de obrigação à qual estão igualmente submetidos todos os candidatos.

4. Julgadas não prestadas as contas, aplica-se à hipótese o disposto no art. 80, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19, que prevê o impedimento de o candidato obter a certidão de quitação eleitoral até o final da legislatura, persistindo os efeitos da restrição após esse período até a efetiva apresentação das contas, sem que tal circunstância impeça que o recorrente apresente, ao juízo de primeiro grau, requerimento de regularização de omissão de prestação de contas para obtenção de quitação eleitoral, após o final da legislatura para o cargo disputado.

5. Desprovimento.

(Recurso Eleitoral n 060031515, ACÓRDÃO de 22/02/2022, Relator: DES. ELEITORAL AMADEO HENRIQUE RAMELLA BUTTELLI, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Data: 24.02.2022.) (Grifei.)

 

Dito isso, não havendo como considerar que o erro na transmissão dos dados não tenha sido percebido tempestivamente, a concorrente deveria ter buscado corrigir o problema prontamente.

Além disso, devido ao reconhecimento de omissão da candidata na apresentação completa de suas contas (ID 44909558), o órgão técnico realizou análise conforme previsto no art. 49, § 5º, incs. III e V, da Resolução TSE n. 23.607/19 para as contas não prestadas.

Na informação exarada pelo Chefe de Cartório da 025ª Zona Eleitoral (ID 44909559), foi identificado “o recebimento de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC no valor de R$ 1.250,00, bem como a arrecadação de recursos financeiros próprios da candidata no valor de R$ 50,00”, sem a detecção do recebimento de recursos de fonte vedada ou de origem não identificada.

Assim, tendo sido verificado, na análise técnica, o recebimento de recursos públicos, cujo dispêndio deixou de ser comprovado, deve ser mantida, também, a determinação do recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, com fundamento no art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Ainda, acolho a proposição do parecer ministerial, da lavra do ilustre Dr. José Osmar Pumes, para corrigir de ofício erro material da sentença, que, equivocadamente, determinou o recolhimento de R$ 1.480,34, pois o valor correto recebido do FEFC foi de R$ 1.250,00.

 

Dispositivo

DIANTE DO EXPOSTO, voto pelo desprovimento do recurso, mantendo a sentença que julgou não prestadas as contas de MARLI HASENKAMP STIEGEMEIER, relativas ao pleito de 2020, corrigindo, de ofício, erro material na sentença para fixar em R$ 1.250,00 (um mil, duzentos e cinquenta reais) a quantia a ser recolhida ao Tesouro Nacional.