REl - 0600366-08.2020.6.21.0030 - Voto Relator(a) - Sessão: 10/05/2022 às 14:00

VOTO

Senhor Presidente,

Eminentes colegas:

 

Admissibilidade Recursal

O recurso é tempestivo e regular, comportando conhecimento.

 

Mérito

MARI ELISABETH TRINDADE MACHADO e ANGELO SANT ANNA, candidatos aos cargos de prefeita e vice-prefeito no Município de Sant'Ana do Livramento/RS nas Eleições Municipais de 2020, recorrem contra a sentença proferida pelo Juízo da 84ª Zona Eleitoral -Tapes, que aprovou com ressalvas as contas dos concorrentes, com base no art. 74, inc. II, da Resolução TSE n. 23.607/19, identificando a omissão de gastos eleitorais referentes a notas fiscais eletrônicas emitidas contra o CNPJ de campanha, no valor total de R$ 4.779,66, não informadas à Justiça Eleitoral, bem como o pagamento de despesa com recursos do FEFC, no valor de R$ 6.000,00, mediante cheque não cruzado, em desatendimento ao que determina o art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19. A decisão determinou, ainda, o recolhimento do valor total de R$ 10.779,66 ao Tesouro Nacional.

Acolhendo o parecer contábil (ID 44910330), a sentença (ID 44910333) consignou que:

Trata-se de irregularidades graves , contudo, no caso em tela, entendo que, em virtude do entendimento jurisprudencial majoritário do TSE e do TRE-RS de que eventuais inconsistências nos valores recebidos, que correspondam a percentual inferior a 10% do total dos valores arrecadados pela prestadora, não comprometem a higidez das contas apresentadas, sendo o caso de Aprovação com Ressalvas das Contas e o recolhimento da quantia considerada irregular ao Tesouro Nacional, no montante de R$ 10.779,66 ( Dez Mil, Setecentos e Setenta e Nove Reais com Sessenta e Seis Centavos), na forma dos art. 74, inciso II c/c §1º do art. 79 e c/c art.32 da Resolução TSE 23.607/19.

Saliento, outrossim, que o julgamento das contas apresentadas está adstrito às informações declaradas pelo prestador de contas e à movimentação financeira apurada nos extratos bancários vinculados à campanha eleitoral, não afastando a possibilidade de apuração por outros órgãos quanto à prática de eventuais ilícitos antecedentes e/ou vinculados, verificados no curso de investigações em andamento ou futuras, conforme previsto no artigo 75 da Resolução TSE 23.607/19.

 

Os recorrentes limitam-se a alegar que desconhecem as notas fiscais eletrônicas ns. 240685, 22724191, 23449137 e 24792241 emitidas em 09.10.2020, 04.10.2020, 04.11.2020 e 03.12.2020, respectivamente, pelos fornecedores STAEVIE & CIA LTDA. e FACEBOOK SERVICOS ONLINE DO BRASIL LTDA., nos valores de R$ 200,00, R$ 216,51, R$ 2.398,68, e R$ 1.964,47. Em relação ao cheque n. 850042, sustentam que fora emitido de forma nominal ao fornecedor contratado e efetivamente registrado na prestação de contas, tendo sido devidamente depositado na sua conta, conforme estaria comprovado nos autos.

Sem razão os recorrentes.

As irregularidades constatadas na sentença são de duas ordens.

A primeira falha está na ausência de regular declaração da despesa eleitoral na ordem de R$ 4.779,66. Conforme restou analiticamente descrito na sentença recorrida, era dever dos prestadores das contas realizar a informação dos gastos representados pelas notas fiscais eletrônicas ns. 240685, 22724191, 23449137 e 24792241 emitidas em 09.10.2020, 04.10.2020, 04.11.2020 e 03.12.2020, respectivamente, pelos fornecedores STAEVIE & CIA LTDA. e FACEBOOK SERVICOS ONLINE DO BRASIL LTDA., nos valores de R$ 200,00, R$ 216,51, R$ 2.398,68, e R$ 1.964,47.

A ausência do registro de tal informação na prestação de contas tem como consequência a não identificação da entrada e saída dos valores na conta bancária específica de campanha, caracterizando a sua utilização como recurso de origem não identificada (RONI). Ou seja, aparentemente a despesa foi paga, mas com recursos que não foram declarados na prestação de contas dos candidatos, o que impossibilita o rastreamento da origem dos valores.

Sem maior aprofundamento, o recorrente limitou-se a alegar que desconhecia a existência das notas fiscais e, portanto, do próprio serviço prestado.

Assim, inevitável a conclusão de que os valores utilizados para o pagamento dos serviços constantes nos documentos fiscais acima elencados não transitaram por conta bancária (art. 32, § 1º, inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19), o que se traduz na utilização de recurso de origem não identificada (RONI), devendo a sentença ser mantida quanto a esse ponto.

Em relação à segunda irregularidade, consistente no pagamento de despesa com recursos do FEFC, no valor de R$ 6.000,00, mediante cheque não cruzado, em desatendimento ao que determina o art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, de igual modo não vejo razões para alterar a decisão de primeiro grau.

Explico.

O art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19 assim estabelece:

Art. 38. Os gastos eleitorais de natureza financeira, ressalvados os de pequeno vulto previstos no art. 39 e o disposto no § 4º do art. 8º, ambos desta Resolução, só podem ser efetuados por meio de:

I - cheque nominal cruzado;

II - transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário;

III - débito em conta; ou

IV - cartão de débito da conta bancária.

(Grifei.)

 

Depreende-se do texto legal que a regra possui caráter objetivo quanto à imprescindibilidade de o cheque ser emitido na forma nominal e cruzada aos fornecedores de bens ou prestadores de serviços declarados nos demonstrativos contábeis.

Como o cheque não cruzado pode ser descontado sem depósito bancário, a exigência referente ao cruzamento — após o qual o pagamento da cártula somente pode ocorrer mediante crédito em conta bancária (art. 45, caput, da Lei n. 7.357/85) — visa permitir a rastreabilidade das receitas eleitorais, conferindo maior confiabilidade às informações inseridas na prestação de contas.

A respeito, cito o seguinte julgado deste Tribunal:

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. PRESTAÇÃO DE CONTAS. VEREADORA. DESAPROVAÇÃO. PAGAMENTO DE DESPESAS POR MEIO DISTINTO AO PREVISTO NA NORMA. ALTO PERCENTUAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou as contas, em virtude de pagamento de despesas por meio distinto daqueles previstos no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19.

2. Demonstrado que a prestadora não observou os meios de pagamento previstos no art. 38 da Res. TSE 23.607/19 que determina que os cheques sejam nominais e cruzados. É dever do prestador a observância das normas eleitorais, em especial o regramento que se destina a garantir higidez das contas e o controle dos gastos eleitorais.

3. A irregularidade representa 70,76% do total das receitas declaradas, impondo a desaprovação das contas. Manutenção da sentença.

4. Desprovimento.

(TRE-RS, REl n. 0600274-39.2020.6.21.0027, Relator Des. El. LUÍS ALBERTO D´AZEVEDO AURVALLE, julgado em 07.07.2021.) (Grifei.)

 

No caso sob análise, a modalidade de pagamento prevista no art. 38, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19 não foi observada pelos candidatos, não sendo possível afirmar, com segurança, que os fornecedores informados nos registros contábeis, emitentes do recibo e da nota fiscal de serviços apresentados pelos recorrentes, efetivamente foram os beneficiários dos recursos eleitorais.

Ademais, os recorrentes confessam que a cártula não foi cruzada (ID 44910338), mas alegam que teria sido depositado o cheque nominal na conta do fornecedor. Contudo, não trouxeram aos autos elementos que pudessem comprovar tal alegação, devendo prevalecer a prova produzida nos autos. 

Portanto, ausentes razões que pudessem conduzir à alteração da sentença recorrida, tenho que o recurso não deve ser provido, mantendo-se íntegra a decisão de primeiro grau.

Diante do exposto, VOTO pelo conhecimento e desprovimento do recurso interposto por MARI ELISABETH TRINDADE MACHADO e ANGELO SANT ANNA.

É como voto, senhor Presidente.