REl - 0600536-93.2020.6.21.0057 - Voto Relator(a) - Sessão: 09/05/2022 às 14:00

VOTO

O recurso é tempestivo e adequado, portanto, dele conheço.

Preliminarmente, conheço da documentação apresentada com o recurso, seguindo a orientação firmada nesta Corte:

 

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO 2016. DESAPROVAÇÃO. AFASTADA PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA. NÃO CONFIGURADO CERCEAMENTO DE DEFESA. MÉRITO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. DOCUMENTOS JUNTADOS COM O RECURSO. ART. 266 DO CÓDIGO ELEITORAL. IRREGULARIDADE SANADA. PROVIMENTO.

1. Preliminar. Afastada a nulidade da sentença. Ausente qualquer prejuízo ao recorrente, pressuposto essencial para a declaração de nulidade.

2. Constatado, pelo órgão técnico, o recebimento de recursos de origem não identificada. Documentos juntados pelo prestador em sede recursal, com fulcro no art. 266 do Código Eleitoral. Irregularidade sanada.

3. Provimento do recurso para aprovação das contas.

(TRE-RS - RE: 2593 SÃO SEBASTIÃO DO CAÍ - RS, Relator: GUSTAVO ALBERTO GASTAL DIEFENTHÄLER, Data de Julgamento: 03.12.2019, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 231, Data 11.12.2019, Página 2-4) (grifo nosso)

 

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2017. DESAPROVAÇÃO. PRELIMINAR ACOLHIDA. CONHECIMENTO DE NOVOS DOCUMENTOS JUNTADOS AO RECURSO. ART. 266, CAPUT, DO CÓDIGO ELEITORAL. MÉRITO. RECEBIMENTO DE VALORES PROVENIENTES DO DIRETÓRIO NACIONAL DA AGREMIAÇÃO SEM A IDENTIFICAÇÃO DO DOADOR ORIGINÁRIO. DOCUMENTOS APRESENTADOS SUPRIRAM A FALHA. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. PARCIAL PROVIMENTO.

1. Preliminar acolhida. Juntada de novos documentos com o recurso. Este Tribunal, com base no art. 266, caput, do Código Eleitoral, tem se posicionado pelo recebimento de documentos novos com as razões de recurso, até mesmo quando não submetidos a exame de primeiro grau de jurisdição, quando sua simples leitura mostra capacidade de influir positivamente no exame das contas, ou seja, o saneamento da falha deve resultar de plano da documentação, sem necessidade de qualquer persecução complementar.

2. Recebimento de valores provenientes do diretório nacional da agremiação, sem a identificação dos doadores originários, em afronta ao art. 5º, inc. IV, da Resolução TSE n. 23.464/15. Os esclarecimentos prestados, associados às informações constantes nos recibos das doações, permitem aferir, de forma clara, os doadores originários com seus respectivos CPFs, cumprindo a determinação normativa. Afastadas as sanções impostas. 3. Parcial provimento. Aprovação com ressalvas.

(TRE-RS - RE: 1428 SANTIAGO - RS, Relator: GERSON FISCHMANN, Data de Julgamento: 25.4.2019, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 75, Data 29.4.2019, Página 7) (grifo nosso)

 

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. DESAPROVAÇÃO. CONHECIMENTO DA DOCUMENTAÇÃO APRESENTADA INTEMPESTIVAMENTE. PREVISÃO DISPOSTA NO ART. 266 DO CÓDIGO ELEITORAL. RECEBIMENTO DE RECURSOS PROVENIENTES DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. ART. 13, PARÁGRAFO ÚNICO, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.464/15. APLICAÇÃO IRREGULAR DE VERBAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. INCONSISTÊNCIA COM RELAÇÃO A GASTOS COM COMBUSTÍVEIS. SANADA PARTE DAS IRREGULARIDADES. REDUÇÃO DO MONTANTE A SER RECOLHIDO AO TESOURO NACIONAL. AFASTADA A PENALIDADE DE SUSPENSÃO DO RECEBIMENTO DE QUOTAS DO FUNDO PARTIDÁRIO. MANTIDA A MULTA FIXADA NA SENTENÇA. RESPONSABILIDADE PELO RECOLHIMENTO DOS VALORES FIXADA EXCLUSIVAMENTE À ESFERA PARTIDÁRIA. PROVIMENTO PARCIAL.

1. Conhecimento da documentação apresentada com o recurso, a teor do disposto no art. 266 do Código Eleitoral.

2. Recebimento de recursos oriundos de origem não identificada. Ainda que o número de inscrição no CPF corresponda ao do doador informado nas razões recursais, não foram apresentadas outras informações para subsidiar a fiscalização da licitude da receita, não sendo possível, sem a adoção dos procedimentos técnicos de exame destinados à verificação das fontes vedadas, atestar a regularidade do recurso arrecadado.

[…]

6. Provimento parcial.

(TRE-RS - RE: 4589 ALVORADA - RS, Relator: ROBERTO CARVALHO FRAGA, Data de Julgamento: 21.3.2019, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 52, Data 22.3.2019, Página 4) (grifo nosso)

 

Ademais, o exame da documentação independe de novo parecer técnico.

Quanto à nulidade por cerceamento de defesa, por ausência de intimação para manifestação acerca das irregularidades discriminadas no Parecer Conclusivo, sem razão o recorrente.

Com efeito, compulsando os autos, verifica-se que o Parecer Conclusivo não inovou em relação ao Exame Preliminar das Contas, o qual já apontava as irregularidades descritas e sobre o qual o recorrente foi devidamente intimado, de forma que, incidente no caso, o § 4º do art. 69 da Res. TSE n. 23.607/19 que dispõe ser obrigatória a intimação do prestador, apenas se houver o apontamento de existência de falha nova.

Ainda, em sede preliminar, o recorrente alega nulidade da sentença, por ausência de fundamentação. Em que pese o Magistrado tenha exposto de forma concisa os fundamentos jurídicos adotados para formar sua convicção, não se pode olvidar que a sentença acolheu o parecer conclusivo, constando do laudo técnico toda a fundamentação fática e jurídica, que integra a decisão. Assim, não há que se falar em nulidade.

No mérito, a prestação de contas foi desaprovada em virtude do não recolhimento ao Tesouro Nacional dos recursos de origem não identificada; não recolhimento das sobras financeiras de campanha; inexistência de documentos hábeis a comprovar a legalidade das despesas pagas com recursos públicos; e, ausência de documentos obrigatórios elencados no art. 53 da Res. TSE n. 23.607/19.

A sentença (ID 43052333) foi prolatada sob os seguintes fundamentos:

A prestação de contas à Justiça Eleitoral decorre de imperativo constitucional, art. 17, III da Constituição Federal, o qual impõe aos partidos políticos a observância de vários preceitos, dentre os quais, a prestação de contas à Justiça Eleitoral.

Nesse sentido, a Resolução TSE nº 23.607/19, que dispõe sobre a arrecadação e os gastos de recursos por partidos políticos e candidatos e sobre a prestação de contas nas eleições 2020, em seus artigos 45 e 46, determina que devem prestar contas todos os candidatos e órgãos partidários vigentes após a data prevista para o início das convenções partidárias e até a data da eleição em segundo turno, se houver.

Art. 45. Devem prestar contas à Justiça Eleitoral:

I - o candidato;

II - os órgãos partidários, ainda que constituídos sob forma provisória

a) nacionais;

b) estaduais;

c) distritais; e

d) municipais.

[…]

Art. 46. Sem prejuízo da prestação de contas anual prevista na Lei nº 9.096/1995, os órgãos partidários, em todas as suas esferas, devem prestar contas dos recursos arrecadados e aplicados exclusivamente em campanha, ou da sua ausência, da seguinte forma: I - o órgão partidário municipal deve encaminhar a prestação de contas à respectiva zona eleitoral;

II - o órgão partidário estadual ou distrital deve encaminhar a prestação de contas ao respectivo tribunal regional eleitoral;

III - o órgão partidário nacional deve encaminhar a prestação de contas ao Tribunal Superior Eleitoral.

Conforme relatado acima, o prestador não apresentou documentos obrigatórios elencados no art. 53 da Res. TSE n. 23.607/2019 e não atendeu às diligências determinadas por este Juízo, o que configura conduta em desacordo com a Res. TSE n. 23.607/2019 e tendente à desaprovação das contas.

Os laudos técnicos apontaram falhas graves nas contas prestadas, que comprometeram sua regularidade, tais como:

Não recolhimento ao tesouro nacional dos recursos de origem não identificada;

Não recolhimento das sobras financeiras de campanha;

Inexistência de documentos hábeis a comprovar a legalidade das despesas pagas com recursos públicos;

Ausência de documentos obrigatórios elencados no art. 53 da Res. TSE n. 23.607/2019.

Está-se diante de frontal descumprimento da Res. TSE n. 23.607/2019 e da Lei 9.504/1997, de forma tal que o julgamento pela desaprovação das contas é medida que se impõe. Gize-se que foi oportunizada ao prestador a solução das irregularidades apontadas, porém esse quedou inerte.

Saliento, outrossim, que o julgamento das contas apresentadas está adstrito às informações declaradas pelo prestador de contas e à movimentação financeira apurada nos extratos bancários vinculados à campanha eleitoral, não afastando a possibilidade de apuração por outros órgãos quanto à prática de eventuais ilícitos antecedentes e/ou vinculados, verificados no curso de investigações em andamento ou futuras, conforme previsto no artigo 75 da Resolução TSE 23.607/19.

 

III – DISPOSITIVO

Isso posto, e com base no art. 74, III da Resolução TSE 23.607/19, julgo DESAPROVADAS as contas de ANDRÉ LUIZ MARTINS EPIFÂNIO e AERTON AUZANI, relativas às eleições de 2020.

Determino, outrossim, o recolhimento da importância de R$124.733,07 (cento e vinte e quatro mil setecentos e trinta e três reais e sete centavos), importância considerada como irregular, a ser destinada ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU), no prazo de 5 (cinco) dias após o trânsito em julgado, sob pena de remessa dos autos à Advocacia-Geral da União para fins de cobrança, nos termos do artigo 79 da Resolução TSE 23.607/19.

Registre-se. Publique-se.

Intime-se, inclusive o Ministério Público Eleitoral.

Decorrido o prazo recursal, certifique-se o trânsito em julgado e proceda o cartório eleitoral com os devidos registros nos sistemas SICO, bem como ANOTE-SE o código de ASE 230 (Irregularidade Na Prestação De Contas), motivo 3 (Desaprovação), no histórico cadastral do prestador de contas.

 

 

Quanto à primeira irregularidade, ou seja, recebimento de recursos provenientes de origem não identificada, trata-se de doações realizadas por Christian Alex Cardoso Isbarrola (R$ 1.000,00) e Leandro Gustavo Rodrigues (R$ 2.000,00), no valor de R$ 3.000,00, constando CPFs inválidos.

Em suas razões (ID 43052783), o recorrente não faz qualquer menção à respeito desse apontamento, razão pela qual tenho que permanece a irregularidade.

Sendo assim, como os recursos financeiros utilizados foram provenientes de doações com informação de número de inscrição inválida no CPF dos doadores (pessoa física), configuram recursos de origem não identificada, estando sujeitos a recolhimento ao Tesouro Nacional, na forma do art. 32 da Resolução TSE n 23.607/19, verbis:

 

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

§ 1º Caracterizam o recurso como de origem não identificada:

I - a falta ou a identificação incorreta do doador;

II - a falta de identificação do doador originário nas doações financeiras recebidas de outros candidatos ou partidos políticos;

III - a informação de número de inscrição inválida no CPF do doador pessoa física ou no CNPJ quando o doador for candidato ou partido político;

IV - as doações recebidas em desacordo com o disposto no art. 21, § 1º, desta Resolução quando impossibilitada a devolução ao doador;

V - as doações recebidas sem a identificação do número de inscrição no CPF/CNPJ no extrato eletrônico ou em documento bancário;

VI - os recursos financeiros que não provenham das contas específicas de que tratam os arts. 8º e 9º desta Resolução;

VII - doações recebidas de pessoas físicas com situação cadastral na Secretaria da Receita Federal do Brasil que impossibilitem a identificação da origem real do doador; e/ou

VIII - recursos utilizados para quitação de empréstimos cuja origem não seja comprovada.

 

 

Com relação à segunda irregularidade, isto é, recolhimento de sobras financeiras de campanha, a Unidade Técnica constatou que não houve o recolhimento das sobras de recursos provenientes nem do FEFC (R$ 11.510,24), nem do FP (R$ 2.012,23).

As sobras de recursos provenientes do FEFC deveriam ter sido recolhidas, por meio de GRU, ao Tesouro Nacional, no momento da prestação de contas, conforme disposto no art. 50, § 5º, da Resolução TSE n. 23.607/19. No que refere às sobras de campanha de recursos oriundos do FP, o recolhimento deveria ter sido feito em favor da agremiação política, por meio de depósito do respectivo valor em conta bancária específica, segundo dispõe o art. 50, § 3º, da Resolução TSE 23.607/19.

Em sede de recurso, o recorrente não se manifestou a respeito, remanescendo a irregularidade, de modo que não merece reforma a sentença, apenas correção de erro material com relação ao recolhimento dos recursos oriundos do FP, os quais foram destinados na decisão ao Tesouro Nacional, quando o correto seria o recolhimento à conta do Fundo Partidário do partido político.

A terceira irregularidade diz respeito a gastos irregulares com recursos provenientes do Fundo Partidário - FP e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC.

Foram identificados pela Unidade Técnica pagamentos com recursos públicos mediante saque na “boca do caixa”: a) cheque n. 05, no valor de R$ 5.000,00, em 26.10.20; b) cheque n. 10, no valor de R$ 450,00, em 30.10.20; c) cheque n. 12, no valor de R$ 500,00, em 30.10.20; d) cheque n. 37, no valor de R$ 350,00, em 09.11.20 e, e) cheque n. 59, no valor de R$ 400,00, em 16.11.20, totalizando R$ 6.700,00.

Nos extratos bancários eletrônicos (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/89516/210000642186/extratos, acesso em 24.02.2022) não foi possível verificar a contraparte das despesas realizadas com esses recursos públicos, sendo que o meio de pagamento não foi o preconizado no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual impõe que “os gastos eleitorais de natureza financeira (...) só podem ser efetuados por meio de: (I) cheque nominal cruzado; (II) transferência bancária que identifique o CPF ou CNPJ do beneficiário; (III) débito em conta; ou (IV) cartão de débito da conta bancária.”

Assim, ao serem os cheques sacados na “boca do caixa”, restou inviabilizado o sistema instituído pela Justiça Eleitoral para conferir transparência e publicidade às receitas e gastos de campanha.

Outro ponto que restou prejudicado, visto que os valores embora oriundos dos cofres públicos não transitaram pelo sistema financeiro nacional, foi o rastreamento para verificação se os destinatários dos pagamentos de fato pertenceram à relação que originou o gasto de campanha, além de outros controles públicos como é o caso da Receita Federal e do COAF.

A legislação eleitoral contempla os arts. 38 e 60, caput, e §§ 1º e 2º da Resolução TSE n. 23.607/19 para análise conjunta das despesas. O primeiro artigo elenca os meios pelos quais os pagamentos devem ser efetuados, e, o segundo, expõe um rol de documentos complementares à comprovação dos gastos eleitorais.

O art. 60, caput, e §§ 1º e 2º da Resolução TSE n. 23.607/19 deve ser empregado tão somente para obtenção de uma confirmação por meio de terceiro (com quem o candidato contratou) de que o valor foi efetivamente gasto em um serviço ou produto para a campanha eleitoral.

Dessa maneira, a Justiça Eleitoral construiu uma análise circular das despesas contando para isso com dados das instituições financeiras, dos prestadores de contas e dos terceiros contratados para atestar a origem e o destino dos valores.

A matéria em exame foi amplamente debatida nesta Corte, conforme ementa que reproduzo, a qual bem evidencia o entendimento sufragado:

 

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. ELEIÇÕES 2020. PREFEITO E VICE. APROVADAS COM RESSALVAS. USO IRREGULAR DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA-FEFC. IRRESIGNAÇÃO UNICAMENTE QUANTO À DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO DE VALORES AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DE VINCULAÇÃO ENTRE OS BENEFICIÁRIOS DAS CÁRTULAS E OS EMITENTES DAS NOTAS FISCAIS. INEXISTÊNCIA DE DOCUMENTOS IDÔNEOS A COMPROVAR A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. DESPROVIMENTO.

1. Recurso contra sentença que julgou aprovadas com ressalvas prestação de contas de candidatos à majoritária, referentes às eleições municipais de 2020, determinando o recolhimento de valores ao Tesouro Nacional, em face do uso irregular de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC.

2. Insurgência delimitada à determinação de restituição ao erário, não estando a sentença sujeita à modificação na parte em que aprovou as contas com ressalvas, uma vez que a matéria não restou devolvida à apreciação do Tribunal nas razões de apelo.

3. A norma que regulamenta a forma de pagamento das despesas eleitorais está prevista no art. 38 da Resolução TSE n. 23.607/19, o qual determina que os gastos de natureza financeira devem ser pagos por meio de cheque cruzado e nominal ao fornecedor. Incontroverso, na hipótese, o descumprimento, cabe a análise se, por um lado, essa conduta por si só, conduz à determinação de recolhimento dos valores apurados ao Tesouro Nacional ou, por outro lado, se existem documentos idôneos capazes de comprovar os gastos efetuados por meio dos cheques objeto da glosa.

4. A atual jurisprudência do TSE supera o entendimento até hoje vigente neste colegiado, estabelecendo, em síntese, que a devolução de valores oriundos de recursos públicos ao Tesouro Nacional somente é cabível nas hipóteses de ausência de comprovação da utilização dos recursos ou utilização indevida, comandos estabelecidos no § 1º do art. 79 da já citada Resolução TSE 23.607/19.

5. A análise da microfilmagem dos cheques estabelece que os beneficiários das cártulas foram pessoas estranhas aos fornecedores identificados e que apresentaram as notas fiscais e as declarações tendentes a estabelecer vinculação com os já citados cheques. As regras contidas na Resolução TSE n. 23.607/19 dispõem que os gastos de campanha devem ser identificados com clareza e estabelecendo elos seguros entre os beneficiários dos pagamentos e os serviços prestados. É a chamada rastreabilidade, isto é, os pagamentos devem ser atestados por documentos hábeis a demonstrar o serviço prestado pelo beneficiário e sua vinculação com a despesa, o que não ocorreu no caso concreto.

6. O contexto probatório não revela nenhum documento fiscal idôneo emitido pelos beneficiários dos cheques e tampouco contrato ou prova de prestação de serviços a justificar os pagamentos feitos. Ausente a vinculação entre os beneficiários dos cheques e os emitentes das notas fiscais, bem como a inexistência de provas, por documentos idôneos, de prestação de serviços por parte dos beneficiários das cártulas, resta descumprida a regra posta no art. 60, e parágrafos, da Resolução TSE n. 23.607/19. Circunstância que atrai a incidência do disposto no § 1º do art. 79 da Resolução TSE n. 23.607/19, impondo a devolução dos valores ao Tesouro Nacional, como determinado na sentença.

7. Provimento negado.

(Rel 0600464-77.2020.6.21.0099, Relator designado: Des. Eleitoral Oyama Assis Brasil de Moraes, julgado na sessão de 06 de julho de 2021.)

(grifo nosso)

 

Não merece reforma a sentença, nesse ponto, eis que houve a utilização indevida de recursos públicos do FEFC, estando correta, portanto, a determinação para o recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional, na forma do art. 79, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Em relação à despesa com militância e mobilização de rua, no valor total de R$ 13.350,00, o relatório preliminar identifica nominalmente os cabos eleitorais cujos pagamentos não foram encontrados, assim como no parecer conclusivo consta que não foi identificada a contraparte no extrato bancário. Com o recurso, o prestador juntou comprovantes de transferência bancária para: Caroline da Silva (R$ 150,00), Claudia de Souza (R$ 350,00), Franciele Fan (R$ 350,00), Carlos Eduardo Cardoso Azevedo (R$ 150,00), Carla Daiane Penteado Alves (R$ 350,00), Gabriel Carvalho Alves (R$ 1.200,00), Frederico Pires Michel (R$ 1.200,00), Claudio Iale (R$ 150,00), Fernanda de Almeida Andradas (R$ 350,00), Leila Terezinha dos Santos Ferreira (R$ 150,00) e Fernanda Tais Dias (R$ 350,00); totalizando, conforme comprovantes bancários juntados, o valor de R$ 4.750,00.

Sendo assim, considero que parte do serviço de militância foi comprovado por meio da transferência dos recursos para os respectivos cabos eleitorais. Ressalto o que a douta Procuradoria explana em seu parecer:

 

(...) sendo que a unidade técnica não questionava a existência dos contratos, mas sim o fato do pagamento não constar nos extratos, conforme se verifica do relatório e da descrição do item na tabela no parecer conclusivo, entendemos que deve ser excluído o valor de R$ 4.750,00 da quantia a ser recolhida ao Tesouro Nacional.

 

No tocante à despesa no valor de R$ 70.000,00, foram emitidas notas fiscais pela empresa individual Edison Roberto Costa Vieira e acostadas antes do relatório preliminar (IDs 43048233 e 43049133), nos valores, respectivamente, de R$ 20.000,00 e R$ 50.000,00.

Ocorre que no extrato bancário e no Divulgacandcontas (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/89516/210000642186/extratos, acesso em 24.02.2022) consta o pagamento mediante cheques para Cecília Camponogara Viera, pessoa que não figura como fornecedora nos documentos fiscais. Com o recurso, foi juntada certidão de casamento (ID 43052833) do fornecedor, Edison Roberto Costa Vieira, com a beneficiária dos recursos, Cecília Camponogara Viera.

Dessarte, entendo que restou comprovado que os recursos de campanha foram destinados ao pagamento do fornecedor em questão, devendo ser reformada a sentença para afastar a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional da correspondente quantia de R$ 70.000,00.

Em relação às despesas com serviços contábeis para Jair Salinos de Souza (R$ 5.000,00), a irregularidade decorre da existência de saque na "boca do caixa", já analisado acima. A irregularidade no valor de R$ 3.150,00, pagos para Frederico Chamorro Robleski, encontra-se na tabela sob o fundamento de pagamento em nome de terceiro (cheques 7 e 10) No Divulgacandcontas (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/89516/210000642186/extratos, acesso em 24.02.2022) consta, para o cheque de n. 7, no valor de R$ 2.700,00, pagamento a Maria Aurea Chamorro Robleski, e que o cheque de n. 10 foi objeto de saque na "boca do caixa".

Considerando a identidade de sobrenomes (Chamorro Robleski) entre o contador e a beneficiária do pagamento, entendo que restou comprovado que o recurso no valor de R$ 2.700,00 foi destinado ao contador da campanha, valor que deve ser subtraído do montante a ser recolhido ao Tesouro Nacional.

Em relação à despesa com Letícia Sawer Leal Pereira, no valor de R$ 1.500,00, para o serviço de tradução em libras, foi apontada a ausência de nota fiscal ou contrato, tendo sido juntado, no recurso, cópia do contrato.

Em relação à despesa com Cledson Dornelles Ferreira, na quantia de R$ 4.000,00, com publicidade com carro de som, foi apontada a ausência de contrato e existência de 02 cheques compensados por terceiros, no valor de R$ 2.000,00 cada. Com o recurso, o prestador junta o contrato com esse fornecedor e um recibo de R$ 2.000,00. Ocorre que no Divulgacandcontas (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/2020/2030402020/89516/210000642186/extratos, acesso em 24.02.2022) se pode verificar que os cheques de n. 01 e 03, no valor de R$ 2.000,00 cada, foram pagos a Lecir T. A. Lopes e Cia. Ltda, permanecendo a irregularidade mencionada.

Quanto à quarta irregularidade, ou seja, não apresentação de documentos obrigatórios elencados no art. 53 da Res. TSE n. 23.607/19, observa-se que a ausência de documentos obrigatórios que comprovam a regularidade dos gastos feitos com recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), além de ser grave, configura aplicação irregular de recursos públicos.

Assim, é de se aplicar o estabelecido no art. 79, § 1º, da já mencionada resolução:

Art. 79.

[…]

§ 1º Verificada a ausência de comprovação da utilização dos recursos do Fundo Partidário e/ou do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) ou a sua utilização indevida, a decisão que julgar as contas determinará a devolução do valor correspondente ao Tesouro Nacional no prazo de 5 (cinco) dias após o trânsito em julgado, sob pena de remessa de cópia digitalizada dos autos à representação estadual ou municipal da Advocacia-Geral da União, para fins de cobrança.

 

Assim, merece reforma a sentença para reduzir o valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional a quantia de R$ 77.450,00 (R$ 4.750,00 + R$ 70.000,00 + R$ 2.700,00), cujas irregularidades devem ser afastadas, bem como R$ 2.012,23, que deve ser destinado à recomposição do Fundo Partidário da agremiação.

Por fim, não é o caso de aprovação das contas com ressalvas, vez que as irregularidades remanescentes, além de envolverem a indevida utilização de recursos públicos, representam 24,52% das receitas declaradas (R$ 192.782,00), percentual superior ao utilizado (10%) pela Justiça Eleitoral, assim como correspondem a valor nominal superior ao limite (R$ 1.064,10) utilizado como critério para aprovação com ressalvas.

Diante do exposto, VOTO pelo parcial provimento do recurso para reduzir o valor a ser recolhido ao Tesouro Nacional, ao montante de R$ 47.283,07 (R$ 124.733,07 - R$ 77.450,00), bem como para que seja corrigido erro material da sentença determinando que a sobra de recursos do Fundo Partidário, no valor de R$ 2.012,23, seja destinada à conta específica da agremiação.