REl - 0600149-80.2021.6.21.0045 - Voto Relator(a) - Sessão: 03/05/2022 às 14:00

VOTO

O recurso é tempestivo e dele conheço.

Preliminar de nulidade da decisão

A preliminar de nulidade da decisão confunde-se com o próprio mérito do recurso.

Conforme os fundamentos que abaixo transcrevo (ID 44863759), a decisão do juízo a quo não foi lastreada na ausência de provas, mas sim, porque a descrição dos fatos não se amolda às hipóteses previstas no art. 145 do CPC, consoante regra de extensão prevista no art. 148, I, do CPC, in verbis:

[…]

Primeiramente, na linha do já externado pelo juízo (ID 90974870), forte no disposto no art. 15 do novo CPC, “Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente”, desde que haja compatibilidade sistêmica (RES/TSE n. 23.478/08, art. 2º, §único).

 

Assim, e não havendo normas processuais de cunho eleitoral regrando o incidente de suspeição, de rigor a observância do disposto no Código de Processo Civil.

 

Regra, a propósito, o art. 145/CPC, verbis:

 

"Art. 145. Há suspeição do juiz:

 

I - amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes ou de seus advogados;

 

II - que receber presentes de pessoas que tiverem interesse na causa antes ou depois de iniciado o processo, que aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa ou que subministrar meios para atender às despesas do litígio;

 

III - quando qualquer das partes for sua credora ou devedora, de seu cônjuge ou companheiro ou de parentes destes, em linha reta até o terceiro grau, inclusive;

 

IV - interessado no julgamento do processo em favor de qualquer das partes.

 

[…]”.

 

Os mesmos motivos, de conformidade com o que preceitua o art. 148, I, do CPC, aplicam-se aos membros do Ministério Público.

 

Referidas hipóteses legais, de acordo com o entendimento consolidado do Superior Tribunal de Justiça, são taxativas, de forma que a suspeição depende da existência e comprovação de uma da(s) hipótese(s) ventilada(s).

 

Nesse sentido, menciona-se os precedentes colacionados pelo Ministério Público em sua manifestação, a dispensar transcrição.

 

No caso em liça, embora todo o esforço, não se antevê nenhuma das hipóteses previstas em lei, com o que o presente incidente sequer deveria ter sido conhecido.

 

Aliás, em nenhum momento a arguente aponta a hipótese legal de incidência da suspeição, limitando-se a tecer considerações pelas quais entende ter havido o comprometimento do agente do Ministério Público. (grifo nosso)

 

Ainda, conforme jurisprudência do STJ, as hipóteses de suspeição são taxativas, nos termos do julgado que reproduzo, trazido no parecer da lavra da douta Procuradoria Eleitoral:

AGRAVO INTERNO NA EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO. HIPÓTESES LEGAIS PREVISTAS NO ART. 145 DO CPC/2015. ROL TAXATIVO. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. ALEGAÇÕES QUE NÃO SE AMOLDAM ÀS HIPÓTESES LEGAIS. EXCEÇÃO REJEITADA. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.

1. Agravo interno interposto contra decisão monocrática que rejeitou liminarmente a exceção de suspeição, por inexistência dos pressupostos legais.

2. Deve ser rejeitada a exceção de suspeição que não indica nenhuma das hipóteses legais do art. 145 do Código de Processo Civil de 2015 (taxatividade do incidente). Precedentes.

3. Agravo interno desprovido.

(AgInt na ExSusp 198/PE, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 17.3.2020, DJe 20.3.2020.)

 

No que se refere às alegações a respeito do ajuizamento da AIJE, colho o que constou na decisão sob ID 44863759:

 

[…]

Especificamente no que diz com o prazo para ajuizamento da AIJE, embora a matéria transborde do enfoque a ser dado neste feito, vale assentar, pelo debate, o firme entendimento jurisprudencial no âmbito do TSE no sentido de que o termo final é a data da diplomação dos eleitos, desimportando se aforada em horário posterior ao evento.

Nesse toar: “O prazo para o ajuizamento da Ação de Investigação Eleitoral é a data da diplomação, independentemente do momento em que efetivamente praticado o ato. Precedentes” (RespEL 35733, Marília, SP, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Acórdão de 09/03/2021, Publicado no DJE em 03.8.2021, Tomo 142).

 

Na espécie, a AIJE foi ajuizada pelo Ministério Público Eleitoral no dia 18.12.2020, mesma data da diplomação dos eleitos, não havendo falar em decadência do direito de ação.

Destarte, pelo fio do exposto, sem mais, JULGO IMPROCEDENTE o pedido de exceção de suspeição formulada pela excipiente.

 

De outro vértice, consigno que o processo somente pode ser considerado legítimo com um juiz equidistante das partes, por isso a legislação se ocupou em garantir que esses agentes públicos não atuem em feitos quando presentes determinados interesses ou situações capazes de prejudicar sua imparcialidade.

Também o membro do Ministério Público, pela importância de sua atuação como fiscal da ordem pública deve se manter equidistante das partes, tanto que o Código de Processo Civil lhe impõe a mesma impessoalidade, estendendo-lhe as causas de impedimento e suspeição do juiz:

Art. 148. Aplicam-se os motivos de impedimento e de suspeição:

I - ao membro do Ministério Público;

 

Contudo, como salientado pelo douto Procurador Eleitoral, a imparcialidade do agente ministerial é diversa daquela que se exige do magistrado (ID 44931036):

Evidentemente que a imparcialidade que se espera de um magistrado é distinta da imparcialidade que se exige de um membro do Ministério Público, cuja atuação na defesa dos interesses cuja tutela lhe é conferida está marcada pela proposição de demandas, pela intervenção no processo eleitoral e pela investigação de atos ilícitos, de modo a garantir eleições livres de todas as formas de abuso e de corrupção eleitoral. Ao se posicionar a favor da preservação da democracia e de interesses coletivos, o Ministério Público deverá exercer atribuições e assumir uma posição processual que lhe inserirá num dos polos processuais. Nesse sentido, estará a defender uma causa, como se parte fosse. A imparcialidade que dele se espera está no campo da moralidade, da honestidade processual e da impessoalidade.

Nesse aspecto, embora a recorrente não reproduza no recurso a totalidade das alegações apresentadas quando da propositura da exceção, observa-se na inicial, contida em cerca de vinte páginas, a narrativa de uma série de intrigas e contendas entre grupos políticos com atuação em Santo Ângelo, das quais o recorrido seria “vítima”, na medida em que sua reputação profissional teria sido questionada, dada a sua suposta atuação supostamente benevolente em favor do grupo político ligado ao PDT, o que estaria sendo observado “nos altos comandos do Ministério Público e Poder Judiciário”.

Consta da inicial (ID 44863596, p. 11), verbis:

 

A questão é sopesar o que se sabe, e o que não se ficou sabendo. Em nenhum momento se pretende questionar a conduta pessoal do Promotor, Dr. Garibaldi, a questão a ser analisada é se as pressões e movimentos do influente grupo político que faz parte o Sr. Orestes teve força para induzir, ainda que indiretamente, a atuação do Ministério Público em Santo Ângelo. A resposta é positiva, conforme restará comprovado nos articulados que seguem. (g. n.)

Segundo a recorrente, uma vez questionado sobre a sua suposta parcialidade, o i. Promotor de Justiça excepto teria buscado atingir os interesses do PDT, de modo a afastar as dúvidas quanto ao seu comprometimento com os valores republicanos. Com tal propósito, teria conduzido investigação de modo temerário e abusivo, praticando atos eivados de nulidade.

Em sede recursal, a excipiente sustenta (o que não fizera anteriormente) que tais fatos configuram a hipótese de suspeição do art. 145, IV, do CPC.

Ocorre que o interesse do recorrido em demonstrar que sua atuação é imparcial (admitindo apenas a título de argumentação a narrativa da recorrente quanto aos motivos que teriam levado o agente ministerial a investigar ilícitos eleitorais imputados ao grupo político do qual ela faz parte) não se caracteriza como o interesse que está previsto no art. 145, IV, do CPC, como causa de suspeição.

De fato, o interesse que torna o magistrado ou o membro do MP suspeito para atuar no processo é um interesse de natureza não institucional. A existência de interesses financeiros ou econômicos na solução da demanda em determinado sentido é o exemplo mais claro de situação em que se impõe o afastamento da autoridade. Em tal caso, haverá um questionamento sobre a conduta pessoal da autoridade, o que a recorrida expressamente afirma não estar em causa.

Ou seja, o interesse do membro do Ministério Público Eleitoral em fiscalizar a conduta de todos os grupos políticos é um interesse legítimo, desde que, evidentemente, seja concretizado com respeito à veracidade dos fatos e nos limites estabelecidos pela normatização vigente. Eventuais abusos ou equívocos, nada obstante, serão corrigidos mediante sanções processuais – como a anulação de atos – ou medidas de responsabilização disciplinar, se for o caso.

Assim, não se vislumbra, na situação posta nos autos, interesse pessoal do recorrido quanto ao resultado do processo, senão uma atuação incisiva em relação a atos eleitorais ilícitos, os quais deverão ser apurados, na mesma medida em que as alegações de nulidade ou de ilegalidade na conduta do representante ministerial serão apreciadas.

Sob outro prisma, há uma série de incongruências e inconsistências na narrativa apresentada na inicial, notadamente quanto à suposta existência de preferência ou de uma proteção das autoridades judiciárias locais (inclusive o recorrido) em relação ao grupo político do qual faz parte a recorrente, o que se teria transformado em uma perseguição, após a publicação de notícias ou opiniões jornalísticas dando conta da preocupação de autoridades em níveis hierárquicos superiores a respeito do assunto.

Ou bem o membro do MPE possui uma afinidade pessoal ou uma preferência política com o grupo do PDT e, por tal razão, teria atuado em seu favor, o que evidentemente justificaria o reconhecimento da sua suspeição, ou possui tal afinidade ou preferência com o outro grupo político, o que também justificaria igual apontamento. Mas a afirmação de que a preferência tem por objeto o grupo adversário às suas investidas, conforme o caso, assume caráter contraditório e oportunista.

Em conclusão, diante da ausência de um relato consistente de fatos que realmente demonstrem a perda da imparcialidade do recorrido, não há como justificar o processamento da presente exceção de suspeição.

Portanto, afigura-se correta a sentença que julgou improcedente a demanda.

 

 

Assim, inexistente qualquer hipótese de quebra da imparcialidade do recorrido, deve ser mantida integralmente a decisão combatida.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.